AJDesCargEle - 0600043-88.2023.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/09/2023 às 09:30

VOTO

Ao propor a presente ação, o requerente SOLANO MARTINELLO, vereador do Município de Estação/RS, postula autorização para desfiliação partidária, sem a perda do mandato eletivo, com fundamento no art. 17, § 5º, da Constituição Federal, ao argumento de que o partido político ao qual filiado não atingiu as exigências de desempenho descritas no § 3º do referido dispositivo constitucional.

Sobre o tema, assim preceitua o texto constitucional:

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: Regulamento

I - caráter nacional;

II - proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes;

III - prestação de contas à Justiça Eleitoral;

IV - funcionamento parlamentar de acordo com a lei.

§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017)

§ 2º Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral.

§ 3º Somente terão direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei, os partidos políticos que alternativamente: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017)

I - obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% (três por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou (Incluído pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017)

II - tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017)

§ 4º É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar.

§ 5º Ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos no § 3º deste artigo é assegurado o mandato e facultada a filiação, sem perda do mandato, a outro partido que os tenha atingido, não sendo essa filiação considerada para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e de televisão. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017) (grifei)

 

Conforme se extrai, a Emenda Constitucional n. 97/17, ao incluir o § 5º ao art. 17 da Constituição Federal, autorizou ao eleito por partido político que não tenha preenchido os requisitos do § 3° do art. 17 do texto constitucional a faculdade de filiação, sem perda do mandato, a outro partido que tenha atingido tais requisitos.

Ao acrescentar o § 5º ao art. 17 da Constituição Federal, o constituinte derivado criou hipótese constitucional de justa causa, para além daquelas previstas no art. 22-A da Lei n. 9.096/95, que autoriza a troca de partido político ao eleito por agremiação que não tenha atingido a “cláusula de desempenho”, por filiação a outra que tenha preenchido tais requisitos, preservando o mandato obtido nas urnas. Registre-se que o texto constitucional não impôs ao postulante a necessidade de apresentar qualquer justificativa para o reconhecimento da justa causa.

Recentemente, ao enfrentar a matéria, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que o texto constitucional exige, para a satisfação da justa causa em análise, a condição de “eleito” do requerente e a ausência de preenchimento dos requisitos do art. 17, § 3º, da Constituição Federal pelo partido político ao qual filiado.

Estabelecidas essas premissas, passo ao enfrentamento da preliminar de decadência, e observo que este Tribunal se alinhou à jurisprudência do TSE e assentou o entendimento de que o prazo de trinta dias previsto no art. 1º, § 2º, da Resolução TSE n. 22.610/07 corresponde somente ao prazo para que o partido formule requerimento visando à manutenção do mandato para a sigla, não sendo aplicável para a hipótese do § 5º do art. 17 da Constituição Federal:

AÇÃO DECLARATÓRIA DE JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. VEREADORES. PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. DEFERIMENTO. INEXISTÊNCIA DE DECADÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE A PERDA DO MANDATO SER OBJETO DA DISCIPLINA ESTATUTÁRIA. PARTIDO QUE NÃO ATINGIU A CLÁUSULA DE BARREIRA. HIPÓTESE PREVISTA NO ART. 17, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DESNECESSIDADE DE JUSTIFICATIVA ADICIONAL. DEMONSTRADOS OS REQUISITOS CONSTITUCIONAIS PARA A MIGRAÇÃO. EXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A DESFILIAÇÃO. PROCEDÊNCIA.

1. Ação declaratória de justa causa para desfiliação partidária proposta por vereadores, com fundamento no art. 17, § 5º, da Constituição Federal, o qual estabeleceu nova hipótese de justa causa para a desfiliação partidária, baseada no não atingimento da chamada “cláusula de desempenho” pelos partidos políticos, prevista no § 3º do mesmo dispositivo constitucional. Tutela antecipatória deferida.

2. Ação que visa lastrear os pedidos de desfiliação com base no regramento contido na Resolução TSE n. 22.610/17 e no art. 17 da CF, modificado pela Emenda Constitucional n. 97/17. Partido que não alcançou a cláusula de barreira, requisito necessário para garantir à agremiação o acesso ao Fundo Partidário e à divulgação gratuita em rádio e televisão.

3. Verificado, quando da análise do pedido de tutela de urgência, que os fatos em evidência guardam perfeita correlação com o normativo constitucional mencionado, uma vez que seu texto é expresso e objetivo, ao prever que, ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos no § 3 º do mencionado dispositivo, é assegurado o cargo eletivo e facultada a filiação, sem perda do mandato, a outro que os tenha atingido. Essas, portanto, as únicas condições exigidas pelo texto constitucional, para se falar em justa causa para desfiliação partidária. O texto constitucional não impôs qualquer exigência de justificativa para reconhecer a justa causa, tampouco estabeleceu termo para que os titulares do direito nele veiculado possam ingressar em juízo, para obter seu reconhecimento. Preenchido o critério legal para desfiliação sob a égide da norma prescrita no art. 17 da Constituição Federal.

