MSCiv - 0603538-77.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/08/2023 às 14:00

VOTO

A questão controvertida nos dois mandados de segurança diz respeito a verificar se o suplente, para assumir vaga aberta em razão de cassação de diploma, necessitaria preencher ou não a “cláusula de desempenho” estabelecida no art. 108 do Código Eleitoral.

Explico.

Nos autos da AIME n. 0600707-22.2020.6.21.0034, na sessão de 22.9.2022, nesta Corte, houve a cassação do diploma de JOSÉ SIZENANDO DOS SANTOS LOPES, vereador eleito pelo DEM no Município de Pelotas nas eleições de 2020.

A decisão de cassação do diploma foi confirmada pelo TSE em 01.8.2023.

Em decorrência da sua cassação, restaram nulos os 1.177 votos por ele recebidos, conforme dispõe o art. 198, inc. II, al. “b”, da Resolução TSE n. 23.611/19, impondo-se nova totalização com o recálculo do quociente eleitoral e todos os reflexos daí advindos.

Realizada a recontagem dos votos pela Justiça Eleitoral de Pelotas, seria Ademar Ornel a preencher a vaga. Contudo, devido ao falecimento de Ornel, como 1º suplente afigura Cauê Fuhro Souto Martins. Entretanto, ele não teria alcançado a cláusula de desempenho prevista no art. 108 do Código Eleitoral:

Art. 108. Estarão eleitos, entre os candidatos registrados por um partido que tenham obtido votos em número igual ou superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, tantos quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido.

 

Explico.

O quociente eleitoral é resultado da divisão do número de votos válidos pelo número de cadeiras disponíveis no legislativo. Em Pelotas, nas eleições municipais de 2020, os votos válidos totalizaram 158.015.

Com a exclusão dos 1.177 votos obtidos por Sizenando, o número de votos válidos passou a ser 156.838, que dividido pelo número de cadeiras (21) resulta 7.468,47 (quociente eleitoral). Assim, 10% desse montante totaliza 746 votos, constituindo esse quantitativo a cláusula de desempenho.

Ocorre que Cauê Fuhro Souto Martins obteve 667 (seiscentos e sessenta e sete votos), sendo que, para ser eleito, o candidato deveria somar, no mínimo, 746 votos.

Assim, impetraram mandado de segurança MICHEL HALAL e o PARTIDO PROGRESSISTAS, afirmando que, diante do impedimento de CAUÊ, o primeiro deveria assumir, pois obteve 1.546 votos, sendo preterido do seu direito líquido e certo de ter assento no Legislativo Pelotense após a cassação de José Sizenando.

A matéria está explicitada nos arts. 108 e 112, parágrafo único, da Código Eleitoral:

Art. 108. Estarão eleitos, entre os candidatos registrados por um partido que tenham obtido votos em número igual ou superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, tantos quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido.

Art. 112. Considerar-se-ão suplentes da representação partidária:

I - os mais votados sob a mesma legenda e não eleitos efetivos das listas dos respectivos partidos;

II - em caso de empate na votação, na ordem decrescente da idade.

Parágrafo único. Na definição dos suplentes da representação partidária, não há exigência de votação nominal mínima prevista pelo art. 108. (grifo nosso)

 

Mantida a cassação do Vereador José Sizenando dos Santos Lopes, cumpre examinar qual seria o suplente a ocupar a vaga: se Cauê Fuhro Souto Martins, que não obteve 10% do quociente eleitoral, ou o impetrante Michel Halal e seu Partido Progressistas.

Significa dizer: o suplente, para assumir vaga aberta em razão de cassação de diploma, necessitaria preencher ou não a “cláusula de desempenho” estabelecida no art. 108 do Código Eleitoral.

Pois bem.

A matéria suscitou polêmica, haja vista suas peculiaridades. 

