REl - 0600586-79.2020.6.21.0038 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/10/2023 às 16:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é regular e tempestivo, de forma que, atendidos os requisitos de admissibilidade, merece ser conhecido.

 

Da preliminar de nulidade constante nas contrarrazões

SILVIA DA ROSA, EVERTON BATISTA DOS SANTOS, ALESSANDRA FRANCO GARCIA, NICOLAU ROGÉRIO SANTOS DA SILVA, LUIZ NAZARÉ SILVA DE ASSIS, GERSON DOS SANTOS SOARES, CÁSSIA FERNANDA PEREIRA, JOSÉ ADAIR DE CAMARGO e VALDERI CAMARGO DA SILVEIRA, em suas contrarrazões, afirmam que o procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público de piso não observou as diretrizes constantes nas normativas da própria instituição, razão pela qual toda e qualquer prova produzida durante a investigação é nula, uma vez que as rés ANA CRISTINA DE OLIVEIRA DIAS e ELIZANDRA DA COSTA PAZ foram ouvidas sem a presença de advogado (ID 45008209).

Na linha de precedente desta Corte, o "conhecimento das preliminares trazidas em contrarrazões deve ficar condicionado ao provimento do recurso principal, o que seria hábil a fazer surgir o interesse em recorrer, sob pena de admitir, mesmo em tese, a possibilidade de reforma da sentença em prejuízo da única parte que recorreu" (Recurso Eleitoral n. 060000135, Acórdão, Relatora Des. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 2, Data: 10.01.2023).

Além da barreira constante no precedente, na hipótese, a arguição de nulidade foi devidamente analisada e afastada pelo juízo a quo, não sendo também o caso de questão de ordem pública a ser examinada de ofício.

Assim, a preliminar não deve ser conhecida.

Ainda que assim não fosse, a sentença consignou que "eventual ilegalidade ou irregularidade ocorrida durante o inquérito extrajudicial não tem o condão de contaminar o processo judicial, sendo certo que somente a prova obtida em atenção ao contraditório, ampla defesa e devido processo judicial está apta a formar o convencimento do julgador" (ID 45008194).

Isso porque a decisão recorrida não se fundamentou exclusivamente em elemento de informação colhido no referido procedimento preparatório, sendo certo que a prova produzida restou submetida à ampla defesa e ao contraditório no curso do processo judicial.

Da mesma forma, o procedimento preparatório instaurado tinha natureza eminentemente administrativa e inquisitorial, cujo intuito era trazer subsídios para formar o próprio convencimento do Ministério Público Eleitoral sobre os fatos e permitir a obtenção de um substrato mínimo de prova a amparar ações eleitorais viáveis.

Assim, deixo de conhecer a preliminar de nulidade.

 

Do mérito

Inicialmente, cumpre traçar breves considerações sobre a tramitação processual desta Ação de Impugnação de Mandato Eletivo.

Inicio consignando que, logo após a propositura da ação, o processo foi extinto sem julgamento de mérito em face do reconhecimento da litispendência com a Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 0600585-94.2020.6.21.0038 (ID 12896333).

Interposto recurso eleitoral (ID 12896533), houve a reforma da sentença por este Tribunal Regional Eleitoral em 03.8.2021, sob o fundamento de que a "AIME e a AIJE possuem naturezas jurídicas diversas". Foi delimitado, na decisão relatada pelo eminente Des. Eleitoral Francisco José Moesch, que

a AIME subjacente proposta possui como fundamento a fraude à cota de gênero; a AIJE em referência, por sua vez, tem como fundamento o abuso de poder político. Embora ambas tenham a mesma causa de pedir remota (o mesmo fato constitutivo do direito), não têm a mesma causa de pedir próxima (o mesmo fundamento) e nem o mesmo pedido (a mesma consequência jurídica).

Com o julgamento, foi determinado o retorno dos autos ao Juízo da 038ª Zona Eleitoral para o regular prosseguimento do feito.

Instruídos os autos, foi autorizado o aproveitamento da prova emprestada das AIJEs n. 0600585-94.2020.6.21.0038 e n. 0600584-12.2020.6.21.0038 (ID 45008121) e proferida sentença julgando improcedente o pedido (ID 45008194).

Pois bem.

A questão de fundo da causa está relacionada à alegação da prática de fraude no registro das candidaturas de ANA CRISTINA DE OLIVEIRA DIAS e ELIZANDRA DA COSTA PAZ ao cargo de vereadora pelo PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA - PSDB nas eleições 2020 no Município de Rio Pardo.

Assim, primeiramente, cabe tecer algumas considerações sobre a política de incentivo à participação feminina na política.

As cotas de gênero são um mecanismo de política afirmativa que tem como finalidade promover a participação de mulheres nos pleitos eleitorais e favorecer a representatividade desse grupo de cidadãs.

Ao verificar que partidos políticos se limitavam a lançar candidatas de forma fraudulenta, apenas para viabilizar outras, do sexo masculino, os aportes doutrinários sobre o tema encontraram eco na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral. A partir do julgamento do Recurso Especial Eleitoral n. 149, sob a relatoria do MINISTRO HENRIQUE NEVES DA SILVA, publicado no DJe de 21.10.2015, o TSE passou a admitir que o "conceito da fraude, para fins de cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo (art. 14, § 10, da Constituição Federal), é aberto e pode englobar todas as situações em que a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato eletivo são afetadas por ações fraudulentas, inclusive nos casos de fraude à lei".

Após o reconhecimento de que a fraude ao mecanismo de incentivo à participação feminina poderia ser sindicada em AIME, a Corte Superior reconheceu também a aptidão da Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE para verificar o desvio do cumprimento da reserva de vagas, sob a perspectiva de que "fraude nada mais é do que espécie do gênero abuso de poder" (TSE, RESPE n. 19392, Relator Min. Jorge Mussi, DJE de 04/10/2019).

Logo, tanto a AIME quanto a AIJE são meios processualmente adequados para discutir a fraude à cota de gênero, ainda que sob fundamentos distintos, como já se decidiu nestes autos.

