PCE - 0603284-07.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/09/2023 às 14:00

VOTO

Cuida-se da prestação de contas apresentada por RIAN ZAMBAN PESCADOR, candidato ao cargo de deputado estadual pelo partido PATRIOTA, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022.

O órgão técnico desta Corte manifestou-se pela desaprovação das contas, consoante parecer conclusivo constante nos autos, o qual apontou falhas relativas à ausência de termos de assunção de dívida pelo partido, utilização indevida de recursos de origem não identificada (RONI) e à malversação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

O primeiro ponto diz com a ausência de termo de assunção de dívida de campanha pela grei, peça obrigatória nos termos do art. 53 da Resolução TSE n. 23.607/19.

A mácula persiste, na medida que não aportou aos autos após intimação do prestador.

Quanto ao item 3.1, que trata da utilização de valores sem demonstração da origem, a unidade técnica detectou, do cotejo entre o declarado pelo prestador e as informações constantes na base de dados da Justiça Eleitoral, omissão de despesa relativa à nota fiscal no valor de R$ 2.050,00, emitida contra o CNPJ do candidato, datada de 26.8.22, fornecedor Rian Zamban Pescador (o próprio candidato).

Devidamente intimado, o prestador não atendeu à diligência, deixando de trazer elementos em sua defesa.

Da análise dos extratos eletrônicos da conta de campanha (ID 45380463), constata-se que no dia 30.8.2022, o valor de R$ 2.050,00 foi transferido para conta identificada com o CNPJ do concorrente RIAN ZAMBAN PESCADOR, seguindo-se de devolução, do mesmo valor, no dia seguinte (31.8.2022).

Com efeito, estornado o valor declarado no documento fiscal em tela, emitido pelo próprio candidato, ainda que não se tenha levado a efeito o cancelamento da nota, não há como supor a prestação efetiva do serviço, bem como seu devido pagamento com recursos não transitados em conta, a fim de ensejar a caracterização de recebimento de recursos de origem não identificada.

No mesmo sentido foi a conclusão da diligente Procuradoria Regional Eleitoral:

Nesse contexto, tem-se que o valor correspondente ao pagamento da referida nota fiscal transitou inicialmente pela conta da campanha, mas foi restituído no dia seguinte. Na ausência de cancelamento da nota fiscal, a conclusão deveria ser pela existência de despesa paga com recursos que não transitaram pela campanha. Entretanto, em se tratando de gasto realizado com a empresa do próprio candidato, a necessidade de comprovação do efetivo fornecimento dos produtos para que se reconheça a real ocorrência da contratação não pode ser eliminada para que se pressuponha que houve tal fornecimento e, nesse sentido, concluir-se que o pagamento correspondente foi realizado com recursos que não transitaram pelas contas da campanha.

Nas circunstâncias do presente caso (e considerando o apontamento do item 4.1), deve ser afastada a pressuposição de que, tendo havido a emissão da nota fiscal, houve fornecimento de produto e pagamento pela despesa eleitoral. Portanto, não há recursos de origem não identificada, pois não há gasto eleitoral a ser reconhecido.

Em face do exposto, afasto a irregularidade no ponto.

No tocante ao item 4.1, que dispõe sobre o uso indevido de valores do FEFC, foram constatadas irregularidades na comprovação dos gastos com a verba pública.

A primeira mácula refere-se à emissão de nota em nome do próprio candidato, no valor de R$ 9.000,00, destinada à confecção de folders e wind banners (ID 45382340).

Sobre a nota, em virtude de a emissão ter-se dado por empresa com o nome do candidato, foi requerida prova do fornecimento dos materiais contratados, nos termos do art. 60, § 1º, inc. II, e § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

§ 1º Além do documento fiscal idôneo, a que se refere o caput, a Justiça Eleitoral poderá admitir, para fins de comprovação de gastos, qualquer meio idôneo de prova, inclusive outros documentos, tais como:

I - contrato;

II - comprovante de entrega de material ou da prestação efetiva do serviço;

[...]

§ 3º A Justiça Eleitoral poderá exigir a apresentação de elementos probatórios adicionais que comprovem a entrega dos produtos contratados ou a efetiva prestação dos serviços declarados. (Grifei.)

 

A teor do que se extrai do exame das contas, a despesa, na importância de R$ 9.000,00, de fato, acusa como fornecedor o próprio candidato.

Todavia, intimado para comprovar a efetiva produção e entrega dos materiais de impressão, o prestador quedou-se silente, ou seja, não se desincumbiu do ônus de demonstrar a escorreita utilização da verba pública, de sorte que o valor de R$ 9.000,00 deve ser recolhido ao erário.

