REl - 0600022-81.2022.6.21.0151 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/09/2023 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo e, preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, merece ser conhecido.

Do Mérito

Eminentes colegas.

Trata-se da prestação de contas do exercício 2021 do DIRETÓRIO MUNICIPAL DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO – MDB – DE MARIANA PIMENTEL, desaprovada pelo juízo a quo diante do recebimento de recursos de fonte vedada, com determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 1.875,32 (mil oitocentos e setenta e cinco reais e trinta e dois centavos), acrescida de multa de 10%, e de suspensão do Fundo Partidário pelo período de 1 (um) ano.

O exame da contabilidade constatou que o órgão partidário recebeu doação, contribuição ou auxílio pecuniário de pessoa física que se enquadra no conceito de autoridade pública constante do art. 12, § 1º, da Resolução TSE n. 23.604/19 - fontes vedadas – no montante de R$ 1.875,32.

A sentença (ID 45479613) considerou que a natureza da falha comprometeu a prestação de contas em sua integralidade, nos seguintes termos:

O recebimento de recursos de fonte vedada é irregularidade grave que compromete a prestação de contas em sua integralidade. Nesse sentido, o art. 45, III, “a”, da Resolução TSE n. 23.604/2019 dispõe que a verificação de irregularidade que comprometa a integralidade das contas acarreta sua desaprovação, não sendo razoável, in casu, considerar-se mera ressalva o recebimento de recursos de fontes vedadas, ainda que o percentual dos recursos eivados de irregularidade totalize 9,6% do total de recursos financeiros arrecadados. Com efeito, o art. 45, II, orienta o juiz a aprovar as contas com ressalvas “quando verificadas impropriedades de natureza formal, falhas ou ausências irrelevantes”.

No caso dos autos, não há falar em “falhas ou ausências irrelevantes”, revelando-se descabido considerar o recebimento de recursos de fontes vedadas como “impropriedade formal”, já que se trata de irregularidade de natureza material, que diz respeito ao recebimento de recursos financeiros (movimentação financeira), isto é, à análise de mérito da prestação de contas.

Ademais, considerar o recebimento de recursos de fontes vedadas como impropriedade formal ou falha irrelevante seria adotar interpretação contra legem, haja vista que o disposto no art. 14, caput, §§ 1 º e 3º, da Resolução TSE n. 23.604/2019, conduz à conclusão de que o não recolhimento dos recursos recebidos de fontes vedadas até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito (art. 11, § 5º) ou a sua utilização constituem irregularidade grave.

Do mesmo modo, ressoa descabido a aplicação de raciocínios meramente matemáticos para estabelecer um juízo de valor sobre as contas, pois não cabe ao intérprete adotar uma “margem de tolerância” quando a lei não estabelece tal distinção. Portanto, a exegese conjunta das normas que versam sobre as finanças e contabilidade dos partidos - especialmente dos dispositivos que tratam do recebimento de recursos de fontes vedadas -, conduz ao juízo de desaprovação da prestação de contas do partido político, pela gravidade das irregularidades, as quais comprometem a integralidade das contas, conclusão esta que decorre da lei.

Pois bem, ainda que se reconheçam os respeitáveis fundamentos deduzidos na sentença recorrida, é também necessário que se tenha em vista o contido no art. 926 do Código de Processo Civil, que estabelece que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

Nessa linha, é de se prestigiar a interpretação que esta Corte, na mesma linha adotada pelo Tribunal Superior Eleitoral, dá ao inc. II do art. 36 da Lei n. 9.096/95, que prevê que o partido ficará sujeito à suspensão da participação no Fundo Partidário por um ano no caso de recebimento de recursos de fonte vedada.

Nessa situação, ainda que a literalidade da norma preveja a suspensão por um ano, o Tribunal Superior Eleitoral, sem olvidar do dispositivo, afirma aplicável a suspensão de quotas com esteio nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Confira-se:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. RECURSOS DE FONTE VEDADA. SUSPENSÃO. COTA. FUNDO PARTIDÁRIO. UM MÊS. ART. 36, II, DA LEI 9.096/95. PENA MÍNIMA. PROPORCIONALIDADE. RAZOABILIDADE. EC 117/2022. INCIDÊNCIA. PARCIAL PROVIMENTO.

1. No decisum monocrático, proveu–se em parte o recurso especial da legenda agravante – cujas contas do exercício financeiro de 2017 foram aprovadas com ressalvas pelo TRE/MG – para reduzir de seis meses para um mês o período de suspensão de cotas do Fundo Partidário, decorrente do recebimento de recursos de fonte vedada.

2. Conforme o art. 36, II, da Lei 9.096/95, havendo recebimento de recursos de fonte vedada, fica suspensa a participação no Fundo Partidário. Trata–se de norma especial não revogada pelo art. 37 da Lei 9.096/95, que prevê sanção específica para hipótese distinta, qual seja, a de desaprovação de contas (precedentes, dentre os quais o REspEl 0600012–94/SC, redator para acórdão Min. Alexandre de Moraes, DJE de 23/10/2020).

3. Na espécie, descabe afastar por completo a suspensão de cotas com esteio nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, visto que já aplicada no mínimo legal. Precedentes.

4. A Emenda Constitucional 117/2022, promulgada em 5/4/2022, anistiou os partidos políticos que não observaram o percentual mínimo de 5% para promover e difundir a participação das mulheres na política.

5. No caso, o valor irregular não aplicado em 2017 na ação afirmativa em apreço não ensejará condenação no julgamento das presentes contas, devendo a legenda utilizá–lo nas eleições seguintes ao trânsito em julgado deste decisum.

