RecCrimEleit - 0600088-03.2021.6.21.0020 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/09/2023 às 14:00

VOTO

1. PRELIMINARES

1.1. Da Admissibilidade

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

1.2. Da Inocorrência de Prescrição

Inicialmente, sublinho que não há prescrição a ser reconhecida.

Com efeito, os crimes pelos quais os recorridos foram denunciados (art. 332 do Código Eleitoral em relação a Gelson Luis Barbosa e art. 326 em relação a Rafael Miguel Radetski) possuem previsão de pena privativa de liberdade de “detenção até seis meses”, prescrevendo abstratamente em 03 (três) anos, nos termos do art. 109, inc. VI, do Código Penal, não tendo tal lapso temporal transcorrido até o momento, uma vez que a denúncia foi recebida em 13.08.2021 (ID 45139240), mantendo-se hígida, portanto, a pretensão persecutória estatal.


 

2. DO MÉRITO

Cuida-se de recurso criminal interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra a sentença proferida pelo juízo da 148ª Zona Eleitoral – Erechim/RS, que julgou improcedente a denúncia proposta, absolvendo GELSON LUIS BARBOSA da prática do crime previsto no art. 332 do Código Eleitoral, c/c o art. 14, inc. II, do Código Penal, e RAFAEL MIGUEL RADETSKI da prática do crime previsto no art. 326 do Código Eleitoral.

Embora os fatos que embasam a denúncia apresentada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL tenham ocorrido no mesmo contexto de tempo e local, passo à análise individualizada dos crimes denunciados em relação a cada acusado.


 

2.1. Art. 332 do Código Eleitoral c/c art. 14, inc. II, do Código Penal – conduta atribuída a GELSON LUIS BARBOSA.

Conforme se extrai dos autos, no dia 7 de novembro de 2020, o “Grupo Bom Dia de Comunicação”, através de sua equipe de jornalismo, promoveu debate com a participação dos candidatos que concorriam nas Eleições Municipais de 2020 ao cargo de chefe do executivo no município de Erechim/RS.

Segundo regulamento do evento (ID 45139117), cabia aos candidatos comparecer ao local do debate meia hora antes de seu início, marcado para as 8h30min, horário em que seria fechada a porta de acesso ao ambiente, nos termos do art. 2º, parágrafo único, do aludido documento.

Em que pese o regulamento ajustado, os candidatos Paulo Alfredo Polis e Flávio Augusto Tirello chegaram ao local do debate (sede da empresa jornalística) após o horário marcado, razão pela qual o recorrido GELSON LUIS BARBOSA postou-se em frente ao portão de acesso ao prédio da emissora e questionou se Paulo conhecia as regras do debate.

Neste momento, houve um “empurra-empurra” e discussão entre algumas pessoas que estavam na parte interna do imóvel (prováveis servidores da empresa responsável pelo debate) e GELSON, que foi retirado do local, oportunidade em que os candidatos ingressaram na sede da empresa, para fins de participar do evento.

Entendeu o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL com atuação em primeira instância, que o fato configurou a prática do crime do art. 332 do Código Eleitoral c/c art. 14, inc. II, do Código Penal, consistente na tentativa de impedir o exercício de propaganda, estando assim narrado na denúncia:

No dia 07 de novembro de 2020, em horário próximo às 08h30min, na sede do Jornal Bom Dia, localizada na Avenida Santo Dal Bosco, 97, Bairro Ipiranga, nesta Cidade, o denunciado GELSON LUIS BARBOSA tentou impedir o exercício de propaganda eleitoral pelos candidatos PAULO ALFREDO POLIS e FLAVIO AUGUSTO TIRELLO, postulantes aos cargos de Prefeito e Vice-Prefeito Municipais, respectivamente, somente não logrando êxito em consumar seu intento em virtude de circunstâncias alheias a sua vontade, quais sejam, a intervenção de terceiros não identificados que afastaram o acusado e permitiram a entrada das vítimas ao local de realização de debate eleitoral.

