REl - 0600147-04.2020.6.21.0124 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/09/2023 às 09:30

VOTO

O recurso é tempestivo.

Esclareço que um dos pressupostos para o conhecimento do recurso, qual seja, o estabelecimento de diálogo com os fundamentos da sentença, é questionado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer.

De todo modo, abordo, inicialmente, a prefacial de nulidade da sentença suscitada pelo prestador de contas, para, após, proceder à análise da argumentação do Parquet.

1. Preliminar. Nulidade da sentença por ausência de intimação.

O recorrente suscita preliminar de nulidade da sentença, ao argumento de não ter sido intimado do exame das contas e também do parecer conclusivo na instância inicial.

Sem razão.

Verifico que, após o exame preliminar, houve a intimação (ID 45101249), e o sistema registrou a ciência do prestador de contas em 17.3.2022, o qual peticionou nos autos e solicitou a reabertura de prazo, alegando que o acesso ao PJE estava indisponível (ID 45101250).

O pedido foi acolhido pelo juízo, houve reabertura de prazo e a realização de nova intimação em 06.6.2022 (ID 45101260), cujo registro do sistema aponta ciência em 07.6.2022.

Sem aproveitamento.

Ao fato de ter sido concedida oportunidade ao candidato, some-se a situação de que o parecer conclusivo em nada inovou, mostrando-se desnecessária nova intimação, pois somente há previsão de oportunizar ao prestador que se manifeste de parecer técnico final quando a análise concluir por “existência de irregularidade e/ou impropriedade sobre as quais não se tenha dado oportunidade específica de manifestação”, conforme o art. 72 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Portanto, afasto a prefacial.

2. Pressuposto recursal. Ausência de dialeticidade do recurso.

Como indicado, o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral entende pela ausência de dialeticidade da peça recursal e opina pelo não conhecimento, nos seguintes termos:

No mais, o recurso não comporta conhecimento, uma vez que não restou cumprido o requisito da dialeticidade.

De fato, no mérito o recorrente alega que há demonstração da origem dos recursos doados para a sua campanha, sendo que o valor de R$ 791,44 é oriundo da sua própria conta de pessoa física. No entanto, esse não foi o fundamento utilizado pela sentença para a desaprovação das contas. O Juízo a quo baseou-se no parecer conclusivo, o qual apontou, como dito, omissões e divergências entre as informações prestadas no SPCE e aqueles constantes da base de dados da Justiça Eleitoral e dos extratos bancários. Nem no parecer técnico nem na sentença consta qualquer alusão à falta de comprovação da origem do valor de R$ 791,44, depositado na conta Outros Recursos. A tabela do item 2 do Relatório do Exame de Contas, reproduzida no parecer conclusivo e na sentença, e que se refere aos dados constantes nos extratos e não declarados na prestação de contas, não menciona tal operação. Aliás, o montante considerado irregular, cujo recolhimento foi determinado ao recorrente (R$ 1.312,00) resulta exatamente do somatório dos valores dos cheques compensados em 08.10.2020, 14.10.2020 e 11.11.2020, em relação aos quais não houve declaração e não há indicação da contraparte no extrato bancário (R$ 116,00 + R$ 675,00 + 202,50 = R$ 993,50, item 2), da Nota Fiscal em que identificada divergência com as informações constantes da prestação de contas (R$ 202,50, item 3) e da Nota Fiscal omitida (R$ 116,00, item 4).

Cumpre ressaltar que o recurso não traz nenhum argumento no intuito de afastar as irregularidades apontadas.

Destarte, inadmissível o recurso, nos termos do art. 932, inc. III, do CPC, o qual estabelece que caberá ao relator não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida, como é o caso, já que o único argumento utilizado refere-se a fato completamente estranho ao que foi decidido na sentença.

Ante o exposto, o Ministério Público Eleitoral opina pelo não conhecimento do recurso.

 

Tem boa dose de razão o d. órgão ministerial. As razões de recurso apenas tangenciam, em grande parte, os fundamentos da sentença contra os quais deveria demonstrar irresignação direta, estabelecendo com a decisão hostilizada a necessária - e salutar - relação dialética de argumentação e contra-argumentação.

Contudo, e com a devida vênia, tenho a situação como limítrofe e opto por trilhar caminho interpretativo diferente, prestigiar o princípio da primazia do julgamento de mérito, insculpido no art. 6º do Código de Processo Civil, e abordar também o mérito da irresignação, ainda que, repito, seja absolutamente respeitável a compreensão adotada pela Procuradoria Regional Eleitoral.

Conheço do recurso.

3. Mérito da demanda.

A sentença foi assim redigida:

"Vistos.

Trata-se do processo prestação de contas das eleições de 2020, de DIRCEU CORADELI, candidato a Vereador pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT.

Recebidas as contas finais do candidato, para os fins do artigo 56, caput, da Resolução TSE n. 23.607/2019, publicou-se Edital n. 158/2021 [ID 97208662], transcorrendo o prazo de três dias sem impugnação de qualquer Partido Político, candidato ou coligação, Ministério Público, bem como de qualquer outro interessado.