6. Agravo interno a que se dá parcial provimento apenas para determinar a incidência da EC 117/2022 ao caso dos autos.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060011051, Acórdão, Relator(a) Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 170, Data 31/08/2023)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. DESAPROVAÇÃO. ART. 36, II, DA LEI 9.096/1995. SUSPENSÃO DO REPASSE DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. MULTA NÃO FIXADA. VEDAÇÃO DE REFORMATIO IN PEJUS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 28/TSE. DESPROVIMENTO.

1. O Juízo de primeiro grau desaprovou as contas do Diretório Municipal do Progressistas (PP), determinando a suspensão de cotas do Fundo Partidário pelo período de um ano e o recolhimento de R$ 8.496,91 ao Tesouro Nacional por recebimento de recursos de fonte vedada. Após recurso exclusivo do partido, a Corte Regional reformou parcialmente a sentença apenas para reduzir a sanção para três meses. 

2. Incabível a pretensão ministerial de aplicação da multa prevista no art. 37, caput da Lei 9.096/1995 (com redação dada pela Lei 13.165/2015), ante a impossibilidade de reformatio in pejus. 

3. Incidem os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na hipótese da sanção prevista no art. 36, II da Lei 9.096/1995, especialmente com base na repercussão das falhas no conjunto das contas. 

4. A discussão acerca do art. 515, I, do CPC/2015 revela indevida inovação recursal, insuscetível de discussão na via eleita.

5. Descabido o dissídio jurisprudencial, sendo insuficiente o cotejo analítico somente nesta via recursal. Aplicação da Súmula 28 do TSE.

6. Agravo Regimental desprovido.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 3804, Acórdão, Relator(a) Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 142, Data 03/08/2021, Página 0)

 

Nessa esteira, menciono recente julgamento deste Tribunal Regional Eleitoral em prestação de contas que verificou a existência de doações de fonte vedada:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO 2019. DIRETÓRIO ESTADUAL. PARTIDO POLÍTICO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO COM GASTOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. RECEBIMENTO DE VERBAS CONSIDERADAS COMO DE FONTE VEDADA. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. AFASTADA. APLICAÇÃO DE MULTA. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. DESAPROVAÇÃO.

1. Prestação de contas de diretório estadual de partido político, referente ao exercício financeiro do ano de 2019. Identificadas as seguintes irregularidades: trânsito indevido de recursos entre contas bancárias da própria agremiação, sem observância da segregação de valores conforme a natureza da receita; falta de comprovação dos gastos com verbas procedentes do Fundo Partidário; recebimento de doações de fonte vedada; recebimento de recursos de origem não identificada; existência de contas–correntes não declaradas na relação das contas bancárias, cujos extratos não foram apresentados.

[...]

8. O montante das irregularidades apontadas é expressivo, representando 24,88% dos recursos arrecadados, mais de 10% da receita do exercício, inviabilizando a aprovação das contas, ainda que com ressalvas, por aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, visto que comprometidas de forma substancial a transparência e a confiabilidade da escrituração contábil. Aplicação de multa de 5% sobre o montante irregular, com fundamento no art. 37 da Lei n. 9.096/95. A suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário é consequência específica do recebimento de recursos de fonte vedada, nos termos do art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95 e do art. 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.546/17, No presente caso, considerando que a receita de fontes vedadas representa 11,44% de toda a arrecadação, mostra–se razoável e proporcional que a agremiação sofra a penalização de suspensão de repasse de quotas por apenas 1 (um) mês. Recolhimento ao Tesouro Nacional. 9. Desaprovação.

(PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL nº 060021195, Acórdão, Relator(a) Des. Patricia Da Silveira Oliveira, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 159, Data 30/08/2023)

 

Como se percebe, está consagrado na jurisprudência das Cortes Eleitorais que, ainda que verificado o recebimento de recursos de fonte vedada, como no caso dos autos, a aplicação da pena de suspensão do recurso do Fundo Partidário pelo prazo de um ano é medida desproporcional, devendo a sanção ser aplicada considerando o conjunto das contas.

Na espécie, ainda que o total das irregularidades corresponda a 9,6% do total das receitas recebidas pela agremiação recorrente no exercício de 2021 (R$ 19.537,10), o partido manifestou resignação com a maior parte da decisão que julgou as contas, postulando apenas a redução do prazo de suspensão do recebimento de recursos do Fundo Partidário para o prazo de 3 (três) meses, sobretudo considerando a proximidade das Eleições Municipais de 2024.

Como bem observado no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, de lavra do ilustre Dr. José Osmar Pumes, “aplicando-se a jurisprudência pacífica dessa e. Corte para os casos em que o percentual das irregularidades detectadas é inferior a 10% do total de recursos recebidos, as contas do partido recorrente não deveriam ser desaprovadas, mas aprovadas com ressalvas, afastada, nesse caso, a multa imposta na origem, que somente é cabível em caso de desaprovação”. Pontuou também que a redução pleiteada pelo recorrente é adequada e que o âmbito de conhecimento do recurso está restrito ao postulado nas razões recursais.

Nessa linha, considerando os já destacados precedentes do Tribunal Superior Eleitoral e deste Tribunal Regional Eleitoral, o recurso merece provimento para que, nos estreitos limites do postulado, o prazo de suspensão do recebimento de recursos do Fundo Partidário, em razão da irregularidade apurada nos autos, seja reduzido para 03 (três) meses.

Assim, acolhendo o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, a sentença deve ser reformada tão somente em relação à fixação do período de suspensão do recebimento de recursos públicos.

Ante o exposto, voto por conhecer e dar provimento ao recurso, de forma a reformar a sentença recorrida, tão somente para que a suspensão da distribuição ou do repasse dos recursos provenientes do Fundo Partidário seja reduzida para 03 (três) meses, a contar do trânsito em julgado, nos termos da fundamentação.

É o voto.