Consoante aduz o recorrente em sua insurgência, houve apresentação, à Justiça Eleitoral, de lista de candidatos à eleição proporcional, formada por homens e mulheres (dentre elas, ANA CRISTINA e ELIZANDRA), de forma a atender ao percentual mínimo de 30% de cada gênero, conforme impõe o art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, obtendo, assim, o deferimento do respectivo Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários - DRAP.

O preenchimento fraudulento das reservas de gênero frustra o intuito da norma e, ao invés de promover a participação feminina, apenas reforça a exclusão da mulher da política, em prejuízo ao pluralismo e à representatividade política, que é pressuposto para uma democracia plena.

Tal como decidiu o Tribunal Superior Eleitoral, seguindo o posicionamento do Ministro Og Fernandes, ao examinar o Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 0000008-51.2017.6.21.0110, caso originário do Município de Imbé/RS, referente às eleições de 2018, "não se deseja a mera participação formal, mas a efetiva, por meio de candidaturas minimamente viáveis de pessoas interessadas em disputar uma vaga".

De modo geral, pode-se extrair da jurisprudência os elementos indiciários que apontam para uma candidatura falsa, conforme arrolados no enunciado doutrinário aprovado na I Jornada de Direito Eleitoral, promovida pela Escola Judiciária Eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral, em fevereiro a maio de 2020:

Enunciado n. 60: A fraude à cota de gênero deve ser apurada mediante Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) ou Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), devendo ser aferida pela análise conjunta dos seguintes indícios relevantes, entre outros: número significativo de desistências ou votação pífia de candidatas mulheres, especialmente de candidatas familiares de candidatos e de dirigentes partidários; prestações de contas padronizadas; e realização, por mulheres candidatas, de campanhas para candidaturas alheias (art. 10, §3º, da Lei das Eleições).

A questão central a examinar-se, então, é se houve simulação das candidaturas.

Como as diferentes ações manejadas em face da inscrição supostamente fraudulenta de ANA CRISTINA e ELIZANDRA tiveram tramitação diversa, este Tribunal Regional Eleitoral já examinou a ocorrência de fraude às cotas de gênero em relação a essas mulheres nos autos das Ações de Investigação Judiciais Eleitorais (AIJEs) n. 0600584-12.2020.6.21.0038 e n. 0600585-94.2020.6.21.0038.

Tais ações foram reunidas na origem e seus recursos foram apreciados pela Corte em 05.7.2022, em voto de relatoria da eminente Desembargadora VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, atuando como Vice-Presidente à época, que recebeu a seguinte ementa:

RECURSOS. AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - AIJEs. IMPROCEDÊNCIA. FRAUDE NO PREENCHIMENTO DA COTA DE GÊNERO. IDENTIDADE DOS FATOS, PARTES E CAUSAS DE PEDIR. JULGAMENTO CONJUNTO. PRELIMINARES SUPERADAS. SUPLENTES. LITISCONSÓRCIO PASSIVO FACULTATIVO. ILICITUDE DA PROVA. PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO ELEITORAL - PPE. CARÁTER INQUISITORIAL. PARTIDO POLÍTICO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO PARTIDO REPRESENTADO. EXTINÇÃO DO FEITO. ART. 485, INC. VI, DO CPC. LEGITIMIDADE PASSIVA DO PRESIDENTE DO PARTIDO. MÉRITO. COTA DE GÊNERO. LEI N. 9.504/97. PROMOÇÃO DA PARTICIPAÇÃO FEMININA. SUPOSTAS CANDIDATURAS FICTÍCIAS. CONTEXTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE PARA DEMONSTRAR A OCORRÊNCIA DE FRAUDE NAS CANDIDATURAS. PROVIMENTO NEGADOS AOS RECURSOS.

1. Recursos contra sentença que julgou improcedentes as AIJEs reunidas em conjunto no juízo de origem em razão de pedido comum: reconhecimento da fraude envolvendo candidaturas femininas na nominata para o cargo de vereador do partido nas eleições de 2020.

2. Matéria preliminar 2.1. Da legitimidade passiva dos candidatos e da decadência. Segundo a jurisprudência atual do Tribunal Superior Eleitoral, nas ações ajuizadas com base na existência de fraude à cota de gênero devem constar, obrigatoriamente, no polo passivo da ação, todos os candidatos eleitos e, portanto, detentores de mandato eletivo passível de cassação em decorrência da procedência da ação, na condição de litisconsortes passivos necessários. Recentemente, a Corte Superior afastou a configuração da decadência por ausência de integração dos candidatos suplentes no polo passivo em AIMEs e AIJEs que têm como objeto suposta fraude à cota de gênero. Eventuais suplentes das vagas parlamentares podem figurar como litisconsortes passivos facultativos e, caso não integrados à demanda oportunamente, não resta inviabilizado o prosseguimento da ação por tal motivo. Dessa forma, o entendimento mencionado afasta a necessidade de integração de todos os candidatos da chapa às lides e justifica a circunstância de não haver coincidência no polo passivo das demandas, ora analisadas conjuntamente, em relação aos candidatos demandados, quais sejam, os candidatos suplentes, considerados litisconsortes facultativos. As ações foram propostas, em face de todos os candidatos eleitos, em 30.11.2020 (AIJE n. 0600584-12) e 09.12.2020 (AIJE n. 0600585-94), portanto antes da cerimônia de diplomação, não havendo como se falar em decadência. 2.2 Da ilicitude da prova. O procedimento preparatório eleitoral instaurado tinha natureza eminentemente administrativa e inquisitorial, cujo intuito era trazer subsídios para formar o próprio convencimento do Parquet sobre os fatos e permitir a obtenção de um substrato mínimo de prova a amparar ações eleitorais viáveis. Ademais, a prova produzida restou submetida à ampla defesa e ao contraditório no curso do processo judicial. 2.3. Da ilegitimidade passiva do partido e de seu presidente. Considerando que o inc. XIV do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 prevê, em caso de procedência da ação, a declaração da inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, é de reconhecer a impossibilidade, no caso concreto, de atribuição de qualquer sanção ao partido político. Ainda que inicialmente aceita a inclusão da agremiação na lide, é de ser reconhecida a sua ilegitimidade para a causa. Extinção dos feitos, sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil, em relação ao partido representado. O mesmo não ocorre em relação ao presidente partidário, em razão da viabilidade, em tese, de que se declare sua inelegibilidade, se confirmada a condição de agente do abuso.