De efeito, precedente do TSE de 2021, a propósito referido no parecer proferido pelo Procurador Regional Eleitoral no Id 45336754, em que foi Relator para o acórdão o Ministro Luís Felipe Salomão (RMS 060056442), conforta a tese deduzida na inicial da impetração:

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. CASSAÇÃO POR PRÁTICA DE ILÍCITO ELEITORAL. SUCESSÃO DA CADEIRA. PRIMEIRO SUPLENTE DA COLIGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NÃO PREENCHIMENTO DE REQUISITO DE NATUREZA PESSOAL. VOTAÇÃO NOMINAL INFERIOR A 10% DO QUOCIENTE ELEITORAL. ART. 108 DO CÓDIGO ELEITORAL. NEGATIVA DE PROVIMENTO.

1. A controvérsia envolve a pretensão do recorrente – primeiro suplente de coligação (PT/SOLIDARIEDADE) para o cargo de vereador de Aparecida de Goiânia/GO em 2016 – de assumir uma das cadeiras na Câmara Municipal em decorrência da cassação, por prática de ilícito eleitoral, de parlamentar eleito pela mesma coligação.

2. O então titular da cadeira de vereador foi cassado após a data da eleição, de modo que incide, em princípio, o art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, que nessa hipótese permite contabilizar em favor da aliança partidária os votos por ela recebidos nos feitos relativos às Eleições 2016.

3. Todavia, consoante o art. 108, caput e parágrafo único, do Código Eleitoral, será eleito apenas quem obtiver votação nominal mínima igual ou superior a 10% do quociente eleitoral, ressalvada a hipótese de sobra de cadeiras por ausência de candidatos que preencham essa condição.

4. No caso dos autos, é inequívoco que o recorrente, apesar de ser o primeiro suplente da coligação formada pelo PT e pelo SOLIDARIEDADE, não obteve a votação nominal mínima necessária à assunção do cargo, pois seus 791 votos são inferiores ao patamar de 10%.

5. Desse modo, independentemente de a aliança partidária manter em seu favor os votos atribuídos ao candidato cassado, como era permitido nas Eleições 2016, o fato é que o recorrente não preencheu requisito cumulativo de natureza pessoal e, portanto, não pode assumir o mandato.

6. Recurso em mandado de segurança a que se nega provimento.

(Recurso em Mandado de Segurança nº 060056442, Acórdão, Relator(a) Min. Og Fernandes, Relator(a) designado(a) Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 229, Data 13/12/2021) (grifei)

 

A decisão indeferitória do pedido de liminar neste mandamus, da lavra do Des. Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, de seu turno (Id 45144792), referiu precedente anterior, também do TSE, contrário à pretensão deduzida na inicial (AgR no REspe n. 0600462-25.2018.6.16.0000, sessão de 12.05.2020, Relator Ministro Edson Fachin):

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE PERDA DE MANDATO POR DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. VEREADOR. CLÁUSULA DE DESEMPENHO INDIVIDUAL PRESCRITA NO ART. 108 DO CÓDIGO ELEITORAL. INAPLICABILIDADE AO SUPLENTE. PREVISÃO LEGAL EXPRESSA DO ART. 112, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CE. INCONSTITUCIONALIDADE DO DISPOSITIVO. INOVAÇÃO RECURSAL. LEGITIMIDADE PARA PROPOSITURA DA AÇÃO. PRAZO. TERMO INICIAL. DATA DA DESFILIAÇÃO. TEMPESTIVIDADE. INTERPOSIÇÃO DURANTE O TRINTÍDIO CONFERIDO AOS LEGITIMADOS SUPLETIVOS. ART. 22-A, PARÁGRAFO ÚNICO, II, DA LEI N° 9.096/95. JUSTA CAUSA POR GRAVE DISCRIMINAÇÃO POLÍTICA PESSOAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESAVENÇAS ENTRE OS ÓRGÃOS PARTIDÁRIOS. AUSÊNCIA DE CARÁTER PESSOAL E ATUALIDADE DOS FATOS ALEGADOS. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 24/TSE. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO A QUE NEGA PROVIMENTO.

