PCE - 0602926-42.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/09/2023 às 14:00

VOTO

Eminentes colegas.

GISELDA DA SILVA AZAMBUJA, candidata não eleita ao cargo de deputada estadual, apresenta prestação de contas relativa às Eleições Gerais de 2022.

Após exame inicial da contabilidade, a Secretaria de Auditoria Interna desta Casa exarou parecer conclusivo no qual apontou falhas consistentes na movimentação de recursos de origem não identificada, no valor de R$ 2.100,00, aplicação irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC, no montante de R$ 20.675,00 e, ainda, apurou a existência de indícios de irregularidades em face da contratação de despesas junto a familiares no montante de R$ 29.590,00 (ID 45443000).

Passo ao exame dos apontamentos, iniciando pela utilização de Recursos de Origem Não Identificada, referente a gastos não registrados na prestação de contas, assim relatados:

Em resposta, a prestadora alegou desconhecer essas despesas e que, após diligenciar para descobrir do que se tratava, veio a saber que "alguns integrantes da equipe de rua da candidata dividiam a aquisição de lanches no curso de suas atividades de rua, para consumo próprio ao longo dos serviços". Ainda, juntou declaração da emitente (ID 45412437) de que as notas fiscais foram emitidas por equívoco.

Ocorre que, em consulta às notas 43047749, 43047773, 43047897, no site da Secretaria da Fazenda, a partir dos respectivos códigos de verificação disponíveis no DivulgaCandContas, verifica-se que se referem, respectivamente, ao fornecimento de 200, 200 e 300 salgados, num total de 700 unidades, não se mostrando crível que "alguns integrantes" da equipe de campanha tenham consumido tais quantidades ao longo do serviço. Da mesma forma, todas as notas fiscais foram emitidas nas mesmas datas, o que indicaria uma tentativa de fracionamento de despesas.

De qualquer sorte, a simples declaração de equívoco não tem o condão de sanar a falha, segundo sedimentado pela jurisprudência deste Tribunal:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO ELEITO. DEPUTADO FEDERAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO. EXISTÊNCIA DE IMPROPRIEDADES. FALHAS QUE NÃO OSTENTAM GRAVIDADE. OMISSÃO DE GASTOS. NOTA FISCAL NÃO ESTORNADA OU CANCELADA. INFRAÇÃO AO ART. 53, INC. I, AL. "G", DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. APLICAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS PÚBLICOS. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. DESPESAS ACESSÓRIAS. CONTRATOS DE LOCAÇÃO DE VEÍCULOS. GASTOS INADEQUADAMENTE COMPROVADOS. BAIXO PERCENTUAL. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidato eleito ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas Eleições Gerais de 2022.

(...) 3. Omissão de gastos. Apresentadas notas fiscais de estorno. Os documentos oferecidos são idôneos ao afastamento dos apontamentos em questão. Por outro lado, subsiste nota fiscal não estornada ou cancelada. Assim, a emissão de nota fiscal para o CNPJ de campanha gera a presunção de existência da despesa eleitoral, conforme preceitua o art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19. A mera declaração unilateral do fornecedor sobre equívoco na emissão da nota fiscal não substitui a referida providência junto ao órgão fazendário, na linha da jurisprudência deste Tribunal Regional Eleitoral. A existência de notas fiscais contra o número de CNPJ do candidato, e ausente provas do efetivo cancelamento, retificação ou estorno, tem o condão de caracterizar a omissão de registro de despesas, infringindo o disposto no art. 53, inc. I, al. "g", da Resolução TSE n. 23.607/19. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

(...)

5. As irregularidades não sanadas alcançam a quantia de cerca de 1% do total arrecadado, autorizando a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 6. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS n. 060277309, Acórdão, Relator Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data: 06.12.2022.)

 

Acrescente-se que, como bem pontuado pelo ilustre Procurador Regional Eleitoral Auxiliar, Dr. Paulo Gilberto Cogo Leivas, "ultrapassado o prazo para o respectivo cancelamento, seria possível o estorno das Notas Fiscais, conforme Instrução Normativa 98/2011 da Subsecretariada Receita Estadual do Rio Grande do Sul, o que, igualmente, não foi demonstrado nestes autos".

