REl - 0600075-61.2021.6.21.0001 - Voto Relator(a) - Sessão: 05/09/2023 às 14:00

VOTO

A sentença condenou Luiz Henrique da Fonseca Ribeiro ao pagamento de multa de R$ 8.016,73, por doação acima do limite, na forma prevista no art. 23, §§ 1º e 3º, da Lei n. 9.504/97:

Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei.

§ 1o As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição.

(...)

§ 3º A doação de quantia acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso.
 

É incontroversa a doação de R$ 19.000,00 (dezenove mil reais) – desde a contestação (ID 45389011) – realizada pelo recorrente no pleito de 2020, tendo sido ajuizado o recurso em razão do valor arbitrado para a multa, o qual correspondente a 90% da quantia doada em excesso.

As razões recursais postulam: a) o cálculo do limite legal com base na renda familiar, incluindo valores auferidos pela sua esposa Patrícia de Andrade Herzberg Ribeiro, com quem é casado em comunhão universal de bens, e, por conseguinte, fixar a quantia excedente em R$ 6.980,08; b) a redução da multa em razão de, no curso do processo, estar desempregado por ter sido exonerado de cargo em comissão na Câmara dos Deputados no final de 2022; c) a fixação da multa em 10% (dez por cento) sobre a quantia que ultrapassou o limite legal, conforme precedente do colendo TRE de Alagoas (ID 45389368).

Passo à análise do recurso.

a) renda familiar, no regime de comunhão universal de bens, como base de cálculo do limite de doação

Primeiramente, resta incontroverso o regime de comunhão universal de bens adotado pelo casal Luiz Henrique da Fonseca Ribeiro e Patrícia de Andrade Herzberg Ribeiro, conforme certidão de casamento acostada aos autos (ID 45389013).

Neste contexto fático, há de ser analisada a tese recursal segundo a qual rendimentos brutos dos cônjuges devem ser considerados para fixar limite de doação por pessoas físicas para campanhas eleitorais.

Note-se, a esse respeito, que, a partir do leading case REspe n. 183569, o egrégio Tribunal Superior Eleitoral afirma: É possível considerar o rendimento bruto dos cônjuges, cujo regime de casamento seja o da comunhão universal de bens, para fins de aferição do limite de doação por pessoa física para campanha eleitoral (TSE – REspe 183569, Relator Ministro Arnaldo Versiani, Publicação: RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume 23, Tomo 2, 20.3.2012, p. 116).

No mesmo passo, esta colenda Corte tem posição consolidada, para fins de fixação do limite de doação pela soma dos rendimentos do casal, quando o regime de bens do casamento for o da comunhão universal:

Recurso. Representação. Doação acima do limite legal. Pessoa Física. Art. 23, § 1º, I, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2014. Afastada preliminar. Caráter público das informações referentes às doações realizadas para campanha eleitoral, não acobertadas por sigilo. Licitude da prova extraída do relatório de cruzamento de dados entre a Justiça Eleitoral e a Secretaria da Receita Federal para instrução de procedimentos judiciais. Irrelevante o valor representado pelos bens e direitos para dimensionar o montante da doação. O valor decorrente de liquidação de empresa, cujo montante já integre o patrimônio do doador em exercícios anteriores, sem qualquer diferença positiva de ganho de capital, não pode ser considerado como rendimento, devendo ser excluído do cálculo para apuração do limite legal. As doações realizadas por pessoas físicas, em regime de comunhão universal de bens, ficam limitadas a dez por cento do somatório dos rendimentos auferidos pelo casal no exercício fiscal anterior ao do pleito. O comando disposto na norma do art. 23, § 1°, inc.I, da Lei n. 9.504/97 é de aplicação objetiva. Ultrapassado o limite estabelecido, há incidência da sanção correspondente. Multa cominada no patamar mínimo previsto pela legislação de regência. Provimento parcial.