Após, pela unidade técnica, foi expedido, o Exame das contas [ID 103801971] constatando-se inconsistências/irregularidades nas contas eleitorais.

Intimado, o candidato deixou de manifestar-se, sobre os apontamentos, transcorrendo o prazo in albis [ID 103895248].

Expedido o Parecer Conclusivo [ID 108370165], pela unidade técnica, ratificou-se os apontamentos constantes no Exame das Contas [103801971].

Após, o Ministério Público Eleitoral, manifestou-se pela desaprovação das contas do candidato [ID 108564935].

Os autos vieram conclusos, para sentença.

É O RELATÓRIO.

PASSO ÀS RAZÕES DE DECIDIR.

Foi identificada a seguinte omissão relativa às despesas constantes da prestação de contas em exame e aquelas constantes da base de dados da Justiça Eleitoral, obtida mediante confronto com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais, revelando indícios de omissão de gastos eleitorais, infringindo o que dispõe o art. 53, I, g, da Resolução TSE n. 23.607/2019:

Referente ao item 2 do Relatório de Exame de Contas, constatou-se divergências entre a movimentação financeira registrada na prestação de contas e aquela registrada nos extratos eletrônicos (art. 53, I, alínea "g" e II, alínea "a", da Resolução TSE nº 23.607/2019, conforme abaixo:

Identificação da conta bancária: 237 - BCO BRADESCO S.A. / 2223 / 417416

Natureza da conta: DOAÇÕES PARA CAMPANHA

DADOS CONSTANTES DO(S) EXTRATO(S) E NÃO DECLARADOS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS

LANÇAMENTO

CONTRAPARTE

DATA

HISTÓRICO

Nº  DO

CUMENTO

OPERAÇÃO

VALOR R$

TIPO

CPF / CNPJ

NOME

BANCO

AGÊNCIA

CONTA

NOME

IDENTIFI

CADO NODOC

INCONSIS

TÊNCIA

08/10/2020

CHEQUE COMPENSADO

 

CHEQUES

116,00

D

 

 

341

7947

794799062951

 

Registro

não encontrado

14/10/2020

CHEQUE COMPENSADO

 

CHEQUES

675,00

D

 

 

041

41

620646409

 

Registro

não encontrado

11/11/2020

CHEQUE COMPENSADO

 

CHEQUES

202,50

D

 

 

041

41

620646409

 

Registro

não encontrado

11/11/2020

DOCUMENTO ORDEM DE CREDITO AUTOMATICO*

56646

TRANSFERÊN

CIA INTERBANCÁ

RIA (DOC, TED)

202,50

C

2604822938

DIRCEUCORADELI

104

431

13000065000

 

Registro

não encontrado

Conforme o item 3 do relatório, foram identificadas as seguintes divergências entre as informações relativas às despesas, constantes da prestação de contas, e aquelas constantes da base de dados da Justiça Eleitoral, obtidas mediante circularização e/ou informações voluntárias de campanha e/ou confronto com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais, revelando indícios de omissão de gastos eleitorais, infringindo o que dispõe o art. 53, I, g, da Resolução TSE n. 23.607/2019:

 

DADOS INFORMADOS/OBTIDOS (CIRCULARIZAÇÃO E/OU INFORMAÇÕES VOLUNTÁRIAS DE CAMPANHA E/OU CONFRONTO COM NOTAS FISCAIS ELETRÔNICAS DE GASTOS ELEITORAIS)

DATA

CPF/CNPJ

FORNECEDOR

N º DA NOTA FISCAL OU RECIBO

VALOR (R$)

FONTE DA INFORMAÇÃO

09/11/2020

94.350.113/0001-60

JOKA-SERIGRAFIA E BORDADOS LTDA

7831

202,50

NFE

 

Por fim, de acordo com o item 4 do relatório, foram identificadas as seguintes omissões relativas às despesas constantes da prestação de contas em exame e aquelas constantes da base de dados da Justiça Eleitoral, obtidas mediante circularização e/ou informações voluntárias de campanha e/ou confronto com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais, revelando indícios de omissão de gastos eleitorais, infringindo o que dispõe o art. 53, I, g, da Resolução TSE n. 23.607/2019:

DADOS OMITIDOS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS

DATA

CPF/CNPJ

FORNECEDOR

N º DA NOTA FISCAL OU RECIBO

VALOR (R$)¹

%²

FONTE DA INFORMAÇÃO

05/10/2020

88.622.444/0001-00

WON COMUNICACAO TOTAL LTDA

11830

116,00

13,57

NFE

¹ Valor total das despesas registradas

² Representatividade das despesas em relação ao valor total

Para fins do art. 72 da Resolução TSE 23.607/2019, antes da emissão deste Parecer Conclusivo, foi dada oportunidade específica de manifestação ao prestador de contas, para a juntada de documentos e esclarecimentos sobre as irregularidades apontadas no Relatório de Exame de Contas (ID 103801971).

No caso telado, o Parecer Conclusivo demostrou que as irregularidades macularam as contas de campanha do candidato.