3. Contexto fático. Alegada fraude em duas candidaturas femininas, uma vez que estas não teriam realizado campanha eleitoral em benefício próprio e teriam sido lançadas na disputa à Câmara Municipal de forma fictícia, apenas para viabilizar a obediência ao percentual mínimo de 30% de cada gênero. A cota de gênero, instrumento legal de incentivo à participação feminina na política, posta sob o fomento e a proteção da Justiça Eleitoral, está prevista no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97. O preenchimento fraudulento das reservas de gênero frustra o intuito da norma e, ao invés de promover a participação feminina, apenas reforça a exclusão da mulher da política, em prejuízo do pluralismo e da representatividade política, pressupostos para uma democracia plena.

4. Conforme a jurisprudência, os indícios que apontariam uma candidatura falsa seriam o baixo investimento financeiro na campanha, com operações voltadas apenas a demonstrar a regularidade da candidatura; a relação de parentesco com outros candidatos a mesmo cargo, sem nenhuma notícia de eventual animosidade familiar ou política que justificasse a disputa; a ausência de propaganda por parte da candidata e/ou a realização de campanha em benefício de outro candidato; e a contabilização de poucos votos em seu favor. Nesse sentido está o Enunciado n. 60, de caráter doutrinário, aprovado na I Jornada de Direito Eleitoral promovida pela Escola Judiciária Eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral, em fevereiro a maio de 2020.

5. Acervo probatório. 5.1. Demonstrada a regularidade de uma das candidaturas, uma vez que, embora tenha obtido a quantidade inexpressiva de seis votos, comprovou interesse em realizar campanha eleitoral, relatando as dificuldades havidas no pleito de 2020 em relação à disputa anterior, em que havia concorrido e angariado um número substancial de votos. Ademais, ainda que modestamente, realizou divulgação da sua candidatura na internet. 5.2. Em relação à segunda candidata, o conjunto probatório não confere a certeza da existência de fraude em relação à candidatura. Os elementos dos autos conduzem à conclusão de que a recorrida desejava ser candidata e realizou atos de campanha no município, vindo a desistir de divulgar seu nome no decorrer do período eleitoral por fatores alheios à sua vontade. Necessidade de se considerar as peculiaridades locais a fim de verificar as alegações das partes. Dessa forma, o exame da realidade das candidaturas no município, que se extrai tanto dos depoimentos quanto da sentença recorrida, permite concluir pela inexistência de fraude ou abuso de poder.

6. Para o julgamento de procedência do pedido, "a prova de fraude na cota de gênero deve ser robusta e levar em conta a soma das circunstâncias fáticas do caso a denotar o incontroverso objetivo de burlar o mínimo de isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu assegurar no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97", na linha de precedente do Tribunal Superior Eleitoral (Recurso Especial Eleitoral n. 060085995, Relator Min. Benedito Gonçalves, publicado em 25.05.2022), o que não é o caso dos autos. Prestigiada a vontade popular.

7. Extinção de ambos os feitos, sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil, em relação ao partido. Rejeitadas as demais preliminares. Provimento negado aos recursos.

(Recurso Eleitoral nº 060058594, Acórdão, Relator(a) Des. DES. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 07.7.2022.)

 

No julgamento daquelas ações de investigação, portanto, concluiu-se pela inexistência de fraude ou abuso de poder e considerou-se que houve a realização de atos de campanha, ainda que de forma incipiente, bem como a demonstração de interesse na disputa por parte das candidatas, consideradas as peculiaridades locais. Tal decisão transitou em julgado.

Nesta ação de impugnação, o recorrente sustenta em suas razões a existência de provas suficientes nos autos acerca da ilicitude praticada pelo partido e seus candidatos, de modo a possibilitar a reforma da sentença.

Pois bem: é de se ter em conta que nenhuma prova foi produzida nestes autos para além daquela aproveitada das AIJEs. A sentença proferida consignou expressamente que o "agente ministerial reportou-se aos memoriais apresentados na ação nº 0600585-94.2020.6.21.0038, transladando-os", e que "a análise do mérito lançada nas Ações de Impugnação Judicial Eleitoral retromencionadas, resta mantida por esta magistrada", com a ressalva de que, embora a AIJE e a AIME possuam fundamentos diversos (aquela, o abuso de poder político; e, esta, a fraude à cota de gênero), assim como pedido e consequência jurídica diversos, a análise de ambas passa pela comprovação da ocorrência de candidaturas femininas fictícias.

A decisão recorrida também reproduziu as razões de fato e direito que integraram as "sentenças das AIJEs nºs. 0600585- 94.2020.6.21.0038 e 0600584-12.2020.6.21.0038, as quais perpassam pela análise detida da prova comum a todos os autos, uma vez que se aplicam, na sua inteireza, ao presente feito", deixando de reconhecer que as candidaturas de ANA CRISTINA e ELIZANDRA tenham sido simuladas.

Não havendo prova nova ou fato que oriente a apreciação do caderno probatório sob perspectiva diversa, o princípio da segurança jurídica recomenda que se prestigie a decisão colegiada deste Tribunal Regional Eleitoral de 05 de julho de 2022, a qual não ampara as pretensões do recorrente.

Nessa linha, transcrevo o trecho da decisão que analisou a prova que foi aproveitada nestes autos:

Fixados esses parâmetros, passo a examinar o acervo probatório, iniciando por consignar que as recorridas que supostamente tiveram suas candidaturas registradas apenas para permitir o registro de um número maior de candidatos homens - ANA CRISTINA DE OLIVEIRA DIAS e ELIZANDRA DA COSTA PAZ - obtiveram, respectivamente, 06 (seis) e zero votos.

