RecCrimEleit - 0600005-80.2022.6.21.0107 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/08/2023 às 14:00

VOTO

Inicialmente, rejeito a preliminar de nulidade do processo a partir da audiência de instrução, por ofensa ao caput do art. 81 da Lei n. 9.099/95. Transcrevo o dispositivo:

Art. 81. Aberta a audiência, será dada a palavra ao defensor para responder à acusação, após o que o Juiz receberá, ou não, a denúncia ou queixa; havendo recebimento, serão ouvidas a vítima e as testemunhas de acusação e defesa, interrogando-se a seguir o acusado, se presente, passando-se imediatamente aos debates orais e à prolação da sentença.

(...)

 

No caso em tela, conforme bem aponta a Procuradoria Regional Eleitoral, a recorrente não declina as razões pelas quais afirma a existência de nulidade do processo e, do exame dos autos, não se verifica qualquer vício na tramitação, tendo o feito transcorrido de forma regular.

A ata da audiência em questão consta do ID 45383459, tendo o ato sido realizado com atendimento de todas as formalidades legais. Na ocasião, foi recusada pela autora do fato a proposta de transação penal apresentada pelo Ministério Público Eleitoral, que ofereceu a doação de um salário mínimo ao Fundo de Penas Alternativas da Comarca ou 36 horas de prestação de serviços à comunidade, em até 45 dias.

Assim, rejeito a preliminar.

 

No mérito, segundo a acusação, a conduta de Dione Dagmar Sperotto consistiu em imputar fato ofensivo à reputação do candidato à reeleição como vereador Valdez Krampe, para fins de propaganda eleitoral, na última semana da campanha do pleito de 2020, ocasião em que a recorrente foi ao Bar do Régio e pediu para que as pessoas presentes acompanhassem a próxima sessão legislativa, data em que protocolaria uma notícia de improbidade administrativa e quebra de decoro contra Valdez na Câmara de Vereadores de Santo Augusto/RS, “para conhecerem o verdadeiro caráter do candidato Valdez”.

O delito está tipificado no art. 325 do Código Eleitoral:

Art. 325. Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena – detenção de três meses a um ano e pagamento de 5 a 30 dias-multa.

 

Em juízo, a recorrente relatou que a afirmação foi realizada por ter sofrido processo de cassação na Câmara de Vereadores, na época que exercia o mandato de vereadora, devido ao fato de ser funcionária pública e cumprir expediente durante o período de trabalho na Casa Legislativa.

No seu interrogatório, Dione afirmou que decidiu apresentar a notícia de improbidade na Câmara de Vereadores, porque a situação do Vereador Valdez Krampe, que também é funcionário público, era idêntica: ambos se afastavam do local de trabalho durante o expediente para cumprir atividades relacionadas ao exercício da vereança.

Conforme consta da sentença, a notícia de fato foi realmente protocolada. No sábado, dia 07.11.2020, a recorrente foi ao bar convidar as pessoas para assistirem à próxima sessão legislativa, ocorrida no dia 09.11.2020, segunda-feira, data do protocolo da representação, com pedido de cassação do mandato por quebra de decoro parlamentar e improbidade, na Câmara Municipal.

A prova testemunhal igualmente demonstra que os fatos ocorreram tal como a narrativa contida na denúncia.

A intenção de prejudicar a campanha do candidato Valdez, igualmente, era deliberada e manifesta. Nesse sentido, a sentença aponta que a denúncia feita à Câmara Municipal foi redigida em 06.11.2022 e protocolada no dia 09.11.2020, com divulgação na sessão legislativa da mesma data, 6 (seis) dias antes da eleição, “em que pese as informações terem sido requeridas à Prefeitura Municipal em 02/03/2020, mais de 8 meses antes”.

De fato, havia nítido interesse de prejudicar a candidatura à reeleição do vereador, que concorria ao mesmo cargo que o filho da recorrente, Lucas Sperotto.

