REl - 0601073-27.2020.6.21.0110 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/09/2023 às 09:30

VOTO

O recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral objetiva a reforma da sentença que aprovou integralmente as contas do Diretório Municipal do PTB de Balneário Pinhal, relativas às Eleições Municipais de 2020.

A sentença desconsiderou o parecer conclusivo da unidade técnica no sentido da desaprovação das contas, o qual apontou impropriedades formais e irregularidade quanto à ausência de escrituração nas contas, e de identificação dos doadores originários, de recursos recebidos pelo partido e repassados, durante a campanha, à candidata ao cargo de prefeita Márcia Rosane Tedesco de Oliveira, os quais constaram da prestação de contas de campanha da referida candidata, no total de R$ 47.837,28.

Segundo o exame técnico, o órgão municipal informou que tais doações foram recebidas pela legenda em ano anterior ao período eleitoral e que foram devidamente informadas ao TSE por meio da prestação de contas anual partidária, mas esses dados deveriam ter sido igualmente lançados nas contas eleitorais.

Ao aprovar as contas, o magistrado de primeiro grau considerou que o art. 18 da Resolução TSE n. 23.607/19 é claro no sentido de que os valores recebidos pelo partido de pessoas físicas e filiados podem ser aplicados na campanha eleitoral, desde que, conforme disposto no inc. I, haja identificação da sua origem e escrituração individualizada das doações e contribuições recebidas, na prestação de contas anual, assim como seu registro financeiro na prestação de contas de campanha eleitoral do partido político.

Em suas razões, o órgão ministerial aponta não ter sido observado o registro financeiro dos dados da prestação de contas eleitoral, nem ter sido comprovada a transferência dos recursos para a conta bancária “Doações para Campanha”, antes de sua destinação ou utilização.

Além disso, refere não ter sido realizada a identificação, na prestação de contas eleitoral do partido político e nas respectivas contas anuais, do nome ou razão social e do número do CPF da pessoa física ou do CNPJ da candidata ou do candidato ou partido doador que repassou os recursos, nem ter sido demonstrada a emissão do respectivo recibo de doação eleitoral, de modo que não foram observados os incisos do art. 18 da Resolução TSE n. 23.607/19.

O dispositivo em questão de fato possibilita a utilização de recursos financeiros arrecadados pelo partido em anos anteriores ao do pleito, mas estabelece uma série de requisitos para o seu repasse para campanhas eleitorais, de modo a permitir a plena fiscalização da Justiça Eleitoral sobre a arrecadação, a utilização de sistemas de controle de dados dos doadores (aferição do limite de doações, fontes vedadas, regularidade da inscrição cadastral junto à Receita Federal, capacidade econômica, a inscrição em programas sociais que tornem inviável a realização da doação, etc).

Na hipótese em tela, ao ser intimado sobre a falha, o partido reconheceu a irregularidade, informando que tais doações foram recebidas em ano anterior ao período eleitoral e que foram devidamente informadas ao TSE por meio da prestação de contas anual partidária, mas sequer indicou em qual exercício financeiro teria recebido a doação.

Ademais, a alegação de que as doações em tela teriam sido repassadas à candidata que concorreu ao cargo de prefeito pela legenda em ano anterior ao período eleitoral nem mesmo foi comprovada, também estando ausente, nestes autos, mínima prova de que os dados constaram da prestação de contas anual do exercício financeiro de anos anteriores, ou do ano de 2020.

De qualquer sorte, o inc. I do art. 18 da Resolução TSE n. 23.607/19 é expresso ao estabelecer que todos os dados dos valores movimentados pelo partido durante o período eleitoral sejam escriturados em suas contas de campanha, pois as contas anuais dos partidos políticos, embora também devam ser prestadas com essas informações, somente são apresentadas no ano posterior ao do exercício financeiro e, consequentemente, do pleito. Confira-se:

Art. 18. As doações realizadas por pessoas físicas ou as contribuições de filiadas ou filiados recebidas pelos partidos políticos em anos anteriores ao da eleição para sua manutenção ordinária, creditadas na conta bancária destinada à movimentação financeira de "Outros Recursos", prevista na resolução que trata das prestações de contas anuais dos partidos políticos, podem ser aplicadas nas campanhas eleitorais, desde que observados os seguintes requisitos cumulativos:

I - identificação da sua origem e escrituração individualizada das doações e contribuições recebidas, na prestação de contas anual, assim como seu registro financeiro na prestação de contas de campanha eleitoral do partido político;

II - observância das normas estatutárias e dos critérios definidos pelos respectivos órgãos de direção nacional, os quais devem ser fixados objetivamente e encaminhados ao Tribunal Superior Eleitoral até 15 de agosto do ano eleitoral; ( Vide, para as Eleições de 2020, art. 7º, inciso IV, da Resolução nº 23.624/2020 )

III - transferência para a conta bancária "Doações para Campanha", antes de sua destinação ou utilização, respeitados os limites legais impostos a tais doações, calculados com base nos rendimentos auferidos no ano anterior ao da eleição em que a doação for aplicada, ressalvados os recursos do Fundo Partidário, cuja utilização deverá observar o disposto no art. 9º, §§ 1º e 2º desta Resolução; e

IV - identificação, na prestação de contas eleitoral do partido político e nas respectivas contas anuais, do nome ou razão social e do número do CPF da pessoa física ou do CNPJ da candidata ou do candidato ou partido doador, bem como a identificação do número do recibo de doação original, emitido na forma do art. 7º desta Resolução.