Na ocasião, a empresa jornalística Jornal Bom Dia promovia, em sua sede, debate entre os postulantes ao cargo de chefe do Poder Executivo do Município de Erechim. Alegando descumprimento do horário de chegada ao local do debate pelos ofendidos, o denunciado, que era apoiador de outro candidato, gravou um vídeo em que dizia que PAULO ALFREDO não poderia participar do debate, uma vez que não se apresentara no horário combinado. Em seguida, afirmou, para a câmera, que, no mínimo, faria um “carinho” e “meteria a grossura” no candidato, para que ele “entrasse todo cagado”, evidenciando que adotaria postura intimidatória contra o adversário político (vídeo no Evento 13).

Na sequência, quando os ofendidos chegaram ao local do debate, o denunciado postou-se junto ao portão da sede da empresa jornalística, de modo a impedir a passagem dos candidatos. Ato contínuo, questionou a vítima PAULO ALFREDO se ele tinha as regras do debate (referindo-se ao horário de chegada ao local). Diante do silêncio dos candidatos, que tentavam ingressar no local do evento, o acusado, valendo-se de seu superior porte físico, seguiu obstruindo a passagem dos ofendidos, no intuito de impedir a participação destes no meio de propaganda eleitoral previsto em lei.

O impedimento só não se consumou em razão da intervenção de terceiros (aparentemente, seguranças de empresa privada contratados pela empresa que promovia o debate), que precisaram fazer uso de força moderada para liberar o acesso ao prédio, tendo o denunciado, inclusive, lançado mão de força física para reagir à ação dos vigilantes, até ser dissuadido por seus correligionários (vídeo no Evento 14).


 

O tipo descrito no art. 332 do Código Eleitoral possui a seguinte redação:

Art. 332. Impedir o exercício de propaganda:

Pena – detenção até seis meses e pagamento de 30 a 60 dias-multa.


 

Consoante ensina José Jairo Gomes, “no vertente art. 332 a conduta do agente dirige-se contra o próprio ato de realizar propaganda, a qual, em razão disso, não vem a ser ultimada”. Aponta o doutrinar, ainda, que “o dolo é de dano”, tratando-se “de crime material cuja consumação se dá com o efetivo impedimento da propaganda” (GOMES, José Jairo. Crimes eleitorais e processo penal eleitoral. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2022, p. 182-183).

No caso em apreço, contudo, conforme muito bem destacado na sentença proferida pelo Juiz Eleitoral da 148ª Zona (ID 45139324) e no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (ID 45487493), as provas produzidas não evidenciam o dolo do agente em praticar o crime denunciado.

Com efeito, em seu interrogatório, GELSON LUIS BARBOSA, apoiador de candidato adversário a Paulo e Flávio, sustentou que, no dia dos fatos, foram gravados diversos vídeos em frente à empresa responsável por realizar o debate, alguns em “tom inflamado”, visando causar impacto nos eleitores, pois não possuíam dinheiro para investir em publicidade, mas sem ofensas aos candidatos. Em relação ao fato narrado na denúncia, alegou que os candidatos estavam atrasados para participar do debate, motivo pela qual o declarante postou-se, às 8h39min, em frente ao portão da empresa responsável pela realização do evento, visando “intimidar” e deixar o candidato “desconfortável com a situação”, uma vez que não tinha respeitado o horário para chegada. Narrou estar de costas para o portão, que estava chaveado, tendo se posicionado para questionar o candidato Paulo Alfredo Polis, “mas não como forma de impedi-lo, simplesmente até o pessoal liberar”. Disse que, após tal fato, foi agredido, verbal e fisicamente, por pessoas que estavam no interior do imóvel da empresa jornalística, tendo reagido em autodefesa. Mencionou que, em determinado momento, alguém informou que haviam liberado os candidatos para adentrar no local, tendo o interrogado “saído tranquilamente”, inclusive cumprimentado e pedindo desculpas aos envolvidos. Alegou que assim que houve liberação para a participação de Paulo e Flávio no debate, pela empresa jornalística responsável, saiu do local, permitindo o ingresso daqueles. Sustentou que um senhor que estava presente lhe disse que “fez as regras e poderia mudar a hora que quisesse, e que se ele quisesse liberar o Polis, ele liberaria”, tendo o recorrido dito que ficaria em frente ao portão “até alguém lá de dentro liberar ele, se não, não iria sair”.

