PCE - 0602971-46.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/09/2023 às 14:00

VOTO

Cuida-se de analisar contas prestadas por JOSÉ CARLOS GULART FERREIRA, candidato não eleito ao cargo de deputado estadual, relativo às Eleições Gerais de 2022.

O parecer conclusivo aponta irregularidades no total de R$ 4.789,74, consistentes em (ID 45475397):

a) falta de recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 1.089,74, procedente do FEFC, relativa a créditos de impulsionamento de conteúdo de internet contratados em 02.10.2022, junto ao Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., e não utilizados, os quais caracterizam sobra financeira de recursos públicos, na forma do art. 35, § 2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19;

b) aquisição de combustível junto ao fornecedor L. Castro Comércio de Combustíveis Ltda., no montante de R$ 500,00, com recursos oriundos do FEFC, sem a apresentação de nota fiscal correspondente, mediante o desconto de cheques em 02.9.2022 e em 22.9.2022, respectivamente nos valores de R$ 300,00 e R$ 200,00, em desatenção aos arts. 35, §§ 6º e 11, e 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

c) pagamento de R$ 3.200,00, da nota fiscal eletrônica emitida em 15.9.2022, por Associação Literária São Boaventura, efetivado com recursos, sem o trânsito por conta registrada nestas contas, de doador (ou doadora) não declarado, em desacordo com o art. 32, § 1º, inc. I e VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Passo à análise das irregularidades:

a) Sobra de créditos de impulsionamento de conteúdo de internet não utilizados

Em relatório preliminar (ID 45399662), a unidade técnica desta Corte identificou crédito de R$ 1.089,74 contratado com recursos do FEFC em 02.10.2022, junto ao fornecedor Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., para impulsionamento de conteúdo em redes sociais, sem prova da utilização do valor.

Ao ser intimado da irregularidade, o candidato silenciou.

Assim, a diferença de R$ 1.089,74, considerada sobra de recursos de FEFC, deveria ter sido recolhida ao Tesouro Nacional ao final da campanha por disposição expressa do art. 35, § 2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, como aponta parecer conclusivo (ID 45475397).

A propósito, esta Colenda Corte reafirma a observância obrigatória do art. 35, § 2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, conforme precedente de relatoria da Excelentíssima Desembargadora Eleitoral Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CARGO DE DEPUTADA FEDERAL. 3ª SUPLENTE. (...) NÃO COMPROVADOS GASTOS REALIZADOS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). COMBUSTÍVEIS. IMPULSIONAMENTO DE CONTEÚDO. FACEBOOK. AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTO FISCAL IDÔNEO. DESPESAS COM PESSOAL. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

(…)

4. Ausência de documentação apta a comprovar gastos realizados com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

(…)

4.2. Despesas com impulsionamento de conteúdo. Divergência entre valores pagos ao Facebook e aqueles registrados nas notas fiscais apresentadas. O somatório das notas fiscais juntadas atinge montante menor ao declarado e efetivamente repassado à empresa. Caracterizada sobra, nos termos do art. 35, §2º, inc. I, da Resolução TSE nº 23.607/19, devendo ser recolhida ao Tesouro Nacional.

(...)

(TRE/RS – PCE nº 060237477, Relatora Desembargadora Eleitoral Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, Publicação: DJE, Tomo 273, 16/12/2022.) (Grifou-se.)

 

Dessarte, a sobra financeira de R$ 1.089,74 deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, consoante dispõe o inc. I, § 2º, do art. 35,  c/c o § 1° do art. 79, ambos da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

b) Pagamento de combustível com recursos do FEFC sem a nota fiscal correspondente.

A partir do cotejamento entre o extrato da conta bancária do FEFC e os lançamentos realizados nesta contabilidade, a Secretaria de Auditoria Interna (SAI) identificou pagamento, sem a correspondente nota fiscal, à empresa L Castro Comércio de Combustíveis Ltda., no montante de R$ 500,00, mediante o desconto de cheques em 02.9.2022 e 22.9.2022, respectivamente nos valores de R$ 300,00 e R$ 200,00, conforme tabela do item 4.1.1 do relatório preliminar (ID 45399662).

Intimado, o candidato quedou-se inerte.

Anoto que, em razão na natureza pública da verba do FEFC, o escrutínio contábil, neste ponto, exige redobrada atenção aos requisitos dos arts. 35, §§ 6º e 11, e art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19, demandando exata vinculação do dispêndio ao CNPJ da candidatura adquirente de combustíveis a fim de permitir a verificação do cumprimento dos limites regulamentados.

Compulsando os autos, verifico a inexistência de documentação fiscal idônea justificadora do gasto de combustíveis com recursos públicos, nem vislumbro a restrita hipótese autorizadora deste ponto, na forma imposta nos arts. 35, §§ 6º e 11, e 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19, como aponta parecer conclusivo (ID 45475397).

