PCE - 0603581-14.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/08/2023 às 14:00

VOTO

Preliminarmente, conheço da petição de ID 45511337, assim como dos documentos anexos (ID 45511338 a 45511340), pois anteriormente apresentados e não demandam nova análise técnica.

Mérito.

Trata-se da prestação de contas apresentada por RHILARY GABRIELI DOS SANTOS BECKER, candidata não eleita ao cargo de deputada estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022.

Em relatório preliminar (ID 45445382), foram apontados indícios de irregularidade em razão de contratação de fornecedores para exercer o cargo de “auxiliar de serviço eleitoral”, os quais possuem relação de parentesco com a candidata, quais sejam:

Intimada, a candidata manifestou-se (ID 45451245), sustentando que “estão nos autos todos os comprovantes do devido trabalho prestado, sendo os valores razoáveis e proporcionais”. Alegou ainda que “não há vedação legal para contratação de familiar, sobretudo havendo prova do trabalho prestado e da proporcionalidade e razoabilidade dos valores, que informam qualquer possibilidade de desvio de finalidade”.

O órgão técnico recomendou a aprovação das contas, considerando que os indícios de irregularidade não afetaram a aplicação dos procedimentos técnicos de exame realizados para a verificação da origem das receitas e da destinação das despesas, eis que adstritos unicamente à análise contábil das contas. (ID 45495358).

De outro vértice, o douto Procurador Eleitoral opinou pela desaprovação das contas pois não teria sido demonstrado o efetivo trabalho dos familiares contratados (ID 45508494).

Passo à análise do caso ventilado.

Na hipótese, quando do exame preliminar, a unidade técnica apontou indícios de relação de parentesco entre a candidata e os contratados (irmão, pai/padrasto, e mãe) conforme tabela colacionada abaixo (ID 45445382 - p.4):

 

Inicialmente, é de se dizer que a candidata não nega a contratação de familiares, inclusive junta aos autos os contratos de prestação de serviço dos familiares THIAGO GABRIEL DOS SANTOS SACKSER (ID 45151129), THIAGO DA SILVA SACKSER (ID 45151135) e RAQUEL ALVES DOS SANTOS (ID 45151138), de forma que se encontra admitida a contratação de familiares para execução de serviços em sua campanha.

De fato, não há no ordenamento jurídico impedimento de contratação de parentes em campanhas. Contudo, há um ponto controverso que merece atenção: em havendo a contratação, e sendo a despesa paga com recursos públicos, deve ser observado apenas o critério contábil na análise das Prestações de Contas?

Esse tema foi objeto de análise pelo TSE no RespEl n. 0601163-94.2018.6.12.0000, de relatoria do Min. Sérgio Silveira Banhos, conforme se verifica na ementa que segue:

ELEIÇÕES 2018. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. DESAPROVAÇÃO. CANDIDATA. DEPUTADO ESTADUAL. CONTRATAÇÃO. PRESTADOR DE SERVIÇO. PERÍODO EXÍGUO. VALOR EXPRESSIVO. RECURSOS. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). PRINCÍPIOS NORTEADORES DAS DESPESAS COM RECURSOS PÚBLICOS. RAZOABILIDADE. ECONOMICIDADE. MORALIDADE. IMPESSOALIDADE. TRANSPARÊNCIA. INOBSERVÂNCIA. VERBETES SUMULARES 24 E 27 DO TSE. INCIDÊNCIA. APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. INAPLICABILIDADE.

SÍNTESE DO CASO

1. Trata–se de recurso especial interposto em face de acórdão de Tribunal Regional Eleitoral que desaprovou as contas de campanha da recorrente referentes às Eleições de 2018, quando concorreu ao cargo de deputado estadual, determinando a devolução da quantia de R$ 30.000,00 ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 82, § 1º, da Res.–TSE 23.553, atinente a recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), utilizados indevidamente na contratação de namorada/noiva do filho da candidata, para prestação de serviço na campanha.

2. De acordo com a Corte de origem, a contratação em evidência, para a função de coordenadora de campanha, se deu pelo prazo de apenas dez dias e pela quantia de R$ 30.000,00, equivalente a cerca de 46% do total das receitas da campanha (R$ 65.860,00), em desacordo com os princípios da moralidade e da impessoalidade na utilização de recursos públicos, revelando–se gasto de valor expressivo e desproporcional.

ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL

3. Incide na espécie o verbete sumular 27 do TSE, na medida em que a recorrente não demonstrou de que forma o acórdão regional teria violado os arts. 37, VII, e 40, I, da Res.–TSE 23.553 e 26 da Lei 9.504/97, pois tais preceitos normativos – referentes ao rol de gastos eleitorais e às formas admitidas de pagamento de despesas de natureza financeira – não dizem respeito ao fundamento adotado pelo Tribunal de origem para a desaprovação das contas, qual seja, a inobservância de princípios norteadores da realização de despesas com recursos públicos.

4. A hipótese dos autos versa sobre a aplicação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, os quais, por ostentarem caráter público, devem ter a sua utilização fundada, dentre outros, nos princípios da moralidade, da impessoalidade, da transparência, da razoabilidade e da economicidade, os quais são postulados norteadores da realização de despesas com dinheiro público, conforme já se decidiu no julgamento de contas anuais de partidos e a respeito de verba do Fundo Partidário. Nesse sentido: PC 247–55, rel. Min. Luiz Fux, DJE de 1º.3.2018, e ED–PC 267–46, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 22.9.2017.

5. Firmou–se nesta Corte Superior a compreensão de que a observância do princípio da economicidade na aplicação de recursos públicos pode ser objeto de controle em processo de prestação de contas, assim como se assentou que é possível considerar irregular a despesa que tenha caráter antieconômico. Nesse sentido, confiram–se os seguintes precedentes alusivos ao emprego de verbas do Fundo Partidário por partidos políticos: PC 305–87, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 12.8.2019; PC 290–21, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 21.6.2019; e PC 268–60, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 6.6.2019.

6. Inexiste óbice a que, na análise das prestações de contas, a Justiça Eleitoral exerça o controle da observância dos princípios norteadores da realização de despesas com recursos públicos, sejam eles provenientes do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

7. Quanto aos argumentos recursais de que a análise da prestação de contas deveria se limitar à escrituração contábil e de que eventual indício da irregularidade versada nos autos deveria ser apurado em procedimento autônomo, cumpre observar que a aplicação antieconômica de recursos públicos pode ser objeto de controle da Justiça Eleitoral no processo de prestação de contas, o que igualmente ocorre quanto aos gastos efetuados com inobservância aos princípios da transparência, da moralidade e da razoabilidade.

8. Na espécie, a Corte de origem, soberana no exame do conjunto fático–probatório dos autos, afirmou a irregularidade da despesa realizada, pelos seguintes fundamentos:

a) a prestadora das contas contratou a namorada/noiva de seu filho para prestar serviços como coordenadora–geral de campanha, pelo período de apenas dez dias e pela expressiva quantia de R$ 30.000,00, equivalente a cerca de 46% do total das receitas da campanha (R$ 65.860,00), com a utilização de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha;

b) a referida contratação, realizada mediante pagamento com recursos públicos, embora não seja objeto de restrição legal expressa, configurou a sobreposição de interesses privados em detrimento de interesses públicos e afrontou os princípios da moralidade e da impessoalidade, assim como revelou gasto expressivo e exageradamente desproporcional, de modo a comprometer a higidez das contas;

c) a alegação de que a pessoa contratada para prestar serviço na campanha teria se casado com o filho da candidata após a prestação dos serviços não afasta a irregularidade, pois, embora a relação de namoro ou noivado não configure parentesco, a contratação de pessoas nessas circunstâncias não se conforma ao significado nem ao alcance dos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e da isonomia;

d) a prestadora das contas confirmou ser sua nora a pessoa contratada como coordenadora–geral de campanha;

e) a candidata não comprovou devidamente os gastos realizados com a aludida contratação.

9. Para alterar as conclusões às quais chegou o Tribunal de origem, a fim de acolher as alegações recursais, seria necessário o revolvimento do acervo fático–probatório dos autos, o que não se admite em recurso especial eleitoral, nos termos do verbete sumular 24 do TSE.

10. Embora não haja vedação expressa à contratação de futuros parentes (ou até mesmo de parentes) para prestação de serviços de campanha, é necessário que haja razoabilidade em tal prática e que sejam observados os preceitos éticos e morais que devem nortear a conduta dos candidatos e dos partidos políticos, notadamente quanto ao uso de recursos públicos, evitando–se o favorecimento pessoal de qualquer natureza e o prejuízo à economicidade que pode decorrer de tais contratações. Nesse sentido, destaca–se que é dever do candidato ou do partido político garantir o bom uso dos recursos públicos, buscando obter o melhor resultado pelo menor custo possível, em atenção ao princípio da economicidade.