Destaca-se que antes da chegada dos candidatos Paulo Alfredo Polis e Flávio Augusto Tirello ao local dos fatos, o recorrido GELSON LUIS BARBOSA gravou um vídeo informando o atraso deles ao debate, dizendo: “as regras são claras, o candidato que não chegou até as 8h30 está proibido de entrar. Então ele já não participa do debate ou, pelo menos, nós vamos fazer um carinho nele a hora que ele chegar aqui, pra ele aprender a respeitar o horário, aprender a respeitar as pessoas de Erechim”. Ainda, mencionou: “nós vamos meter a grossura nele aqui na frente do portão, pra ele já chegar e entrar cagado lá dentro”.

As próprias vítimas, ao serem ouvidas em juízo, alegaram que a conduta do recorrido tinha o intento, aparentemente, de desestabilizar os candidatos para o debate, e não de impedi-los de participar o evento.

Paulo Alfredo Polis, candidato a prefeito nas Eleições Municipais de 2020, alegou que, no dia dos fatos, se dirigiu até o local do debate promovido pelo Jornal Bom Dia e presenciou um tumulto, com bloqueio da entrada ao prédio em que se realizaria o evento. Disse tratar-se de um momento da campanha eleitoral onde os ânimos estavam bem exaltados, e que havia bastante gente gritando e xingando no local, mas que não sofreram agressões físicas. Sustentou que, em razão do tumulto que ocorria em frente ao prédio onde realizado o debate, foi orientado pelo diretor do Jornal responsável pelo evento a “segurar um pouco” até que tentassem desobstruir o acesso de entrada ao local. Alegou que o ocorrido atrasou um pouco o debate, mas que este ocorreu normalmente, tendo atrasado no máximo dez a quinze minutos. Sustentou já ter participado de vários debates anteriores e “que sabe como é”, mas que eles “exageraram um pouco na dose”, tentando abalar e desestabilizar emocionalmente o declarante, acreditando que eles não queriam agredi-los, mas causar tumulto.

Flávio Augusto Tirello sustentou que estava acompanhando o então candidato Paulo Polis no debate, bem como que, alguns minutos antes de chegarem ao local, o proprietário do Jornal ligou pedindo para que atrasassem a chegada em razão de um tumulto que havia na porta de acesso do evento. Disse que quando chegaram no local o recorrido GELSON estava visivelmente alterado e não deixava o declarante e Paulo entrar, mas que não houve agressões físicas por parte daquele. Mencionou que o debate começou na hora marcada, tendo ocorrido um problema de transmissão posterior, com queda de luz, que atrasou o término do evento. Alegou que, em que pese os ânimos exaltados, estavam tranquilos, acreditando que a intenção de GELSON era que o declarante e Paulo partissem para o conflito, o que não ocorreu.

Conforme se extrai, ao se postar em frente ao portão de acesso ao local em que se realizaria o debate, o recorrido GELSON pretendia, aparentemente, cobrar os candidatos Paulo Alfredo Polis e Flávio Augusto Tirello quanto ao atraso e consequente descumprimento às regras previamente estabelecidas para o debate, bem como pressioná-los no intuito de desestabilizá-los emocionalmente, e não os impedir de participar do evento.

Nesse sentido, também, foi a prova testemunhal colhida.

Laudir da Silva Reis sustentou estar presente no local dos fatos, “do outro lado da rua”, tendo presenciado quando GELSON postou-se em frente ao portão e, em razão do atraso de Paulo Alfredo Polis, mostrou “uns papéis” ao candidato, não tendo ouvido as palavras ditas. Mencionou que quando os candidatos chegaram ao local o portão estava fechado, pois já havia decorrido o horário limite para acesso. Questionado pela defesa sobre se GELSON tinha intenção de impedir a participação de Paulo ao debate, sustentou “creio que não, pois o portão já estava fechado, já estava chaveado, não seria ele que iria impedir”. Que viu GELSON mostrando um papel e questionando Paulo sobre o horário.

