PCE - 0603628-85.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/10/2023 às 14:00

VOTO

Cuida-se de prestação de contas apresentada por FLORINDO CARLOS MINUSSI, candidato ao cargo de deputado federal pelo PTB, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022.

Após exame inicial da contabilidade, a Secretaria de Auditoria Interna (SAI), por meio do confronto entre as informações registradas na prestação de contas e as constantes do banco de dados do TSE, concluiu remanescerem irregularidades, atinentes ao uso indevido de valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) no adimplemento de débitos, sem a sua adequada comprovação.

Intimado, o prestador não apresentou manifestação quanto às diligências da unidade técnica.

Passo a discriminar as falhas no uso do FEFC.

Primeiramente, consta o apontamento referente à realização de despesas quitadas com valores públicos sem a apresentação de nota fiscal.

Com efeito, não vieram aos autos os documentos fiscais relativos aos gastos com o Google e o Facebook; todavia, em acesso ao sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais da Justiça Eleitoral (DivulgaCand), é possível aferir as respectivas notas (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RS/210001649237/nfes Acesso em 06.7.2023).

Na data de 02.10.2022, consta a despesa de R$ 263,50 junto ao Google, ou seja, ainda que o valor declarado indique o gasto de R$ 300,00 com impulsionamento, há um documento fiscal informando a destinação da verba pública, cabendo ao prestador, em realidade, devolver aos cofres público apenas a diferença não utilizada, R$ 36,50.

Quanto ao dispêndio com o Facebook, no valor declarado de R$ 11.300,00, o DivulgaCand registra a emissão de duas notas, R$ 10.951,95 e R$ 48,05, totalizando R$ 11.000,00.

Aqui, vale o mesmo raciocínio alcançado relativo à despesa com o Google, no sentido de que recai sobre o candidato somente a obrigação de recolher o montante não utilizado pela empresa contratada para o seu impulsionamento de campanha, ou seja, R$ 300,00.

O art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19, em seu § 2º, inc. I, determina que as verbas do FEFC direcionadas ao impulsionamento de conteúdos, quando não utilizadas, devem ser transferidas ao Tesouro Nacional;

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução:

[…]

XII - custos com a criação e a inclusão de páginas na internet e com o impulsionamento de conteúdos contratados diretamente de provedor da aplicação de internet com sede e foro no país;

[...]

§ 2º Os gastos de impulsionamento a que se refere o inciso XII deste artigo são aqueles efetivamente prestados, devendo eventuais créditos contratados e não utilizados até o final da campanha serem transferidos como sobras de campanha:

I - ao Tesouro Nacional, na hipótese de pagamento com recursos do FEFC; (Grifei.)

Desse modo, no que compete à aferição dos gastos contratados com Google e Facebook para impulsionamento de campanha, o montante de R$ 336,50 deve ser recolhido ao erário.

Há, também, o vício relativo à carência de documentação detalhada a justificar uma série de gastos, em afronta ao art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

 

Consta do feito despesa no valor de R$ 4.000,00, relativa à locação de espaço para comitê, tendo por único registro o recibo de pagamento de prestação de serviços n. 02, ID 45224649.

O documento foi emitido sem descrição do local, endereço, dados do locador, ou seja, a transação, quitada com verbas públicas, ocorreu ao arrepio da norma eleitoral, motivo pelo qual a quantia irregular deve ser repassada ao Tesouro Nacional.

Os honorários advocatícios, na importância de R$ 1.600,00, do mesmo modo, foram objeto de glosa da unidade técnica. Todavia, na linha do parecer ministerial, além do recibo de pagamento (ID 45224660), foi colacionada ao feito procuração a identificar o causídico contratado, demonstrando a adequação da despesa. Segue trecho da manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral quanto ao ponto:

O candidato juntou recibo (ID 45224660), no valor de R$ 1.600,00, e o parecer técnico aponta a ausência de CPF ou CNPJ do prestador dos serviços, assim como do endereço do escritório. Ocorre que o profissional está identificado pelo número de registro n OAB, é o procurador constituído nos autos, onde é possível identificar o seu endereço (ID 45346264), e o pagamento pelos serviços foi feito à sua pessoa, cujo CPF consta na indicação da contraparte do PIX no extrato eletrônico. Assim, deve ser afastada a irregularidade. (grifei)

Existem, ainda, 3 expensas relacionadas a alimentação, as quais perfazem R$ 185,74, e que foram adimplidas com verbas do FEFC.

Sobre o tema, o art. 35, § 6º, al. "c", da Resolução TSE n. 23.607/19 assenta que os gastos com alimentação, quando de natureza pessoal do candidato, não se sujeitam à contabilidade eleitoral e não podem ser quitados com recursos de campanha.

