PCE - 0602496-90.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 05/10/2023 às 14:00

VOTO

Trata-se de prestação de contas apresentada por LUCIANO FERNANDES CAZORLA, candidato ao cargo de deputado federal pelo partido REPUBLICANOS, não eleito, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas Eleições Gerais de 2022.

Após exame da contabilidade, a Secretaria de Auditoria Interna identificou irregularidade quanto ao uso de valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), nos seguintes termos (ID 45459817):

Foram identificados pagamentos no valor total de R$ 20.000,00 para Adyen Do Brasil Instituicão De Pagamento Ltda e Dlocal Brasil Instituição de Pagamento S.A, referentes ao processamento de pagamentos para a empresa FACEBOOK SERVICOS ONLINE DO BRASIL LTDA por preStação de serviços de impulsionamento de conteúdo na internet.

Finalizada a prestação de serviços, o Facebook emitiu notas fiscais n. 50603466 e 50762070 no valor total de R$ 2.535,02. Não foi identificada a devolução da diferença (saldo) no valor de R$ 17.464,98 que deveria ter sido recolhido ao Tesouro Nacional como sobra financeira de campanha de recursos do FEFC, conforme disposto no art. 35, § 2º: (…).

 

Portanto, o candidato encerrou sua campanha com créditos não utilizados junto ao Facebook, no valor de R$ 17.464,98, oriundos de recursos do FEFC, os quais deveriam ter sido devolvidos ao candidato pela empresa fornecedora, pois não houve contraprestação de serviços, devendo então, ser restituídos ao Tesouro Nacional, consoante prevê o art. 35, § 2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução:

[...].

§ 2º Os gastos de impulsionamento a que se refere o inciso XII deste artigo são aqueles efetivamente prestados, devendo eventuais créditos contratados e não utilizados até o final da campanha serem transferidos como sobras de campanha:

I - ao Tesouro Nacional, na hipótese de pagamento com recursos do FEFC;

 

O prestador, visando sanar as irregularidades, referiu que efetuou várias tentativas de reaver da empresa Meta a mencionada diferença (ID 45471428), não obtendo êxito, e que estava, portanto, sendo prejudicado por terceiros. Anexou, ainda, imagens de suas conversas (ID 45471429), por meio das quais demonstra as tentativas do reembolso pelo pagamento do serviço contratado que não foi utilizado.

No julgamento da PCE n. 0603167-16.2022.6.21.0000, sob a relatoria da eminente Desa. Eleitoral Elaine Maria Canto da Fonseca, em 19.6.2023, pontuei minhas preocupações a respeito de eventuais entraves criados pela empresa Meta na restituição de valores públicos creditados, mas não utilizados, especialmente quando as quantias permanecem represadas com o fornecedor após o transcurso do período eleitoral.

Naquela oportunidade, em que restei vencido, lancei voto-vista nos seguintes termos:

(...) pedi vista dos autos para colher observações da unidade técnica deste Tribunal e aprofundar a reflexão sobre o caso concreto, uma vez que reputo inadequado o tratamento imposto unilateralmente pelo Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. para o estorno de quantias de natureza pública.

Trago à consideração também o fato de que a empresa em questão figura na primeira posição do ranking de fornecedores nas eleições de 2022, tanto no critério de número de candidatos contratantes (19.014) quanto em volume de recursos recebidos (R$ 126.591.103,83), consoante dados disponíveis do Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/consulta/doadores-fornecedores/2040602022/individual/13347016000117).

Grande parcela desse lucro alcançado provém de verbas públicas, tal como na espécie, o que recomenda maior atenção pelos órgãos de fiscalização no tocante à movimentação financeira.

No aspecto, deve a Justiça Eleitoral atuar não apenas para a recomposição dos valores aos cofres públicos, mas também com o objetivo de repelir possíveis locupletamentos ilícitos ou sem causa por meio de malversação de dotações públicas por aqueles que participam, de qualquer forma, das campanhas eleitorais.

Ressalto, ainda, que, uma vez julgadas as presentes contas, com a determinação de recolhimento de valores pelo candidato, a Justiça Eleitoral não disporá de meios para acompanhar a devolução da verba pela empresa, ou mesmo para impor a sua devida destinação, caso o fornecedor mantenha os valores em seu poder.

Ademais, ainda que a empresa efetivamente realize a transferência à agremiação, o diretório partidário tenderá a recolher também ao Tesouro Nacional, configurando a dupla restituição: pelo candidato condenado e pelo partido político.