De fato, a referida norma prescreve que:

20.4.2 - Nos casos em que a operação não tenha sido realizada e o cancelamento não tenha sido transmitido no prazo referido no subitem 20.4.1, a correção deve ser realizada através da emissão de NF-e de estorno, com as seguintes características:

a) finalidade de emissão da NF-e (campo FinNFe) = "3 - NF-e de ajuste";

b) descrição da Natureza da Operação (campo natOp) = "999 - Estorno de NF-e não cancelada no prazo legal";

c) referenciar a chave de acesso da NF-e que está sendo estornada (campo refNFe);

d) dados de produtos/serviços e valores equivalentes aos da NF-e estornada;

e) códigos de CFOP inversos aos constantes na NF-e estornada;

f) informar a justificativa do estorno nas Informações Adicionais de Interesse do Fisco (campo infAdFisco)."

Da leitura da norma, conclui-se que a candidata poderia ter pleiteado o estorno junto à fornecedora, caso efetivamente não tivesse feito a despesa.

Em memoriais, a prestadora de contas afirma que foi realizado o cancelamento das notas fiscais e veicula imagens de DANFEs, cuja natureza da operação é descrita como "Devolução de Mercadoria". Por terem sido trazidos apenas em memoriais, tais documentos não constam nestes autos e neles está indicada como data de emissão 24/06/2023.

Ocorre que, nos termos da Resolução TSE n. 23.607/2019, o cancelamento de documentos fiscais deve observar o disposto na legislação tributária, sob pena de ser considerado irregular (art. 59), assim como, na situação de "eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, a prestadora ou o prestador deverá apresentar a comprovação de cancelamento, junto com esclarecimentos firmados pela fornecedora ou pelo fornecedor" (§ 6º do art. 92).

Como me verifica da leitura dos dispositivos, a norma exige o cancelamento de nota fiscal e, na legislação tributária, cancelamento e devolução de mercadoria não são situações equivalentes.

A legislação tributária aplicável, no caso, o Regulamento do ICMS (Decreto nº 37.699, de 26 de agosto de 1997), no Livro II, em seu art. 20-A, prevê que a "Nota Fiscal Eletrônica poderá ser cancelada no prazo previsto em instruções baixadas pela Receita Estadual, desde que não tenha ocorrido a circulação da mercadoria ou a prestação do serviço".

Logo, ainda que se admitisse que alimentos perecíveis (salgadinhos) pudessem ser devolvidos mais de oito meses após sua entrega, a operação realizada - devolução de mercadorias - não supre as exigências da resolução de regência.

Assim, considerando que não houve a comprovação do cancelamento dos documentos fiscais relativos a gastos não contabilizados, resta caracterizada a omissão de registro de despesas, em infração ao disposto no art. 53, inc. I, al. "g", da Resolução TSE n. 23.607/2019, pela qual a prestação de contas deve conter informações relativas a todos os gastos eleitorais, devidamente especificados.

As despesas resultantes das notas fiscais omitidas, no valor de R$ 2.100,00, implicam, por consequência, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação do gasto de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal da candidata, caracterizando o recurso como de origem não identificada, cujo montante deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

Da aplicação irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC - item 4.1.3 do parecer técnico

O parecer técnico indica, no item 4.1.3, a realização de contratações pagas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC, cuja comprovação não teria atendido aos requisitos legais, as quais se passa a analisar.

A primeira falha (Inciso I) diz respeito ao contrato de locação de imóvel firmado com Alexandre Nunes Herkler, no valor de R$ 10.000,00, assim descrita pelo órgão técnico:

I) ALEXANDRE NUNES HERKLER - R$ 10.000,00

Inconsistência: Não foi apresentado documento que comprove a propriedade do imóvel locado e não consta a finalidade da locação do imóvel.

A candidata apresentou somente a folha de endereçamento da guia de IPTU 2023 (ID45411174,45412460, 45413284, 45413460) na qual constam como proprietário Maua Cia de Seguros Gerais e como responsável Marilia da Silva Azambuja, não foi apresentado o inteiro teor da guia do IPTU para análise. Ainda, apresentou certidão de casamento entre o fornecedor e a responsável pelo imóvel Marilia da Silva Azambuja (ID45411173 e 45412460) e reapresentou o contrato de locação (ID 45411175, 45412460, 45413286, 45413460).