Com relação à omissão de registros financeiros no Sistema de Prestação de Contas Eleitoral (SPCE-Cadastro), essas irregularidades são consideradas falhas graves uma vez que não foi possível identificar a origem dos recursos que foram utilizados para o pagamento das despesas apontadas, circunstância que pode configurar o disposto art. 53, inc. I, als. “g” e “i”, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Assim, considera-se tecnicamente como Recurso de Origem não Identificado o valor de R$ 1.312,00 , que deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, uma vez que não existem registros dos recursos no Sistema de Prestação de Contas Eleitoral (SPCE-Cadastro) e não foi possível confirmar a origem dos valores empregados no pagamento dos citados documentos fiscais. As omissões em tela viola as regras de regência e macula a confiabilidade do ajuste contábil, uma vez que a prestação de contas deve ser composta das informações relativas a todos os gastos eleitorais, com especificação completa. Ademais, as falhas apontadas configuram ainda irregularidades por não comprovação de gastos realizados com recursos públicos e ensejam o recolhimento ao Tesouro Nacional, consoante art. 79, §1º, da Res. TSE 23.607/2019.

Considerando que as falhas comprometem a regularidade das contas, cabe a sua desaprovação.

FUNDAMENTEI.

DECIDO.

Diante do exposto, DESAPROVO as contas do candidato DIRCEU CORADELI relativa às eleições do ano de 2020, conforme Lei n.º 9.504/97 e Inc. III, art. 74 da Resolução do TSE n.º 23.607/2019, ante os fundamentos acima declinados.

Determino, ainda, o recolhimento da importância de R$ 1.312,00 (um mil, trezentos e doze reais), ao Tesouro Nacional, nos termos da Resolução TSE nº 23.607/2019, em até cinco dias após o trânsito em julgado desta decisão, sob pena de encaminhamento dos autos à Advocacia-Geral da União para fins de cobrança.

 

Em síntese, a decisão a quo entendeu haver movimentações financeiras informadas no Sistema de Prestação de Contas Eleitorais – SPCE que divergiam das transações identificadas por meio do exame das notas fiscais eletrônicas e dos extratos bancários constantes da base de dados desta Justiça Especializada.

Identificou: (1) nos extratos bancários, o desconto de três cheques, nos valores de R$ 116,00, R$ 675,00 e R$ 202,50, e um crédito de R$ 202.50; (b) a emissão da Nota Fiscal n. 7831, pelo fornecedor JOKA-SERIGRAFIA E BORDADOS LTDA, no valor de R$ 202,50, em divergência com o informado na prestação;  e (c) a omissão, na prestação de contas, da Nota Fiscal n. 11830, emitida por WON COMUNICACAO TOTAL LTDA, no valor de R$ 116,00. À vista de tais irregularidades, considerou o somatório “tecnicamente como Recurso de Origem não Identificada” e determinou o recolhimento do "valor de R$ 1.312,00”.

O recorrente, por sua vez, alega que as notas fiscais foram todas juntadas ao processo e devidamente apresentados os extratos bancários, de modo que a prestação de contas teria sido instruída, ainda conforme os argumentos recursais, com os documentos necessários. Ademais, apresentou documentos juntamente com o recurso, situação permitida pela jurisprudência desta Corte na presente classe processual, sobretudo por se  tratar de documentos de pronta análise, consistentes em comprovante de depósito e notas fiscais.

À análise.

Inicialmente, verifico que o “Extrato de Prestação de Contas Final” declara (1) uma receita em recursos próprios de R$ 791,44; (2) despesas com publicidade por adesivos, R$ 180,00; e (3) despesa com publicidade por materiais impressos, R$ 675,00.

Quanto aos documentos de despesas vindos aos autos em grau recursal, eles encontram correspondência com as Notas Fiscais Eletrônicas n. 000.007.831, R$ 202,50, e n. 000.011.830, R$ 116,00. No entanto, o extrato bancário indica ter havido o desconto de tais cheques, nesses valores, sem o obrigatório registro de contraparte, o que impede a certeza da real destinação da verba de campanha.

Além disso, as demais notas fiscais trazidas pelo prestador não refletem as irregularidades apontadas, referindo-se a gastos nos valores de R$ 180,00 e R$ 72,00, esta última emitida contra outro CNPJ, e não o da campanha eleitoral sob análise, situação de inviável acolhida, assim como o comprovante de depósito bancário apresentado pretensamente como prova relativa a R$ 791,44, pois há impossibilidade de leitura de parte dos dados, além de o valor ser estranho às irregularidades apontadas.

Quanto ao crédito de R$ 202,50, identificado na conta "Outros Recursos" e realizado mediante transferência interbancária, há a apresentação da contraparte e a identificação de recursos próprios; entretanto, a referida doação deixou de ser informada na prestação final, e não houve prestação retificadora a incluir tal receita, situação que não confirma o alegado e traz, também, prejuízo à contabilidade geral.

Em resumo, as alegações e os documentos apresentados pelo prestador são insuficientes para esclarecer as despesas eleitorais realizadas, de modo que a parcela das razões de recurso que dialoga com a sentença se mostra inapta a reverter o entendimento do juízo de origem, devendo manter-se hígida a decisão recorrida.

Diante do exposto, VOTO para conhecer e, no mérito, negar provimento o recurso.