PCE - 0602697-82.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/09/2023 às 14:00

VOTO

O órgão técnico desta Corte, face ao exame da contabilidade apresentada, manifestou-se pela desaprovação das contas, na medida em que presentes irregularidades consubstanciadas no uso de recurso de origem não identificada (RONI), no montante de R$ 11.235,87, e na malversação de verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

No item 3 do exame das contas, do cotejo entre o declarado pelo prestador e a base de dados da Justiça Eleitoral, foram identificadas despesas não relacionadas no acervo contábil do candidato, em afronta ao disposto no art. 53, inc. I, al. g, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A teor do parecer conclusivo, foram identificadas as seguintes omissões de despesas:

 

Instado em sede de diligências, o candidato nada esclareceu quanto aos vícios arrolados, tampouco acostou documentação apta a afastar, ainda que em parte, a irregularidade suscitada. Entretanto, a análise da unidade técnica identificou nos extratos eletrônicos da conta destinada ao FEFC o pagamento das importâncias de R$ 900,00 e 1.800,00 ao fornecedor GARCIA SONORIZAÇÃO, CNPJ n. 11.145.899/0001-57, emitidas em 09.9.2022 (conforme tabela acima), as quais somam a quantia de R$ 2.700,00.

Em face disso, de todo montante irregular (R$ 11.235,87) deve ser deduzida a parcela referida no parecer conclusivo que encontra lastro nos extratos eletrônicos, pois evidencia que a quantia transitou em conta-corrente e, efetivamente, foi destinada ao fornecedor constante do documento fiscal apurado (R$ 2.700,00).

Disso extrai-se que permanece irregular o valor de R$ 8.535,87 relativo às notas fiscais remanescentes sem qualquer identificação de destino na movimentação bancária.

Ora, a emissão de notas fiscais contra o CNPJ da campanha gera a presunção de existência da despesa subjacente ao documento. Ausente ou insuficiente a justificativa ou o registro de sobra de campanha, conclui-se que a despesa eleitoral ocorreu e que houve omissão de gasto na prestação de contas.

Desse modo, a documentação genérica e incompleta manejada pelo prestador, ainda que em sede de retificadora, mostra-se insuficiente para afastar a mácula, porquanto não se contrapõe ao apontamento, tampouco, demonstra a origem dos recursos para a satisfação das despesas.

Por outro lado, se o gasto não ocorreu, a nota fiscal deveria ter sido cancelada e, bem ainda, deveriam ter sido adotados os procedimentos previstos no art. 92, §§ 5º e 6°, da Resolução TSE n. 23.607/19, o que não se observou no caso em exame.

Art. 92. A Secretaria da Receita Federal do Brasil e as secretarias estaduais e municipais de Fazenda encaminharão ao Tribunal Superior Eleitoral, pela internet, arquivo eletrônico contendo as notas fiscais eletrônicas relativas ao fornecimento de bens e serviços para campanha eleitoral ( Lei n. 9.504/1997, art. 94-A, I), nos seguintes prazos:

[…]

§ 5º O eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, apresentado por ocasião do cumprimento de diligências determinadas nos autos de prestação de contas, será objeto de notificação específica à Fazenda informante, no julgamento das contas, para apuração de suposta infração fiscal, bem como de encaminhamento ao Ministério Público.

§ 6º Na situação de eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, o prestador deverá apresentar a comprovação de cancelamento, junto com esclarecimentos firmados pelo fornecedor.

Portanto, a existência de notas fiscais emitidas contra o CNPJ do candidato, ausente provas do efetivo cancelamento, retificação ou estorno, tem o condão de caracterizar a omissão de registro de despesas, infringindo o disposto no art. 53, inc. I, al. g, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nessa linha, o TSE entende que "gastos não declarados que tenham sido informados por fornecedores por meio do Sistema de Registro de Informações Voluntárias, e/ou constem de notas fiscais oriundas das Secretarias das Fazendas Estaduais e Municipais, (...) constituem omissão de despesas" (TSE; Prestação de Contas n. 97795, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, DJE, Tomo 241, Data: 16.12.2019, p. 73).

