PCE - 0602490-25.2018.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/09/2023 às 14:00

VOTO

Trata-se de cumprimento de determinação emanada pelo Tribunal Superior Eleitoral, em julgamento de recurso especial eleitoral, de lavra do eminente Ministro Mauro Campbell Marques, relativa à prestação de contas de PAULA CASSOL LIMA, candidata ao cargo de deputada federal nas eleições gerais de 2018, acerca de embargos de declaração julgados originariamente por esta Corte em 27.11.2020.

Conforme relatado, o TSE, em decisão monocrática, acatou recurso especial da PRE e decretou a anulação do aresto regional, determinando o retorno dos autos a esta Corte para novo julgamento dos embargos de declaração, especialmente no sentido de indicar quais provas atestariam o repasse dos recursos por parte dos coordenadores de campanha aos prestadores de serviço de panfletagem (ID 45008229). A candidata, em sede de agravo regimental ao TSE, requereu o desprovimento do recurso especial, com a consequente reforma da decisão monocrática do relator (ID 45008284), recurso indeferido pelo Pleno do TSE de forma unânime (ID 45008290).

À análise.

Primeiramente, deve ser mantida a condenação da candidata ao recolhimento do valor de R$ 768,00 ao Tesouro Nacional, proferida no acórdão regional originário (ID 7062033). O referido valor diz respeito à utilização de um mesmo cupom fiscal para pagamento de duas despesas distintas ao fornecedor Pastelaria do Porto Ltda., na mesma data, utilizando recursos do FEFC. Não houve contestação das partes a esse valor e tampouco essa questão foi objeto de debates perante a Corte Superior em análise do RESPE. Logo, incontroversa a matéria e mantida a obrigação.

Na mesma linha, deve ser mantida a condenação da candidata ao pagamento do valor de R$ 260,00 citado no parecer conclusivo (ID 4192083). O documento fiscal, relativo ao pagamento efetuado a posto de gasolina, não foi emitido no CNPJ da candidata. Entretanto, tal valor já foi objeto de recolhimento, estando extinta a obrigação.

Superadas essas questões, deve esta Corte Regional prolatar um novo acórdão em virtude da ausência da análise de provas existentes no aresto originário, consoante o estabelecido pelo TSE. A omissão existente no acórdão originário consistiu na falta de pronunciamento, por esta Corte, acerca de documentos atinentes ao pagamento com recursos públicos de pessoas que prestaram o serviço de panfletagem na campanha para a candidata.

Com efeito, conforme asseverado no acórdão do TSE (ID 45008290), há trecho do acórdão originário que sustenta a constatação (ID 7062033):

Nessa toada, o raciocínio exposto pelo d. Procurador Regional Eleitoral, acerca da forma de remuneração dos cabos eleitorais, realizados por interpostas pessoas, até eventualmente poderia ser aferido em outra demanda - mas fique claro que, para fins da presente prestação de contas, houve o atendimento do esquadro legal, como aliás asseverado pela SAI em seu parecer final. Note-se que, mesmo após o órgão contábil deste Tribunal entender sanadas as irregularidades relativas ao tópico (ID 4192083), a PRE requereu mais esclarecimentos da prestadora de contas (ID 5052183) e, ainda assim, não restou convencido (ID 5486433), muito embora a parte tenha apresentado uma série de documentos (ID 5208533, acompanhado de 19 documentos; ID 5209533, acompanhado de 3 documentos, e ID 5246383, acompanhado de 6 documentos). Até mesmo por questões práticas, é razoável que candidatos a deputado federal não remunerem cabos eleitorais um a um, delegando a determinadas pessoas a tarefa, circunstância que, com a devida vênia, está documentada nos autos de forma alinhada à legislação.

De todo modo, entendo caracterizada a ocorrência das hipóteses do art. 275 do Código Eleitoral, em c/c o art. 1.022, inc. II, e parágrafo único, inc. II, em c/c o art. 489, § 1º, do Código de Processo Civil (ID 12413933), pois houve “omissão do pronunciamento judicial acerca de ponto ou questão sobre a qual deveria ter se manifestado o julgador, não enfrentando todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar sua conclusão”.

Os documentos juntados pela candidata demonstram que houve pagamentos relativos à prestação de serviços de panfletagem na campanha que foram efetuados em nome de terceiros (coordenadores e arregimentadores da campanha), e não das pessoas físicas prestadoras dos serviços, o que caracteriza pagamento indireto aos trabalhadores, situação proscrita pelo art. 40 da Resolução TSE n. 23.553/17, legislação vigente à época dos fatos. Conforme apontado pelo Ministro Mauro Campbell Marques, com fundamentação fática e jurisprudencial em decisão monocrática do RESPE (ID 45008293):

Destarte, é importante a análise pormenorizada e individualizada, pelo Tribunal local, dos documentos que demonstrem a certeza do itinerário dos recursos oriundos do FEFC, da sua origem até a efetiva entrega aos prestadores do serviço de panfletagem. Nesse sentido, aliás, rememoro ser sólida a jurisprudência deste Tribunal Superior acerca da impossibilidade de pagamento indireto a prestadores de serviço, justamente em razão de estar comprometida a análise sobre o real percurso conferido aos recursos públicos. Por pertinente, vejam-se os seguintes precedentes: (...)