1. É inadmissível a inovação de tese em agravo interno, ante a ocorrência da preclusão, ainda que a alegação refira-se à suposta matéria de ordem pública, pois esta também não prescinde do requisito do prequestionamento. Precedentes. 

2. Em vista de expressa determinação do art. 112, parágrafo único, do CE, a cláusula de desempenho individual prevista no art. 108 não constitui requisito para definição dos suplentes da legenda. 

3. O substrato do instituto da suplência é justamente a eventual assunção do cargo concorrido no prélio eleitoral, de modo que, caso isso venha a ocorrer, não se pode exigir do suplente a votação nominal mínima, da qual a legislação expressamente o dispensou para figurar como tal. 

4. O interesse jurídico que confere ao suplente legitimidade para propor a ação com fulcro no art. 22-A da Lei n° 9.096/95 é aferível independentemente do alcance da cláusula de desempenho, visto que a legislação eleitoral, taxativamente, afastou tal requisito como pressuposto para a eventual assunção do cargo eletivo. 5. Conforme jurisprudência sedimentada nesta Corte Superior, o primeiro suplente do partido detém legitimidade ativa para pleitear a perda do cargo eletivo de parlamentar infiel à agremiação pela qual foi eleito. Precedentes.

6. O prazo para a propositura da ação de perda do mandato eletivo por infidelidade partidária é de 30 dias para o partido interessado, contados da data da desfiliação do mandatário, podendo os demais legitimados ingressar com a ação nos 30 dias subsequentes, nos termos da legislação regente e da orientação jurisprudencial firmada por esta Corte.

7. A hipótese de discriminação pessoal que caracteriza justa causa para a desfiliação exige a demonstração de fatos certos e determinados que tenham o condão de afastar o mandatário do convívio da agremiação ou revelem situações claras de desprestígio ou perseguição. Precedentes.

8. Na linha da jurisprudência desta Corte, “eventual dificuldade ou resistência da agremiação em lançar o ocupante do cargo como candidato em eleições futuras não é fato suficiente para a aferição de grave discriminação pessoal” (RO n° 263/PR, Rel. Min. Henrique Neves, DJe de 31.3.2014).

9. Meras desavenças políticas entre órgãos partidários ou entre seus filiados são inábeis à configuração de grave discriminação política pessoal. Tampouco se afigura motivo suficiente para legitimar a desfiliação a insatisfação do trânsfuga em relação à opção da agremiação em não o lançar como candidato no pleito, visto que essas circunstâncias não desbordam os acontecimentos afetos à vida política partidária.

10. No caso, o Tribunal de origem concluiu pela inexistência de grave discriminação apta a configurar justa causa para desfiliação do agravante, julgando, via de consequência, procedente o pedido de decretação de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária, assentando, ademais: i) a ocorrência de intensa disputa entre os diretórios estadual e municipal quanto ao controle das ações políticas em Paranaguá/PR; ii) o afastamento político entre as instâncias partidárias não se revestiram de pessoalidade em relação ao agravante; iii) fragilidade das provas testemunhais colhidas, que informaram ciência sobre desavenças envolvendo o agravante à míngua de indicação de fontes confiáveis ou de especificação de fatos concretos; iv) a manutenção do agravante na presidência do órgão partidário local por vários anos, lançando-se candidato e inclusive sendo eleito pela legenda; v) inexistência, nos autos, de qualquer indicação de que os dirigentes regionais teriam o poder de "barrar" sua postulação a uma das vagas de candidato; vi) falta de atualidade das circunstâncias apontadas como justa causa.