Além disso, as despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação dos gastos de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal do candidato, caracterizando o recurso como de origem não identificada, em afronta ao art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

 

Nesse sentido, cito o seguinte precedente desta Corte:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. VEREADORA. OMISSÃO DE GASTOS ELEITORAIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA - RONI. SAQUE ELETRÔNICO DE VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. CONFIABILIDADE CONTÁBIL. MACULADA. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. RECOLHIMENTO DOS VALORES AO TESOURO NACIONAL. VALOR NOMINAL DAS IRREGULARIDADES. DIMINUTO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO. PROVIMENTO PARCIAL. (...). 2. Detectadas 07 (sete) notas fiscais emitidas contra o CNPJ de campanha, sem que os recursos para quitação da despesa tenham transitado pelas contas bancárias da candidata, indicando omissão de gasto eleitoral. Os gastos não contabilizados afrontam o art. 53, inc. I, als. "g" e "i", da Resolução TSE n. 23.607/19. Nesse trilhar, a Corte Superior entende que a omissão em tela viola as regras de regência e macula a confiabilidade do ajuste contábil. 3. As despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação da dívida de campanha, cujo trânsito ocorreu de modo paralelo à contabilidade formal da candidata, caracterizando o recurso como de origem não identificada, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

(...).(TRE-RS - RE: 06006545520206210094 IRAÍ/RS 060065455, Relator: DES. ELEITORAL FRANCISCO JOSÉ MOESCH, Data de Julgamento: 03/02/2022).

 

Desse modo, na linha do parecer da Procuradoria (ID 45487578), "forçoso concluir que as despesas identificadas e não declaradas foram pagas com valores que não transitaram pelas contas bancárias da campanha, configurando o uso de recursos de origem não identificada, impondo-se a determinação o recolhimento de igual montante ao Tesouro Nacional, conforme estabelece o art. 32, caput e § 1º, inc. VI, da Resolução TSE nº 23.607/2019."

Devida, portanto, a restituição ao erário da importância de R$ 8.535,87.

No tocante ao item 4.1.1, foram constatadas irregularidades na comprovação dos gastos com o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) na contratação de pessoal, bem como divergência entre o declarado pelo prestador e o constante nos extratos eletrônicos.

O parecer conclusivo (ID 45443361) lista inúmeras despesas, totalizando a importância de R$ 19.600,00.

Quanto ponto, a unidade técnica relata a ausência de documentos fiscais aptos a comprovar os dispêndios, contrariando o disposto nos arts. 35, 53, inc. II, e 60 da Resolução TSE n. 23.607/19; e a carência de detalhamento dos contratos de pessoal, no que toca às informações quanto ao local de trabalho, às horas trabalhadas, às atividades executadas, à justificativa do preço contratado, em atenção ao § 12 do art. 35 do já aludido diploma legal.

Ainda que o candidato tenha retificado a prestação de contas e acostado os arquivos de ID 45401764, 45401764, 45402525 a 45402533 e 45402537, não logrou êxito em afastar a irregularidade apontada.

O parecer conclusivo é categórico ao refutar individualmente as contratações, justificando cada inconformidade, a exemplo de ausência de data, de valor contratual, de assinatura por uma ou ambas as partes, do local de trabalho, das atividades a serem executadas, da justificativa do preço contratado, ou mesmo, por não apresentar o prestador de contas como contratante.

Na mesma esteira, o entendimento da Procuraria Regional Eleitoral:

A existência de pagamentos sem embasamento em instrumentos contratuais ou documentos fiscais adequados impede a verificação da natureza dos serviços prestados. Por outro lado, a ausência das informações relativas às condições de trabalho, como local das atividades, horas trabalhadas, atividades executadas e justificativa do preço contratado impossibilita a fiscalização da correta utilização dos recursos públicos oriundos do FEFC.