4. Inexistência de decadência. O regramento constitucional não encerra termo para a desfiliação do parlamentar. De seu turno, o art. 1º, § 2º, da Resolução TSE n. 22.610/07, corresponde ao prazo para que o partido formule requerimento, visando à manutenção do mandato para a sigla. Nestes termos, manifesta a tempestividade da ação.

5. Regras estatutárias. A relação institucional com o parlamento, com a consequência jurídica da perda do mandato por efeito de infidelidade partidária, não pode ser objeto da disciplina estatutária de partido político, sob pena de atrair sobre o caso o manto da incerteza jurídica, na medida em que cada agremiação poderia disciplinar a matéria de forma diversa.

6. Procedência. Reconhecida a existência de justa causa para a desfiliação partidária.

(TRE-RS, AJDesCargEle n. 0600070-71.2023.6.21.0000, Rel. Desa. El. Elaine Maria Canto da Fonseca, DJE 07.08.2023.) – Grifei

 

ELEIÇÕES 2022. AÇÃO DE DECRETAÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO. DEPUTADO FEDERAL. HIPÓTESE DE DESFILIAÇÃO FUNDADA NA AUSÊNCIA DE ALCANCE DA CLÁUSULA DE BARREIRA. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. IMPROCEDÊNCIA. JUSTA CAUSA CONFIGURADA. INEXISTÊNCIA DE MARCO CRONOLÓGICO PARA A DESFILIAÇÃO MOTIVADA POR AUSÊNCIA DE SATISFAÇÃO À CLÁUSULA DE BARREIRA. REDAÇÃO INCLUÍDA PELA EC Nº 97/2017. EXIGÊNCIA SOMENTE DA CONDIÇÃO DE "ELEITO" DAQUELE QUE TENCIONA DESLIGAR–SE DE PARTIDO. MIGRAÇÃO JUSTIFICADA. INTELIGÊNCIA DO ART. 17, § 5º, DA CF. NEGATIVA DE PROVIMENTO.1. A decisão agravada negou seguimento à ação de decretação de perda de cargo eletivo derivada de desfiliação partidária, uma vez que foi verificada a presença de justa causa para a desfiliação, consubstanciada na ausência de alcance, pelo partido anterior, da cláusula de barreira – art. 17, § 5º, da CF. 2. O Poder Constituinte Derivado não fixou marco cronológico para a desfiliação em hipótese como a dos autos, notadamente ao se considerar que a redação incluída pela EC nº 97/2017 reclama tão somente a condição de "eleito" daquele que tenciona desligar–se de partido que não alcançou a cláusula de barreira. 3. Para a desfiliação fundada no art. 17, § 5º, da CF, exige–se tão somente a proclamação formal, por esta Justiça Especializada, do resultado da corrida eleitoral, não havendo exigência legal expressa para que o ato seja efetivado a partir de 1º de fevereiro do ano subsequente ao pleito. 4. Alicerçada a decisão impugnada em fundamentos idôneos e não tendo sido apresentados argumentos aptos a reformá–la, merece ser desprovido o agravo interno.5. Negado provimento ao agravo interno.

(TSE, AÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO DE DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA/PERDA DE CARGO ELETIVO n. 060011560, Acórdão, Relator Min. Raul Araujo Filho, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 120, Data 13.06.2023.) - Grifei

 

Assim, não há necessidade de observância a qualquer marco cronológico, bastando a mera proclamação formal do resultado das Eleições pela Justiça Eleitoral.

No mérito, entendo que os requisitos legais foram suficientemente demonstrados nos autos.

Com efeito, por meio da Portaria n. 10/23, o Tribunal Superior Eleitoral divulgou a relação de partidos políticos e/ou federações que atingiram e os que não atingiram a composição e distribuição do percentual mínimo de votos ou elegeram banca mínima para a Câmara dos Deputados nas Eleições 2022, para os fins estabelecidos no art. 3º, parágrafo único, inc. II, als. “a” e “b”, da Emenda Constitucional n. 97, de 4 de outubro de 2017 (https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/prt/2023/portaria-no-10-de-12-de-janeiro-de-2023?SearchableText=cl%C3%A1usula%20de%20desempenho).

Do Anexo III da referida portaria é possível constatar-se que o PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO não atingiu a “cláusula de desempenho”, razão pela qual, a teor do art. 17, § 3º, da Constituição Federal, não terá direito ao recebimento de recursos do Fundo Partidário e ao acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei.

Por outro lado, a condição de eleito do requerente pode ser extraída do site DivulgaCand (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/municipios/2020/2030402020/85286/candidatos).

Assim, restam evidenciadas as condições necessárias para o deferimento do pedido apresentado por SOLANO MARTINELLO.

A alegação de que o Estatuto partidário estabelece o dever de renúncia ao mandato em caso de desfiliação não tem o condão de conduzir à conclusão pela improcedência do pedido, pois a norma interna da legenda não tem hierarquia sobre o texto constitucional.