Saliento que, havendo indício de apropriação de recursos públicos pelo candidato, cópia dos autos deve ser encaminhada ao Ministério Público para apuração, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 82. Se identificado indício de apropriação, pelo candidato, pelo administrador financeiro da campanha ou por quem de fato exerça essa função de bens, recursos ou valores destinados ao financiamento eleitoral, em proveito próprio ou alheio, cópia dos autos deve ser encaminhada ao Ministério Público para apuração da prática do crime capitulado no art. 354-A do Código Eleitoral.

Prossigo.

De igual sorte, as demais despesas, no valor de R$ 500,00 e R$200,00, carecem de regularidade, na medida em que não estão identificadas nos extratos bancários com CPF ou CNPJ do fornecedor, tampouco o prestador trouxe qualquer outra documentação hábil a comprovar o destino do recurso público empenhado, afrontando as prescrições do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

Ou seja, na linha do entendimento da Procuradoria, da análise do extrato bancário da conta FEFC se extrai que os pagamentos daquelas importâncias foram realizados mediante cheque não cruzado, impedindo a identificação do beneficiário e, por consequência, a demonstração da correta destinação do recurso público. E assim conclui a Procuradoria: "ao não ser cruzado o cheque, permitindo o saque sem depósito em conta, resta prejudicado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e gastos de campanha, uma vez que impossibilitada a alimentação do sistema Divulgacandcontas com a informação sobre o beneficiário, inviabilizando o controle por parte da sociedade."

Esta é a posição adotada por esta Corte, que reproduzo por meio do julgado de relatoria da Des. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, cuja ementa a seguir transcrevo:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. AUSENTE COMPROVAÇÃO DE PAGAMENTO DE DESPESAS REALIZADAS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. CHEQUES SACADOS DIRETAMENTE NO CAIXA.

ERRO MATERIAL NA SENTENÇA. VALOR MÓDICO. MANTIDO O DEVER DE RECOLHIMENTO DA QUANTIA AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovadas as contas de campanha de candidato ao cargo de vereador, relativas às eleições de 2020, em virtude da aplicação irregular de verbas oriundas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC. Determinado recolhimento ao Tesouro Nacional.

2. O art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe sobre o pagamento de despesas de campanha eleitoral. A norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado. A exigência de cruzamento do título busca impor que o seu pagamento ocorra mediante crédito em conta bancária, de modo a permitir a rastreabilidade das movimentações financeiras de campanha, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração, sobretudo demonstrar que os prestadores de serviço informados nos registros contábeis foram efetivamente os beneficiários dos créditos.

3. Ausente comprovação de pagamentos de despesas eleitorais realizadas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Identificados cheques sacados diretamente no caixa, sem registro da contraparte favorecida na operação. Incontroverso que as cártulas foram emitidas sem o necessário cruzamento e que os valores foram sacados diretamente na "boca do caixa", ou seja, sem o trânsito para a conta bancária do fornecedor declarado.

4. A apresentação de contrato, declaração ou recibo firmado pelos supostos beneficiários do adimplemento declarando que o valor lhes foi repassado, não supre a necessidade de que o lastro do pagamento seja registrado na própria operação bancária de crédito, conforme a diretriz jurisprudencial deste Tribunal Regional. Caracterizada a irregularidade quanto à forma de pagamento dos gastos realizados com recursos do FEFC.

5. Erro material na decisão do juízo de primeiro grau. No entanto, incabível nova retificação do montante a ser recolhido, seja porque houve debate específico sobre sua fixação e o Ministério Público em primeira instância anuiu com a tese levantada nos embargos de declaração, seja porque a majoração acabaria por prejudicar o único recorrente.

6. A irregularidade representa 9,68% dos recursos arrecadados pelo candidato. Considerando a ínfima dimensão percentual das falhas, bem como o valor nominal diminuto, viável a aplicação do princípio da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas, pois trata-se de valor módico e inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10, tido como modesto pela legislação de regência e utilizado por este Tribunal para admitir tal juízo.

7. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Mantida a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

(Recurso Eleitoral nº 060052083, Acórdão, Relator(a) Des. DRA. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 26/09/2022.) (Grifei.)

 

Portanto, diante da não comprovação dos gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC, reputo irregulares as despesas na importância de R$ 9.700,00, devendo ser recolhida ao Tesouro Nacional.

Por derradeiro, faço necessária digressão quanto ao arguido em memoriais, os quais foram apresentados ontem, 28.09.2023, às 16h36min, via PJe (ID 45556134).