Tal circunstância fica corroborada pela postagem de Facebook do ID 45383435, p. 49, realizada no perfil pessoal do candidato Lucas Sperotto, com a imagem da recorrente e de Lucas e o texto: “Quero ver o choro. COMUNIDADE SANTO AUGUSTENSE NÃO PERCAM A SESSÃO DA CÂMARA DE VEREADORES HOJE À NOITE, POIS IREMOS DESCOBRIR O VERDADEIRO CARÁTER E PALAVRA DOS NOSSOS ATUAIS EDIS E NOBRES VEREADORES”:

 

 

Ocorre que a realização de propaganda eleitoral negativa em desfavor de candidatos e candidatas não é conduta proibida dentro da legislação eleitoral, sendo prática comumente observada nos pleitos eleitorais. Ataques entre candidatos são atos reprováveis pela Justiça Eleitoral, que recomenda campanhas sem ataques pessoais e com propagandas de cunho propositivo, com destaque de ideias, qualidades e propostas para o eleitorado.

Ademais, a postagem de Facebook em questão sequer foi publicada pela recorrente.

Na hipótese dos autos, assiste razão à Procuradoria Regional Eleitoral ao apontar que a fala da recorrente, ao convocar as pessoas “para conhecerem o verdadeiro caráter do candidato Valdez”, não caracteriza o crime de difamação na propaganda eleitoral.

Na lição doutrinária de José Jairo Gomes, o tipo subjetivo do crime de difamação para fins de propaganda eleitoral é o dolo de dano, direto e eventual, que “consiste no querer, livre e consciente, atribuir a alguém fato ofensivo à sua reputação, com o propósito de lhe ofender a honra” (GOMES, José Jairo. Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral. São Paulo. Atlas, 3ª Ed. 2018. p. 140).

Entretanto, bem aponta a Procuradoria Regional Eleitoral, que “é necessário, para a caracterização do ilícito penal, que haja a imputação de fato determinado à pessoa da vítima, fato este que deve ser ofensivo à sua reputação, podendo nem ser verdadeiro”. Tal circunstância não se verifica na hipótese em tela, merecendo ser acolhida a conclusão do Parquet nesta instância:

No caso dos autos, não restou demonstrado que a ré tenha feito, em relação ao vereador candidato à reeleição Valdez Krampe, a descrição clara de um fato preciso, determinado e concreto que, no plano objetivo, revele-se infame e desonrado. Protocolou uma representação na Câmara de Vereadores contra ele, por improbidade administrativa e falta de decoro, com vistas à sua cassação e com o claro intuito de prejudicar a sua campanha, e, conforme ressaltado pelo julgador a quo, “se aproveitou da presença de vários eleitores no bar para propalar a apresentação da denúncia na câmara dos vereadores.”

No entanto, as palavras que a ré teria proferido na ocasião (quando orientou a que todos acompanhassem a Sessão da Câmara de Vereadores, pois conheceriam o “verdadeiro caráter do candidato Valdez”) não são em si ofensivas.

Obviamente, a intenção era de dar a conhecer fato negativo, constante da representação protocolada na casa legislativa – a qual, conforme ficou evidenciado durante a instrução, não teve êxito –, mas daí não se pode inferir que eventual conteúdo difamatório daquele documento seja apto a caracterizar a prática do delito, sem que a fala da ré contivesse alusão a nenhum fato determinado. Considerando a condição de ultima ratio do direito penal, não se pode admitir a aplicação extensiva da norma incriminadora.

Em relação à postagem feita no Facebook (ID 45383435, p. 49), que foi utilizada pela sentença como reforço de argumentação no sentido de considerar comprovada a prática do ilícito pela ré e serviu, inclusive, para majorar a pena em razão da causa de aumento prevista no art. 327, inciso V, do Código Eleitoral, observa-se que: a) não há nenhuma referência a ela na denúncia; e b) trata-se de publicação que consta na página pessoal do candidato Lucas Sperotto, filho de Dione e também candidato a vereador, sendo portanto de sua responsabilidade, embora a ré também apareça na fotografia nela veiculada.