De igual modo, a possibilidade de desfiliação no período de “janela partidária” de 30 dias que antecedem os seis meses do pleito eleitoral, disposto no art. 22-A, parágrafo único, inc. III, da Lei dos Partidos Políticos, não afasta a possibilidade de o filiado se desligar do partido que não atingiu a cláusula de desempenho.

Também não socorre ao PTB a alegação de que está em tramitação no Tribunal Superior Eleitoral o seu processo de fusão com o Patriotas, circunstância que tornaria atingida a cláusula de barreira, pois não há determinação legal de que as tratativas de partidos relativas à eventual fusão de legendas seja causa de impedimento para que detentores de mandato eletivo utilizem a faculdade de desfiliação sem perda do mandato prevista no § 5° do art. 17 da Constituição Federal.

Portanto, rejeito as alegações defensivas.

Quanto ao desfecho do reconhecimento da hipótese de justa causa, em seu parecer, a Procuradoria Regional Eleitoral condicionou o deferimento do pedido à filiação dos requerentes a nova agremiação partidária, que tenha atingido os índices de desempenho previstos pela Constituição Federal, ao assim mencionar:

“Assim, tem-se que a hipótese dos autos amolda-se perfeitamente ao regramento trazido pelos §§ 3º e 5º da EC nº 97/2017, motivo pelo qual deve ser reconhecida ao autor a existência de justa causa para sua desfiliação partidária sem a perda do mandato, desde que sua filiação posterior se dê a uma agremiação que tenha atingido os índices de desempenho previstos pela Constituição Federal”. (Grifei.) (fl. 6 do parecer de ID 45490282).

 

O § 5º do art. 17 da Constituição Federal, ao prever a hipótese de justa causa para a troca de partido, estabelece ser “facultada a filiação, sem perda do mandato, a outro partido”.

Resta, então, analisar a obrigatoriedade de o detentor do mandato eleito, ao realizar sua desfiliação do partido que não atingiu a cláusula de desempenho, filiar-se a novo partido que tenha preenchido os requisitos do § 3º do art. 17 da Constituição Federal.

Ao tratar do tema, Rodrigo Zilio assim discorre:

[…] Em síntese, cria-se o direito de manutenção de mandato para os filiados a partidos políticos que não tenham atingido aos requisitos da cláusula de barreira do §3º do art. 17 da Constituição. Como é assegurada a manutenção do mandato pela aludida emenda constitucional, é lícito que esse parlamentar possa, inclusive, se desfiliar do seu partido sem qualquer repercussão negativa em sua esfera jurídica. De acordo com essa regra, para além da manutenção de mandato, também é reconhecida a faculdade de se realizar uma nova filiação partidária, contanto que a migração seja para um partido que atingiu a cláusula de barreira. Essa mudança de partido tem seus efeitos jurídicos limitados, vetando-se a “portabilidade” dos votos. É dizer, a nova filiação não importa em aproveitamento de tempo para distribuição de recursos do fundo partidário e do horário de propaganda gratuita. O §5º do art. 17 da CF, portanto, cria uma hipótese constitucional de justa causa para a troca de partido político (desde que o eleito seja de originário de um partido que não atingiu a cláusula de desempenho para outro que a tenha alcançado). (ZILIO, Rodrigo Lopes. DIREITO ELEITORAL. 8ª Ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Editora Juspodvim, 2022. Páginas 156/157).

 

A interpretação a ser feita do dispositivo constitucional, então, é de que a faculdade mencionada pelo § 5º do art. 17 da Constituição Federal reside na discricionariedade conferida ao detentor do mandato eletivo em permanecer no partido político que não alcançou os requisitos da cláusula de barreira ou migrar para outra agremiação partidária que tenha atingido tais requisitos, e não na possibilidade de, após a desfiliação do partido originário, manter-se sem vínculos com qualquer agremiação, o que permitiria a existência de detentor de mandato eletivo proporcional sem vinculação partidária.

Assim, com razão a Procuradoria Regional Eleitoral ao condicionar o deferimento do requerimento apresentado por SOLANO MARTINELLO à imediata filiação do requerente a novo partido político que tenha alcançado os requisitos do art. 17, § 3°, da Constituição Federal.

Registre-se que, em consulta à certidão extraída do site do TSE (https://www.tse.jus.br/partidos/filiacao-partidaria/relacao-de-filiados), constata-se que o requerente continua filiado ao Diretório Municipal do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB.

Desse modo, evidencia-se que foram preenchidos os requisitos constitucionais autorizadores do art. 17, § 5º, da Constituição Federal, para fins de permitir aos requerentes a desfiliação postulada, sem perda do mandado, condicionada à imediata filiação a outra agremiação partidária que tenha atingido os índices de desempenho previstos no texto constitucional.

 

DIANTE DO EXPOSTO, JULGO procedente o pedido, com fundamento no art. 17, § 5º, da Constituição Federal, ao efeito de reconhecer a justa causa para autorizar a desfiliação de SOLANO MARTINELLO do PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB), e sua filiação a outro partido político que tenha atingido a cláusula de desempenho, sem implicar em perda do mandato, nos termos da fundamentação.