11. A contratação de parente do candidato – ou mesmo de pessoa que mantenha relação de noivado ou namoro com o candidato ou com parente do candidato – para a prestação de serviço na campanha enseja atenção da Justiça Eleitoral, dada a possibilidade de conflito de interesses e de desvio de finalidade na aplicação de recursos públicos, com vistas a, eventualmente, favorecer financeiramente a pessoa contratada. Assim, tal contratação, caso seja realizada, deve observar rigorosamente os princípios constitucionais da razoabilidade, da moralidade e da economicidade, assim como deve evidenciar elevado grau de transparência, a fim de que sejam, de forma satisfatória, demonstradas as peculiaridades da transação, as atividades efetivamente desenvolvidas e a compatibilidade dos custos com valores de mercado. Cumpre à Justiça Eleitoral atuar com maior rigor em tais situações.

12. No caso sob exame, é induvidosa a falta de transparência na contratação da coordenadora–geral de campanha, pois, conforme consignado no acórdão regional, a prestadora das contas não comprovou devidamente os gastos realizados com a contratação por exíguo intervalo de tempo e por quantia expressiva de recursos públicos, de modo a comprometer a higidez das contas.

13. A ausência de comprovação de despesas de campanha é, em regra, motivo suficiente para ensejar a desaprovação das contas. Nesse sentido: AgR–AI 0606203–67, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 7.5.2020, AgR–PC 218–97, da rel. Min. Sérgio Banhos, DJE de 28.4.2020, PC 1008–18, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 29.8.2019, e AgR–AI 174–43, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 22.3.2018.

14. A Corte de origem agiu com acerto ao assentar que a contratação, no caso dos autos, ocorreu em desacordo com os princípios da moralidade e da impessoalidade na aplicação dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Ademais, os fundamentos do acórdão recorrido realçam também o caráter antieconômico da despesa efetuada com recursos públicos do FEFC, na medida em que a candidata pagou a uma única pessoa contratada, por serviços supostamente prestados no período de apenas dez dias, a quantia de R$ 30.000,00, equivalente a cerca de 46% do total das receitas da campanha (R$ 65.860,00), revelando–se tal gasto "exageradamente desproporcional" e "efetivamente expressivo", nas palavras do Tribunal de origem.

15. Na espécie, não é possível a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas, tendo em vista que a irregularidade constatada corresponde a quantia expressiva, em valor absoluto e em termos percentuais, em relação ao total de recursos arrecadados. Nesse sentido: AgR–AI 181–42, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 3.12.2018.

CONCLUSÃO

Recurso especial eleitoral a que se nega provimento.

(TSE - REspEl: 060116394 CAMPO GRANDE - MS, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 29.09.2020, Data de Publicação: 27.10.2020.) (Grifo nosso)


 

A partir desse julgado (RespEl 0601163-94.2018.6.12.0000), pode-se dizer que a Corte Superior Eleitoral fixou algumas balizas, materializadas pelo voto do Relator Ministro Sérgio Banhos, no sentido de que as contratações de familiares, caso sejam realizadas, devem observar rigorosamente os princípios constitucionais da razoabilidade, da moralidade e da economicidade, assim como devem evidenciar elevado grau de transparência, a fim de que sejam, de forma satisfatória, demonstradas as peculiaridades da transação, as atividades efetivamente desenvolvidas e a compatibilidade dos custos com o valor de mercado.

Na ocasião, o Ministro Sérgio Banhos destacou a compreensão da Corte “de que a observância do princípio da economicidade na aplicação de recursos públicos pode ser objeto de controle em processo de prestação de contas, assim como se assentou que é possível considerar irregular a despesa que tenha caráter antieconômico”. Acrescentou ainda que, na hipótese de haver uso de recursos oriundos do FEFC ou do Fundo Partidário na contratação de parentes para prestar serviços de qualquer natureza na campanha do candidato, esse contrato “deve observar rigorosamente os princípios constitucionais da razoabilidade, da moralidade e da economicidade”.

