REl - 0600539-72.2020.6.21.0049 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/09/2023 às 09:30

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Da Juntada de Documentos com o Recurso.

Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas de campanha, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos acostados à peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado a se manifestar, quando sua simples leitura, ictu primo oculi, pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica.

Potencializa-se o direito de defesa, especialmente quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente no exame da contabilidade, de forma a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no financiamento da campanha, como se denota da ementa abaixo colacionada:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS COM A PEÇA RECURSAL. ACOLHIDA. MÉRITO. AUSENTE OMISSÃO. DIVERGÊNCIA ENTRE OS DÉBITOS CONSTANTES NOS EXTRATOS E OS INFORMADOS NA CONTABILIDADE. PAGAMENTO DESPESAS SEM TRÂNSITO NA CONTA DE CAMPANHA. IMPOSSIBILIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA MEDIANTE A JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. INVIÁVEL NOS ACLARATÓRIOS. REJEIÇÃO.

1. Preliminar. Admitida a apresentação de novos documentos com o recurso, quando capazes de esclarecer irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares.

2. Inviável o manejo dos aclaratórios para o reexame da causa. Remédio colocado à disposição da parte para sanar obscuridade, contradição, omissão ou dúvida diante de uma determinada decisão judicial, assim como para corrigir erro material do julgado. Presentes todos os fundamentos necessários no acórdão quanto às falhas envolvendo divergência entre a movimentação financeira escriturada e a verificada nos extratos bancários bem como do pagamento de despesas sem o trânsito dos recursos na conta de campanha. Não caracterizada omissão. Rejeição.

(TRE-RS, RE n. 50460, Relator: Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Data de Julgamento: 25.01.2018, DEJERS: 29.01.2018, p. 4.)

Por essas razões, conheço dos documentos acostados ao recurso, consistentes em nota fiscal (ID 45466642) e comprovantes de operações bancárias (IDs 45466643, 45466644 e 45466646), além de imagens de telas do sistema Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, os quais são de simples constatação e têm aptidão para conduzir ao saneamento de irregularidades.

Mérito.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que julgou não prestadas as contas de campanha de DAIANE SPENCER ALVES, em virtude de não ter sido apresentada a documentação na forma determinada pelo art. 55, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, bem como determinou o recolhimento de R$ 4.997,50 ao Tesouro Nacional, por ausência de comprovação da correta utilização de verbas do FEFC.

Inicialmente, cumpre assinalar que a candidata foi regularmente citada para prestar contas à Justiça Eleitoral (IDs 45466625, 45466627), deixando transcorrer o prazo in albis para sanear a omissão (ID 45466628).

Aliás, a parte, após a juntada das contas parciais, manteve-se inerte até a prolação da sentença, manifestando-se nos autos somente por ocasião da interposição do recurso, oportunidade em que acostou documentação.

A propósito, calha transcrever fragmento da fundamentação do decisum hostilizado, o qual, mercê da inexistência de documentos, considerou as contas não prestadas:

Não obstante a manifestação do Ministério Público pela aprovação das contas apresentadas, inexiste nos autos qualquer documentação relativa à prestação de contas final de campanha da requerente.

Registro que a prestação de contas final não foi apresentada pela candidata, na mídia eletrônica gerada pelo SPCE, conforme previsto no art. 55, § 1º, da Resolução TSE nº 23.607/2019, embora devidamente intimada na forma do art. 49, § 5º, inciso IV, da Resolução TSE nº 23.607/2019.

(…)

Nos termos do art. 49, § 5º, inciso VII, da Resolução TSE nº 23.607/2019, permanecendo a omissão, as contas serão julgadas como não prestadas.

A recorrente sustenta em seu apelo que houve problemas técnicos, mas que, como se observa do sistema Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, foram as contas prestadas (ID 45466639):

Primeiramente, a prestação de contas, na mídia que foram apresentadas, juntamente com os candidatos e candidatas do PTB, por algum problema no pen drive, não gravou a prestação de contas da Recorrente.

O responsável pela prestação de contas, teve seu computador danificado tendo perdido todos os arquivos que constavam em seu HD, perda total.

Com aquisição de um novo HD, baixou o programa SPCE 2020 e tentou fazer novamente a prestação de contas só que aparecia msg de que este arquivo já teria gerado uma gravação, não sendo possível sua finalização.

(…)

Se for verificar junto ao programa divulgação de candidaturas e contas eleitorais, fornecido pelo TSE, é possível verificar a prestação de contas.

Provavelmente, o MPE, tenha acessado o programa de divulgação de candidaturas e contas eleitorais e constatado que houve a devida prestação de contas, que por problemas técnicos não foram possíveis gravar em mídia, e opinou pela aprovação.

Assim sendo, com a juntada dos comprovantes de Receita e despesas, requer a aprovação das contas, que por motivo de problemas técnicos, não foram possíveis, de gerar a mídia e gravar, mas a prestação de contas, estão no sistema de Divulgação de Candidatos e Contas Eleitorais.

Tal assertiva não se mostra consentânea com a realidade, porquanto, consultando-se o referido sistema, se verifica que somente houve a entrega das contas parciais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88692/210000762216/historico).

