REl - 0600414-96.2020.6.21.0084 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/09/2023 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

 

Do pedido de atribuição de duplo efeito ao recurso

Inicialmente, em relação ao requerimento de recebimento do recurso no duplo efeito, registro que, em sede de processo eleitoral, há de se observar o disposto no art. 257, § 2º, do Código Eleitoral, in verbis:

Art. 257. Os recursos eleitorais não terão efeito suspensivo.

(…)

§ 2º O recurso ordinário interposto contra decisão proferida por juiz eleitoral ou por Tribunal Regional Eleitoral que resulte em cassação de registro, afastamento do titular ou perda de mandato eletivo será recebido pelo Tribunal competente com efeito suspensivo.

Como se depreende do dispositivo transcrito, os recursos interpostos contra sentenças proferidas em processos de prestação de contas eleitorais não se inserem dentre as hipóteses permissivas de atribuição de efeito suspensivo.

Ademais, o recolhimento de valores movimentados em desacordo com as normas que disciplinam as receitas derivadas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) deverá ser comprovado no prazo de até 5 (cinco) dias contados da data do trânsito em julgado da decisão que versar sobre a contabilidade eleitoral, de sorte que, enquanto houver recurso pendente de análise jurisdicional, a sentença, ex vi legis, não gera qualquer restrição à esfera jurídica da parte recorrente.

Por essas razões, ausentes previsão legal e interesse processual na atribuição judicial de efeito suspensivo ao recurso, indeferido o pedido.

 

Dos documentos juntados em sede recursal

No âmbito dos processos de prestação de contas de campanha, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando da sua simples leitura pode restar sanada irregularidade, não havendo necessidade de nova análise técnica.

Potencializa-se o direito de defesa, especialmente quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente no exame da contabilidade, de forma a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no financiamento da campanha, como denota-se da ementa abaixo colacionada:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. CONHECIDOS OS DOCUMENTOS JUNTADOS AO RECURSO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. COMPROVADA ORIGEM DAS VERBAS INJETADAS NA CAMPANHA. AFASTADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas de candidato ao cargo de vereador, nas eleições de 2020, e determinou o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional.

2. Conhecidos os documentos juntados com o recurso. No âmbito dos processos de prestação de contas de campanha, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura, primo ictu oculi, pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica.

3. Recebimento de recursos de origem não identificada. Depósito em espécie na conta de campanha, em violação ao disposto no art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19. Mesmo na suposta hipótese de utilização de recursos próprios, o preceito normativo impõe que o aporte financeiro ocorra mediante transferência bancária entre a conta da pessoa física do candidato e a conta específica de campanha, sob pena de comprometimento da transparência de operação. Contudo, esta Corte tem arrefecido o rigor de disposições desta natureza quando o prestador, por outros meios, atinge o fim colimado pela norma, qual seja, a demonstração segura da origem dos recursos.

4. Na espécie, comprovado por documentos bancários idôneos e congruentes que a verba injetada na campanha provém de recursos próprios do candidato. Afastada a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional. Entretanto, tais elementos de prova não logram desconstituir a irregularidade formal, mantendo-se a ressalva às contas.

5. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Afastada a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS, REl n. 0600288-60.2020.6.21.004750460, Relator: Des. Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, Data de Julgamento: 01.02.2023.) (Grifei.)

No caso, reconheço, na linha do parecer apresentado pela Procuradoria Regional Eleitoral, que a parte juntou ao feito um número excessivo de documentos. Todavia, os elementos necessários à elucidação das demandas encontram-se em apenas 7 (sete) arquivos, consistentes em imagens de cheques, contratos e recibos, todos passíveis de simples verificação.

Por essa razão, conheço dos documentos acostados com o recurso (IDs 44916577, 44916580, 44916585, 44916586, 44916587, 44916600 e 44916601).

 

Mérito

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de ANDRÉ LAERCIO VENZKE FENNER, candidato ao cargo de vereador do Município de Cerro Grande do Sul/RS pelo Partido Social Liberal - PSL, contra sentença do Juízo da 84ª Zona Eleitoral - Tapes, referentes às Eleições Municipais de 2020, em virtude do uso irregular de valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC, a qual culminou com a determinação de recolhimento do montante de R$ 700,00 ao Tesouro Nacional.