E, em que pese tenha havido manifestação pericial por parte da SAI do TRE/RS, com análise específica dos documentos de pagamentos dos serviços de panfletagem, com a conclusão de irregularidades no montante de R$ 20.645,00 (ID 45072223), friso que a análise deste acórdão ficará limitada aos pagamentos apontados como irregulares nos embargos de declaração (ID 7313733) e não excluídos pela nova análise técnica (ID 45072223), em virtude de congruência processual.

O Parquet, em elucidativa tabela constante no parecer, demarcou os pagamentos cuja nova análise e julgamento é necessário por este acórdão. Os valores irregulares são os constantes na última coluna da tabela abaixo reproduzida (ID 45286459):

 

 

 

 

O valor total das irregularidades é de R$ 5.735,00, e a análise será feita separadamente para cada um dos intermediários (arregimentadores) que realizaram os pagamentos irregulares aos panfleteiros:

- Arregimentador Eriton Bacelar Perdomo (não possui contrato com a candidata)

Efetuou-se um pagamento diretamente na conta bancária de Eriton, valor de R$ 1.400,00, mediante transferência bancária identificada, utilizando recursos públicos do FEFC. O intermediário, Eriton, utilizou o dinheiro para pagamento de terceiras pessoas que prestaram serviços de panfletagem na campanha. Não houve comprovação bancária desses pagamentos, que foram realizados de maneira informal, impossibilitando o seu rastreio. As únicas provas juntadas aos autos foram recibos dos beneficiários afirmando que receberam os pagamentos por intermédio de Eriton (ID 5303233).

Porém, mesmo, excepcionalmente, admitindo o recibo como prova e adotando uma interpretação favorável, não há comprovante admitido (recibo) para Antônio Roberto Conceição, como apontado na tabela acima, e tampouco a irregularidade foi excluída na última análise pericial (ID 45072223). Consta apenas um contrato de prestação de serviços celebrado entre a candidata e Antônio (ID 5486433, p. 6). Portanto, não havendo prova mínima do pagamento, deve o valor de R$ 140,00 ser recolhido ao Tesouro Nacional.

- Arregimentadora Marilúcia Danilewicz Pereira (contrato ID 45072223 – p. 5)

Os valores foram pagos à intermediária Marilúcia Danilewicz Pereira, R$ 12.700,00, mediante transferência bancária não identificada, utilizando recursos públicos do FEFC. Uma parcela dos valores, no montante de R$ 3.500,00, foi usada para pagamento dos serviços da intermediária. O restante foi utilizado por Marilúcia para pagamento de terceiras pessoas que prestaram serviços de panfletagem na campanha.

A relação dos beneficiários dos pagamentos consta na tabela acima, juntada pela PRE, os quais não serão individualmente nominados a fim de se evitar redundância. Os pagamentos estão comprovados mediante recibos e comprovantes de depósito bancário em dinheiro para os prestadores de serviço (ID 5303133 e ID 5303183).

Faltaram comprovantes para os beneficiários em um valor total de R$ 3.550,00 (conforme tabela), não sendo as irregularidades afastadas na última análise pericial (ID 45072223). Logo, não havendo indícios mínimos de comprovação de pagamento, o recolhimento de R$ 3.550,00 ao Tesouro Nacional é medida que se impõe.

- Arregimentadora Maristela da Luz (contrato ID 45072223 – p. 11-14)

A intermediária Maristela recebeu diretamente em sua conta bancária, mediante depósito identificado, a quantia de R$ 10.345,00, verba pública do FEFC. Do valor total, R$ 3.000,00 corresponderam ao pagamento dos serviços por ela prestados, o restante foi utilizado para pagamento de terceiras pessoas que trabalharam com panfletagem na campanha. Não houve comprovação bancária dos pagamentos, os quais foram realizados de maneira informal, impossibilitando o seu rastreio. As únicas provas juntadas aos autos foram os recibos dos beneficiários afirmando que receberam os pagamentos por intermédio de Maristela (ID 5208633).

Restou um saldo de pagamentos não comprovados de R$ 1.745,00 (conforme tabela), não sendo as irregularidades afastadas na última análise pericial (ID 45072223). Portanto, não subsistindo indícios mínimos de comprovação de pagamento, faz-se necessário o recolhimento do valor de R$ 1.745,00 ao Tesouro.