 

Esse também é o entendimento do TSE, conforme precedente trazido à colação pela Procuradoria Regional Eleitoral:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO PENAL. PREFEITO. DECISÃO AGRAVADA QUE DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL DO PREFEITO PARA AFASTAR SUA CONDENAÇÃO PELO CRIME DE CALÚNIA, MANTENDO-SE, CONTUDO, A CONDENAÇÃO POR INJÚRIA. AGRAVO INTERNO DO MPE QUE APONTA, NA DECISÃO AGRAVADA, VIOLAÇÃO À SÚMULA 24 DO TSE E EQUÍVOCO QUANTO AO AFASTAMENTO DO CRIME DE CALÚNIA E PUGNA, CASO NÃO RECONHECIDA A CALÚNIA, POR QUE SEJA RECONHECIDA A CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE DIFAMAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA DOS ARGUMENTOS DO AGRAVO INTERNO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. Na espécie, trata-se de ação penal ajuizada em desfavor de FERNANDO CHIARELLI, ora agravado, para impugnar os supostos delitos de calúnia, difamação e injúria (respectivamente, arts. 324, 325 e 326 do CE). A ação foi julgada procedente pelo juízo de primeiro grau, mas foi parcialmente reformada pelo TRE de São Paulo, que afastou o crime de difamação. Por meio da decisão ora agravada, deu-se parcial provimento ao recurso especial do réu para afastar sua condenação pelo crime de calúnia, mantendo-se a condenação por injúria. Em suas razões de agravo interno, o MPE afirma que houve desrespeito à Súmula 24 do TSE e alega ter sido equivocada a providência de afastar o crime de calúnia. Sustenta que, caso não se entenda pela configuração da calúnia, os fatos imputados ao réu recebam nova capitulação jurídica para que este seja condenado, também, por difamação.

2. A decisão agravada ateve-se aos limites das premissas fáticas estabelecidas no acórdão regional, não havendo falar em inobservância ao óbice processual da Súmula 24 do TSE. Com efeito, todos os elementos analisados no decisum, que embasaram a conclusão pela não configuração do crime de calúnia, encontram-se expressamente registrados no aresto regional.

3. Não procede, tampouco, a pretensão do agravante de que seja reconhecida a configuração do crime de calúnia, uma vez que, para caracterizar o referido tipo penal, exige-se que tenha sido imputado a alguém fato determinado que seja definido como crime, não sendo suficiente a imputação de fatos genéricos, como ocorrido na espécie. Precedentes do TSE e do STF.

4. A falta de descrição clara de um fato preciso, determinado e concreto que, no plano objetivo, revele-se infame e desonrado, afasta também o aperfeiçoamento do crime de difamação, motivo pelo qual não merece acolhimento o pedido subsidiário suscitado pelo agravante. Precedentes do STF e do STJ.

5. Merece ser desprovido o agravo interno, tendo em vista a inexistência de argumentos hábeis para modificar a decisão agravada.

6. Agravo Regimental a que se nega provimento.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 54168, Acórdão, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE, Tomo 185, Data: 14.09.2018, Páginas 96/97.) (Grifei.)

 

Dessa forma, o provimento do recurso é medida impositiva, com a absolvição da acusada, nos termos do art. 386, inc. III, do Código de Processo Penal.

Por fim, anoto ser incabível o pedido deduzido em memoriais, no sentido da condenação de Valdez Krampe e Ivanete Batista por alegado "conluio" para incriminar a recorrente, pois a presente ação penal não trata desse fato.

Por todo o exposto, rejeito a matéria preliminar e VOTO pelo provimento do recurso para reformar a sentença e absolver a acusada, nos termos do art. 386, inc. III, do Código de Processo Penal.