Em síntese, a decisão exarada na origem apontou a existência de divergências entre o constante nos extratos bancários da conta destinada aos recursos do FEFC e o declarado pelo recorrente no Sistema de Prestação de Contas Eleitorais (SPCE), em afronta ao art. 53, inc. I, al. "g", e inc. II, al. "a", da Resolução TSE n. 23.607/19.

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

I - pelas seguintes informações:

[...]

g) receitas e despesas, especificadas;

[...]

II - pelos seguintes documentos, na forma prevista no § 1º deste artigo:

a) extratos das contas bancárias abertas em nome do candidato e do partido político, inclusive da conta aberta para movimentação de recursos do Fundo Partidário e daquela aberta para movimentação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), quando for o caso, nos termos exigidos pelo inciso III do art. 3º desta Resolução, demonstrando a movimentação financeira ou sua ausência, em sua forma definitiva, contemplando todo o período de campanha, vedada a apresentação de extratos sem validade legal, adulterados, parciais ou que omitam qualquer movimentação financeira;

 

Irresignado, o prestador alega que as falhas, as quais entende de pequena monta, frente a documentação carreada com o apelo, podem ser superadas. Assevera, ainda, que a perda de prazo para manifestação na instância original foi motivada pela centralização das contas pela direção estadual do PSL.

Compulsando o Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (DivulgaCand), pode-se aferir que a conta direcionada ao ingresso de valores do FEFC, no dia 05.11.2020, apresentou a emissão do cheque n. 6, no valor de R$ 600,00, debitado por COMÉRCIO DE COMBUSTÍVES JOI LDTA, CNPJ n. 23.218.179/0001-53; e, na data de 09.11.2020, o desconto da cártula n. 7, na importância de R$ 100,00, por SUPERMERCADO SCHWALM LTDA, CNPJ n. 01.396.676/0001-59 (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/85944/210000878254/extratos. Acesso em 20.6.2023)

De outro vértice, o prestador, em seu acervo contábil, declarou que os cheques foram destinados a GILMAR GIBINSKI (cheque 6 - R$ 600,00) e Leilaine Hollas (cheque 7 - R$ 100,00) pelos serviços de militância e locação de veículo, respectivamente.

Com efeito, superada a questão dos documentos carreados em segunda instância, os quais entendi por conhecer, na medida que passíveis de simples aferição, o recorrente logrou êxito em demonstrar a destinação dos valores públicos.

Se não, vejamos.

No que toca ao débito de R$ 600,00, declarado como contratação de GILMAR GIBINSKI, CPF n. 60396032087, o recorrente trouxe ao feito o contrato firmado pelo serviço de militância, ID 44916585 e 44916586; recibo pelos préstimos no ID 44916600; e cheque nominal, n. 6, no valor registrado, ID 44916577.

Quanto ao ponto, reconheço que existe jurisprudência no sentido de refutar débitos adimplidos mediante cheque não cruzado e não descontado em conta bancária, visto que inviabilizada a aferição do destinatário da cártula, não atendido, assim, o comando do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Entretanto, ainda que mantida a ressalva relativa à falta de cruzamento, o caso aqui se distingue, na medida que houve o depósito em conta (vide DivulgaCand - https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/85944/210000878254/extratos. Acesso em 29.09.2023), de forma a identificar o depositante da ordem de pagamento e atender a finalidade da norma.

Segue aresto deste TRE/RS nesse sentido:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PREFEITO E VICE. APLICAÇÃO IRREGULAR DE VERBAS ORIUNDAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. FALHA PARCIALMENTE SANADA. PERSISTÊNCIA DO APONTAMENTO RELATIVO A CHEQUE SACADO SEM IDENTIFICAÇÃO DO ENDOSSATÁRIO. ALTO PERCENTUAL. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas relativas às eleições de 2020 de candidatos para os cargos de prefeito e vice, impondo a ordem de recolhimento de quantias irregulares ao Tesouro Nacional. 2. Pagamento de despesas com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) sem a identificação do beneficiário. Matéria disciplinada no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Na hipótese, embora os cheques não tenham sido originalmente cruzados, foram efetivamente depositados nas contas bancárias dos endossatários, alcançando o objetivo de conferir transparência à contabilidade com o registro de cruzamento dos títulos de crédito. Em situações como esta, este Tribunal Regional Eleitoral vem decidindo que, havendo o depósito da ordem de pagamento em conta bancária de terceiro em razão de endosso do título de crédito, deve se entender que a finalidade da norma foi atingida. 3. Persistência da falha com relação ao cheque sacado sem identificação do endossatário. A ausência de depósito desse valor em conta impediu que os batimentos realizados pela Justiça Eleitoral por via do sistema bancário pudessem ser realizados em relação a esse pagamento. Os documentos que comprovam a contratação dos fornecedores - contratos, notas fiscais e recibos de pagamento - não suprem a necessidade de que o lastro do pagamento seja registrado na própria operação bancária de crédito, conforme a diretriz jurisprudencial deste Regional. Recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, consoante prevê o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. 4. A irregularidade representa 11,97% do somatório das receitas auferidas para o custeio da campanha e ultrapassa o parâmetro de R$ 1.064,10 que a disciplina normativa das contas considera módico, impedindo a incidência dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade. Manutenção do juízo de reprovação das contas. 5. Parcial provimento. Redução do montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - REl: 06008217320206210029 SÉRIO - RS, Relator: Des. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, Data de Julgamento: 25/04/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 74, Data 28.04.2023 )