Nesse sentido, aliás, é o entendimento firmado nesta Colenda Corte, no precedente de relatoria do ilustre Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, segundo o qual a ausência de justificativa da falta do candidato sobre os itens de presença obrigatórios neste tipo de contratação importa em irregularidade na aplicação de verbas originárias do FEFC:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. DESAPROVAÇÃO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. CARGO DE VEREADORA. DESAPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DE DETALHAMENTO DE DESPESAS COM CONTRATAÇÃO DE PESSOAL DE APOIO À CAMPANHA COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). GASTO COM SERVIÇOS DE MILITÂNCIA. CONFIGURADA FALHA DE NATUREZA GRAVE. NÃO DEMONSTRADA A ORIGEM DE RECURSOS APLICADOS NA CAMPANHA. MANTIDA A DETERMINAÇÃO DE DEVOLUÇÃO PARA O TESOURO NACIONAL. INVIABILIDADE DE APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. PROVIMENTO NEGADO.

(...)

2. Não demonstrada a aplicação correta de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). O contrato para comprovar o gasto com serviços de militância não está de acordo com o disposto no art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, que exige o detalhamento da contratação, com a identificação dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado. Consignado apenas erro de digitação quanto ao local da prestação de serviços, sem esclarecimento ou justificativa da ausência dos demais elementos. Configurada falha de natureza grave, especialmente por ser relativa a recursos públicos do FEFC. Mantida a determinação de devolução para o Tesouro Nacional.

(...)

(Recurso Eleitoral nº 060018505, Acórdão, Relator Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, Publicação 20/10/2021, PJe.) (Grifou-se.)

Com efeito, a utilização de recursos públicos requer obediência estrita às prescrições legais, sem margem para discricionariedade. Os contratos apontados não satisfazem os ditames da norma eleitoral, malferindo as disposições do art. 53, inc. II, e do art. 60, c/c o art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, assim, ausente lastro contratual compatível com a despesa realizada. Some-se a isso a ausência de esclarecimentos e justificativas adequadas do prestador e tem-se irrefutável a irregularidade na importância de R$ 19.600,00.

Já no item 4.1.2 a unidade técnica aponta divergências entre as despesas registradas na prestação de contas e as registradas nos extratos eletrônicos da conta destinada ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha. O candidato declarou o recebimento do valor de R$ 20.000,00, contudo, pelo registro nos extratos eletrônicos, foi percebida a verba pública de R$50.000,00.

A despeito da retificação das contas para inclusão da diferença no valor de R$ 30.000,00, como bem observado pelo examinador, não houve alteração dos respectivos registros de despesas, sequer explicações sobre o destino de tal diferença. Nesse cenário, deve ser mantida a irregularidade na forma apontada, pois não há nos autos elementos para entendimento diverso.

Na mesma o parecer ministerial:

Desse modo, deve ser mantida a irregularidade nos termos em que apontada pela unidade técnica, tendo em vista a não comprovação das despesas realizadas com a diferença de R$ 30.000,00.

 

Destarte, em face da aplicação irregular dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, impõe-se a restituição ao Tesouro Nacional da importância de R$ 49.600,00, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Por fim, considerando que o valor de R$ 58.135,87, reconhecidamente irregular (R$ 8.535,87 + R$ 49.600,00) representa 69,40% da receita total declarada pelo candidato (R$ 83.773,40), percentual que não permite a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, conforme entendimento jurisprudencial desta Corte e do TSE, impõe-se necessário no corrente caso um julgamento desaprovatório em controle judicial de contas, acolhendo os pareceres conclusivo (ID 45443361) e ministerial (ID 45487578).

Em face do exposto, acolho o parecer do Ministério Público e VOTO pela desaprovação das contas, com base no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, determinando o recolhimento da quantia de R$ 58.135,87 ao Tesouro Nacional, sendo R$ 8.535,87 relativos a recursos de origem não identificada e R$ 49.600,00 relativos a recursos malversados do FEFC.