PCE - 0602883-08.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 05/10/2023 às 14:00

VOTO

Trata-se da prestação de contas de MARIAN ANHANHA SUPTITZ, candidata  ao cargo de deputada federal, relativa às eleições gerais de 2022.

Após exame inicial da contabilidade, houve a abertura de prazo para a prestadora manifestar-se, o qual não foi aproveitado. Na sequência de atos, realizados conforme a legislação de regência, a Secretaria de Auditoria Interna desta Corte concluiu haver irregularidades na comprovação dos gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC, consoante tabela que segue:

Passo à análise individualizada de cada fornecedor, no âmbito das despesas descritas no parecer conclusivo.

1. Despesas com pessoal

O presente item é aquele no qual repousa o maior volume financeiro de irregularidades (R$ 11.462,00) decorrentes, em suma, de omissão de informações que a legislação de regência indica como obrigatórias.

Nessa senda, a análise das contas aponta que os documentos de comprovação dos gastos com pessoal não apresentam a integralidade dos detalhes previstos no § 12 do art. 35 da Resolução TSE 23.607/19. Nomeadamente, ausentes (1) a indicação do local de trabalho; (2) a especificação das atividades executadas; e (3) a justificativa do preço pago.

Destaco que os contratos, idênticos em termos gerais, expressam de forma lacônica a descrição de atividades: “prestação de serviço na política”. A exceção é o contrato de Milton Suptitz, o qual aponta para a função de “Coordenador geral” e valor maior, R$ 6.800,00, que representa consideráveis 34% do total movimentado na campanha - situação que, por si só, já indicaria a necessidade de maior atenção. Um terço do valor total da campanha foi destinado a apenas um contratado.

E as circunstâncias se agravam no que tange à contratação de Milton, pois o parecer contábil conclusivo registra que, “observados os procedimentos técnicos de exame disponibilizados pelo TSE, foi identificada, mediante integração do módulo de análise do SPCE e da base de dados do CPF e CNPJ da RFB, a realização de despesas junto a fornecedor de campanha que possui relação de parentesco com a prestadora de contas em exame, o que pode indicar suspeita de desvio de finalidade”.

Este Tribunal tem, efetivamente, se deparado com o tema em outros feitos, e, embora haja aspectos ainda a serem solidificados, é pacífico que, havendo contratação de parentes de candidato para prestação de serviços de campanha, se aumenta a rigidez na comprovação do gasto, tanto mais ao se tratar de aplicação de verbas públicas, como no caso em tela.

De qualquer modo, todos os contratos deixam de indicar os requisitos referidos, e a pecha de "coordenador" não traz a clareza necessária ao maior contrato firmado.

Repito que, devidamente intimada a prestar esclarecimentos, a prestadora de contas permaneceu inerte.

Como demonstrado, as avenças desobedecem à legislação de regência, e a quantia de R$ 11.462,00, considerada irregular, deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Publicidade por materiais impressos

A análise técnica apontou que a documentação relativa aos custos com publicidade por materiais impressos é insuficiente para a comprovação dos gastos, e que seria necessária a apresentação de elementos probatórios adicionais para comprovar a entrega dos produtos contratados com os fornecedores DEEPER CONFECCOES LTDA., BRUNO RODRIGUES PEDROSO ME e ALEXANDRE BOFF SERVIÇOS GRAFICOS.

A d. Procuradoria Regional Eleitoral entendeu da mesma forma.

Contudo, e com a devida vênia aos respeitáveis entendimentos em sentido contrário, tenho por regulares tais gastos.

2.1. No relativo à empresa DEEPER CONFECCOES LTDA, o prestador juntou a Nota Fiscal Eletrônica n. 000.006.817, emitida pela nominada empresa, no valor de R$ 658,00, e acostou comprovantes PIX nos valores de R$ 170,00 e R$ 488,00, que totalizam o exato valor do documento fiscal (ID 45277238). Igualmente, as operações estão registradas no extrato bancário disponível no sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais – DivulgaCand, onde também é possível verificar a emitente como contraparte beneficiária do crédito.