Para além, o prestador trouxe aos autos farto material, incluindo foto da própria cártula, emitida nominalmente, de forma que o liame necessário a comprovação dos reais fins das verbas públicas restou suficiente demonstrado.

Na mesma linha, segue ementa de recente julgado da Corte Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA. PREFEITO E VICE-PREFEITO. DESAPROVAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO ERÁRIO. SÍNTESE DO CASO 1. O Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão manteve, à unanimidade, a sentença que desaprovou as contas de campanha do agravante, referentes às Eleições de 2020, quando concorreu ao cargo de prefeito do Município de Carolina/MA, com a determinação de recolhimento, ao Tesouro Nacional, dos recursos de origem não identificada, no valor de R$ 8.216,99, bem como dos recursos recebidos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), no montante de R$ 77.280,65. 2. Na decisão agravada, o agravo em recurso especial teve seguimento negado por não ter sido reconhecida a alegada violação aos dispositivos legais invocados, bem como pela incidência do óbice do verbete sumular 24 do Tribunal Superior Eleitoral, tendo sido interposto agravo regimental. ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL 3. (...). 4. No que respeita ao pagamento a fornecedores de bens e serviços e de atividades de militância por meio de cheque nominal não cruzado, é certo que a Corte de origem assinala que foram anexados "notas fiscais, contratos de prestação de serviços, declarações e cópias de cheques", embora tenha entendido que o pagamento desses gastos por meio de cheque nominal não cruzado (ao invés de cruzado) seria suficiente para manutenção da falha. 5. A jurisprudência admite que - mantida a glosa em face da não observância da formalidade preconizada quanto à necessidade de emissão de cheque nominal cruzado para quitação de despesas - não é caso de determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional se há a comprovação da própria regularidade do gasto. Nesse sentido: Recurso Especial 0602985-69, rel. Min. Og Fernandes, rel. designado Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 16.8.2021; Recurso Especial 0602104-92, rel. Min. Carlos Horbach, DJE de 20.10.2021. CONCLUSÃO Agravo regimental provido em parte, a fim de prover o agravo em recurso especial eleitoral e, desde logo, prover em parte o recurso especial eleitoral, para, subsistente a desaprovação das contas do candidato a prefeito Erivelton Teixeira Neves, manter a determinação de recolhimento, ao Tesouro Nacional, somente dos recursos de origem não identificada, no valor de R$ 8.216,99 (oito mil, duzentos e dezesseis reais e noventa e nove centavos) e, ainda, de R$ 6.001,00 (seis mil e um reais), decotado, portanto, o valor de R$ 71.279,65.

(TSE - AREspEl: 06002034620206100026 CAROLINA - MA 060020346, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 09/03/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 47) Grifei.