11. A moldura fático-probatória delineada no acórdão regional não viabiliza conclusão diversa da que chegou a Corte de origem, de modo que a modificação do julgado, a fim de acolher os argumentos recursais do agravante, no sentido da caracterização da justa causa para desfiliação partidária, resvalaria no reexame dos fatos e provas dos autos, providência que esbarra no óbice plasmado na Súmula nº 24/TSE. 12. Agravo interno desprovido. (grifo nosso)

 

Na mesma linha, a decisão indeferitória do pedido de liminar referiu o AgR no REspe n. 0600802- 18.2020.6.19.0225, sessão de 12.08.2020, proveniente de Seropédica/RJ, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski.

A celeuma, contudo, restou enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal posteriormente aos julgados antes mencionados.

Com efeito, a Suprema Corte apreciou a temática na ADI n. 6.657, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso. Nessa ação direta o PSC – Partido Social Cristão postulava interpretação conforme a Constituição do art. 112, parágrafo único, do Código Eleitoral, ao argumento de que a ausência de aplicação da “cláusula de barreira” representaria violação ao sistema democrático e proporcional das eleições para o Poder Legislativo.

A ação (ADI n. 6.657) foi julgada improcedente, em 22.02.2023, tendo sido lavrada a seguinte ementa:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ELEITORAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. SISTEMA PROPORCIONAL DE VOTAÇÃO. ESCOLHA DOS SUPLENTES. EXIGÊNCIA DE VOTAÇÃO NOMINAL MÍNIMA.

1. Ação direta em que se postula a interpretação conforme a Constituição do art. 112, parágrafo único, do Código Eleitoral, que trata dos suplentes da representação partidária. Argumento de que a ausência de aplicação da “cláusula de barreira” para preenchimento dessas vagas representaria uma violação ao sistema democrático e proporcional das eleições para o Poder Legislativo (CF/1988, art. 1º, parágrafo único, e art. 45).

2. O art. 112, parágrafo único, do Código Eleitoral possui sentido unívoco e afasta expressamente a exigência de votação nominal mínima para as escolhas de parlamentares suplentes. Impossibilidade de utilização da interpretação conforme a Constituição para além das exegeses possíveis da norma impugnada.

3. O Supremo Tribunal Federal já assentou que cabe à legislação infraconstitucional definir as regras para a eleição pelo sistema proporcional (ADI 5.920, Rel. Min. Luiz Fux). Dispositivo impugnado que busca assegurar a representação partidária em caso de necessidade de posse do suplente. Escolha legislativa que se mostra razoável e deve ser prestigiada.

4. Improcedência do pedido. Fixação da seguinte tese de julgamento: “A exceção à exigência de votação nominal mínima, prevista para a posse de suplentes, constante do art. 112, parágrafo único, do Código Eleitoral, não ofende a Constituição”. (Grifo nosso)

 

Em seu judicioso voto, o Ministro Roberto Barroso consignou que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI n. 5.920, sob a relatoria do Ministro Luiz Fux, reconheceu a constitucionalidade do art. 108 do Código Eleitoral (cláusula de desempenho individual) e se manifestou no sentido de que cabe à legislação infraconstitucional estabelecer as minúcias do regramento do sistema eleitoral proporcional. E concluiu que não se pode extrair da Constituição Federal interpretação que condicione a posse dos suplentes de parlamentares à votação mínima de 10% do quociente eleitoral.

Pertinente a transcrição de trechos do voto proferido pelo Min. Roberto Barroso no julgamento da citada ADI 6.657:

6. Percebe-se, entretanto, como bem assentaram as manifestações apresentadas pelos interessados, que o ato impugnado não abre margem para dúvidas em sua interpretação. O dispositivo legal é claro ao afirmar que “na definição dos suplentes da representação partidária, não há exigência de votação nominal mínima prevista pelo art. 108”. O art. 108, a seu turno, estabelece que serão eleitos os candidatos que tenham obtido votos em número igual ou superior a 10% do quociente eleitoral. Confira-se a íntegra dos citados artigos do Código Eleitoral: 