Isso porque tal triangulação entre fornecedor, partido e candidato será de difícil constatação pelo diretório partidário, que não participou do gasto nem do processo de contas originário. Assim, sob o risco de ser penalizada por doação de pessoa jurídica, é presumível que a grei política igualmente proceda ao recolhimento em favor do Tesouro Nacional, a fim de mitigar possíveis sanções.

Pode-se cogitar, ainda, que, ignorando o incidente nas contas do candidato, o órgão partidário estorne o valor ao próprio Facebook, por reputar proveniente de fonte vedada na forma prescrita pelo art. 11, § 5º, da Resolução TSE n. 23.604/19, levando, novamente, ao enriquecimento sem causa da empresa.

Em qualquer hipótese, a intermediação pelo órgão partidário não encontra amparo legal, posto que o partido político somente faz jus aos créditos remanescentes se originários de recursos do Fundo Partidário ou de verbas privadas, a teor do art. 35, § 2º, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Além disso, o procedimento pretendido pelo Facebook retira qualquer possibilidade de ação do efetivo responsável pelas contas e transfere tal encargo à agremiação, pondo fim à fiscalização sobre a operação nas pertinentes contas de campanha.

A partir de tais ponderações, entendo que a proposição de restituição dos recursos não utilizados à conta do partido político não cumpre os postulados da legalidade, da probidade e da transparência, posto que se afasta das previsões normativas, cria uma situação pendente nas contas e ao alvedrio do fornecedor de serviços, bem como prejudica o rastreamento, pela Justiça Eleitoral, do fluxo financeiro dos recursos públicos.

Não sendo cabível que o Facebook Ltda. persista na guarda desses valores pertencentes ao Tesouro Nacional, é possível depreender que a única razão jurídica para condicionar a transferência da verba à agremiação seja o desconhecimento de que os recursos são provenientes do FEFC, razão pela qual a empresa os trata como sobras de campanha em geral.

Desse modo, julgo necessário e suficiente para o saneamento da falha e para o escorreito tratamento dos recursos públicos que o fornecedor seja intimado sobre a natureza da quantia e para que providencie o seu depósito ao Tesouro Nacional, na forma do art. 35, § 2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

[...].

 

Entretanto, ressalvado meu posicionamento pessoal, alinho-me ao entendimento majoritário deste Colegiado no sentido de que, em sede de prestação de contas, a responsabilidade pela gestão dos valores destinados à campanha eleitoral cabe direta e exclusivamente ao candidato, a qual não é mitigada pela omissão de fornecedor no ressarcimento dos valores, consoante a ementa havida daquele aludido julgado:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. SUPLENTE. DEPUTADO FEDERAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. NÃO UTILIZAÇÃO DE CRÉDITO OBTIDO COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. FACEBOOK. BAIXO PERCENTUAL. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidato que alcançou a suplência ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas Eleições Gerais de 2022.

2. Persistência de irregularidade quanto à utilização de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. Sobra de valores públicos, relativos a montante despendido em impulsionamento no Facebook, os quais devem retornar ao erário, na forma do art. 35, § 2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Responsabilidade do candidato pela gestão dos recursos destinados à própria campanha eleitoral, não cabendo à Justiça Eleitoral oficiar à empresa que detém o crédito impugnado para que restitua os valores, como pretendido pelo prestador.

3. Falha que representa 2,37% da arrecadação, permitindo a aprovação das contas com ressalvas, mediante a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade.

4. Aprovação das contas com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - PCE: 0603167-16.2022.6.21.0000, PORTO ALEGRE - RS, Relator: Desa. ELAINE MARIA CANTO DA FONSECA, Data de Julgamento: 19.06.2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Edição 111/2023, Data 22.06.2023.) (Grifei.)

 

Nessa esteira, possíveis conflitos ou danos havidos na relação contratual devem ser resolvidos posteriormente, na instância comum, uma vez que a conduta dos fornecedores não exime o candidato de sua responsabilidade pela regularidade das contas prestadas à Justiça Eleitoral, especialmente em relação ao destino de recursos públicos.

O candidato, assim, não se desincumbiu do ônus quanto à devolução das verbas públicas não utilizadas ao Tesouro Nacional.

Dessa forma, restou evidenciada a irregularidade quanto ao uso de valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), na quantia de R$ 17.464,98, que representa 69,8% do total arrecadado (R$ 25.000,00), montas que impõem a desaprovação das contas.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela desaprovação das contas de LUCIANO FERNANDES CAZORLA, candidato ao cargo de deputado federal pelo partido REPUBLICANOS, não eleito, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas Eleições Gerais de 2022, com esteio no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, e pela determinação do recolhimento de R$ 17.464,98 ao Tesouro Nacional, na forma do art. 79, § 1º, da mesma Resolução.