Em suas prestações de contas de campanha, as duas candidatas declararam como receita a doação estimável em dinheiro, no valor de R$ 76,00, consistente em material impresso do tipo "colinhas", recebida da Direção Estadual do PSDB, cujas amostras constam nos IDs 42344183 e 42344233, do REl n. 0600585-94, recebidas em 13.10.2020.

Não há registros de que tenham sido abertas contas bancárias pelas recorridas (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/8817/210000850964 e https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88170/210000783528).

A propositura da ação n. 0600585-94.2020.6.21.0038 foi antecedida da instauração de procedimento preparatório eleitoral pelo Ministério Público Eleitoral (ID 42340233), no qual, em relação à ELIZANDRA, verificou-se o "site do candidato", informado na página Sistema DivulgaCand e Contas Eleitorais, com referência ao perfil da candidata na rede social Facebook, onde "não foram localizadas publicações de cunho eleitoral no período de 27.9.2020 a 17.11.2020".

De seu turno, ANA CRISTINA, no site informado à Justiça Eleitoral, divulgou sua candidatura no Facebook uma única vez, em 28.9.2020 (ID 42340933 - a partir da fl. 45 e ID 42340983).

O jornal local, ademais, informou que as candidatas não contrataram a divulgação de propaganda eleitoral (ID 42341083 - fl. 2).

Por fim, no Requerimento de Registro de Candidatura - RRC, o endereço de correio eletrônico informado por ELIZANDRA foi denishelfer2@gmail.com (ID 42341133 - fl. 30), ou seja, do Presidente do PSDB de Rio Pardo, Denis Helfer Carvalho.

Tais provas não foram refutadas na instrução judicial.

Adianto que a sentença que julgou improcedente o pedido ao concluir que a alegação de fraude não restou suficientemente comprovada deve ser mantida.

Examinando detidamente os elementos de convicção constantes do caderno processual, observa-se que a espécie foi muito bem analisada na sentença. A fim de enfrentar as teses recursais, inicialmente submeto a exame a situação de ANA CRISTINA DE OLIVEIRA DIAS, candidata que, embora tenha obtido quantidade inexpressiva de votos (seis votos), demonstrou interesse em realizar campanha eleitoral, relatando as dificuldades havidas no pleito de 2020 em relação à disputa anterior, em que havia concorrido e angariado um número substancial de votos.

A candidata realizou campanha eleitoral em seu favor e, mesmo que modestamente, realizou divulgação da sua candidatura na internet.

A regularidade da candidatura de ANA CRISTINA também é reconhecida no parecer de lavra do Dr. Fábio Nesi Venzon, Procurador Regional Eleitoral, do qual adoto os fundamentos, integrando-os ao voto como razões de decidir, conforme segue:

[...] de início, a própria inicial revela que, ao menos uma vez, a candidata fez uso da rede social Facebook para fins de divulgação da sua campanha eleitoral, sendo que, ao contrário de Elizandra da Costa Paz, trouxe justificativa relacionada ao seu trabalho para não dar continuidade à propaganda no Facebook. Ainda assim, pela prova material acostada à exordial, verificam-se, ao menos, duas fotos postadas de divulgação da sua candidatura (ID 42340983, fl. 5). Aliás, em uma das publicações, datada de 28.9.2020, consta não apenas o card com a foto da candidata, mas também mensagem dela apresentando a sua candidatura (ID 42340983, fl. 25).

Não obstante, o depoimento pessoal da investigada também se apresentou seguro e convincente acerca das razões utilizadas para deixar de utilizar o Facebook para fins de campanha, uma vez que disse ter preferido divulgar a candidatura por meio dos contatos de whatsapp, que seriam pessoas mais próximas, bem como que o Facebook seria utilizado mais com intuito profissional. E tal versão vem confirmada não somente pelas testemunhas Clay Jean Machado Theisen e Simone Beatriz da Silva Bitencourt (IDs 42356133, 42356183, 42356833 e 42356883), as quais afirmaram que receberam material de campanha de Ana Cristina pelo Whatsapp, como também pela prova material que acompanha a exordial, em que, nas capturas de tela do perfil pessoal de Ana Cristina no Facebook, aparecem diversas mensagens comerciais da loja na qual trabalhava, algumas postadas pela própria candidata, outras postadas pela própria loja em comentários a outras postagens (ID 42340983, fls. 9, 10, 11, 13, 14, 16, 19 e 24 a 37).

Nesse contexto, considerando as notórias restrições de funcionamento e de desemprego no setor do comércio em decorrência da pandemia, o cenário relatado pela investigada no sentido de que não poderia deixar o emprego, bem como o fato de ser vendedora submetida a metas conforme evidencia explicitamente uma das postagens acima referidas, parece justificável a preferência pela utilização do Facebook como uma ferramenta mais específica e voltada apenas para fins profissionais de venda de produtos.