(TRE-RS – REl n. 3507, Relator Desembargador Eleitoral Leonardo Tricot Saldanha, Publicação: DEJERS, Tomo 42, Data: 10.03.2016, p. 4.) (Grifou-se.)

 

Recurso. Representação. Doação para campanha eleitoral acima do limite legal. Pessoa Física. Art. 23, § 1º, I, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2014.

Julga-se improcedente a representação por doação acima do limite legal quando, considerado o regime de comunhão universal de bens, o valor doado não ultrapasse 10% do somatório dos rendimentos auferidos pelo casal no exercício fiscal anterior ao pleito.

Provimento negado.

(TRE-RS – REl n. 4564, Relatora Desembargadora Eleitoral. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez, Publicação: DEJERS, Tomo 223, 04.12.2015, p. 4) (Grifou-se.)

 

Em seu parecer, a Procuradoria Regional Eleitoral colaciona julgado que versa sobre a impossibilidade de cômputo conjunto dos rendimentos quando o casal se encontra sob regime de comunhão parcial de bens, não se amoldando, portanto, ao presente caso.

Dessa forma, considerando ter sido comprovada a existência de regime de comunhão universal de bens, procede o recurso neste ponto, devendo ser somado ao rendimento auferido pelo recorrente no exercício fiscal de 2019 (R$ 100.922,72 - ID 45389015) o rendimento de sua esposa, Patrícia (R$ 19.295,00 - ID 45389014), totalizando o montante de R$ 120.217,70.

Assim, a doação realizada, no valor de R$ 19.000,00, excedeu em R$ 6.978,23 o limite de 10% para pessoas físicas, o qual, no caso em tela, alcançava a quantia de R$ 12.021,77.

Importa ressaltar que houve equívoco nas razões recursais ao concluir que o cálculo em tela resulta na importância de R$ 6.980,08, pois o valor correto é de R$ 6.978,23.

 

b) alteração da capacidade financeira do recorrente, em razão de desemprego

No corpo do recurso, foi apresentada portaria de exoneração do cargo de secretário parlamentar do quadro de pessoal da Câmara dos Deputados, função que o recorrente exercia no gabinete do Deputado Federal Daniel Trzeciak.

Em função dessa nova situação, o recorrente alega estar desempregado e afirma não ter possibilidade de arcar com a multa arbitrada em 90% do excesso de doação, na forma fixada na sentença.

Requereu que a quantia excedente, considerado o rendimento familiar, resultasse em multa fixada no percentual de 10% sobre o excesso.

Em contrarrazões, o Ministério Público Eleitoral refere que a exoneração poderia ter ocorrido a pedido do próprio recorrente e que constam nos autos informações sobre suas outras fontes de renda, uma vez que é sócio das empresas Smart Soluções em Gestão Financeira e Empresarial Ltda. e Luiz Henrique da Fonseca Ribeiro Treinamentos (ID 45389372).

A propósito, colabora com a tese ministerial a declaração ao fisco realizada pelo próprio recorrente sobre a sua participação societária em empresa (ID 45389015).

Registo também que, por ser incompatível com o cargo público (art. 117, inc. X, da Lei n. 8.112/90), o exercício de atividade empresarial importa em desligamento, por exoneração, como no presente caso, ou em demissão dos serviços prestados em gabinete parlamentar na Câmara de Deputados.

Consoante destacado pela Procuradoria Regional Eleitoral: “o recorrente é sócio administrador de mais de uma empresa e que a sua exoneração do cargo de Secretário Parlamentar em meados de 2022 não significa que não exerça outras atividades econômicas” (ID 45480993, p. 5).

Assim, concluo que não há prova robusta sobre a alegação de desemprego invocada pelo recorrente.

 

c) Percentual da multa

O recorrente postula a aplicação dos princípios de razoabilidade e proporcionalidade para a fixação da multa em 10% sobre a quantia excedente, a qual resultaria em sanção no valor de R$ 697,82, fazendo referência ao acórdão do TRE-AL nos autos do recurso REl n. 0600515-65.2020.6.02.0019, julgado em 13.5.2021.

