REl - 0600148-04.2022.6.21.0064 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/09/2023 às 09:30

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

No mérito, consta que a contabilidade de campanha dos recorrentes foi desaprovada em virtude do recebimento de doações em valor superior a R$ 1.064,10, mediante depósito bancário, contrariando, assim, o disposto no § 1º do art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19, que exige seja feita a doação por transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal.

Especificamente, a desaprovação se deu com base no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, em razão do recebimento de doação pelos candidatos, sob a forma de depósitos bancários fracionados, doações sucessivas em espécie de Albino João Orso (no total de R$ 2.000,00), Áurio Rosa (no total de R$ 2.000,00), Gilmar Francisco Benedette (no total de R$ 3.000,00) e Gilvanio Blau (no total de R$ 2.000,00), em valores que, somados, ultrapassam R$ 1.064,10 (um mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) por doador, configurando recebimento de recurso de origem não identificada, contrariando o disposto no art. 21, inc. I, da referida Resolução. Foi determinado, ainda, o recolhimento do aludido valor (R$ 9.000,00) ao Tesouro Nacional.

Em sua defesa, os recorrentes sustentam que os depósitos foram feitos com recursos de simpatizantes devidamente identificados. Alegam que os valores não são de origem pública e não pertencem à União. Aduzem que a mera inconformidade dos depósitos, por desconhecimento dos doadores, não pode servir de óbice à aprovação das contas. Salientam que meras inconformidades não podem impedir a apreciação das contas e que os documentos acostados permitem constatar que os depósitos e despesas estão devidamente identificados. Por fim, postulam a aprovação das contas e o afastamento da determinação do recolhimento do valor ao Tesouro Nacional (ID 45413895).

No ponto, a Resolução TSE n. 26.607/19, que regulamenta a matéria, assim dispõe:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços;

III - instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios da internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução. (grifo nosso)

 

Como se constata da leitura do dispositivo legal, a irregularidade decorre da inobservância do § 1º do art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19, sendo irrelevante a boa-fé do prestador como elemento hábil a afastar a incidência da regra.

No caso, como bem consignado na sentença, "os candidatos receberam em um mesmo dia - sob a forma de depósitos bancários fracionados - doações sucessivas em espécie de Albino João Orso (no total de R$ 2.000,00), Áurio Rosa (no total de R$ 2.000,00), Gilmar Francisco Benedette (no total de R$ 3.000,00) e Gilvanio Blau (no total de R$ 2.000,00) em valores que, somados, ultrapassam R$ 1.064,10 (um mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) por cada doador, configurando recebimento de recurso de origem não identificada, nos termos da legislação eleitoral".

Assim, ainda que cada um dos depósitos apresente valor inferior ao limite estabelecido (cada transação foi de R$ 1.000,00, conforme tabela anexada à sentença - ID 45413890), há que se considerar que foram feitos na mesma data, pelos mesmos doadores.

Por consequência, os depósitos realizados por cada um dos doadores acima mencionados consubstanciam uma única doação para cada um deles, em montante que excede ao permissivo legal. É a regra expressa no § 2º do art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19.

O escopo da norma é possibilitar o cruzamento de informações com o Sistema Financeiro Nacional, de modo a permitir que a fonte declarada seja confirmada por meio dos mecanismos técnicos de controle da Justiça Eleitoral.

Somado a isso, ainda que os depósitos tenham sido realizados com a anotação do CPF dos supostos doadores, é firme o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que o mero depósito identificado é incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e a natureza essencialmente declaratória desse ato:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL. VEREADOR. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. INCONFORMISMO. RESSARCIMENTO. VALORES DE DOAÇÃO. TESOURO NACIONAL.

1. A atual jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que as doações acima de R$ 1.064,10 devem ser feitas mediante transferência eletrônica, nos exatos termos do art. 18, § 1º, da Res.-TSE 23.463, e o descumprimento da norma regulamentar não é reputado como falha meramente formal. Nesse sentido, já se assentou que "a aceitação de doações eleitorais em forma diversa da prevista compromete a transparência das contas de campanha, dificultando o rastreamento da origem dos recursos" (AgR-REspe 313-76, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 3.12.2018).

2. O Tribunal a quo assentou que "foram realizados dois depósitos em espécie realizados diretamente na conta de campanha, acima do limite legal, em desobediência ao art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15" (fl. 143), acrescentando que tal irregularidade representou 74,95% do somatório dos recursos financeiros arrecadados e que seria inviável atender ao pleito de devolução da quantia aos pretensos doadores, em detrimento do seu recolhimento ao Tesouro Nacional, diante da falibilidade da identificação da origem desses recursos.