Apresentou ainda, imagem frontal do imóvel locado ID 45413284, 45413285, 45413460 que não permite aferir de forma inequívoca que foi utilizado como sede para campanha eleitoral. Os documentos apresentados não comprovam a propriedade do imóvel de 30m2 locado por R$10.000,00, sito à Av. Tiradentes, 875, no município de Alvorada e não especificam a finalidade da locação ou não comprovam, materialmente, sua utilização para fins de campanha eleitoral no período de 16/08 a 01/10/2022,conforme art. 53, § 2º15, art. 608 da Resolução TSE 23.607/2019.

Ainda, a candidata local outro imóvel, conforme item XI, do subitem 4.1.3, deste Parecer Conclusivo. Assim, mantém-se a irregularidade no valor de R$ 10.000,00, consoante art. 53, § 2º15 e art. 60, § 3º16da Resolução TSE n. 23.607/2019.

 

Sobre a comprovação da propriedade, tenho que a fatura de energia elétrica em nome do locador, embora incompleta e apresentada depois da emissão do parecer conclusivo (45454429), demonstra ao menos a posse do bem, o que, em tese, já permitiria ao possuidor firmar o contrato de locação.

Todavia, como se observa no contrato de locação (ID 45412460), trata-se de um imóvel situado na Rua Tiradentes n. 875, em Alvorada, medindo cinco metros de largura por seis de "profundidade", o que deve equivaler, na verdade, a cinco metros de largura por seis de comprimento, resultando em 30m2.

Não há como reconhecer a regularidade da locação. A imagem juntada aos autos (ID 45413285 - pag 2), onde se divisa o número do imóvel (875), indica tratar-se de residência, de forma que foge à razoabilidade admitir o dispêndio de R$ 10.000,00 como retribuição pela locação de imóvel de 30m2 pelo curto período de 49 dias (16.08 a 03.10, de acordo com a cláusula segunda do contrato). Além disso, o locador, Alexandre, é casado com a irmã da candidata, como se verifica do cotejo entre a certidão de casamento juntada no ID 45411173 com os dados da prestadora no DivulgaCand, especialmente as certidões criminais, que contêm a filiação da candidata.

Observo ainda que o contrato, que tem por objeto a locação "do imóvel situado à Rua Tiradentes n. 875…", foi firmado em 16.8.2022 (ID 45412460), e que, na data de 09.9.2023, a esposa do locador, Marília, irmã da candidata, assinou um contrato de prestação de serviços para a campanha eleitoral no qual declarou, como residência, o mesmo imóvel (ID 45413452).

Ou seja, quase um mês depois da celebração do contrato de locação, os locadores ainda residiam no imóvel e, a título de aluguel, receberam a elevada quantia de R$ 10.000,00, proveniente de recursos públicos.

Pontuo que, pelo que se interpreta do contrato - e até pelas dimensões do imóvel -, não foi locada uma parte da casa, como uma sala ou uma área anexa, mas o próprio imóvel que, no entanto, era utilizado como residência pelo locador.

Ademais, o banner colocado na cerca da residência (foto abaixo, à esquerda), além de não comprovar que o imóvel serviu aos fins da contratação, representa afronta à legislação, uma vez que o § 5º do art. 37 da Lei n. 9.504/97 proíbe a colocação de propaganda eleitoral de qualquer natureza em muros, cercas e tapumes divisórios, mesmo que não lhes cause dano.

Aliás, um olhar mais atento às imagens dos banners instalados na cerca da casa situada na Av. Tiradentes, 875 (ID 45413285 - pag 2) e na fachada do imóvel localizado na Av. Piratini, 512 (foto da direita), também locado pela prestadora e que será objeto de análise mais adiante, revela indícios de que se trata de um único banner, instalado provisória e precariamente apenas para fins de obtenção de imagem visando corroborar a contratação. Veja-se, na borda inferior, as mesmas marcas (dobra ou corte irregular logo abaixo do n. 7, no lado inferior direito).

Trago à colação a manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral a respeito desse apontamento:

O valor da locação, dadas as características do imóvel, é claramente incompatível com o preço de mercado, o que, aliado à relação de parentesco entre a candidata e a responsável pelo imóvel e à ausência de demonstração suficiente da utilização do imóvel durante a campanha eleitoral, como esclarece o parecer conclusivo, demanda a consideração do gasto como irregular.