No mesmo ano, este Tribunal Regional manifestou entendimento pela impossibilidade de contratação de si próprio e/ou de seus parentes em campanhas eleitorais, pois, mesmo não havendo norma proibitiva expressa, tal conduta seria contrária aos princípios da moralidade e da impessoalidade. Colaciono trecho da decisão a bem ilustrar o posicionamento da Corte Gaúcha:
 

3. Da realização de despesas cujos contratados são os próprios integrantes da chapa majoritária. Os candidatos a governador e a vice-governador constaram como fornecedores de serviços para a própria campanha eleitoral, relativamente a despesas pagas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). As normas que regulam a contabilidade eleitoral não coíbem, expressamente, que candidatos, bem como seus parentes, forneçam bens e serviços às próprias campanhas eleitorais. O entendimento por tal vedação advém de extensão dos princípios inerentes à administração pública às verbas advindas do FEFC, cuja utilização ocorreu de modo inaugural nas campanhas de 2018. Malgrado eventualmente afrontosa aos princípios da moralidade e da impessoalidade, o prestador buscou a correção da falha antes do julgamento das contas, procedendo ao ressarcimento dos valores correspondentes ao erário providenciando o saneamento possível da mácula. Pertinente ao caso, a autorização para que a Procuradoria Regional Eleitoral proceda ao encaminhamento de cópia dos autos ao Ministério Público Eleitoral com atuação em primeiro grau, a fim de que, em expediente próprio, ocorra a apuração de eventual malversação de dinheiro público.

(Prestação de Contas no 602572-56.2018.621.0000 – Porto Alegre/RS, ACÓRDÃO de 09.12.2019, Relator DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão.) (grifo nosso)
 

Na ocasião, o Tribunal gaúcho repeliu a autocontratação do candidato, com pagamento por meio de recursos públicos do FEFC, pois evidente a ocorrência de sobreposição de interesses privados em detrimento de interesses públicos.

Esse posicionamento da Corte mais uma vez se fez presente, em julgado de relatoria do Des. Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli, ao tratar de irregularidade da despesa de pagamento de serviço de militância a parentes, ementa que transcrevo:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. CARGO DE VEREADORA. DESAPROVAÇÃO. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. TRANSFERÊNCIA PARA CONTA PARTICULAR. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA IMPESSOALIDADE. MONTANTE DESPENDIDO INFERIOR AOS PARÂMETROS UTILIZADOS POR ESTA CORTE. APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MANTIDO O DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovada prestação de contas de candidata a vereadora. Determinado recolhimento ao Tesouro Nacional.

2. Apropriação de verbas públicas. Valores destinados ao financiamento eleitoral utilizados em proveito próprio ou alheio, na forma dos §§ 1º e 2º do art. 79 e art. 82 da Resolução TSE n. 23.607/19. A utilização de recursos do FEFC para quitação de serviço de militância realizado pela filha da candidata configura afronta aos princípios que norteiam o uso do dinheiro público, com relevo os da moralidade e da impessoalidade, máxime por ter a recorrente destinado a parente consanguíneo o repasse público. Irregularidade da despesa. Dever de ressarcimento aos cofres públicos.

3. A escolha do prestador de serviços ou do valor a ser pago, dentro do juízo de definição do que seja costumeiro, vantajoso e útil para a campanha, cabe, em regra, exclusivamente ao candidato. Contudo, ao fazê–lo no gerenciamento de recursos públicos, o agente se vincula aos princípios–deveres que regem a administração pública, como previsto no caput do art. 37 da Constituição da República.

4. A mácula, ainda que mantida, não supera o parâmetro de R$ 1.064,10 definido por esta Corte, viabilizando a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de atenuar sua gravidade sobre o conjunto das contas, de modo a possibilitar a aprovação das contas com ressalvas, de acordo com a jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral e desta Corte.

5. Provimento parcial. Mantido o dever de recolhimento ao Tesouro Nacional.

(Rel 0600293-07.2020.6.21.0072, Rel. Des. Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli, julgado em 04.10.2022.) (grifo nosso)
 

O tema quanto à possibilidade da contratação de parentes em atividades de campanha foi trazido outra vez a lume, ainda que tangencialmente, por ocasião do julgamento da PCE 0603203-58.2022.6.21.0000, na sessão do dia 20.07.2023, em feito da relatoria da Desa. Eleitoral Elaine Maria Canto da Fonseca.