Desse modo, a falha contábil impede o escrutínio desta Justiça Especializada sobre a correta destinação de verbas públicas destinadas à promoção de candidaturas.

Sobre o tema, a jurisprudência das Cortes Eleitorais perfilha a tese de que se impõe a devolução dos recursos do FEFC aos cofres públicos, quando não apresentada documentação fiscal nos padrões exigidos na contabilidade eleitoral (arts. 35, §§ 6º e 11, e art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19):

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. VEREADORA. GASTOS COM COMBUSTÍVEIS SEM APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS QUE ATENDAM ÀS HIPÓTESES DO ART. 35, §§ 6º E 11, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. DIVERGÊNCIA ENTRE REGISTROS DA PRESTAÇÃO DE CONTAS E OS EXTRATOS BANCÁRIOS. EMISSÃO DE CHEQUE NÃO CRUZADO. CHEQUE DEPOSITADO. RASTREABILIDADE POSSIBILITADA. DESPESAS PAGAS COM VERBAS PÚBLICAS. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. CHEQUES NÃO CRUZADOS E SACADOS NO CAIXA. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DAS CÁRTULAS E OS EMITENTES DAS NOTAS FISCAIS. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS A COMPROVAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. TRANSPARÊNCIA E PUBLICIDADE DA CONTABILIDADE INVIABILIZADA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Irresignação contra sentença que desaprovou prestação de contas, com fulcro no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, em virtude de gastos com combustíveis sem a respectiva comprovação da incidência em uma das hipóteses do art. 35, § 11 e incs., da Resolução TSE n. 23.607/19; divergência entre informação lançada na prestação de contas e aquela registrada nos extratos eletrônicos; e ausência de comprovação do pagamento, pelos meios elencados no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, das despesas pagas com recursos públicos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

2. Realização de gastos com combustível sem comprovação das hipóteses exigidas pelos §§ 6º e 11 do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19. Somente serão considerados gastos eleitorais com combustível se houver a apresentação de documento fiscal da despesa, no qual conste o CNPJ da campanha para abastecimento de veículos utilizados a serviço da candidatura, ou a declaração, na prestação de contas, da locação ou cessão temporária dos veículos.

(...)

6. Desprovimento. Recolhimento da quantia impugnada ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS – REl nº 060019853, Relator Des. Rogério Favreto, Publicação: PJE em 07/12/2021.) (Grifou-se.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATA. DEPUTADA FEDERAL. OMISSÃO DE GASTO ELEITORAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DESPESA COM VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. PERCENTUAL IRRISÓRIO. APLICADOS OS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidata ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022.

2. Omissão de gasto eleitoral. Identificada despesa não declarada pela prestadora, por meio do confronto entre as informações registradas na prestação de contas e as constantes do banco de dados do TSE. Inviabilizada a verificação da origem da verba utilizada para pagamento da despesa omitida, a qual configura recurso de origem não identificada passível de recolhimento ao Tesouro Nacional, conforme o art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

3. Ausência de comprovação de gastos com verbas do FEFC. Despesa com combustível, na qual a prestadora deixou de identificar o veículo abastecido, inviabilizando a verificação do atendimento ao art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19. Ausentes as informações requeridas pela legislação de regência, impondo o reconhecimento da irregularidade na aplicação da verba pública (FEFC) e o recolhimento do valor equivalente ao gasto não comprovado, conforme o disposto no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

4. A soma das irregularidades representa irrisórios 0,26% das receitas declaradas na prestação, permitindo, na linha de entendimento pacificado deste Tribunal, a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 5. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS – PCE nº 060310306, Relator Desembargador Eleitoral Afif Jorge Simoes Neto, Publicação: DJE, Tomo 97, Data: 01/06/2023.) (Grifou-se.)

 

Logo, o valor de R$ 500,00, recurso originário do FEFC, aplicado indevidamente junto ao fornecedor L Castro Combustíveis em 02 e 22.9.2023, deve ser devolvido ao erário, coforme dispõe o § 1° do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

c) Pagamento de nota fiscal com recurso, sem trânsito em conta de campanha, de doador (ou doadora) não declarado.

Quanto ao apontamento de recursos de origem não identificada (RONI), a unidade técnica – após análise de informações disponibilizadas à Justiça Eleitoral – verificou, sem o correspondente trânsito do recurso no extrato bancário da conta de campanha, a existência da nota fiscal, emitida em 15.9.2022, no valor de R$ 3.200,00 (três mil duzentos reais) pela prestadora Associação Literária São Boaventura, tendo como tomador o candidato José Carlos Gularte Ferreira (item 3 do exame preliminar, ID 45399662).

Intimado, o candidato, novamente, silenciou.