Deve-se registrar que o endereço do comitê de campanha informado pela candidata no RRC nº 0601311-17.2022.6.21.0000 situa-se em outro local, na Rua Flamimgos, 35 Jardim Algarve, ALVORADA - RS, CEP: 94858640. Em manifestação após o parecer conclusivo (ID 45454429), a candidata juntou uma fotografia, onde estavam reunidas algumas pessoas e a candidata no interior do imóvel, o que é claramente insuficiente para demonstrar a sua utilização de modo a justificar o valor pago.

 

Imperioso que se glose a despesa e se determine o recolhimento da quantia de R$ 10.000,00 ao erário, por se tratar de recurso público utilizado de forma irregular pela prestadora de contas.

Na sequência, passo à análise dos incs. XI, XII e XIII, que tratam de outras falhas relativas a contratos de locação de bem imóvel e de equipamentos.

Segundo apontado pelo analista das contas, a prestadora gastou a quantia de R$ 9.800,00, oriundos de recursos do FEFC, para pagamentos efetuados a JOAO ADELAR ANGER referentes a:

a) locação de um imóvel de 150m2, localizado na Av. Piratini, 512, para realização de eventos, no valor de R$ 4.500,00;

b) locação de caixas de som, mesa de som, microfones, no valor de R$ 4.500,00;

c) locação de 120 cadeiras, ao custo de R$ 800,00.

Segundo o órgão técnico, em relação ao imóvel, "não foi apresentada qualquer prova material da ocupação do salão para fins de campanha eleitoral ou documento adicional que vincule a locação no período de 09/09 a 03/10/2022" e, quanto à locação de equipamentos e cadeiras, "não foi apresentada prova material da realização de evento vinculado à campanha ou publicidade ou chamamento por qualquer meio comunicação para divulgação do evento (data, hora, local) ou registro de imagens que demonstrem a utilização dos equipamentos locados em prol da campanha".

A Procuradoria Regional Eleitoral entendeu que, "considerando os esclarecimentos trazidos pela candidata, com a demonstração razoável de realização de, no mínimo, dois eventos para a promoção da campanha, devem ser considerados regulares os gastos".

De fato, no corpo da petição de esclarecimentos complementares juntados no ID 45454429, foram apresentadas fotografias de evento reunindo um considerável número de pessoas sentadas, onde se verifica a presença da candidata e equipamentos de som.

Logo, demonstrada a utilização dos bens locados, tenho como sanada a falha.

No inc. XVIII, é apontada a ausência de informação no corpo de nota fiscal referente a materiais impressos. O parecer conclusivo apontou falha correspondente à ausência de informação no corpo da Nota Fiscal n. 6620, emitida pela LM Gráfica e Editora, no valor de R$ 875,00 (ID 45413435), quanto às dimensões do material impresso fornecido, em descumprimento ao art. 60, § 8º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Em manifestação protocolada posteriormente à apresentação do parecer conclusivo (ID 45454429), a prestadora informa que estava juntando "Carta de Correção da apontada nota fiscal", mas tal documento não se encontra nos autos.

De qualquer sorte, de acordo com pesquisa realizada pela Procuradoria Regional Eleitoral no site https://www.nfe.fazenda.gov.br/portal/principal.aspx, verifica-se a seguinte informação: "Adesivo Brilho - 7,5x7,5cm de diâmetro", restando sanada a falha.

 

Da contratação de familiares da prestadora de contas

Por fim, cabe avaliar os indícios de irregularidade na contratação de parentes para atuar na campanha da prestadora de contas.

No item 5 do parecer conclusivo, foram glosadas as contratações abaixo, firmadas com parentes da candidata, com indicativos de desvio de finalidade:

 

A prestadora, que não nega a relação de parentesco, manifestou-se no sentido de "inexistir proibição específica na legislação que proíba a contratação em evidência, além de que não há qualquer elemento que aponte para a inexecução dos serviços. Ora, tratando-se de serviço que se exige confiança do prestador, não é razoável se falar em vedação de contratação de pessoas fidedignas ao contratante".

De fato, não há óbice à contratação de parentes, desde que observadas, com mais rigor, as regras do § 12 do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral das pessoas prestadoras de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado.

E, tratando-se de RECURSOS PÚBLICOS, há que se estar atento ao princípio da moralidade, observando-se, rigorosamente, o preço de mercado e a correta demonstração da prestação do serviço.