Não fosse isso suficiente, as duas testemunhas acima referidas, e não uma como afirmado pela representante ministerial, foram claras em admitir que viram Ana Cristina realizando atos de campanha, inclusive mencionando detalhes das situações correspondentes. Assim, Clay Jean Machado Theisen (IDs 42356133 e 42356183), por exemplo, afirmou, no primeiro arquivo do seu depoimento, que conhece Ana Cristina e que esta chegou a pedir votos para a depoente; que estava trabalhando em casa quando Ana a chamou no portão, que estava com sua filha, entregou santinho e seguiu para outra casa e que nem era o caminho dela, e que por isso acredita que estava fazendo campanha naquele dia. Na mesma senda, Simone Beatriz da Silva Bitencourt (IDs 42356833 e 42356883) afirmou que recebeu pedido de votos de Ana Cristina, e que esta disse que ia passar na casa da depoente quando chegassem os santinhos; que, quando estes chegaram, a candidata ligou, perguntou se podia ir até sua casa e lá chegou de máscara no portão e alcançou o santinho e pediu se não podia ajudá-la, ao que a depoente respondeu que sim. Importante notar que, com relação à testemunha Clay, esta, apesar de ter afirmado que já havia sido candidata no pleito de 2012, condição que pressupõe a existência de filiação partidária, não foi, no momento da audiência, contraditada pela representante do MP, a qual somente mencionou o fato no âmbito das alegações finais, ocasião em que apontou que a testemunha já foi filiada ao PTB e se encontrava filiada ao PC do B (ID 42358183, fls. 16-17). Ocorre que, com relação ao PC do B, tal partido não foi nem autor nem réu na ação, não havendo, ademais, qualquer notícia nos autos de que teria formado coligação com o PSDB para fins de justificar eventual intuito de beneficiar este com o depoimento. Com relação ao PTB, a situação é ainda mais gritante, pois o partido figura no polo ativo da demanda, ao passo que o depoimento foi favorável à ré. Com relação a Simone, apesar de ter referido que viu foto de Ana Cristina no Jornal de Rio Pardo, tal engano não foi apontado pela parte autora por ocasião do depoimento, podendo ter sido, de fato, um engano, ou ter representado efetivamente algum gasto estimável proveniente do partido, já que as buscas informadas na inicial foram com relação ao CNPJ das candidaturas (art. 7º, § 6º, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19). Ademais, os depoimentos se revelaram, em seu conjunto, consentâneos entre si e com o depoimento pessoal da autora. Portanto, devem ser consideradas ambas as testemunhas.

Por outro lado, também se percebe que, ao contrário de Elizandra, a candidata Ana Cristina não obteve votação zerada, pelo que se demonstra que, ao menos no seu círculo íntimo mais próximo, recebeu o devido apoio como candidata, circunstância que confere ao menos um mínimo de seriedade e realidade à candidatura. A votação baixa se explica, em parte, pelo fato de o cunhado ter se candidatado por outro partido, captando votos de conhecidos comuns e dos vínculos familiares por afinidade.

A ausência de movimentação financeira de campanha também não constitui elemento suficiente para a conclusão de que a candidatura seria fictícia, visto que, por mera consulta às prestações de contas dos candidatos do PSDB em Rio Pardo por meio do link https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/municipios/2020/2030402020/88170/ candidatos, também são verificados diversos candidatos do sexo masculino que também efetuaram gastos do mesmo porte que a investigada, sem que por isso fosse a eles imputada a condição de fraude. Aliás, a ausência de publicação da condição de candidata em algum jornal da cidade é claramente uma decorrência da ausência de recursos, já que os anúncios envolvem custos. No que se refere, ainda, à existência de erro no registro de candidatura consistente na informação de que Ana Cristina não teria concorrido nas eleições de 2016, tem-se que, conforme Requerimento de Registro de Candidatura trazido com a inicial (ID 42340933, fl. 43) a informação negativa diz respeito à pergunta sobre se concorre à reeleição para o mesmo cargo, sendo que no campo "Eleições anteriores", consta "Não informado". Portanto, não houve o alegado erro.

Por fim, com relação à ilação de que a candidata teria sido incluída em vaga remanescente com o único intuito de permitir a candidatura de Diego Bitencourte, forte candidato do partido conforme a votação expressiva auferida, tem-se que, segundo referido na própria inicial e no recurso, a candidata Ana Cristina teria se candidatado para vereadora nas eleições de 2016 por outro partido, ocasião em que teria recebido 118 votos. Ora, se a candidata já havia recebido 118 votos nas eleições anteriores, número expressivo no âmbito da votação para vereador em um município como Rio Pardo, parece claro que é a ela que deve ser atribuída a qualidade de potencial puxadora de votos, e não ao candidato Diego, que sequer se candidatou no município em 2016. Talvez seja exatamente essa a razão genuína para a formulação do convite à candidata para fins de filiação ao partido, esperando-se que ela tivesse mantido tal capital político e, com isso, viesse a beneficiar a sigla como um todo.

Desse modo, tem-se que inexistem elementos nos autos capazes de infirmar a fidedignidade da candidatura de Ana Cristina de Oliveira Dias ao cargo de vereadora nas eleições de 2020 no município de Rio Pardo.

Como minuciosamente descrito no parecer, ficou comprovado que ANA CRISTINA DE OLIVEIRA DIAS realizou campanha eleitoral e empenhou-se em divulgar sua candidatura, bem como que a baixa votação recebida nas Eleições 2020 pode ser explicada, em parte, por ter havido outro candidato em sua família e pela possibilidade deste ter captado os votos de conhecidos comuns e dos familiares por afinidade.

Em relação à segunda candidata, ELIZANDRA DA COSTA PAZ, o conjunto probatório não confere a certeza da existência de fraude em relação à candidatura. Os elementos dos autos conduzem à conclusão de que a recorrida desejava ser candidata e realizou atos de campanha no Município de Rio Pardo, vindo a desistir de divulgar seu nome no decorrer do período eleitoral por fatores alheios à sua vontade.

Ouvida em audiência, ELIZANDRA alegou que havia recebido a promessa de disponibilização de recursos financeiros para realização da campanha e que, ausente esse aporte e diante das dificuldades encontradas, acabou por desistir de concorrer. No depoimento, consignou que "sempre quis entrar" no partido, que tinha a expectativa de que fosse destinada verba que auxiliasse as mulheres que se candidatassem pela agremiação, mas que esses recursos não foram uma condição para a proposição de sua candidatura. Esclareceu que, não havendo disponibilidade de recursos próprios e não tendo captado doações de terceiros, não teve condições financeiras de investir na campanha. Referiu que não fez campanha no Facebook, preferiu fazer "de boca". Relata ter ficado "decepcionada" no decorrer da campanha, tanto que optou por não ir votar no dia da eleição, o que justifica não ter recebido sequer seu próprio voto. Mencionou que os santinhos produzidos pelo partido demoraram a chegar, o que só ocorreu 15 dias antes da data do pleito, e que os encontros entre os candidatos que seriam realizados pela agremiação foram cancelados em razão do agravamento da pandemia. Acrescentou que não comunicou o partido de que desistiria da campanha e não formalizou essa desistência.

As declarações são corroboradas pelas demais testemunhas e informante.