3. Em face da jurisprudência consolidada no tema, se não se admite a realização de depósito na "boca do caixa" para fins de prova da origem de doação, também a mera emissão do recibo eleitoral pelo candidato não possibilita, por si só, comprovar tal fato, o que ocorre justamente pela providência alusiva à transferência eletrônica entre contas bancárias, modalidade preconizada na resolução destinada a possibilitar a confirmação das informações prestadas.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 25476, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data 02.8.2019.) (Grifo nosso)

 

AGRAVO REGIMENTAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. DOAÇÃO. PESSOA FÍSICA. DEPÓSITO. ART. 18, §§ 1º E 3º, DA RES.-TSE 23.463/2015. PERCENTUAL EXPRESSIVO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. A teor do art. 18, §§ 1º e 3º, da Res.-TSE 23.463/2015, doações de pessoas físicas para campanhas, em valor igual ou superior a R$ 1.064,10, devem ser obrigatoriamente realizadas por meio de transferência eletrônica, sob pena de restituição ao doador ou de recolhimento ao Tesouro Nacional na hipótese de impossibilidade de identificá-lo.

2. Na espécie, é incontroverso que os candidatos, a despeito da expressa vedação legal, utilizaram indevidamente recursos financeiros R$ 5.000,00, o que corresponde a 16% do total de campanha oriundos de depósito bancário, e não de transferência eletrônica, o que impediu que se identificasse de modo claro a origem desse montante.

3. A realização de depósito identificado por determinada pessoa é incapaz, por si só, de comprovar sua efetiva origem, haja vista a ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário. Precedentes, com destaque para o AgR-REspe 529-02/ES, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 19.12.2018.

4. Concluir em sentido diverso especificamente quanto à alegação de que as irregularidades não comprometeram a lisura do ajuste ou de que houve um erro formal do doador demandaria reexame do conjunto probatório, providência inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 24/TSE.

5. Inaplicáveis os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois se trata de falha que comprometeu a transparência do ajuste contábil. Precedentes.

6. Descabe conhecer de matéria alusiva ao desrespeito aos princípios da isonomia e legalidade (art. 5º, caput e II, da CF/88), porquanto cuida-se de indevida inovação de tese em sede de agravo regimental.

7. Agravo regimental desprovido.

(TSE - AgR-REspe n. 251-04, Relator Min. Jorge Mussi, julgado em 19.3.2019, publicado no DJE, tomo 66, de 05.4.2019, pp. 68-69.) (Grifo nosso)

 

Sobre o tema, colaciono ainda o seguinte precedente desta Corte:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. DOAÇÕES FINANCEIRAS REALIZADAS DE FORMA DISTINTA DA DETERMINADA PELA NORMA REGENTE. OMISSÃO DE DESPESAS. AUSÊNCIA DE EXTRATO BANCÁRIO EM SUA FORMA DEFINITIVA. FALHAS GRAVES. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

1. A unidade técnica apontou doações acima do limite estabelecido, realizadas de modo diverso do determinado na norma, em desobediência aos arts. 22, inc. I, §§ 1º e 3º, e art. 34, § 1º, da Resolução TSE n. 23.553/17. Evidenciado aporte de dinheiro em espécie na conta de campanha, feito pelo próprio candidato, sem qualquer informação da origem das importâncias. Ausência de esclarecimentos pelo prestador de contas. Falha grave.

2. Identificada omissão de gastos eleitorais na prestação de contas, através de cruzamento de dados da própria Justiça Eleitoral - notas eletrônicas de gastos eleitorais. Apontamento não esclarecido pelo prestador. Ausência de correlação entre receita e despesa. Inviável a identificação do responsável pelo pagamento das notas fiscais. Recurso considerado como de origem não identificada.

3. Ausência de extrato bancário impresso, de forma definitiva, com abrangência de todo o período eleitoral, da conta destinada à movimentação de Outros Recursos. Inviabilizado o exame e fiscalização de todos os recursos financeiros declarados na prestação de contas retificadora, nos termos do art. 56, inc. II, al. "a", da Resolução TSE n. 23.553/17.

4. Falhas graves que representam 87,2% das receitas obtidas na campanha, ensejando o juízo de desaprovação das contas. Além disso, impõe-se o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional.

5. Desaprovação.

(Prestação de Contas n 060319523, ACÓRDÃO de 13.12.2018, Relator Des. El. EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, Publicação: DJ - Diário de justiça.) (Grifo nosso)

 

Portanto, a ausência de comprovação segura do doador dos valores compromete a regularidade das contas, restando tais recursos qualificados como de origem não identificada, devendo o valor correspondente ser integralmente recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos dos arts. 21, §§ 3º e 4º, e 32, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo hígida a sentença.