Naquela oportunidade, manifestei-me sobre pelo menos 3 teses possíveis: a) proibição objetiva de contratação de qualquer pessoa com algum grau de parentesco (aliás, grau a ser definido), em nome dos princípios da moralidade e da transparência; b) possibilidade de contratação de parentes para campanha eleitoral, diante da ausência de vedação legal: c) possibilidade de contratação de parentes, desde que estabelecidos parâmetros mais rígidos de demonstração.

Refleti muito a respeito e filio-me à tese da possibilidade de contratação de parentes pelo(a) candidato(a), desde que estabelecidos parâmetros mais rígidos de demonstração (c).

Isso porque, atualmente as campanhas são alimentadas quase que integralmente por recursos públicos, advindos do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, circunstância que vincula a demonstração de gastos a todo o arcabouço principiológico e normativo aplicável à administração pública.

Nesse sentido, colaciono a ementa de julgado do TSE:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. GOVERNADOR. CONTAS APROVADAS COM RESSALVAS. DETERMINAÇÃO DE DEVOLUÇÃO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. APRECIAÇÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM DA REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO DO FILHO DO CANDIDATO PARA ATUAR NA CAMPANHA, OBSERVANDO OS CRITÉRIOS FIXADOS NA JURISPRUDÊNCIA DO TSE. MANTIDA. SÍNTESE DO CASO

1. O Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul aprovou com ressalvas as contas de campanha do agravante, referentes às Eleições de 2018, nas quais concorreu ao cargo de Governador, e determinou a devolução ao Tesouro Nacional de recursos públicos aplicados irregularmente, no valor de R$ 17.709,00.

2. Na decisão agravada, dei provimento ao agravo em recurso especial eleitoral, para dar parcial provimento ao seu recurso especial, em consonância com o parecer ministerial, a fim de que a Corte de origem, afastada a aplicação da Súmula Vinculante 13 à espécie, aprecie a regularidade da contratação do filho do candidato para atuar na campanha, observando os critérios assentados na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a exemplo da qualificação para o exercício da função, a compatibilidade do valor pago com o mercado e a comprovação da efetiva prestação do serviço. ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL

3. Esta Corte Superior, no julgamento do REspEl 0601163–94, de minha relatoria, firmou entendimento no sentido de que a contratação de parente do candidato para a prestação de serviço na campanha eleitoral enseja atenção da Justiça Eleitoral, dada a possibilidade de conflito de interesses e de desvio de finalidade na aplicação de recursos públicos, com vistas a, eventualmente, favorecer financeiramente a pessoa contratada.

4. Compreendeu–se, no referido julgamento, que, caso seja realizada a contratação de parentes, tal contratação deve observar rigorosamente os princípios constitucionais da razoabilidade, da moralidade e da economicidade, assim como deve evidenciar elevado grau de transparência, a fim de que sejam, de forma satisfatória, demonstradas as peculiaridades da transação, as atividades efetivamente desenvolvidas e a compatibilidade dos custos com valores de mercado.

5. Diversamente do defendido pelo agravante, observo que a Corte Regional não examinou, nos termos da jurisprudência firmada por este Tribunal Superior Eleitoral, a qualificação e idoneidade do contratado para o exercício da função, a efetiva prestação do serviço e a compatibilidade do valor pago com o mercado, o que, realmente, acarreta o retorno dos autos à Corte de origem, a fim de que aprecie a regularidade da contratação do filho do prestador das contas para atuar na campanha, observando os critérios assentados na jurisprudência deste Tribunal Superior. 6. A autocontratação do candidato para prestar serviços advocatícios aos demais candidatos da coligação, com pagamento por meio de recursos públicos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, demonstra evidente conflito e sobreposição de interesses privados em detrimento de interesses públicos, nos termos do consignado pela Corte Regional. 7. O cenário em análise se distingue daquele dos dirigentes de partidos políticos, pois, além do amparo da contratação destes na autonomia conferida pelo art. 17, § 1º, da Constituição Federal aos partidos políticos, há, na hipótese invocada, inequívoca distinção entre a pessoa jurídica do partido e as pessoas físicas contratadas, o que não ocorre na espécie, diante da nítida confusão entre o tomador e o prestador dos serviços de advocacia. CONCLUSÃO Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE - REspEl: 06015440520186120000 CAMPO GRANDE - MS 060154405, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 19.04.2022, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 77.) (grifo nosso)


 

Assim, na esteira do entendimento do TSE, assim como da nossa própria jurisprudência, considero que poderá ocorrer a contratação de familiares mediante pagamento com recursos públicos, desde que haja razoabilidade entre os valores pagos e os serviços executados, devendo ser observados com rigor ainda maior os postulados norteadores da realização de despesas com dinheiro público, quais sejam, os princípios da moralidade, da impessoalidade, da transparência, da razoabilidade e da economicidade.