O precedente referido é inaplicável ao caso em apreço, que trata de representação por doação acima do limite legal realizada por pessoa física à campanha de um partido (PSDB), pois o julgado apontado como paradigma refere-se à prestação de contas de campanha de candidato que excedeu o limite de doações de recursos próprios para a sua própria candidatura.

Portanto, são situações totalmente distintas, visto que os limites legais de doação do julgado paradigma (art. 23, § 2-A, da Lei n. 9.504/97, art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19) são diferentes dos considerados no presente caso (art. 23, § 1º, da Lei n. 9.504/97, art. 27, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Além disso, a doação objeto desta representação (R$ 19.000,00) é nominalmente três vezes maior do que a do caso do julgado citado (R$ 5.950,66).

Ao estabelecer o quantum da condenação na sentença, por sua vez, ponderou: “In casu, não sendo hipótese de declaração de inelegibilidade, a multa deve ser fixada de acordo com o valor excedente. Entendo que, por sua renda bruta, o representado poderia ter feito doação no limite de R$10.000,00. Todavia, fez doação de quase duas vezes o referido valor, o que autorizaria o arbitramento da multa em 100%. Por isso, a multa de 90% do excesso atende às circunstâncias do caso concreto a à [sic] principal função pedagógica.” (ID 45389363).

Observe-se que, considerando o regime de bens da comunhão universal, o excedente importa em R$ 6.978,23, representando um excesso de 58% comparado ao limite de R$ 12.021,77, em razão da soma dos vencimentos do casal auferidos no exercício fiscal de 2019 (R$ 120.217,70; ID 45389015 e 45389014).

Dessarte, ao adotar a mesma lógica da sentença, a multa ajustada seria fixada em 58% do excedente, representando nominalmente R$ 4.047,37.

Ao mesmo passo, a Procuradoria Regional Eleitoral propõe reduzir a multa pela metade, alcançando o patamar de R$ 4.008,36, observando-se “valor nominal, capacidade do doador e o percentual de recursos em relação ao total arrecadado pelo candidato”, conforme precedente do TRE-SP nos autos do recurso REl n. 0600073-05.2021.6.26.0405, Relator Desembargador Eleitoral Afonso Celso da Silva, julgado em 19.8.2022, nos seguintes termos:

Portanto, faz-se necessária a ponderação dos elementos da conduta antijurídica para apoiar a decisão quanto à intensidade da sanção. Sendo certo que o valor nominal da doação (R$ 19.000,00) não é irrisório e tampouco superlativo, mas que o percentual de excesso da doação é significativo (90%), as exigências dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade sugerem que a multa seja estabelecida em patamar significativo. Neste sentido, em face do contexto do caso concreto, manifesto-me pela provimento parcial do recurso de modo a reduzir a pena imposta em primeiro grau, por metade. (ID 45480993, p. 4-5)

Anoto ainda que, em consulta ao sistema de divulgação das contas de candidaturas DivulgaCandContas, a doação de R$ 19.000,00 mostra-se economicamente significativa para a agremiação cumprir suas atividades de campanha, na medida em que equivale a 49,56% dos recursos arrecadados pelo PSDB de Canoas no pleito de 2020 (total de R$ 38.335,00).

Dessa forma, a partir de um juízo de ponderação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade sob o presente fato concreto, conjugando todos os critérios sugeridos (proporção excedida, função pedagógica, valor nominal, capacidade econômica do doador e percentual de recursos em relação ao total arrecadado pelo partido), entendo adequado e suficiente arbitrar a multa em R$ 3.489,11, ou 50% sobre o valor excedente de R$ 6.978,23.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo provimento parcial do recurso, para manter o julgamento de procedência da representação e reduzir a multa arbitrada de R$ 8.016,73 (oito mil, dezesseis reais e setenta e três centavos) para R$ 3.489,11 (três mil, quatrocentos e oitenta e nove reais e trinta e onze centavos), nos termos da fundamentação.