De fato, os extratos bancários eletrônicos e dados atinentes a notas fiscais constantes daquela base de dados, que a recorrente supõe ter sido por ela fornecidos, foram anexados pela própria Justiça Eleitoral, abastecida por informações obtidas de órgãos públicos e instituições financeiras.

De qualquer sorte, tenho que o comando de ressarcimento ao erário merece ser arredado.

Observando-se a nota fiscal n. 031795138 carreada aos autos pela recorrente, percebe-se que foi emitida por ALEXANDRE BOFF SERVICOS GRAFICOS – ME, CNPJ n. 11.166.767/0001-01, em 13.11.2020, contra ELEICAO 2020 DAIANE SPENCER ALVES VEREADOR, CNPJ n. 38.687.418/0001-91, no valor de R$ 4.997,50, referente à confecção de material publicitário, como santinhos, colinhas, bandeiras, adesivos e camisetas (ID 45466642).

Anoto, nesse particular, que, ainda que tal documento fiscal não tivesse sido acostado ao feito, poderia ser obtido na página da Receita Estadual a partir dos dados constantes do sistema de candidaturas e contas.

No programa de contas eleitorais é possível constatar, visualizando o extrato bancário da conta n. 611934517, agência 390, do Banco do Estado do Rio Grande do Sul, que o dispêndio, no montante de R$ 4.997,50, foi quitado mediante o cheque n. 1, compensado em 16.11.2020 em favor de ALEXANDRE BOFF SERVICOS GRAFICOS.

Destarte, restou plenamente demonstrada a despesa, não havendo que se falar em ausência de comprovação do destino de verbas do FEFC.

Nesse diapasão, deve ser afastada a ordem de recolhimento de R$ 4.997,50 aos cofres públicos.

Noutro giro, relativamente ao julgamento das contas como não prestadas, tal é a solução preconizada pelo art. 55 da Resolução TSE n. 23.607/19 para a hipótese dos autos:

Art. 55. Recebidas na base de dados da Justiça Eleitoral as informações de que trata o inciso I do caput do art. 53 desta Resolução, o SPCE emitirá o extrato da prestação de contas, certificando a entrega eletrônica.

§ 1º Os documentos a que se refere o inciso II do art. 53 desta Resolução devem ser apresentados aos tribunais eleitorais e a zonas eleitorais competentes exclusivamente em mídia eletrônica gerada pelo SPCE, observado o disposto no art. 101, até o prazo fixado no art. 49.

§ 2º O recibo de entrega da prestação de contas somente será emitido após o recebimento da mídia eletrônica com os documentos a que se refere o art. 53, II, desta Resolução, observado o disposto no art. 100.

§ 3º Na hipótese de entrega de mídias geradas com erro, o sistema emitirá aviso com a informação de impossibilidade técnica de sua recepção.

§ 4º Na hipótese do § 3º, é necessária a correta reapresentação da mídia, sob pena de as contas serem julgadas não prestadas.

§ 5º Os documentos digitalizados e entregues exclusivamente em mídia eletrônica serão incluídos automaticamente no Processo Judicial Eletrônico (PJe), após o que os autos digitais serão encaminhados à unidade ou ao responsável por sua análise técnica para que seja desde logo iniciada.

Desse modo, tem-se que a documentação deve ser apresentada exclusivamente por mídia eletrônica gerada pelo SPCE, e que havendo entrega de mídias produzidas com erro, é necessária a sua reapresentação sob pena de julgamento das contas como não prestadas.

Correto, portanto, o entendimento do magistrado ao considerar as contas não prestadas.

A tal respeito, cumpre anotar que o juízo de desaprovação também poderia ser cogitado, tendo em vista que, consoante indica o exame dos extratos bancários alusivos à movimentação de Outros Recursos e FEFC, quase toda a contabilidade relevante da singela campanha foi disponibilizada à Justiça Eleitoral, ainda que por meio diverso do determinado na regulamentação. Não se olvida que o juízo de contas não prestadas guarda consequências extremamente severas à esfera jurídica do candidato, inclusive impedindo-o de postular cargo eletivo no curso da legislatura, e que a jurisprudência do TSE “é firme na linha de que as contas de campanha eleitoral devem ser julgadas como não prestadas somente quando não fornecida pelo candidato, comitê ou diretório a documentação primária para a formulação do relatório preliminar” (AgR-REspe 2645-09/DF, Rel. Min. ADMAR GONZAGA, DJe 8.6.2017).

Contudo, a própria norma do TSE é clara em indicar que a entrega de mídias geradas com erro implica julgamento das contas como não prestadas, sendo marcante o fato de que a inércia da candidata cessou apenas passado o início da fase recursal.

Assim, deve ser mantida a sentença a quo, exceto quanto à ordem de ressarcimento de R$ 4.997,50 ao Tesouro Nacional, que deve ser decotada.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para que, mantido o julgamento das contas de DAIANE SPENCER ALVES como não prestadas, seja afastada a determinação de recolhimento de R$ 4.997,50 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.