PCE - 0602090-69.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/10/2023 às 14:00

VOTO

Conforme se depreende, à vista dos documentos juntados aos autos pelo candidato (ID 45498960 a 45499111), a unidade técnica do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul entendeu estarem sanadas as impropriedades e parcialmente supridas as irregularidades inicialmente apontadas no parecer de ID 45494609, remanescendo, contudo, no Item 4.1.2 Ausência de comprovação de despesas com Fundos Públicos, falhas no tocante à comprovação de gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), no valor total de R$ 6.940,00, referentes ao pagamento de despesas com "publicidade por materiais impressos".

Com efeito, segundo o parecer conclusivo de ID 45515157, os documentos fiscais utilizados pelo candidato para a comprovação dos gastos (1) de R$ 5.950,00, realizados com a empresa Noschang Artes Gráficas Ltda. (CNPJ 07.027.856/0001-08), e (2) de R$ 990,00, realizados com a empresa Speed Promocional Ind. e Brindes Ltda. (CNPJ 15.115.234/0001-51), não observaram o disposto no art. 60, § 8º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que assim estabelece:

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome das candidatas ou dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação da (o) emitente e da destinatária ou do destinatário ou das(os) contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

[...]

§ 8º A comprovação dos gastos eleitorais com material de campanha impresso deve indicar no corpo do documento fiscal as dimensões do material produzido.

 

No intuito de comprovar tais gastos, RAFAEL LEANDRO FLECK juntou, inicialmente, os documentos fiscais de ID 45499103 e 45499098, nos quais, de fato, não consta a dimensão do material produzido.

Posteriormente, após apontamento realizado pela SAI e após o parecer da Procuradoria, o candidato juntou à prestação de contas os documentos de ID 45517700 e 45517699, emitidos pela empresa Noschang Artes Gráficas Ltda., consistentes em declaração de descrição de objetos contratados e em "carta de correção" de nota fiscal, nos quais descreve o material contratado, qual seja, "100.000 santinhos 10 x 15 cm" e "10.000 cartão praguinha 9 cm".

Registro que, em consulta ao sistema Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RS/210001621301/nfes), é possível constatar que a carta de correção de nota fiscal foi devidamente registrada na SEFAZ, de forma que o documento fiscal eletrônico referente à chave de acesso 43220907027856000108550010000230601000080460 possui a correta identificação dos objetos contratados e pagos pelo candidato (consulta disponível em: https://www.nfe.fazenda.gov.br/portal/consultaRecaptcha.aspx?tipoConsulta=resumo&tipoConteudo=7PhJ+gAVw2g=), restando suprida a irregularidade no tocante à comprovação do gasto de R$ 5.950,00.

Todavia, em relação à irregularidade na comprovação do gasto de R$ 990,00, realizado com a empresa Speed Promocional Ind. e Brindes Ltda., o candidato juntou o "termo de declaração para correção de nota fiscal" (ID 45517701), emitido pela empresa, no qual descreve o material contratado, qual seja, "adesivo perfurite no tamanho 80cm x 40 cm, na quantidade de 100 unidades".

Em consulta à nota fiscal eletrônica da respectiva contratação (chave de acesso 43220887958674000181558900424281441322930400), constata-se que até o presente momento não houve a correção do documento fiscal na Secretaria da Fazenda.

Assim, diante da ausência de descrição das dimensões do material contratado pelo candidato na nota fiscal emitida pela empresa Speed Promocional Ind. e Brindes Ltda. (documento fiscal de ID 45499098), resta caracterizada a violação ao disposto no art. 60, § 8°, da Resolução TSE n. 23.607/19, em relação ao pagamento da despesa de R$ 990,00 com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

Saliento que a declaração da empresa (ID 45517701), consubstanciada no "termo de declaração para correção de nota fiscal" não supre a impropriedade uma vez que não se caracteriza como documento fiscal, fora emitida unilateralmente pela empresa contratada, e não tem o devido registro na SEFAZ.

Ora, documento fiscal é todo documento previsto na legislação do ente detentor da competência tributária para regular o tributo que incidir sobre atividade a econômica praticada (negócio jurídico), autorizado e controlado pelo Fisco, destinado ao registro do fato gerador ou à declaração de operações e informações de natureza tributária.

Os documentos fiscais vinculam-se diretamente às atividades de arrecadação e fiscalização, e às vezes impactam na própria gestão dos recursos fiscais quando, por exemplo, permitem transferir créditos tributários entre contribuintes, sendo os mais conhecidos a Nota Fiscal e o Cupom Fiscal. Para que tenham valor legal, devem atender aos requisitos previstos na legislação fiscal do ente competente para instituir os tributos incidentes sobre as operações neles registradas e ser autorizados pelo respectivo Fisco (Tribunal de Contas da União, "ANÁLISE DE DOCUMENTOS FISCAIS RELACIONADOS A FRAUDES NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA", Brasília, 2009). 