 

A corroborar, segue acórdão deste Corte em que alcançado o mesmo entendimento:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. VEREADORA. DESAPROVADAS. QUITAÇÃO DE SERVIÇOS CONTRATADOS VIA CÁRTULA NOMINAL NÃO CRUZADA. AFRONTA AO ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. DEMONSTRADA A DESTINAÇÃO DOS CRÉDITOS PÚBLICOS. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. OBSERVÂNCIA DO ART. 60, § 1º, DA REFERIDA RESOLUÇÃO. COMPROVAÇÃO POR MEIOS IDÔNEOS DA DESTINAÇÃO DOS RECURSOS DO FEFC. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. AFASTADO O DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas de candidata, relativas ao pleito de 2020, em virtude da utilização de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC no adimplemento de serviços prestados, mediante cheques não cruzados e sem o nome completo do destinatário, em afronta ao art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

2. As despesas eleitorais, quando da sua quitação via ordem de pagamento, devem guardar atenção ao disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que as cártulas devem ser emitidas na forma nominal e cruzada. No caso, ficou demonstrada com segurança, pelo cotejo entre a documentação previamente constituída e a colacionada nesta instância, a escorreita destinação dos créditos públicos auferidos pela prestadora. Assim, ainda que não atendido o comando do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, a candidata desincumbiu-se do ônus de comprovar a destinação da verba pública, em observância ao art. 60, § 1º, da referida regra eleitoral. Comprovada, por outros meios idôneos, a apropriada destinação dos recursos do FEFC. Mantida a mácula quanto ao não cruzamento e indicação da contraparte. Contas julgadas aprovadas com ressalvas. Afastada a ordem de devolução de valores ao erário.

3. Provimento. Aprovação com ressalvas. Afastado o dever de recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE/RS. Processo Rel n. 0600408-17.2020.6.21.0108. Relator Des. Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli. Julgado em: 25.11.2022) (Grifei.)

 

Friso, ainda, que a exigência do cruzamento destina-se a garantir que o pagamento se dê, exclusivamente, por depósito em conta-corrente, o que ocorreu no feito, na medida em que, conforme extrato eletrônico, ambos foram creditados em contas no Banrisul, embora por destinatário distinto do constante na prestação de contas.

Nesse sentido, calha lembrar que as ordens de pagamento, ainda que nominais e cruzadas, podem ser endossadas por meio de assinatura no verso. É o disposto no art. 17, § 1º, da Lei n. 7.357/85 (Lei do Cheque), o qual indica que para proibir o endosso de cheque, ainda que nominal e cruzado, deve-se marcar como "não à ordem" a cártula, pois todo o cheque, por padrão, apresenta a expressão "à ordem", podendo ser endossado normalmente. Porquanto, para proibir a concessão deve-se riscar o "à ordem" e colocar "não à ordem" em cima, todavia o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 não contempla a exigência de vedação ao endosso.