Art. 108. Estarão eleitos, entre os candidatos registrados por um partido ou coligação que tenham obtido votos em número igual ou superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, tantos quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido. Parágrafo único. Os lugares não preenchidos em razão da exigência de votação nominal mínima a que se refere o caput serão distribuídos de acordo com as regras do art. 109. […] Art.112. Considerar-se-ão suplentes da representação partidária: I - os mais votados sob a mesma legenda e não eleitos efetivos das listas dos respectivos partidos; II - em caso de empate na votação, na ordem decrescente da idade. Parágrafo único. Na definição dos suplentes da representação partidária, não há exigência de votação nominal mínima prevista pelo art. 108. 


7. A técnica da interpretação conforme a Constituição comporta as seguintes modalidades de atuação do interprete: (i) a leitura da norma infraconstitucional da forma que melhor realize o sentido e o alcance dos valores e fins constitucionais a ela subjacentes; (ii) a declaração de não incidência da norma a uma determinada situação de fato; ou (iii) a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução do texto, que consiste na exclusão de uma determinada interpretação possível da norma – geralmente mais óbvia – e na afirmação de uma interpretação alternativa, compatível com a Constituição. A doutrina reconhece, ainda, que o sentido literal do texto deve funcionar como um limite à interpretação conforme, que não pode subverter o significado original da norma [1]. 
…..
9. Desse modo, considerando o sentido unívoco da norma impugnada, não é possível o atendimento do pleito do requerente, sendo inviável a utilização da interpretação conforme a Constituição. 
…
12. Dessa forma, fica clara a impossibilidade de se extrair qualquer interpretação da Constituição Federal que condicione a posse dos suplentes de parlamentares à votação mínima de 10% do quociente eleitoral. Alcançar esse tipo de conclusão é afastar o que determinou o legislador infraconstitucional, desviando o Supremo Tribunal Federal dos limites das ações de controle concentrado. 
13. Vale destacar que a ponderação legislativa realizada se mostra razoável e prestigia o sistema proporcional e os partidos políticos. O dispositivo atacado assegura que o partido do titular mantenha a sua representatividade, mesmo no caso de posse do suplente, além de preservar uma linha partidário-ideológica presumivelmente harmônica entre a pessoa que assumirá o cargo legislativo e aquela que o deixou. Há, então, no ponto, uma margem de conformação do Parlamento, que deve ser respeitada. 
14. Não se vislumbram, dessa forma, a alegada invalidade na norma nem a possibilidade de se estabelecer sua interpretação conforme a Constituição, de modo que o pedido formulado não pode prosperar. (grifei)
 

Em reforço, cabe referir que nos autos da Reclamação n. 60.201 contra o TRE/PR, o STF novamente manifestou-se sobre o tema.

Na referida Reclamação n. 60.201, em que houve pedido de liminar, o PODEMOS e LUIZ CARLOS JORGE HAULY sustentaram o desrespeito do que restou decidido nas ADI n. 6.657/DF e n. 4.513/DF, pois ao executar a decisão do TSE, que indeferiu o registro de candidatura de Deltan Marinazzo Dallagnol ao cargo de deputado federal pelo Estado do Paraná, o TRE/PR “declarou como eleito Itamar Paim do Partido Liberal-PL”, procedendo ao reprocessamento do resultado das eleições, indeferindo o chamamento do suplente, sob a justificativa de ofensa ao art. 108 do Código Eleitoral e de não aplicação do art. 112, parágrafo único, do mesmo diploma, in casu, por não estar configurada hipótese de vacância do cargo.

Em 07.6.2023, foi deferida a medida liminar pelo Ministro Dias Toffoli, sendo oportuna a transcrição do seguinte excerto:

Como visto, a autoridade reclamada deixou de aplicar a regra prevista no art. 112, parágrafo único, do Código Eleitoral, por entender que não houve vacância no cargo, o que tornou necessário, na visão do tribunal eleitoral, o reprocessamento dos votos.