Paulo Ricardo Gewehr, cidadão atuante na política no município que teve experiência concorrendo ao cargo de vereador em duas ocasiões e auxiliou em uma campanha eleitoral, atribuiu o desempenho relativamente negativo de alguns candidatos à pandemia, à falta de contato entre as pessoas e à dificuldade em fazer visitas. Segundo o depoente, "não tinha muito o que fazer" em relação a opções para candidatos divulgarem suas candidaturas. Confirmou que o PSDB não realizou reuniões presenciais entre os candidatos, que também não fez divulgações pelo Facebook, embora tenha militado em favor de uma campanha, e que o sinal de internet em sua localidade é muito ruim.

Roberson Fagundes Raymundo também confirmou que não houve reuniões presenciais entre os candidatos e que o PSDB não instalou comitê no município para as Eleições 2020, no mesmo sentido do que informou Paulo Roberto Souza Santos.

Luis Fernando Teixeira Rezes corroborou a ausência de comitê partidário.

José Daniel dos Santos, candidato que concorreu duas vezes (2000 e 2008) e obteve menor número de votos na segunda vez, relacionou o desempenho eleitoral dos candidatos no Município de Rio Pardo à capacidade financeira para investir na campanha, adquirir material de propaganda e à mobilidade, mencionando que, em seu caso, a dificuldades para se locomover (não tinha mais carro) representou obstáculo. Afirmou que conhece ELIZANDRA, que sabia que ela foi candidata e desistiu durante a campanha. Relata que ouviu de outras pessoas sobre a candidatura da recorrida, além de ter chegado a seu conhecimento que outros candidatos e candidatas também desistiram diante das dificuldades encontradas em 2020 e pela falta de recursos. Narrou que sua sobrinha Rosane Bandeira dos Santos também concorreu ao cargo de vereadora e desistiu durante a campanha. Afirmou que, por sua experiência como candidato, naquele município, quem não tem dinheiro para a campanha precisa pedir votos de boca em boca. Descreveu uma dificuldade adicional no caso de ELIZANDRA: três outras candidatas que também moravam na mesma rua da recorrida concorreram nessa eleição, disputando os mesmos votos.

Saimon Silva Carvalho, ouvido como informante, afirmou que ELIZANDRA pediu seu voto e ficou de entregar o santinho ao depoente em momento posterior. Depois, foi informado de que ELIZANDRA havia desistido da campanha por motivos pessoais.

Jéssica da Luz Gonçalves afirmou que ELIZANDRA esteve em sua casa fazendo campanha eleitoral, pediu seu voto e disse que voltaria para entregar santinho. A depoente não conhecia ELIZANDRA e foi abordada na rua. Relatou também que a candidata retornou posteriormente a sua casa dizendo que tinha desistido da campanha.

Everton Barreto Rodrigues mencionou não ter visto nenhum material de campanha de ELIZANDRA e não ter sido procurado por ela, mas tomou conhecimento por outras pessoas acerca de sua candidatura ao cargo de vereadora. Do depoimento de Everton, depreende-se que a vizinhança tinha conhecimento da candidatura da recorrida e o depoente, confrontado com nomes de outros candidatos que também residiriam nas proximidades de sua casa, afirmou que igualmente não recebeu pedido de votos de nenhum deles e que não vota em Rio Pardo.

Tudo leva a crer, portanto, que ELIZANDRA efetivamente realizou campanha eleitoral, ainda que não tenha mantido a divulgação de sua candidatura até a data da eleição. Da mesma forma, a ausência de comitê do partido no município e de reuniões entre os candidatos para compartilhar estratégias e auxiliar na motivação dos concorrentes é mais um elemento que pode ter motivado o abandono da campanha.

Ademais, não há como considerar como indício de fraude o comportamento de Emily, filha da candidata ELIZANDRA, que não rendeu nenhum apoio em redes sociais à mãe e realizou publicações em favor de seus adversários. Isso porque Emilly foi contratada por Rafaela Fagundes, candidata ao cargo de vereadora pelo MDB de Rio Pardo, para realização de serviços de divulgação da candidatura (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88170/210000736696/integra/despesas), tendo sido, provavelmente, remunerada também pelas publicações no Facebook, o que justifica, sob a perspectiva profissional, a ausência de engajamento na campanha de sua própria genitora.

Da mesma maneira, os cumprimentos dirigidos por Emily, após a divulgação dos resultados da eleição, a outros candidatos eleitos não podem ser avaliados em desfavor de ELIZANDRA, pois caracterizam naturais gestos de cordialidade.

Em outras ocasiões, este Tribunal Regional já afastou o reconhecimento de fraude à cota de gênero em situações semelhantes à dos autos. Retomo, por oportuno, o julgamento da lavra do Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, nos autos do Recurso Eleitoral n 060048892, julgado em 13.07.2021, onde se verificaram "razões posteriores ao registro de candidaturas e externas ao querer da candidata e de seu partido político" que representaram entraves ao melhor desempenho eleitoral. Naquela ocasião, restou decidido que o "modesto emprego de recursos financeiros na campanha eleitoral não constitui elemento que venha a reforçar a tese de candidatura fraudulenta, sobretudo, tomando-se em conta a interrupção da busca de votos nas cruciais duas semanas anteriores ao pleito".

De lavra do Des. Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli, o acórdão proferido em 09.12.2021, nos autos do Recurso Eleitoral n 060031773, fixou que

6. A jurisprudência deste Regional é consolidada no sentido de que circunstâncias como as candidatas alcançarem pequena quantidade de votos, não realizarem propaganda eleitoral, ou, ainda, oferecerem renúncia no curso das campanhas, por si sós, não são suficientes para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção. Para o severo juízo de cassação da votação de todo o partido em um determinado município, é necessária prova robusta e inconteste da prática da fraude eleitoral, sob pena de afronta ao princípio in dubio pro suffragium.

Além da necessidade de prova robusta e inconteste, também se faz necessário, para o reconhecimento da fraude, a demonstração, "de forma induvidosa, de que houve completo desinteresse na disputa eleitoral", conforme se decidiu nos autos do Recurso Eleitoral n 060058338, julgado em 05.04.2022, que teve como relator o Des. Federal Luís Alberto D`Azevedo Aurvalle.