É o entendimento sufragado em recente julgado desta Corte:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. ELEIÇÕES 2020. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. CONHECIMENTO DE DOCUMENTOS JUNTADOS NA FASE RECURSAL. DESNECESSIDADE DE NOVA ANÁLISE TÉCNICA. MÉRITO. EMISSÃO DE CHEQUES. PAGAMENTO DE DESPESA COM VERBAS PÚBLICAS E PRIVADAS SEM OBSERVÂNCIA DA FORMA PREVISTA EM LEI. IRREGULARIDADE AFASTADA EM RELAÇÃO A UM CHEQUE E MANTIDA EM RELAÇÃO AOS DEMAIS. FALHAS QUE SE ENCONTRAM ACIMA DO PARÂMETRO LEGAL. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. REDUÇÃO DO VALOR A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou a prestação de contas de candidato a vereador relativa ao pleito de 2020, em razão do pagamento de despesa com verbas privadas e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC, sem observância da forma prevista em lei. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional. 2. Preliminar. Conhecimento de documento juntado com a peça recursal. Situação que na classe processual sob exame, prestação de contas, não apresenta prejuízo à tramitação do processo, mormente quando se trata de documentos simples, capazes de esclarecer as irregularidades apontadas sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. A medida visa salvaguardar, sobretudo, o interesse público na transparência da contabilidade de campanha e a celeridade processual, conforme precedentes desta Corte. 3. Irregularidades na emissão de cinco cheques utilizados para o pagamento de gastos eleitorais. Um associado à conta bancária "Outros Recursos", e os outros à conta destinada ao trânsito das verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC. Os documentos apresentados não lograram detalhar os locais de trabalho, as horas trabalhadas, a especificação das atividades executadas e a justificativa do preço contratado. A legislação exige que a emissão de cheque obedeça a ambos os requisitos, nominalidade e cruzamento. E, quanto aos documentos, é impositivo que os contratos sejam detalhados e as notas fiscais dos gastos, apresentadas. 4. No extrato da conta "Outros Recursos", disponível no DivulgaCand, o único cheque nessa conta teve a descrição da operação como "CHEQUE", sem indicação da contraparte. Ainda, na cópia da microfilmagem do documento juntado pelo prestador, não se verifica a alegada assinatura no verso da cártula. Irregularidade mantida, pois não há segura comprovação do beneficiário do pagamento. Por se tratar de verba privada, descabe a determinação de seu recolhimento. 5. Cheque preenchido conforme as exigências legais - nominal e cruzado. A legislação eleitoral, ao estabelecer as formas admitidas para quitação dos gastos eleitorais, não inclui a emissão de cheque não endossável, que se consubstancia com o registro na cártula de "não à ordem", permitindo a lícita transmissão a terceiros mediante endosso, conforme previsto no art. 17 da Lei n. 7.357/85, o qual dispõe que "o cheque pagável a pessoa nomeada, com ou sem cláusula expressa ¿' à ordem'', é transmissível por via de endosso .". Assim, comprovada a emissão do cheque de forma adequada à legislação de regência, resta a falha sanada. 6. Irregularidades mantidas em relação aos demais cheques, pois não há informação quanto à titularidade das contas, de modo que são irregulares os gastos quitados. Conforme o entendimento deste Tribunal, o endosso no verso do título somente poderá ser considerado regular acaso (1) realizado com cheques originalmente não cruzados e posteriormente endossados e (2) os títulos sejam efetivamente depositados nas contas bancárias dos endossatários. No caso, a forma utilizada foi a do "endosso em branco", sem a identificação de endossatário, de modo a transformar a cártula em um título ao portador. 7. As irregularidades correspondem a 20,6% das receitas auferidas, encontrando-se acima do parâmetro legal de R$ 1.064,10, admitido pela jurisprudência como "balizador, para as prestações de contas de candidatos", e "como espécie de tarifação do princípio da insignificância" (AgR-REspe 0601473-67, de relatoria do Ministro Edson Fachin, de 5.11.2019), não sendo possível a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para um juízo de aprovação com ressalvas, devendo ser mantida a desaprovação das contas. 8. Parcial provimento. Mantida a desaprovação das contas. Redução do valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - REl: 06003345820206210044 SANTIAGO - RS, Relator: Des. Afif Jorge Simoes Neto, Data de Julgamento: 03/08/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 145, Data 09/08/2023 )

 

Assim, entendo sanada a mácula quanto ao dispêndio de R$ 600,00, mantida apenas a ressalva quanto à carência de cruzamento do cheque.

Por derradeiro, passo à análise do débito pendente de R$ 100,00.

Aqui, da mesma forma, o recorrente trouxe ao feito acervo probatório apto a comprovar a destinação da verba pública.

Consta do ID 44916580 foto do cheque n. 7, nominal e cruzado, direcionado a Leilaine Hollas, CPF n. 00089481003, na cifra de R$ 100,00; bem como no ID 44916587, acordo de locação veicular com ela firmado; e, ao fim, no ID 44916601, cópia do recibo de contratação.

Ou seja, respeitados os critérios legais vertidos no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, a única falha apontada na sentença foi o desconto da cártula por pessoa distinta da declarada pelo recorrente.

Nesse trilhar, como aludido quando do tratamento da questão atinente ao valor de R$ 600,00, a ordem de pagamento, ainda que nominal e cruzada, pode ser endossada, nos termos descritos pela Lei do Cheque, de sorte que o vício restou totalmente sanado com a comprovação do depósito da cártula.

Em suma, mesmo que se considerasse o valor mencionado em sentença como irregular (R$ 700,00), frente ao entendimento desta Corte, ele seria considerado módico, diante do parâmetro de R$ 1.064,10, definido na norma eleitoral, razão pela qual, aplicados os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, a contabilidade de campanha, em última análise, deveria ter sido aprovada com ressalvas, mantida apenas a necessidade de recolhimento da quantia irregular ao erário.

Não obstante, após a análise do recurso, mantendo a ressalva quanto à emissão de cheque não cruzado, entendo que as falhas arroladas na sentença foram resolvidas com o ingresso da documentação em sede recursal, de forma que as contas devem ser aprovadas com ressalvas, afastando-se o dever de recolhimento de valores ao erário.

 

Diante do exposto, VOTO para dar parcial provimento ao recurso para aprovar com ressalvas as contas, relativas ao pleito de 2020, de ANDRÉ LAERCIO VENZKE FENNER, afastando a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.