Com essas diretrizes, passo ao exame do caso concreto.

Na hipótese, a prestadora junta aos autos os contratos de prestação de serviço dos 03 familiares contratados; os recibos de pagamento e os extratos bancários:

1.THIAGO GABRIEL DOS SANTOS SACKSER (ID 45511337), valor da remuneração R$ 2.350,00 (irmão);

2.THIAGO DA SILVA SACKSER (ID 45511339), valor da remuneração: R$ 2.760,00 (pai/padrasto) e,

3. RAQUEL ALVES DOS SANTOS (ID 45511340), valor da remuneração; R$ 2.500,00 (mãe).

Quanto à proporcionalidade, observo que os valores objetivamente considerados não foram excessivos, considerando as funções desempenhadas e em comparação com os valores pagos no mercado, bem como em relação aos outros contratos de militância juntados aos autos de ID 45151131 a 45151134, ID 45151137 a ID 45151140, ID 45151142 e ID 45151143.

Já no que diz respeito à essencialidade das contratações, verifico que a atividade de “auxiliar de serviço eleitoral”, isto é, serviço de militância de rua, não exige qualificação técnica para o exercício da função, de modo que não enseja a contratação específica daquelas pessoas, familiares da candidata, ao desempenho daquelas funções.

Sob o aspecto contábil e formal, a contratação se demonstra regular. Ocorre que em se tratando especificamente de contratação envolvendo parentesco e recursos públicos, há que se averiguar não apenas a compatibilidade do valor pago com o mercado, mas especialmente a comprovação da efetiva prestação do serviço, máxime porque a análise da razoabilidade entre o valor pago e o serviço executado somente pode ser empregada se houver a certeza de que o serviço foi prestado de fato, caso contrário, não há que se falar em valor razoável.

E, no caso dos autos, a candidata não se desincumbiu do dever de comprovar a execução dos serviços prestados por seus familiares.

E assim o é porque, a quem cabe o benefício de receber dinheiro público para financiamento de sua campanha, cumpre também o ônus de comprovar a correta aplicação dos recursos.

Destaco, ainda, que a prestadora se manifestou nos autos após a emissão do Parecer da PRE, o qual infere acerca da necessidade de comprovação da efetiva prestação dos serviços, momento em que poderia ter anexado provas da execução dos serviços, seja por meio de foto, vídeo, ata notarial, etc. Contudo, eximiu-se de sua obrigação.

Observo, igualmente, que dos doze (12) militantes contratados, três (03) eram parentes da candidata, os quais receberam juntos a soma de R$ 7.610,00, ou seja, do total de R$ 18.030,00 destinados ao serviço de militância, o percentual de 42,20% do valor com militância foi pago com recursos públicos à família da candidata, sem comprovação alguma de que o serviço efetivamente foi prestado. Ainda, considerando o total de despesas pagas na campanha da candidata (R$ 19.996,00), o valor destinado à família corresponde a 38,05 % das despesas da campanha, conforme se pode verificar no site divulgacand, visitado em 10.08.2023:https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RS/210001602902.

Portanto, no presente caso, em face da ausência de comprovação da efetiva execução dos serviços contratados, verifico desvio de finalidade na aplicação dos recursos públicos, com vistas a favorecer financeiramente os familiares contratados.

Por derradeiro, não sendo demonstrado, de modo escorreito, o correto uso dos valores provenientes do FEFC, imperiosa a determinação de recolhimento do valor de R$ 7.610,00 ao Tesouro Nacional, conforme o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Assim, VOTO pela desaprovação das contas de RHILARY GABRIELI DOS SANTOS BECKER, candidata não eleita ao cargo de deputada estadual, referentes à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022, e determino o recolhimento do valor de R$ 7.610,00 ao Tesouro Nacional.