Compulsando os autos, é possível verificar a nota fiscal de R$ 82,85, proveniente do Restaurante e Pizzaria Scarchi Ltda., emitida contra o CNPJ do candidato (ID 45224646). O mesmo vale para o documento de ID 45224650, no qual aparece a despesa de R$ 56,84 na Per Tutti Menino Deus. E, por fim, as refeições realizadas na Cantina Damian Ltda., nos valores de R$ 18,26 e R$ 27,79, sem a identificação do consumidor (ID 45224672).

Nas duas primeiras notas, há a aposição do CNPJ de campanha, o que sinaliza que o gasto foi realizado pelo próprio candidato, recaindo na norma vertida no parágrafo 6º do art. 35, que proíbe o uso da verba eleitoral para esse fim. Por sua vez, o último documento fiscal sequer indica o seu beneficiário, de sorte que, tal qual os demais gastos com alimentação, seu valor deve ser destinado aos cofres públicos.

Encerram o feito 14 contratações realizadas ao arrepio do comando disposto no § 12 do multicitado art. 35:

§ 12. As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral dos prestadores de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado.

São elas:

- Thiago Conteratio Patias - cabo eleitoral, 4 pagamentos de R$ 250,00, conforme ID 45224631, 45224638, 45224656, 45224664;

- Paulinho Zdanski dos Santos Júnior - coordenador municipal de campanha, dois pagamentos - R$ 3.000,00, ID 45224632, e R$ 2.500,00, ID 45224671;

- Matheus Serafini - cabo eleitoral, R$ 350,00, ID 45224636;

- José Alberto Sauressig Borges - cabo eleitoral, dois pagamentos - R$ 500,00, ID 45224637, e R$ 1.000,00, ID 45224677;

- Rita de Cássia Ferrao Gomes - coordenadora geral de campanha, dois pagamentos - R$ 10.000, ID 45224642, e R$ 1.020,00, ID 45224666;

- Andre Minussi - coordenador geral financeiro, dois pagamentos - R$ 4.000,00, ID 45224657, e R$ 8.000,00, ID 45224663; e

- José Douglas Rodrigues Moreira - cabo eleitoral, R$ 700,00, ID 45224678.

Os documentos colacionados ao feito, em sua totalidade, foram redigidos sem pormenorizar elementos essenciais à verificação das atividades contratadas, prejudicando a fiscalização desta Justiça Eleitoral quanto à escorreita destinação dos valores públicos.

O somatório dos recursos envolvidos na quitação de contratações desprovidas do detalhamento exigido pela regra eleitoral corresponde a R$ 32.070,00, e, nesta esteira, deve ser transferido ao erário.

Saliento, quanto ao ponto, que uma das contratações efetuadas pelo candidato recaiu sobre seu filho ANDRÉ MINUSSI, na casa de R$ 12.000,00, para a função de coordenador geral financeiro.

O adimplemento aqui ventilado se deu com verba pública, a qual demanda um formalismo mais acentuado quando do seu emprego e uma atenção redobrada aos princípios inerentes à sua administração.

Com efeito, a utilização do FEFC para quitação de serviço de campanha realizado pelo filho do candidato configura afronta aos princípios que norteiam o uso do dinheiro público, com relevo aos da moralidade e impessoalidade, máxime por ter o prestador destinado a parente consanguíneo o repasse público, sem atentar ao formalismo mínimo dispensado às contratações de serviços.

O entendimento desta Corte, quanto ao uso indevido de recursos públicos em contratos tendo como parte familiares, é pela vedação. Nesse sentido, segue ementa de aresto da relatoria do Des. Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. CARGO DE VEREADORA. DESAPROVAÇÃO. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. TRANSFERÊNCIA PARA CONTA PARTICULAR. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA IMPESSOALIDADE. MONTANTE DESPENDIDO INFERIOR AOS PARÂMETROS UTILIZADOS POR ESTA CORTE. APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MANTIDO O DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovada prestação de contas de candidata a vereadora. Determinado recolhimento ao Tesouro Nacional.

2. Apropriação de verbas públicas. Valores destinados ao financiamento eleitoral utilizados em proveito próprio ou alheio, na forma dos §§ 1º e 2º do art. 79 e art. 82 da Resolução TSE n. 23.607/19. A utilização de recursos do FEFC para quitação de serviço de militância realizado pela filha da candidata configura afronta aos princípios que norteiam o uso do dinheiro público, com relevo os da moralidade e da impessoalidade, máxime por ter a recorrente destinado a parente consanguíneo o repasse público. Irregularidade da despesa. Dever de ressarcimento aos cofres públicos.