No caso concreto, da leitura e interpretação dos contratos, avultam circunstâncias não condizentes com o esperado de alguém que administra dinheiro público. Confira-se: MARÍLIA DA SILVA AZAMBUJA foi qualificada como "do lar", mas contratada para prestar serviço de coordenação e suporte técnico na campanha. O período de realização do serviço foi de 09.09 a 01.10, mas já no dia 19.09 a contratada havia recebido INTEGRALMENTE o valor do contrato (ID 45413452).

Da mesma forma foram efetuados os contratos firmados com os familiares VLADIMIR DA SILVA AZAMBUJA e THAUI MACIEL AZAMBUJA, ambos pelo período de 09.9.2022 a 01.10.2022, ao custo de R$ 7.390,00 e R$ 6.200,00, respectivamente, o primeiro liquidado SEIS DIAS antes do final do contrato.

O mesmo ocorreu com o contrato firmado com JADY AZAMBUJA DOS PASSOS, filha da candidata, pelo período 16.8.2022 a 01.10.2022, ao custo de R$ 11.000,00, o qual no dia 08 de setembro já estava integralmente pago.

Todos os contratos firmados com familiares tinham por objeto a realização de atividades ajustadas com outros fornecedores, numa evidente sobreposição de atribuições. Para evitar repetições desnecessárias, recorro ao levantamento efetuado pela PRE, que chegou à seguinte conclusão:

(…) observa-se uma sobreposição de atribuições das atividades desempenhadas pelos contratados (ID 45413489, 45413452, 45413436, 45413468), como, por exemplo, a coordenação de equipes a cargo de Jady Azambuja e de Layissa Leão(ID 45413458); o agendamento de atividades da candidata, o registro das atividades de campanha e suporte nas redes sociais a cargo de Thaui Azambuja e Jeane Silva (ID45413495); coordenação de equipes e condução de veículos a cargo de Vladmir Azambuja e de Luis Alberto Severo (ID 45413488) e de Julio Cesar Vieira (ID 45413459) acompanhamento de agendas e distribuição de material gráfico entre Marília Azambuja e Elizabete Oliveira (ID 45413492).

 

Observo, ainda, que as fotos juntadas aos autos para demonstração da efetiva execução dos serviços contratados não se prestam ao fim desejado. Veja-se:

Contratada Marília da Silva Azambuja:

Na fl. 2 do documento ID 45413452, foi juntada uma captura de tela de vídeo publicado em rede social em que aparecem seis mulheres posando para uma selfie, uma delas com adesivo de campanha na camiseta.

Contratado Vladimir da Silva Azambuja (ID 45413468):

Contratada Jady Azambuja dos Passos (ID 45413436):

Contratada Thaui Maciel Azambuja (ID 45413489):

 

Veja-se que a última foto, atribuída a THAUI, também foi associada ao familiar VLADIMIR, o que bem demonstra a truncada sobreposição de atividades referida pela Procuradoria Regional Eleitoral, tudo às custas de dinheiro público em benefício de familiares da candidata.

De qualquer sorte, fotografias de militantes não comprovam a realização de serviços pagos, inclusive porque é perfeitamente natural que familiares se engajem e apoiem os candidatos, independentemente de estarem ou não recebendo remuneração.

No caso específico de JADY, foi juntado, para os fins do art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19 - justificativa do preço contratado -, o documento intitulado "preço de mercado", extraído do site www.vagas.com.br (ID 45412453), conforme captura de tela abaixo:

No entanto, não há nos autos qualquer notícia quanto à formação/experiência da contratada, sendo claro que o preço de mercado médio de R$ 7.056,00 é pago para profissionais graduados, especialmente em Comunicação Social, e com experiência, uma vez que o salário inicial é de R$ 4.236,00.

Como bem destacado pelo Procurador Regional Eleitoral, "embora não seja vedada, a contratação de parentes pelos candidatos deve ser acompanhada de maior grau de transparência, permitindo à Justiça Eleitoral exigir comprovação adequada da prestação dos serviços ou fornecimento de bens, a fim de concretizar o princípio da moralidade".