Destaco que a nota fiscal descreve os produtos em conformidade à legislação de regência, isto é, traz especificadas as dimensões de cada item (MAT. PUBLI. PERFURITE 60X35; MAT. PUBLI. ADESIVO PARACHOQUE 31X10; MAT. PUBLI. COLINHA 5X9 90G MARI SUPTITZ), exceto do “MAT. PUBLI. LAPELA SIMPLES”, que, por sua natureza, dispensa tal minúcia.

2.2. Do mesmo modo, quanto ao fornecedor BRUNO RODRIGUES PEDROSO ME, verifico a apresentação das Notas Fiscais de n. 000.002.722 (“Impressos - 10x14cm - Couche 80GR”) e n. 000.002.738 (“Impressos - 10x14cm - Couche 80GR”), aquela no valor de R$ 500,00 e esta, de R$ 600,00. Os gastos somam R$ 1.100,00.

Observo que, no documento fiscal, consta o nome de “GRÁFICA QUALITY BRUNO RODRIGUES PEDROSO ME”, sob o CNPJ 23.163.461/0001-80, e o extrato bancário apresenta dois descontos de R$ 250,00 e um de R$ 600,00, total de R$ 1.100,00, destinados à contraparte “Qualitympress Serviços Gráficos”.

De fato, muito embora de início pareça não haver identidade entre fornecedor e beneficiário, entendo que a localização do CNPJ da empresa fornecedora no extrato bancário  (como consta) faz concluir que se trata da mesma pessoa jurídica.

2.3. No concernente a ALEXANDRE BOFF SERVIÇOS GRAFICOS, foram emitidas as Notas Fiscais de números 2559, 2560, 2561 e 2562, nos valores de R$ 160,00, R$ 420,00, R$ 420,00 e R$ 180,00, a somar R$ 1.180,00. Os documentos indicam precisamente os produtos comercializados com a campanha: “1000 folder 10X15”, “3 mil forders 10X15 couchê”, “3 mil forders 10X15 couchê” e “2 bandeiras 1,40X90”.

No tópico, há que se observar que o extrato bancário indica, na data de 9.9.2022, uma “transferência interbancária”, bem como uma “devolução da compensação” no valor de R$ 160,00, ao referido fornecedor.

Ora, tendo havido o estorno do pagamento, a operação deve ser também juridicamente desconsiderada, até mesmo porque o documento bancário registra quatro pagamentos em valores e datas perfeitamente alinhadas aos dados das notas fiscais.