3. A escolha do prestador de serviços ou do valor a ser pago, dentro do juízo de definição do que seja costumeiro, vantajoso e útil para a campanha, cabe, em regra, exclusivamente ao candidato. Contudo, ao fazê-lo no gerenciamento de recursos públicos, o agente se vincula aos princípios-deveres que regem a administração pública, como previsto no caput do art. 37 da Constituição da República.

4. A mácula, ainda que mantida, não supera o parâmetro de R$ 1.064,10 definido por esta Corte, de sorte que a quantia, tida por ínfima, viabilizada a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de atenuar sua gravidade sobre o conjunto das contas, de modo a possibilitar a aprovação das contas com ressalvas, de acordo com a jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral e desta Corte.

5. Provimento parcial. Mantido o dever de recolhimento ao Tesouro Nacional.

 

Na mesma direção segue a jurisprudência sufragada pelo egrégio TSE, a qual ilustro com trecho de acórdão de lavra do Min. Ricardo Lewandowski;

(…) é firme o entendimento desta Corte no sentido de que tanto os partidos políticos quantos os candidatos às eleições, quando do gerenciamento de recursos públicos, devem observar os princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade, economicidade e transparência, de modo a restar vedada a contratação de parentes de candidatos ou de dirigentes de grêmio político ou de empresas pertencentes a parentes.

(TSE - Agravo em REspEl: 06001045820196220000 PORTO VELHO - RO 060010458, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Data de Julgamento: 04.07.2022, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 146.)

Em idêntica linha segue excerto de ementa de aresto de relatoria da Min. Rosa Weber:

5. À luz do princípio da moralidade, não há como admitir que sejam contratadas para prestar serviços ao partido empresas pertencentes a dirigentes dele. Da mesma forma, tal contratação não permite o atendimento do princípio da economicidade, pois nunca se poderá saber se os serviços foram prestados com qualidade e modicidade de custo ou se eventual falta de qualidade ou preço acima do justo foram relevados pelo fato da empresa pertencer a dirigente partidário.

(TSE - PC n. 0000228-15.2013.6.00.0000, Relatora Min. Rosa Weber, julgado em 26.4.2018, publicado no DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 110, Data: 06.6.2018, pp. 57-58.)

E, de forma a concluir o raciocínio quanto à inadequação do uso de recursos públicos no adimplemento de obrigações contratadas com familiares, vale citar o entendimento esposado pelo Min. Tarcísio Vieira Carvalho Neto:

(...) é de se ter enraizada nas estruturas partidárias a consciência da transparência, da moralidade, da economicidade, da razoabilidade, da boa-fé, da cooperação e de outros importantes princípios norteadores das despesas com recursos públicos, exatamente para que os gastos com o Fundo Partidário não percam a natureza de sustentação do modelo republicano brasileiro" (PC nº 229-97, Rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 19.4.2018)

 

Por derradeiro, constam 16 operações relacionadas à aquisição de combustível sem que tenha aportado ao feito cessão ou locação veicular.

Os abastecimentos, em sua maioria registrados com o CNPJ de campanha do candidato, resultam na cifra de R$ 2753,21.

Do cotejo entre o declarado e o acervo coligido ao feito, de fato, não consta documento indicando a cessão ou locação de veículo para a campanha do prestador, conquanto tenha sido relatado o abastecimento de veículo em diversas ocasiões.

O inc. II, § 11, do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19 determina que o gasto com combustível constitui despesa eleitoral, desde que os veículos utilizados em campanha - cedidos ou locados - sejam declarados e os dispêndios relatados.

Nessa linha, o prestador não se desincumbiu do ônus de comprovar as expensas quitadas com recursos do FEFC, cabendo o retorno da verba utilizada ao Tesouro Nacional.

Entretanto, encaminho somatório distinto do apresentado pela Procuradoria Regional Eleitoral, porquanto, equivocadamente, acrescida à planilha constante no parecer conclusivo a despesa de R$ 150,00, junto à empresa Rede Gaúcha de Certificação Digital Eirelli, identificada na planilha com a alínea H (Não consta cessão de carro registrada na Prestação de Contas, conforme exige o §11 do art. 35 da Resolução TSE 23607/2019), totalizando os gastos com combustível em R$ 2.753,21.

Dessarte, o total irregular despendido pelo prestador perfaz R$ 39.345,43 (R$ 336,50 - impulsionamento; R$ 4.000,00 - locação; R$ 185,74 - alimentação; R$ 32.070,00 - contratações; e R$ 2.723,21- combustível), montante que alcança 61,81% do total auferido em campanha - R$ 63.600,00 - e impõe a desaprovação das contas com recolhimento ao erário.

 

Diante do exposto, VOTO pela desaprovação das contas de FLORINDO CARLOS MINUSSI, com base no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, e determino o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 39.345,43, a título de recursos malversados do FEFC, nos termos da fundamentação.