§ 1º O encaminhamento de que trata o inciso II deve ser endereçado à Presidência do Tribunal Superior Eleitoral, que os divulgará em sua página na internet.

§ 2º Os recursos auferidos nos anos anteriores devem ser identificados nas respectivas contas contábeis nas prestações de contas anuais da agremiação, que devem ser apresentadas até 30 de junho do ano eleitoral.

§ 3º Somente os recursos provenientes do Fundo Partidário ou de doações de pessoas físicas contabilizados na forma do parágrafo anterior podem ser utilizados nas campanhas eleitorais.

Portanto, é inegável que o prestador de contas não registrou doações no valor de R$ 47.837,28 realizadas à candidata que concorreu pela legenda durante o período eleitoral, impedindo, de modo grave e insanável, a fiscalização da sua movimentação financeira durante a campanha de 2020.

A conduta viola o disposto no art. 29, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 29. As doações de recursos captados para campanha eleitoral realizadas entre partidos políticos, entre partido político e candidata ou candidato e entre candidatas ou candidatos estão sujeitas à emissão de recibo eleitoral na forma do art. 7º desta Resolução.

(...)

§ 3º As doações referidas no caput devem ser identificadas pelo CPF da doadora ou do doador originária(o) das doações financeiras, devendo ser emitido o respectivo recibo eleitoral para cada doação, na forma do art. 7º desta Resolução (STF, ADI nº 5.394).  (Grifo nosso)
 

Observe-se, ao fim, que a irregularidade total importa no valor de R$ 47.837,28, o que representa 217,07% dos recursos declarados como recebidos pelo partido durante a campanha (R$ 22.037,50), circunstância que impossibilita a aplicação dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade para a aprovação das contas, ainda que com ressalvas, em virtude do alto percentual da falha e devido ao montante ultrapassar o valor de parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs) que a Resolução TSE n. 23.607/19 e a jurisprudência desta Corte consideram módico.

Por fim, ressalto que durante a tramitação do feito, em primeira instância, a falha recebeu o tratamento de impropriedade formal, não tendo sido a agremiação intimada a se manifestar quanto à caracterização dos valores como recursos de origem não identificada, na forma do art. 21, § 3°, c/c o art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Em seu recurso, o Ministério Público Eleitoral igualmente não dá a tais quantias o tratamento de recursos de origem não identificada e, de igual modo, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral não se manifestou pela caracterização da falha nessa modalidade de irregularidade, considerando válida a alegação de que os dados sobre os valores em tela foram informados nas contas de exercícios financeiros anteriores ao do pleito, tal como o partido alegou em sua defesa.

Desse modo, em atenção aos arts. 1.002 e 1.013 do CPC, que consagram o princípio do tantum devolutum quantum appellatum, transferindo ao tribunal ad quem o exame da matéria impugnada, a qual, no caso em tela, limita-se à falta de escrituração dos dados das contas de exercício financeiro nas contas de campanha, entendo que o enquadramento da irregularidade como recursos de origem não identificada implicaria não apenas em julgamento extra petita, como em ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, e do duplo grau de jurisdição, dado que durante a instrução o partido não foi intimado a se manifestar sobre essa questão.

Quanto às sanções, o montante das irregularidades alcança o valor de R$ 47.837,28, o que representa 217,07% do total de recursos recebidos (R$ 22.037,50) e, em se tratando de desaprovação de contas de campanha de partido, é cabível a fixação da perda do direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário do ano seguinte ao trânsito em julgado, com esteio no art. 74, inc. III, e §§ 5º e 7º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Considerando o percentual das irregularidades, entendo que a perda do direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário por 12 (doze) meses é suficiente e adequada ao caso em tela, pois durante a tramitação do feito o partido em nenhum momento diligenciou no sentido de sanar as falhas e trazer os dados das doações aos autos, sequer tendo apresentado contrarrazões ao recurso interposto.

Observada a redação da Resolução TSE n. 23.709/22, a qual prevê, em seu art. 37, que, para fins de cálculo do valor da quota do Fundo Partidário a ser suspensa, considerar-se-á a quantia correspondente a 1/12 do montante recebido pela agremiação sancionada, a título de Fundo Partidário, no ano eleitoral a que se refere a prestação de contas, devidamente atualizado, anoto que o PTB de Balneário Pinhal não recebeu recursos do Fundo Partidário em 2020 (https://divulgaspca.tse.jus.br/#/divulga/localidades/2020/RS/MZ/partidos/88927/partidoDetalhe/14).

Desse modo, uma vez que o órgão municipal sancionado não recebeu recursos do Fundo Partidário no ano eleitoral em exame, está prejudicada a aplicação desse dispositivo legal.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso para reformar a sentença e desaprovar as contas do PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO – PTB de Balneário Pinhal/RS.