A Resolução TSE n. 23.553/17, legislação regulamentadora da prestação de contas das eleições 2018 à época (atualmente revogada pela Resolução TSE n. 23.607/19), estabelece:

Art. 40. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 41 e o disposto no § 4º do art. 10 desta resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário; ou

III - débito em conta.

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

§ 2º É vedado o pagamento de gastos eleitorais com moedas virtuais.

(…)

Art. 63. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

§ 1º Além do documento fiscal idôneo a que se refere o caput, a Justiça Eleitoral poderá admitir, para fins de comprovação de gasto, qualquer meio idôneo de prova, inclusive outros documentos, tais como:

I - contrato;

II - comprovante de entrega de material ou da prestação efetiva do serviço;

III - comprovante bancário de pagamento; ou

IV - Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações da Previdência Social (GFIP).

§ 2º Quando dispensada a emissão de documento fiscal, na forma da legislação aplicável, a comprovação da despesa pode ser feita por meio de recibo que contenha a data de emissão, a descrição e o valor da operação ou prestação, a identificação do destinatário e do emitente pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ, endereço e assinatura do prestador de serviços.

 

É certo que a utilização de verbas públicas em campanha exige dos candidatos uma grande “responsabilidade contábil”, não se perfazendo apenas com recibos e declarações de que os recursos foram utilizados de certa maneira, mas principalmente com a rastreabilidade bancária capaz de comprovar que o dinheiro utilizado transitou pelas contas identificadas dos pagadores e dos recebedores do numerário. Não pode haver dúvida quanto à utilização dos recursos e nem precariedade de comprovação.

A tese defensiva foi de que os gastos foram comprovados de forma legal e por documentos idôneos, asseverando que “depois de todas as análises feitas pela assessoria técnica da Justiça Eleitoral não restam dúvidas de que houve a contratação dos prestadores de serviço que receberam a contraprestação monetária equivalente. Logo, pelo exame dos documentos, a conclusão óbvia é a de que a finalidade da norma foi atingida. Os valores foram efetivamente utilizados para pagamento de despesas de campanha, não se podendo falar em malversação dos valores (ID 45136344)”.

Porém, a grande maioria dos gastos irregulares foi levada a cabo utilizando-se de intermediários que recebiam o dinheiro em sua conta bancária e, depois, efetuavam os pagamentos em espécie ou depósito em dinheiro (com envelopes) para os panfleteiros. Após efetuados os pagamentos, os beneficiários assinavam recibos.

Há, de fato, irregularidades nessas condutas.

Nesse sentido, não tendo havido a adequada comprovação da utilização dos recursos advindos do FEFC, a ordem de recolhimento ao Tesouro Nacional, de acordo com o comando do art. 82, § 1º, da Resolução TSE n. 23.553/17, é providência que se impõe:

Art. 82. A aprovação com ressalvas da prestação de contas não obsta que seja determinada a devolução dos recursos recebidos de fonte vedada ou a sua transferência para a conta única do Tesouro Nacional, assim como dos recursos de origem não identificada, na forma prevista nos arts. 33 e 34 desta resolução.

§ 1º Verificada a ausência de comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou a sua utilização indevida, a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado, sob pena de remessa de cópia digitalizada dos autos à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União, para fins de cobrança.

Assim, como a mácula que se apresenta nos autos não compromete a regularidade e a confiabilidade da prestação de contas, entendo por aprovar as contas com ressalvas, até mesmo porque as irregularidades de R$ 6.203,00 representam diminuta proporção diante do total de R$ 240.000,00 provindos do FEFC (2,58%), e correspondem a apenas 2,03% do total de recursos alcançados para a campanha (R$ 305.564,17).

Repiso, a título de desfecho, que a prestadora já adimpliu parte de sua obrigação de recolhimento ao Tesouro Nacional - via GRU, no valor de R$ 260,00 -, de forma que subsiste o montante obrigacional de R$ 768,00 ao fornecedor Pastelaria do Porto Ltda. e a importância de R$ 5.435,00 referente a pagamento aos arregimentadores Maristela da Luz, Eriton Bacelar e Marilúcia Danilevicz, na esteira da informação da SAI (ID 45072223) e do parecer da PRE (45286459).

Diante do exposto, acolho os embargos de declaração opostos pela Procuradoria Regional Eleitoral e atribuo efeitos infringentes para aprovar com ressalvas as contas de PAULA CASSOL LIMA, com base no art. 77, inc. II, da Resolução TSE n. 23.553/17, com a determinação de recolhimento da quantia de R$ 6.203,00 ao Tesouro Nacional, nos termos dos art. 82, § 1º, do mencionado normativo.