Luiz Hernanes Cecílio disse estar presente no local dos fatos e que presenciou quando GELSON interpelou os candidatos Polis e Tirello, questionando-os se conheciam as regras do debate e que precisariam aguardar a autorização dos responsáveis pelo debate para acessar o local. Sustentou que após a abertura do portão, GELSON não obstruiu mais o acesso, tendo os candidatos ingressados no local do debate.

André Roberto da Silva Colla disse ter presenciado os fatos, pois estava do outro lado da rua em que ocorreram, sendo que no local havia mais de uma dezena de pessoas, entre transeuntes e apoiadores dos demais candidatos que participariam do debate. Mencionou que o recorrido GELSON postou-se em frente ao portão somente após o horário limite para a chegada dos candidatos ao evento.

O jornalista Rodrigo Finardi, responsável pela organização e mediação do debate, sustentou que, no momento em que os fatos ocorreram, estava no interior do prédio onde se realizou o evento, não os tendo presenciado pessoalmente. Alegou ter tomado conhecimento do ocorrido por terceiros e que, em razão da tentativa de obstrução da porta de acesso pelo recorrido GELSON, questionou aos demais candidatos se concordavam com a participação de Paulo Polis no debate, uma vez que não tinha ingressado no prédio até o horário marcado, oportunidade em que todos aceitaram. Sustentou que o incidente não ocasionou atraso ao debate, que iniciou no horário marcado.

Roberto Pedro Lucas sustentou não ter presenciado os fatos, pois estava na parte interna do Jornal Bom Dia, para o debate. Alegou que as regras do debate estabeleciam que os candidatos deveriam comparecer ao debate até as 8h30min, no máximo, sendo estas enviadas a todos candidatos. Disse que não seria possível ao mediador do debate, Rodrigo Finardi, ter presenciado os fatos ocorridos na parte externa do prédio, pois estava junto com o declarante e os demais candidatos na parte interna do estúdio onde realizado o evento. Mencionou que os candidatos Polis e Tirello chegaram atrasados ao debate, além do horário estipulado no regramento, sendo que o jornalista responsável questionou aos demais candidatos sobre a participação daqueles, os quais concordaram em continuar o debate normalmente.

Assim, entendo correta a conclusão do juízo de primeiro grau, cujos fundamentos adoto como razões de decidir:

[…] Gelson não tinha a real intenção de impedir a propaganda por parte dos candidatos Paulo Alfredo Pólis e Flávio Augusto Tirello, sua inconformidade se devia ao fato de estarem atrasados, desrespeitando as regras do debate e que por tal motivo deveriam ser excluídos do evento, militando em prol de seu candidato Tiago The Police. Ao que tudo indica, sua conduta teve por escopo a desestabilização do candidato e não, propriamente, impedir que participasse do debate.

A própria vítima em seu depoimento pessoal revela que acreditava que a intenção era apenas desestabilizá-lo para o debate e que achara que não chegaria a vias de fato.

Dessa forma, ainda que o denunciado Gelson tenha usado palavras contundentes e grosseiras no vídeo que gravou, bem como tenha apresentado comportamento deveras truculento e reprovável, não se verifica o efetivo intento de coibir o exercício de propaganda, senão de causar desestabilização nos debatedores contrários ao seu candidato” (ID 45139324)


 

Diante disso, por não estar evidenciado o elemento subjetivo do tipo penal descrito no art. 332 do Código Eleitoral, consistente na vontade livre e consciente de GELSON LUIS BARBOSA em impedir ou tentar impedir os candidatos Paulo Alfredo Polis e Flávio Augusto Tirello de participarem do debate promovido pela TV Bom Dia, do Município de Erechim/RS, imperiosa a manutenção da sentença absolutória, na linha da manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral.

Assim, o recurso apresentado merece ser desprovido quanto ao presente fato.