Confiram-se, a propósito, as regras legais citadas do Código Eleitoral pátrio, com a redação dada pela Lei nº 13.165/15:

“Art. 108. Estarão eleitos, entre os candidatos registrados por um partido ou coligação que tenham obtido votos em número igual ou superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, tantos quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido.

Parágrafo único. Os lugares não preenchidos em razão da exigência de votação nominal mínima a que se refere o caput serão distribuídos de acordo com as regras do art. 109.

[...]

Art. 112. Considerar-se-ão suplentes da representação partidária:

I - os mais votados sob a mesma legenda e não eleitos efetivos das listas dos respectivos partidos;

I - em caso de empate na votação, na ordem decrescente da idade. Parágrafo único. Na definição dos suplentes da representação partidária, não há exigência de votação nominal mínima prevista pelo art. 108”

Constata-se, assim, sem maiores dificuldades, que, para a definição dos suplentes da representação partidária, não se faz mister a exigência de votação nominal prevista no art. 108, equivalente a 10% do quociente eleitoral. (Grifo nosso)

 

No caso acima, ao que interessa para solução dos mandados de segurança, o Ministro Dias Toffoli julgou procedente a Reclamação, em 29.6.2023, com os seguintes argumentos que colaciono:

[…]

Não se desconhece que esta Corte validou as novas regras do desempenho individual, em sede de controle concentrado como se depreende da ementa da ADI n. 5.920, da relatoria do e. Min. Luiz Fux:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ELEITORAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 4º DA LEI FEDERAL 13.165/2015, NA PARTE EM QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 108 DO CÓDIGO ELEITORAL (LEI 4.737/65). REPRESENTAÇÃO PROPORCIONAL. CLÁUSULA DE DESEMPENHO INDIVIDUAL DE CANDIDATO PARA ELEIÇÃO. 10% DO QUOCIENTE ELEITORAL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO OU AO SISTEMA PROPORCIONAL. ESPAÇO DE CONFORMAÇÃO DAS REGRAS DO SISTEMA CONFERIDO AO LEGISLADOR PELA CONSTITUIÇÃO. VALORIZAÇÃO DO VOTO NOMINAL CONDIZENTE COM O SISTEMA DE LISTAS ABERTAS E COM O COMPORTAMENTO DO ELEITOR BRASILEIRO. CONSTITUCIONALIDADE. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO.

1. A cláusula de desempenho individual de 10% do quociente eleitoral para a eleição não viola o princípio democrático ou o sistema proporcional, consistindo, antes, em valorização da representatividade e do voto nominal, em consonância com o sistema de listas abertas e com o comportamento cultural do eleitor brasileiro. 2. O sistema proporcional impõe regras que devem observar as particularidades da realidade eleitoral do País, considerando aspectos culturais e fáticos, pois na experiência comparada não se percebem modelos perfeitos e pré-determinados. 3. O sistema eleitoral proporcional para a eleição de Deputados Federais, prescrito na Constituição Federal, submete suas minúcias ao legislador ordinário para a conformação da matéria. 4. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida e julgados improcedentes os pedidos, para declarar a constitucionalidade do art. 4º da Lei Federal 13.165/2015, na parte em que deu nova redação ao artigo 108 da Lei Federal 4.737/1965 (Código Eleitoral). (ADI 5920, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, DJe de 06-07-2020)

Sem embargo, tal orientação não se contrapõe à preservação dos mandatos em prol dos partidos políticos, nem à fixação da ordem de suplência, a qual não se vincula ao desempenho individual, como fartamente exposto ao longo deste decisum. Isso porque o reconhecimento da constitucionalidade do desempenho individual tal qual previsto no art. 108 do Código Eleitoral após as mencionadas reformas legislativas, o STF não se deteve sobre a regra de suplência, disciplinada no art. 112 do mesmo diploma.