Não há, nos autos, qualquer explicação desta despesa, nem registro de pagamento, nem anotação de dívida de campanha. O documento fiscal, acrescento, não restou cancelado junto ao órgão tributário correspondente. A quitação do débito, ao seu turno, não transitou em conta bancária registrada nesta prestação de contas.

Note-se que, “havendo o registro do gasto nos órgãos fazendários, o ônus de comprovar que a despesa eleitoral não ocorreu ou que ocorreu de forma irregular é do prestador de contas”, como julgado desta E. Corte nos autos da Prestação de Contas Eleitoral n. 0602944-63.2022.6.21.0000:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO ELEITO. DEPUTADO FEDERAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO. ATRASO NA ENTREGA DOS RELATÓRIOS FINANCEIROS. MERA IMPROPRIEDADE. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA – RONI. NOTAS FISCAIS NÃO DECLARADAS. OMISSÃO DO REGISTRO DE DESPESA. INFRAÇÃO AO DISPOSTO NO ART. 53, INC. I, AL. “G”, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. INOBSERVÂNCIA DO LIMITE LEGAL PARA GASTOS DE PEQUENO VULTO. UTILIZAÇÃO IRREGULAR DE FUNDO DE CAIXA. DESPESA COM MILITÂNCIA E MOBILIZAÇÃO DE RUA. VIOLAÇÃO AO ART. 38 DA RESOLUÇÃO DE REGÊNCIA. TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS FINANCEIROS ORIUNDOS DO FEFC APÓS O DIA DA ELEIÇÃO. IRREGULARIDADE CARACTERIZADA. MONTANTE INSIGNIFICANTE. REGULARIDADE DAS CONTAS NÃO COMPROMETIDA. DETERMINADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. (...)

3. Recursos de origem não identificada. Localização de notas fiscais não declaradas pelo prestador de contas. A emissão de nota fiscal para o CNPJ de campanha gera a presunção de existência da despesa, nos termos do art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19. Havendo o registro do gasto nos órgãos fazendários, o ônus de comprovar que a despesa eleitoral não ocorreu ou que ocorreu de forma irregular é do prestador de contas, que deve laborar para o cancelamento da nota fiscal, conforme previsto nos arts. 59 e 92, §§ 5º e 6º, da Resolução citada. No caso, ainda que sanados alguns apontamentos, não foi comprovado o efetivo cancelamento de documento fiscal e nem foram juntados esclarecimentos firmados pelo fornecedor, como requer o regulamento. Por consequência, está caracterizada a omissão de registro de despesas, infringindo o disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, que impõe que a prestação de contas deva ser composta das informações relativas a todos os gastos eleitorais, devidamente especificados. Determinado o recolhimento do montante irregular ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

(...)

7. Aprovação com ressalvas. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE/RS - PCE nº, Relatora Desembargadora Eleitoral Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, Publicado em Sessão, em 01/12/2022.) (Grifou-se.)

 

Portanto, efetivou-se o pagamento desta fatura com recursos provenientes de doador (ou de doadora) não identificado e por meio diverso das contas registradas para a campanha (art. 32, § 1º, incs. I e VI, da Resolução TSE n. 23.607/19), devendo os valores de R$ 3.200,00 (três mil duzentos reais) serem recolhidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União em até 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado desta decisão (art. 32, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

 

Note-se, por oportuno, que todas as falhas foram indicadas no parecer de exame preliminar (ID 45399662). Todavia, embora regularmente intimado (ID 45399920, 45403237), não forneceu documentos (nem explicações) capazes de afastar os apontamentos técnicos destacados no parecer conclusivo, ID 45475397.

Por conseguinte, as irregularidades representam R$ 4.789,74, equivalente a 3,6% do total de recursos recebidos pelo candidato em sua campanha (R$ 132.735,09), e enquadram-se em parâmetro, fixado na jurisprudência desta Justiça especializada, de aplicação dos princípios de razoabilidade e de proporcionalidade para formar juízo de aprovação com ressalvas da contabilidade (inferior a 10% da arrecadação financeira).

Dessa forma, em linha com o entendimento da Procuraria Regional Eleitoral (ID 45477353), impõe-se a aprovação com ressalvas das contas, na forma do art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, nos termos da fundamentação.

 

Ante o exposto, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas relativas ao pleito de 2022 apresentadas por JOSÉ CARLOS GULART FERREIRA, candidato ao cargo de deputado estadual, e determino o recolhimento, com juros e correção monetária, ao Tesouro Nacional de R$ 4.789,74 (quatro mil, setecentos e oitenta e nove reais e setenta e quatro centavos) – valor constituído por R$ 1.589,74, referente à aplicação irregular de verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha; e por R$ 3.200,00, referente ao recebimento de recursos de origem não identificada.