Ainda, mencionando especificamente as peculiaridades ocasionadas pela pandemia, refiro o julgamento ocorrido em 24.08.2021, de relatoria do Des. Eleitoral Francisco José Moesch, no Recurso Eleitoral n 060132076, onde se considerou comprovados tanto a realização de campanha eleitoral pelas candidatas quanto o interesse em disputar uma vaga, mesmo que de forma incipiente, além da ausência de elementos que atestassem a mera participação formal, já que as campanhas questionadas teriam sido "conduzidas dentro da realidade do município e das limitações ocasionadas pela pandemia do COVID-19".

Penso que tais precedentes se amoldam ao caso que aqui se examina, tanto pela ausência de prova induvidosa da fraude quanto pela necessidade de se considerar as peculiaridades locais a fim de verificar as alegações das partes.

Nesse trilhar, valho-me das considerações exposta pela Dra. Cleusa Maria Ludwig, Juíza Eleitoral da 38ª Zona, que fez consignar na sentença (ID 42338833 do processo n. 0600584-12.2020.6.21.0038) importantes pontos acerca da realidade local, as quais agrego como razões de decidir a fim de evitar tautologia:

 

Ao que parece, nesse período de pandemia, em que as dificuldades financeiras e o desemprego aceleraram, tanto Emilly quanto sua mãe, assim como Ana Cristina, estavam mais preocupadas em suprir suas necessidades básicas do que na campanha eleitoral, o que não causa espanto e nem é repudiado pelo direito. Diante das dificuldades vivenciadas e sem poder contar com o valor prometido pelo partido, ao que indica a prova produzida, Elizanda desistiu da disputa eleitoral e Ana Cristina obteve pouca votação.

Diante disso, não vislumbro prova suficiente no sentido de que os registros das candidaturas de Ana Cristina e Elizandra, invés de representar a intenção de concorrer à vereança, buscaram burlar o percentual mínimo de candidaturas femininas legalmente exigidas, em conluio com o Presidente do Partido e o candidato Everton.

É evidente que, diante da pandemia do Covid-19, restando impossibilitada ou dificultada a campanha eleitoral de 2020, pelos meios tradicionais, como comícios, visitas em residências, passeatas e carreatas, bandeiraços e distribuição de "santinos" na rua, entre outros, ocorreu a migração para as redes sociais, entre elas o Whatsapp e o Facebook. Ocorre, entretanto, que o Facebook, rede social tão discutida nos autos, não tem o mesmo alcance quando utilizado por pessoas com poucos seguidores, que compartilham dados digitais com seguidores familiares e do convívio próximo, ou, ainda, com seus clientes, como quando movimentado por marketeiros ou por pessoas públicas que, ao longo dos anos, vem somando o público-alvo, para, no momento oportuno, lançar a candidatura, a qual, rapidamente é compartilhada e assim alcança grande divulgação.

Entendo que, numa cidade interiorana como Rio Pardo, onde o sinal de internet nem sempre é estável e sequer alcança todos os moradores, somado ao fato do baixo poder aquisitivo da população, sendo que muitos eleitores sequer tem telefone celular, muito menos wi-fi, dependendo de pacote de dados para acessar as redes sociais, e, ainda, tendo em vista que muitas comunidades do município são agrícolas, com famílias inteiras alheias aos meios digitais, é óbvio que a campanha eleitoral tem matizes diferentes da realizada nos grandes centros e em cidades com PIB mais elevado. Portanto, não comungo do entendimento do requerente da ação nº 585-94, no sentido de que o Facebook é " meio usado por todas as classes sociais! É acessível e efetivamente valorizado pela população." (fls. 32 e 33, Doc. 86720230).

Também, entendo que, em épocas de normalidade, a frustração quanto ao recebimento de valores para a realização de campanha eleitoral é motivo de desânimo nos candidatos, seja homens ou mulheres. No entanto, nesse momento em que o poder econômico de todos teve significativa redução, com aumento do custo de vida, somado ao medo da pandemia de covid-19, causando problemas de saúde mental, dos mais diversos níveis, é crível que a ausência do repasse de valor destinado ao pagamento de despesas de campanha eleitoral abale emocionalmente qualquer candidato, desestimulando-o, além de causar mal estar entre a pessoa que recebeu a promessa e aquele que prometeu o recurso financeiro.

Nessa mesma linha, restando frustrado o repasse pelo PSDB Mulher e, não tendo as candidatas Elizandra e Ana Cristina recursos próprios para alavancar a propaganda eleitoral, e considerando ainda, a dificuldade em receber doações, dada a conhecida e irrefutável crise financeira pela qual o país encontra-se, resta justificada, no entendimento dessa magistrada, a falta de movimentação financeira da campanha eleitoral, bem como a ausência de busca de informações sobre o custo de anúncio em jornal, já que, como dito, indisponível qualquer valor para fazer frente a contratação desse serviço.

O exame da realidade das candidaturas no município, que se extrai tanto dos depoimentos quanto da sentença recorrida, permite concluir pela inexistência de fraude ou abuso de poder.

Com efeito, para o julgamento de procedência do pedido, "a prova de fraude na cota de gênero deve ser robusta e levar em conta a soma das circunstâncias fáticas do caso a denotar o incontroverso objetivo de burlar o mínimo de isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu assegurar no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97", na linha de precedente do Tribunal Superior Eleitoral (Recurso Especial Eleitoral n. 060085995, Relator Min. Benedito Gonçalves, publicado em 25.05.2022), o que não é o caso dos autos.

Ainda, em razão da ausência de prova induvidosa a amparar a pretensão dos recorrentes, é de se prestigiar a vontade popular, na linha da jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AIJE. VEREADOR. COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI Nº 9.504/1997. CONLUIO FRAUDULENTO. PROVA ROBUSTA. AUSÊNCIA. FRAUDE NÃO DEMONSTRADA. PREVALÊNCIA DA EXPRESSÃO DO VOTO POPULAR. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE. EFEITO SUSPENSIVO. PERDA SUPERVENIENTE DE OBJETO. PEDIDO CAUTELAR E AGRAVO INTERNO PREJUDICADOS.