2.1. Art. 326 do Código Eleitoral – conduta atribuída a RAFAEL MIGUEL RADETSKI.

Logo após os fatos acima descritos, nas mesmas circunstâncias de tempo e local, no intuito de prejudicar a imagem do candidato atacado (propaganda eleitoral negativa), o recorrido RAFAEL MIGUEL RADETSKI teria, segundo o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, ofendido a dignidade e o decoro do candidato Paulo Alfredo Polis, ao chamá-lo de “corrupto” e “jaguara”, praticando o crime descrito no art. 326 do Código Eleitoral.

O fato está assim descrito na denúncia:

Nas mesmas condições de tempo e local, pouco após o 1.º Fato narrado nesta peça, o denunciado RAFAEL MIGUEL RADETSKI injuriou o candidato ao cargo de Prefeito Municipal PAULO ALFREDO POLIS, visando a fins de propaganda eleitoral, ofendendo-lhe a dignidade e o decoro, ao chamá-lo de “corrupto” e “jaguara".

Na ocasião, após o codenunciado GELSON ter sido retirado do acesso ao prédio onde seria realizado o debate, a vítima PAULO ALFREDO dirigiu-se ao portão para ingressar na sede da empresa jornalística. Nesse momento, o denunciado RAFAEL passou a repetir a expressão “oito e trinta”, referindo-se ao horário combinado para a chegada dos candidatos ao evento, e, em seguida, disse: “mas é um corrupto dum jaguara mesmo, corrupto dum condenado, condenado” (sic).

As ofensas foram registradas em arquivo de vídeo, possivelmente gravado pelo próprio denunciado RAFAEL, que foi repassado, pelo aplicativo WhatsApp, a indeterminado número de eleitores do Município de Erechim, no intuito de prejudicar a imagem do candidato ofendido (propaganda eleitoral negativa).


 

O crime do artigo 326 do Código Eleitoral, denominado “injúria eleitoral”, se configura quando o agente, de forma dolosa, na propaganda eleitoral ou visando fins de propaganda, ofende a dignidade ou o decoro de outrem, postulante ou não a mandato eletivo. Discorrendo sobre o crime, Rodrigo López Zilio afirma:

A injúria eleitoral se configura com a imputação a alguém de predicado que lhe ofenda a dignidade e o decoro. Em síntese, consiste em uma ofensa pessoal que atinge a dignidade ou o decoro do ofendido. A injúria é o insulto, é a ofensa – que se resume pelo emprego de uma expressão indecorosa ou ultrajante que termine por causar vexame ou constrangimento. Não é necessário que se trate de fato determinado e também desimporta se verdadeiro ou falso; basta seja realizada a conduta com palavras ou expressões ofensivas à dignidade ou ao decoro do ofendido” (ZILIO, Rodrigo López. Crimes Eleitorais. Salvador: Ed. JusPodvim, 2016, pg. 173).


 

No caso dos autos, embora o vídeo utilizado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL para oferecer a denúncia em face de RAFAEL MIGUEL RADETSKI demonstre uma pessoa ofendendo o então candidato Paulo Alfredo Polis, ao chamá-lo de “corrupto” e “jaguara”, a autoria delitiva não restou suficientemente comprovada pela prova produzida.

 Em seu interrogatório, RAFAEL MIGUEL RADETSKI negou os fatos que lhe foram imputados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL. Sustentou não ter gravado vídeos ou dirigido a palavra aos então candidatos Polis e Tirello, pois estava do outro lado da rua. Disse que, no local, havia um grande número de pessoas, “com certeza muito mais de trinta pessoas”, e que proferiam palavras aos candidatos, em especial a Paulo Polis, não tendo se aproximado do tumulto, tendo permanecido do outro lado da rua. Alegou que em nenhum momento proferiu palavras contra os candidatos e que não conseguiu ver quem fez a filmagem, mas que no local havia várias pessoas filmando.

A negativa de autoria apresentada pelo recorrido é corroborada pelos depoimentos das testemunhas de defesa.

Com efeito, Laudir da Silva Reis disse que estava com o recorrido RAFAEL no momento dos fatos, “do outro lado da rua”, e quando GELSON foi agredido, o declarante e RAFAEL atravessaram a rua e foram até onde estava aquele, visando acalmar os ânimos, não tendo, contudo, ouvido este falar qualquer impropério. Alegou não ter visto o recorrido RAFAEL gravando um vídeo ou proferindo agressões verbais contra os presentes, sendo que no local havia várias pessoas gritando.