De outro lado, a opção legislativa por exigir o desempenho individual dos candidatos não invalida a centralidade dos partidos como núcleo essencial do princípio proporcional, mas visa a um maior equilíbrio do modelo de listas abertas adotados em nosso país, conforme ressaltei em meu voto na ADI n. 5420, “A Lei nº 13.165/2015 modificou a feição de nosso sistema proporcional, conferindo a ele uma nova calibração entre o peso dado ao partido político e o peso dado à escolha do eleitor por determinado candidato no cálculo da distribuição das vagas do Poder Legislativo, ao adicionar como requisito para a obtenção de vaga o fato de o partido político possuir candidato que tenha recebido votação nominal correspondente a pelo menos 10% do quociente eleitoral”.

 

A liminar deferida pelo Ministro Dias Toffoli foi ratificada em sessão virtual pelo plenário, tendo o acórdão sido ementado nos seguintes termos:

EMENTA Referendo de medida cautelar em reclamação. Ato do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Paraná (TRE/PR). ADI nº 4.513 e nº 6.657. Impossibilidade de condicionar a posse dos suplentes à votação mínima de 10% do quociente eleitoral (art. 112, parágrafo único, do Código Eleitoral). Indeferimento de registro de candidatura após a eleição. Cômputo dos votos ao partido pelo qual o candidato concorreu (art. 175, § 4º, da Lei nº 4.737/65). Princípio da soberania popular. Presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora. Medida cautelar referendada.

1. Para a definição dos suplentes da representação partidária, não se faz mister a exigência de votação nominal prevista no art. 108 do Código Eleitoral, equivalente a 10% do quociente eleitoral, consoante a dicção literal do art. 112, parágrafo único, do mesmo diploma legal (ADI nº 4.513, Rel. Min. Roberto Barroso).

2. A norma prevista no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral autoriza o cômputo dos votos à legenda do candidato, se, no momento da disputa eleitoral, o seu registro estava deferido e, posteriormente, sobreveio decisão pelo indeferimento (ADI nº 4.513, Rel. Min. Roberto Barroso).

3. Deve-se reconhecer o fumus boni iuris, visto que não há dúvidas, ao menos no presente exame de cognição sumária, quanto à violação das orientações perfilhadas na ADI nº 6.657 e na ADI nº 4.513, pois a decisão impugnada afastou a aplicabilidade do art. 112, parágrafo único, do Código Eleitoral em um pretenso exercício equivocado de distinguishing, no qual se considerou a inelegibilidade do candidato como motivo suficiente para desconsiderar os votos da legenda, em afronta à dicção do § 4º do art. 175 do aludido diploma legal.

4. O periculum in mora está consubstanciado na iminente posse de candidato filiado a legenda partidária distinta, fato sensível à discussão que guarda estrita relação com a soberania popular (CF, art. 14), sendo que a preservação da decisão impugnada enfraquece o sistema proporcional ao afastar a representatividade do partido ora reclamante, cujo candidato ao cargo de deputado federal teve o pedido de candidatura indeferido após a eleição.

5. Medida cautelar referendada.
(Rcl 60201 MC-Ref, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 12/06/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 14-08-2023  PUBLIC 15-08-2023)

Dessarte, aplica-se ao caso a tese firmada na ADI n. 6.657, no sentido de que para posse de suplente não se exige a votação nominal mínima prevista do art. 108 do Código Eleitoral, pois incidente a exceção prevista no parágrafo único do art. 112 do mesmo diploma legal, de modo que deve ser mantido o ato da autoridade coatora no sentido de definir como suplente apto a ocupar a vaga decorrente da cassação de José Sizenando dos Santos Lopes, CAUÊ FUHRO SOUTO MARTINS, 1º suplente eleito pelo então Partido DEM de Pelotas.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pela denegação em ambos os mandados de segurança (n. 0603538-77.2022.6.21.0000 e 0603589-88.2022.6.21.0000).