1. A decisão agravada deu provimento ao agravo e ao recurso especial para reformar o acórdão regional que havia julgado parcialmente procedentes os pedidos de AIJE que apura suposta fraude à cota de gênero do art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997.

2. O lançamento de candidaturas femininas fictícias deve ser comprovado de forma inequívoca, sendo demonstrado o explícito e específico objetivo do partido de burlar o disposto no § 3º do art. 10 da Lei nº 9.504/1997.

3. Os elementos probatórios trazidos ao processo devem ser capazes de, ao serem examinados em conjunto, oferecer ao julgador um juízo de altíssima verossimilhança da ocorrência da alegada fraude, caracterizada, por sua vez, pela má-fé ou conluio - acordo de vontades na fraude (consilium fraudis) - entre o partido e a candidata.

4. A incerteza acerca da efetiva intenção do partido de fraudar a cota de gênero faz prevalecer o postulado in dubio pro sufragio, segundo o qual a expressão do voto popular merece ser prioritariamente tutelada pela Justiça Eleitoral. Precedente.

5. Na espécie, o Tribunal a quo não evidenciou o indispensável conluio fraudulento, atribuindo a responsabilidade ao partido por culpa in vigilando, afirmando que a agremiação, ao ter verificado que a candidata Darlete não praticou atos de campanha, deveria ter obstado essa omissão, sob pena de assumir o risco de se beneficiar da candidatura tida por fictícia.

6. Ademais, o quadro fático delineado no acórdão regional não apresenta de forma robusta os elementos indispensáveis para o reconhecimento da fraude à cota de gênero.

7. A circunstância de o partido fornecer material gráfico e patrocinar a gravação de vídeos e fotos para a campanha da candidata, que participou ativamente nos atos de pré-campanha em duas oportunidades diferentes, é suficiente para colocar em descrédito a alegada ocorrência de fraude. Precedente.

8. Agravo interno não provido. Tutela cautelar e agravo interno prejudicados, por perda superveniente de objeto.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060086625, Acórdão, Relator(a) Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 94, Data 24/05/2022)

Assim, considerando a ausência de prova robusta de fraude ou abuso, a realização de atos de campanha, mesmo que de forma incipiente, bem como a demonstração de interesse na campanha eleitoral por parte das candidatas e as peculiaridades locais, deve ser negado provimento aos recursos.

A estas considerações também se somou o voto do Presidente da Corte à época, Des. Francisco José Moesch, que, em relação à prova, assim se posicionou:

Desse modo, com tranquilidade faço consignar que não há comprovação da prática de fraude no lançamento de candidaturas femininas pelo PSDB de Rio Pardo nas Eleições 2020. Ao contrário, depreende-se dos autos circunstâncias que demonstram algum esforço de parte das candidatas ANA CRISTINA DE OLIVEIRA DIAS e ELIZANDRA DA COSTA em prospectar as respectivas candidaturas. Ainda que se possa identificar dificuldades na obtenção de votações expressivas, a situação, todavia, não pode ser confundida de forma alguma com o reprovável registro fraudulento de candidaturas.

As baixas votações de ANA e ELIZANDRA deve ser relacionado, aliás, com maior relevo, ao comprovado ambiente de precariedade do PSDB de Rio Pardo para a realização da campanha eleitoral, agravado pela época em que realizadas as Eleições de 2020, sob o alerta da pandemia de Covid-19.

Tal contexto é extraído dos testemunhos de Roberson Fagundes Raymundo, Luis Fernando Teixeira Rezes e José Daniel dos Santos, os quais indicaram a ausência de Comitê Partidário, exemplo de um contexto que certamente agravou o quadro de pouca repercussão das candidatas nas urnas, até mesmo porque ANA e ELIZANDRA eram incontroversamente inexperientes na realização de campanhas eleitorais, sendo natural, inclusive humanamente esperado, o abatimento que recaiu sobre as candidatas no desenrolar da competição pelo cargo eletivo.

No aspecto, cabe ressaltar a conclusão da Magistrada a quo, a qual, com sensibilidade, bem captou o momento social instaurado ao longo das Eleições 2020, no sentido de que "restando frustrado o repasse pelo PSDB Mulher, e não tendo as candidatas Elizandra e Ana Cristina recursos próprios para alavancar a propaganda eleitoral, e considerando ainda a dificuldade em receber doações, dada a conhecida e irrefutável crise financeira pela qual o país encontra-se, resta justificada, no entendimento desta magistrada, a falta de movimentação financeira da campanha eleitoral, bem como a ausência de busca de informações sobre o custo de um anúncio em jornal, já que, como dito, indisponível qualquer valor para fazer frente à contratação desse serviço".

Considero igualmente fundamentais os trechos dos votos da Relatora Vice-Presidente, nas passagens que, com acuidade, identificou a divulgação da candidatura de ANA na internet, bem como o desejo de ELIZANDRA em participar da vida política e a posterior decepção da candidata com a inexistência de recursos financeiros para tanto.

Logo, considero que o acervo probatório demonstra que as candidatas ELIZANDRA DA COSTA PAZ e ANA CRISTINA DE OLIVEIRA DIAS pretenderam concorrer ao cargo de vereadora em Rio Pardo e que praticaram atos com a finalidade de angariar votos, ainda que de forma não exitosa. Da mesma forma, o recorrente não logrou êxito em comprovar a ocorrência de fraude ou a participação das candidatas somente para legitimar as candidaturas de outrem - ônus que lhe incumbia.

Há, em resumo, na mesma linha do parecer ministerial, de se preservar a acertada sentença que concluiu pela improcedência da ação.

 

Ante o exposto, VOTO por não conhecer da preliminar de nulidade formulada nas contrarrazões e, no mérito, por negar provimento do recurso, mantendo a sentença recorrida em todos os seus termos.

É o voto.