No mesmo sentido, a testemunha Luiz Hernanes Cecílio disse ter visto o recorrido RAFAEL no local dos fatos, mas que não o presenciou gravando vídeo ou ofendendo os candidatos presentes, bem como que ouviu, “por várias vezes”, algumas pessoas proferindo palavras injuriosas e pejorativas a Flávio e Polis. Que não viu quem fez as filmagens que embasam a denúncia do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, pois haviam várias pessoas no local.

Nem mesmo a vítima Paulo Alfredo Polis e seu candidato a vice-prefeito, Flávio Augusto Tirello, atribuíram ao recorrido a autoria do vídeo e das palavras ofensivas que foram proferidas naquele dia, tendo este último dito, apenas, que a identificação de RAFAEL como autor do vídeo foi feita “por terceiros”.

Em seu depoimento acerca deste fato, Paulo Alfredo Polis disse que foram proferidas várias ofensas e xingamentos pelas pessoas que estavam presentes, não lembrando exatamente das palavras que foram ditas, nem sabendo identificar seus autores. Ao ser questionado sobre a frase que consta na denúncia, “mas é um corrupto de um jaguara mesmo, corrupto de um condenado, condenado”, alegou que não conseguiu identificar a autoria. Alegou que estava focado em entrar no local e participar do debate, razão pela qual não prestou muita atenção em quem estava proferindo as ofensas.

Flávio Augusto Tirello, ao ser questionado sobre as frases e palavras descritas na denúncia, disse tratar-se do autor do vídeo, o recorrido Rafael, que os chamou de “ladrão, corrupto, cachorro”. Contudo, disse que não pôde identificar Rafael pela voz, pois não o conhece, mas que a identificação foi feita por outras pessoas que viram o vídeo.

As demais pessoas ouvidas em juízo alegaram não ter presenciado os fatos.

A única prova que atribui ao recorrido RAFAEL MIGUEL RADETSKI a autoria das frases injuriosas descritas na denúncia é o laudo pericial de ID 45139302, realizado por perito criminal federal, que conclui que “o resultado dos exames, descritos em detalhes na seção III.4 – Análises Realizadas, corrobora moderadamente a hipótese de que as amostras de fala padrão atribuídas a RAFAEL MIGUEL RADETSKI, descrito na seção I.1 – Material Padrão, e questionadas, descritas na seção I.2 – Material Questionado, foram produzidas pelo mesmo indivíduo, correspondendo ao nível +2 da escala apresentada na seção III.1 – Fundamentos do exame de Comparação de Locutor, cuja faixa varia de -4 a +4”.

Realizada a comparação entre a voz de RAFAEL, colhida durante a audiência de instrução e julgamento do processo criminal, e a voz que consta no vídeo que embasou a denúncia apresentada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, a perícia concluiu que “o resultado corrobora moderadamente a hipótese” de convergência entre os áudios.

Contudo, além de a prova pericial não garantir um juízo de certeza quanto a autoria das falas que constam vídeo gravado, pois, em uma escala de - 4 a + 4, o resultado foi +2, a prova oral produzida foi firme ao negar que elas tenham sido proferidas pelo recorrido RAFAEL MIGUEL RADETSKI.

Assim, não havendo certeza quanto à autoria delitiva, imperiosa a manutenção da sentença a quo que absolveu o recorrido do crime pelo qual denunciado, com esteio no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal, em homenagem aos princípios da presunção da inocência e in dubio pro reo, uma vez que o órgão acusador não se desincumbiu do ônus de comprovar, de forma segura e inconteste, a autoria do crime de injúria eleitoral denunciado.


 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso, para manter a sentença absolutória em favor de GELSON LUIZ BARBOSA, com fundamento no art. 386, inc. III, do Código de Processo Penal, bem como para manter a sentença absolutória em favor de RAFAEL MIGUEL RADETSKI, com fundamento no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.