REl - 0600025-04.2022.6.21.0097 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/09/2023 às 09:30

VOTO

O recurso deve ser conhecido, pois interposto de forma tempestiva e com o preenchimento de todos os pressupostos de admissibilidade.

O Diretório Municipal do PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO – PSB de Esteio e seus dirigentes partidários recorrem contra a sentença do Juízo da 97ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas relativas ao exercício financeiro do ano de 2021, em razão do recebimento de recursos de origem não identificada – RONI. A sentença hostilizada determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 1.840,00, acrescida de multa de 20%, e a suspensão do repasse dos recursos do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário, ou FP) e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) pelo período de 1 (um) ano.

O parecer técnico contábil apurou o recebimento de créditos no valor de R$ 1.840,00, efetivados mediante o CNPJ de campanha do partido, sem identificação de doador originário, a configurar recursos de origem não identificada – RONI, conforme o disposto no art. 13, § único, da Resolução TSE n. 23.604/19:

Art. 13. É vedado aos partidos políticos receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, recursos de origem não identificada.

Parágrafo único. Constituem recursos de origem não identificada aqueles em que:

I – o nome ou a razão social, conforme o caso, ou a inscrição no CPF do doador ou contribuinte ou no CNPJ, em se tratando de partidos políticos ou candidatos:

a) não tenham sido informados; ou

b) se informados, sejam inválidos, inexistentes, nulos, cancelados ou, por qualquer outra razão, não sejam identificados;

II – não haja correspondência entre o nome ou a razão social e a inscrição no CPF ou CNPJ informado; e

III – o bem estimável em dinheiro que tenha sido doado ou cedido temporariamente não pertença ao patrimônio do doador ou, quando se tratar de serviços, não sejam produtos da sua atividade.

Os recorrentes sustentam que os depósitos, realizados por equívoco com a utilização do CNPJ da campanha no lugar do CPF do contribuinte, pertenceriam a Enoque de Assunção Gomes (R$ 600,00), Sandro Schneider Severo (R$ 640,00) e Jussara Regina Antunes Krug (R$ 600,00). Os três indicados doadores ofereceram declarações que integram os autos no sentido do alegado.

No entanto, as declarações não têm o condão de conferir a necessária confiabilidade e  transparência sobre a origem dos recursos, pois o art. 8º, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19 expressamente determina que as doações somente poderão ser realizadas mediante transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado. Ademais, as declarações possuem caráter unilateral, espécie de documento que não pode ser aceito como comprobatório de movimentação contábil eleitoral, conforme pacífica jurisprudência. A prestação de contas é espécie de demanda que possui natureza eminentemente declaratória, mas tais declarações devem se pautar pelas formalidades constantes na legislação de regência, sob pena de desconsideração.

Portanto, uma vez que a parte recorrente não logrou êxito em demonstrar a origem dos valores, resta configurada a utilização de recursos de origem não identificada – RONI, os quais devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, como bem estabelecido na sentença vergastada, nos termos do art. 14, da resolução em comento.

Contudo, há grande parte de razão aos recorrentes, aqui dividida em três tópicos, de modo que o recurso merece provimento, uma vez que requer a reforma da sentença para o afastamento do juízo de desaprovação.

1. O montante de R$ 1.840,00 (R$ 600,00 + R$ 640,00 + R$ 600,00), considerado como recursos de origem não identificada – RONI, representa pequena proporção perante o total de receitas, apenas 6,06% do valor movimentado pelo partido no exercício financeiro (R$ 30.355,42), e, portanto, abaixo do percentual de 10% utilizado como permissivo para a construção de um juízo de aprovação das contas com ressalvas, via aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, na esteira da jurisprudência desta Corte e, também, do egrégio Tribunal Superior Eleitoral.

2. Exatamente por consequência do juízo de aprovação com ressalvas das contas da agremiação é que ocorre o afastamento da multa imposta, uma vez que tal espécie de sanção somente é cabível nos casos em que as contas são desaprovadas.

3. Igualmente com suporte nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, entendo por afastar a determinação de suspensão de repasses dos valores oriundos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Este Tribunal, ao interpretar os arts. 36 e 37, § 3º, da Lei dos Partidos Políticos, tem se posicionado no sentido de que não se aplica a suspensão do repasse quando houver aprovação com ressalvas de contas, uma vez que o apontamento de ressalva não descaracteriza o fato de que a contabilidade foi, logicamente, aprovada. Não se mostra razoável, tampouco proporcional, equiparar a aprovação com ressalvas à desaprovação, sobretudo para efeitos de sancionamento.

Cito, a propósito, o seguinte precedente, de relatoria do então Des. Eleitoral Gerson Fischmann:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTAÇÃO INCOMPLETA. UTILIZAÇÃO INCORRETA DO SISTEMA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. RECEBIMENTO DE RECURSOS ADVINDOS DE FONTES VEDADAS. PERCEPÇÃO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. FALHA EQUIVALENTE A 9,08% DO TOTAL DE RECURSOS AUFERIDOS NO PERÍODO EM EXAME. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. INVIABILIDADE DA APLICAÇÃO DE MULTA E DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. (...). 6. Falhas que representam 9,08% dos recursos auferidos no exercício financeiro. Hipótese que, na esteira da jurisprudência firmada no Tribunal Superior Eleitoral, viabiliza a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para afastar a severa penalidade de desaprovação das contas, admitindo o juízo de aprovação com ressalvas quando a baixa representação percentual das irregularidades não comprometa o balanço contábil como um todo, circunstância que afasta a sanção de multa de até 20% e a suspensão do Fundo Partidário. 7. O art. 36 da Lei n. 9.096/95 trata das sanções aplicadas aos partidos quando constatada a violação de normas legais ou estatutárias, enquanto o art. 37 da mesma lei estabelece o regramento para o caso de desaprovação das contas. Trata-se de normas distintas, independentes entre si e que não se confundem. O primeiro artigo vige até os dias atuais com a mesma redação da data da promulgação e nunca sofreu alterações, ao contrário do segundo, que foi sucessivamente modificado pelo Congresso Nacional por meio das Leis n. 9.693/98 e n. 13.165/15. A nova redação do art. 37 da Lei n. 9.096/95 dispõe que a desaprovação das contas enseja, como única penalidade, a devolução da quantia apontada como irregular acrescida de multa, circunstância que prejudica eventual interpretação de que, no caso de aprovação das contas, mesmo com ressalvas, poder-se-ia aplicar pena mais severa. Desde a edição da Lei dos Partidos Políticos, ao interpretar o art. 36, o TRE-RS assentou que, em se tratando de aprovação com ressalvas, não há fixação da pena de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário aos partidos políticos, nada obstante a previsão legal disponha a cominação dessa sanção. Diretriz alinhada ao entendimento do TSE no mesmo sentido. A sanção é desconsiderada por aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, uma vez que o apontamento de ressalva não descaracteriza o fato de que a contabilidade foi aprovada, ainda que não integralmente, situação incompatível com a fixação de penalidade. 8. Aprovação com ressalvas. (TRE-RS, PC 0600288-75, Relator: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 15.6.2020, DJE de 23.6.2020.)

(Grifei.)

 

Diante do exposto, VOTO para dar provimento ao recurso, reformar a sentença que desaprovou as contas, aprovar com ressalvas as contas do PSB de Esteio relativas ao exercício do ano de 2021, manter a determinação de recolhimento de R$ 1.840,00, e afastar (1) a multa de 20% (vinte por cento) e (2) a determinação de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.