No mesmo sentido, menciono julgado relativo às Eleições Municipais de 2020, semelhante ao caso que ora se examina:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CARGO. VEREADOR. OMISSÃO DE DESPESAS. NOTA FISCAL NÃO REGISTRADA NA CONTABILIDADE. GASTO COM COMBUSTÍVEIS. CONTRATAÇÃO DE CÔNJUGE/COMPANHEIRO COMO FORNECEDOR DE CAMPANHA. AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS. DESPESA COM ALUGUEL DE VEÍCULO. LIMITE EXCEDIDO. AFASTADO O APONTAMENTO DE ATRASO NA ABERTURA DA CONTA BANCÁRIA. IRREGULARIDADES PERCENTUALMENTE REPRESENTATIVAS DIANTE DO TOTAL MOVIMENTADO. INVIÁVEL A APLICAÇÃO DA PROPORCIONALIDADE. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. READEQUAÇÃO, DE OFÍCIO, DA FUNDAMENTAÇÃO PARA O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Recurso contra sentença que desaprovou as contas, nos termos do art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, e determinou o pagamento de multa no valor equivalente a 100% (cem por cento) da quantia excedida na locação de veículos automotores.

(...)

3. Apesar de a legislação não prever vedação expressa à contratação de parentes como fornecedores de campanha, quando tais contratados forem remunerados com recursos públicos, é necessária atenção redobrada da Justiça Eleitoral quanto à comprovação documental do gasto, a fim de evitar o favorecimento pessoal de qualquer natureza e o prejuízo à economicidade e à moralidade que podem decorrer dessas avenças. Assim, na esteira da jurisprudência, cabe a desaprovação da contabilidade em caso de uso considerável de recursos públicos para contratar familiares sem a escorreita comprovação documental da regularidade do gasto. Na hipótese, não houve a apresentação de contrato, nota fiscal ou outro demonstrativo da despesa, cujo valor alcançou 50% da verba pública recebida pela candidata. Além disso, a quitação ocorre à margem das formas de pagamento previstas no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, posto que os extratos eletrônicos registram o "cheque compensado" em favor da candidata. Também neste ponto, inviável a determinação de recolhimento ao erário em face da preclusão.

(...)

9. Parcial provimento, apenas para afastar a irregularidade relativa ao atraso na abertura das contas bancárias de campanha, mantendo o juízo de desaprovação das contas e readequando, de ofício, o fundamento legal para imposição do recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

(Recurso Eleitoral nº 060067877, Acórdão, Relator(a) Des. FRANCISCO JOSÉ MOESCH, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 01/02/2022.)

 

Assim, por todos os ângulos em que se analise a matéria, tem-se como irregular a contratação de prestação de serviços com a filha da candidata, Jady Azambuja dos Passos, assim como com os demais familiares (Marília, Vladimir e Thaui).

A ausência de comprovação da aplicação dos recursos público atrai a obrigação de devolução dos valores ao Tesouro Nacional (art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Não obstante a Procuradoria Regional Eleitoral aponte que o valor irregular destinado aos familiares da candidata importe em R$ 29.539,00, é possível verificar em https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RS/210001621337/integra/despesas que Jady recebeu R$ 11.000,00; Marília, R$ 5.000,00; Vladimir, R$ 7.390,00; e Thaui, R$ 6.200,00, o que perfaz o total de R$ 29.590,00.

Em conclusão, e na linha do parecer ministerial, as irregularidades atingem a quantia de R$ 41.690,00 (R$ 2.100,00 + R$ 10.000,00 + R$ 29.590,00), que representa 19,23% dos recursos movimentados (no total de R$ 216.758,46, incluindo os estimáveis em dinheiro), e devem conduzir à desaprovação das contas, além da consequente determinação de recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional.

 

Ante o exposto, VOTO pela desaprovação das contas de campanha de GISELDA DA SILVA AZAMBUJA, candidata não eleita ao cargo de deputada estadual nas Eleições 2022, com fundamento no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, e pela determinação do recolhimento do montante de R$ 41.690,00 (quarenta e um mil seiscentos e noventa reais) ao Tesouro Nacional.

Ademais, nos termos do art. 81 da citada Resolução, determino a abertura de vista à Procuradoria Regional Eleitoral para, caso entender cabível, remeter cópia dos autos ao Ministério Público Eleitoral com atuação no primeiro grau, a fim de apurar eventual malversação de recursos públicos, se ainda não realizado.

Juntem-se aos autos os memoriais apresentados pela prestadora de contas.