Em semelhante sentido:

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO NÃO ELEITO. DEPUTADO FEDERAL. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DOAÇÕES FINANCEIRAS SUCESSIVAS ACIMA DO LIMITE LEGAL. DOAÇÃO ESTIMÁVEL EM DINHEIRO SEM COMPROVAÇÃO DA ORIGEM. VEÍCULO. NÃO COMPROVADAS DESPESAS PAGAS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). NOTA FISCAL EMITIDA SEM DESCRIÇÃO DA DIMENSÃO DO MATERIAL IMPRESSO. GASTOS COM COMBUSTÍVEIS. IRREGULARIDADES PARCIALMENTE SUPERADAS. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. [...] 3. Não comprovadas despesas pagas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). 3.1. Nota fiscal emitida sem descrição da dimensão do material impresso fornecido. Os gastos eleitorais com material impresso devem indicar no corpo do documento fiscal as dimensões do material produzido (art. 60, caput, em c/c os §§ 3º e 8º, da Resolução TSE n. 23.607/19). No caso, a juntada de declaração unilateral não substitui o conteúdo que deveria constar no corpo do documento fiscal, tampouco afasta a inconsistência verificada na nota fiscal. Caracterizada a irregularidade. Determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional [...]

(PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS n. 060272380, Acórdão, Relator Des. Voltaire De Lima Moraes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 118, Data: 03.07.2023.)

 

Na mesma linha, esta Corte já decidiu sobre a questão especificamente no caso de "Adesivo Perfurite" (que, via de regra, são colados no vidro traseiro dos carros),  no PCE n. 0602103-68.2022.6.21.0000, julgado em 22 de setembro de 2023, de relatoria do Des. Eleitoral Afif Jorge Simoes Neto, o qual contempla a situação aqui aventada e traz relevante digressão sobre a matéria:

 

Destaco que este Tribunal já entendeu possível superar a ausência de dimensões do material impresso, quando o termo usado para descrever o produto remete "a material cujas dimensões mantêm uma certa uniformidade e são de conhecimento público", a exemplo de "colinhas" ( Prestação de Contas Eleitorais n. 060266310, Relator Des. Amadeo Henrique Ramella Buttelli), ou quando se trata de "adesivo redondo de peito", pois a expressão "traz, logicamente, a indicação da medida reduzida da propaganda, em referência suficiente àqueles adesivos circulares comumente usados sobre a roupa, na altura do peito, de forma que poderia se concluir pela pouca relevância da anotação de sua dimensão" (Prestação de Contas Eleitorais n. 0602502-97, Relator Des. José Vinicius Andrade Jappur).

Contudo, no presente feito, ainda que uma das aquisições seja "adesivos de peito", não é possível individualizar o valor, visto que registrado conjuntamente com "perfurites".

Portanto, admitindo a emissão do documento fiscal sem fazer constar as dimensões dos produtos, que não podem ser presumidas, porquanto foram confeccionados folders, adesivos de peito e perfurites, estes em mesma nota e sem individualização, os quais são encontrados nos mais diferentes tamanhos e formas ( inexistindo um padrão), o gasto deixou de ser regularmente comprovado, devendo a importância de R$ 10.800,00 ser recolhida ao Tesouro Nacional, na forma do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ainda, os argumentos trazidos pelo prestador de contas, em sede de memoriais, igualmente não o socorrem, considerada a natureza pública dos valores que foram empregados na despesa. Nessa linha, a assunção de culpa de parte da empresa contratada, a par de consubstanciar manifestação de caráter unilateral, há de ser verificada em eventual ação de regresso, pois nesta demanda é defeso, à Justiça Eleitoral, responsabilizar terceiros. Os gastos - e a transparência das informações a eles relativas - são obrigações dos prestadores de contas, conforme a legislação de regência, sendo inviável transferir as responsabilidades a eleitor ou a empresas.

A situação é, de fato, pouco usual, e não parece vir dotada de má-fé. Julgo, contudo, que à esta Corte cabe sobretudo o tratamento paritário a todos os candidatos de uma mesma eleição, de modo que admitir a declaração apresentada às vésperas do presente julgamento poderia compor precedente pouco recomendável sob o prisma do art. 926 do Código de Processo Civil, que prevê o dever dos tribunais na manutenção de uma jurisprudência íntegra, estável e coerente. (grifei)

 

Desse modo, devido à insuficiência na comprovação dos gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), considera-se irregular o montante de R$ 990,00, passível de devolução ao Tesouro Nacional, de acordo com o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Considerando os postulados da razoabilidade e proporcionalidade, o valor reconhecidamente irregular (R$ 990,00) representa apenas 0,44% da receita total declarada pelo candidato (R$ 222.645,00), ou seja, parcela ínfima dos recursos movimentados em campanha, não sendo necessário no corrente caso um julgamento desaprovador em controle judicial de contas, estando suficiente a aprovação com ressalvas.

Em face do exposto, VOTO pela aprovação das contas com ressalvas, com base no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, determinando o recolhimento da quantia de R$ 990,00 ao Tesouro Nacional.

A partir da data da aplicação irregular das verbas do FEFC (26.9.2022 - data do pagamento realizado à empresa Speed Promocional Ind. e Brindes Ltda.), incidirão atualização monetária e juros de mora, calculados com base na taxa aplicável aos créditos da Fazenda Pública, sobre o montante financeiro a ser recolhido ao erário (inteligência do art. 39, inc. I, da Resolução TSE n. 23.709/22).

Com o trânsito em julgado, intime-se a Advocacia-Geral da União para, querendo, ingressar com o respectivo cumprimento de sentença, no prazo de 30 (trinta) dias (art. 33, inc. II, da Resolução TSE n. 23.709/22).