No que toca a impropriedade quanto a juntada de termo assunção de dívida, o prestador se limitou a defender o desconhecimento quanto a necessidade de assunção dos débitos de campanha não adimplidos pela agremiação, o que, como é cediço, não basta a elucidação da falha.

Quanto ao teor da peça, o candidato que, friso, deixou de atender os chamados desta Justiça Especializada, desde a emissão do parecer preliminar da SAI, em 31 de janeiro de 2023, inova ao tratar da despesa de R$ 9.000,00, realizada junto à sua empresa, ao indicar a possibilidade de aferição dos impressos em sua página no Facebook, sem contudo, carrear ao feito prova do aduzido.

Assevera, ainda, que os gastos com jingle (R$ 200,00) e militância (R$ 500,00) foram realizados de forma legal, afirmando que o não cruzamento de cheque é mera falha contábil.

Sem razão o prestador.

A uma, por se tratar de inovação não apresentada quando do momento processual oportuno, de modo que alcançada pela preclusão.

A duas, pois a emissão de cártula desprovida de cruzamento, além de afrontar o plasmado no art. 38 da Resolução TSE n. 23.709/19, inviabiliza a fiscalização desta Justiça Eleitoral quanto a destinação da verba pública, a qual demanda maior rigorismo quando da sua utilização. É o entendimento sedimentado nesta Corte:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PREFEITO E VICE. APLICAÇÃO IRREGULAR DE VERBAS ORIUNDAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. FALHA PARCIALMENTE SANADA. PERSISTÊNCIA DO APONTAMENTO RELATIVO A CHEQUE SACADO SEM IDENTIFICAÇÃO DO ENDOSSATÁRIO. ALTO PERCENTUAL. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas relativas às eleições de 2020 de candidatos para os cargos de prefeito e vice, impondo a ordem de recolhimento de quantias irregulares ao Tesouro Nacional. 2. Pagamento de despesas com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) sem a identificação do beneficiário. Matéria disciplinada no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Na hipótese, embora os cheques não tenham sido originalmente cruzados, foram efetivamente depositados nas contas bancárias dos endossatários, alcançando o objetivo de conferir transparência à contabilidade com o registro de cruzamento dos títulos de crédito. Em situações como esta, este Tribunal Regional Eleitoral vem decidindo que, havendo o depósito da ordem de pagamento em conta bancária de terceiro em razão de endosso do título de crédito, deve se entender que a finalidade da norma foi atingida. 3. Persistência da falha com relação ao cheque sacado sem identificação do endossatário. A ausência de depósito desse valor em conta impediu que os batimentos realizados pela Justiça Eleitoral por via do sistema bancário pudessem ser realizados em relação a esse pagamento. Os documentos que comprovam a contratação dos fornecedores - contratos, notas fiscais e recibos de pagamento - não suprem a necessidade de que o lastro do pagamento seja registrado na própria operação bancária de crédito, conforme a diretriz jurisprudencial deste Regional. Recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, consoante prevê o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. 4. A irregularidade representa 11,97% do somatório das receitas auferidas para o custeio da campanha e ultrapassa o parâmetro de R$ 1.064,10 que a disciplina normativa das contas considera módico, impedindo a incidência dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade. Manutenção do juízo de reprovação das contas. 5. Parcial provimento. Redução do montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - REl: 06008217320206210029 SÉRIO - RS, Relator: Des. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, Data de Julgamento: 25/04/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 74, Data 28.04.2023 )

 

E, no que toca a documentação acostada de forma tardia, com os memoriais, além do substabelecimento, o prestador colacionou aos autos extratos bancários, os quais não se prestam a elucidar as questões formuladas pela unidade técnica, na medida que já estavam disponíveis, quando da análise, no sistema DivulgaCand da Justiça Eleitoral (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RS/210001611290/extratos).

Passo à conclusão.

Dessarte, considerando que o valor reconhecidamente irregular (R$ 9.700,00) representa 80,25% da receita total declarada pelo candidato (R$ 12.086,00), percentual que não permite a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, conforme entendimento jurisprudencial desta Corte e do egrégio TSE, impõe-se necessária a desaprovação da contabilidade, na esteira dos pareceres conclusivo (ID 45444926) e ministerial (ID 45483133).

 

Ante o exposto, acolho o parecer ministerial e VOTO pela desaprovação das contas de RIAN ZAMBAN PESCADOR, com base no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, determinando-se o recolhimento da quantia de R$ 9.700,00, a título de recursos malversados do FEFC, ao Tesouro Nacional, com cópia dos autos ao Ministério Público para apuração, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.607/19, conforme a fundamentação.