Portanto, julgo que os documentos fiscais, na sua integralidade, atendem aos requisitos legais, não restando dúvida sobre sua idoneidade, ou motivo para suspeitar da não entrega do serviço ou produto, e afasto os apontamentos. Nessa linha de entendimento, o TSE, em feito relativo às eleições gerais de 2018, sob a égide da Resolução TSE n. 23.553/17 – que tratou a matéria em tela no seu art. 63 e § 1º, reproduzido, em sua essência, na Resolução TSE n. 23.607/19, art. 60, § 1º –, assim recentemente julgou:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL DE 2018. PARTIDO POLÍTICO. PARTIDO NOVO (NOVO). IRREGULARIDADES NAS DESPESAS QUE PERFAZEM 2,35% DO TOTAL DE RECURSOS MOVIMENTADOS. AUSÊNCIA DE GRAVIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Trata–se de prestação de contas do Diretório Nacional do Partido Novo (NOVO) relativa aos recursos financeiros movimentados na campanha eleitoral de 2018. 2. O art. 63, caput, da Res.–TSE 23.553/2017 – aplicável às contas de campanha de 2018 – estabelece que a prova dos gastos "deve ser realizada por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço". Já o § 1º prevê que, além da nota fiscal, a Justiça Eleitoral "pode admitir, para fins de comprovação de gasto, qualquer meio idôneo de prova, inclusive outros documentos", a exemplo do contrato, do comprovante de entrega do material ou do serviço prestado, do demonstrativo bancário de pagamento e da Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações da Previdência Social. 3. Na linha da jurisprudência desta Corte, a leitura conjugada do art. 63, caput e § 1º, da Res.–TSE 23.553/2017 permite concluir que, se o partido político apresenta nota fiscal formalmente regular, contendo todos os detalhes da contratação – com destaque para o serviço prestado ou o material fornecido –, não cabe em regra exigir provas adicionais, exceto no caso de dúvida sobre a idoneidade do documento ou a execução do objeto. 4. A análise das prestações de contas, desde o primeiro exame pelo órgão técnico, deve seguir os parâmetros do art. 63 da Res.–TSE 23.553/2017 e da jurisprudência, visto que: (a) entender de forma diversa constituiria afronta a diploma aprovado por esta própria Corte; (b) é necessário otimizar a apreciação do ajuste contábil, pois a exigência adicional de provas, quando despicienda em face da idoneidade do documento fiscal, gera círculo vicioso ao demandar mais tempo do órgão técnico e do Plenário, quase sempre perto do prazo prescricional; (c) impõe–se garantir segurança jurídica às agremiações quanto aos documentos que precisam ou não ser de fato apresentados. 5. Comprovou–se a regularidade da despesa com o fornecedor Diogo Godinho Ramos Costa, no valor de R$ 5.150,00, uma vez que a nota fiscal apresentada evidencia, com clareza, todos os aspectos imprescindíveis da contratação, na forma do art. 63, caput, da Res.–TSE 23.553/2017, bem como o caráter eleitoral do gasto, haja vista a informação de que o fornecedor foi contratado para "prestação de serviços de treinamento, avaliação e coordenação de pesquisas referentes ao mês de outubro de 2018". 6. Impropriedades nas receitas: (a) descumprimento do prazo para entrega do relatório financeiro (R$ 180,00; item 2.1); (b) divergência nos registros entre o valor recebido de doador originário e repassado a outros prestadores (R$ 9.624,17; item 2.2). 7. Irregularidades nas receitas: (a) recebimento indireto de recursos oriundos de fontes vedadas – doações recebidas de pessoas físicas permissionárias de serviço público (R$ 3.086,22; item 2.3); (b) recebimento indireto de recursos de origem não identificada (R$ 1.247,10; item 2.4); (c) incompatibilidade entre o valor recebido de doador originário e repassado a outros prestadores (R$ 992,90; item 2.5). 8. Impropriedade nas despesas: (a) ausência de informações de despesas na prestação de contas parcial (R$ 900,00; item 3.1). 9. Irregularidades nas despesas: (a) divergências entre o total de despesas declaradas nas prestações de contas parcial e final (R$ 12.593,67; item 3.2); (b) omissão de despesas referentes a notas fiscais eletrônicas emitidas em favor do partido – ausência de registro na prestação de contas (R$ 95.981,34; item 3.3); (c) pagamento a fornecedor distinto do emissor do documento fiscal (R$ 1.320,00; item 3.4); (d) notas fiscais eletrônicas canceladas após emissão ao partido (R$ 17.010,00; item 3.5); (e) insuficiência de documentação e esclarecimentos complementares (R$ 16.260,00; item 3.6). 10. No caso, de R$ 6.254.318,97 arrecadados, foram identificadas irregularidades em R$ 5.326,22, o que equivale a 0,09% das receitas obtidas. Esse valor deve ser recolhido ao erário, nos termos dos arts. 33 e 34 da Res.–TSE 23.553/2017. Em relação às despesas, de R$ 6.080.753,28 empregados na campanha, a grei deixou de comprovar de modo satisfatório a destinação de R$ 143.165,01, o que equivale a 2,35% do total de recursos. 11. O baixo percentual de falhas, o seu valor módico e a ausência de gravidade permitem a aprovação do ajuste com ressalvas com base nos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade.12. Contas relativas à campanha eleitoral de 2018 aprovadas com ressalvas (art. 77, II, da Res.–TSE 23.553/2017), determinando–se o recolhimento ao erário de R$ 5.326,22, devidamente atualizado. (Prestação de Contas nº 060121963, Acórdão, Relator(a) Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 87, Data: 11/05/2023.) (Grifei.)

 

A título de desfecho, repito que a ausência de comprovação da despesa com pessoal paga com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC leva inevitavelmente à desaprovação das contas, pois os gastos não foram comprovados, e a importância de R$ 11.462,00 deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, na forma do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Os gastos irregulares representam 57,31% do total de recursos declarados pela prestadora, o que impede a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na construção de um juízo de aprovação com ressalvas.

Diante do exposto, VOTO pela desaprovação das contas de MARIAN ANHANHA SUPTITZ, candidata ao cargo de deputada federal, e determino o recolhimento do valor de R$ 11.462,00 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.