REl - 0601017-44.2020.6.21.0158 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/08/2023 às 16:00

VOTO 

Senhora Presidente. Eminentes colegas.

Inicialmente, cabe referir que os recursos de ambas as partes impugnaram parcialmente a sentença. Assim, verifica-se que a extinção do processo em relação à Comissão Provisória Municipal do PSL, a rejeição da acusação de abuso de poder político contra ALEXANDRE BOBADRA e Rui Santiago Irigaray Júnior, e a improcedência em relação ao suposto abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social contra Rui Santiago Irigaray Júnior transitaram em julgado. Por essa razão, a análise do presente feito ficará circunscrita aos temas a seguir tratados.

1. Da matéria preliminar

1.1. Do efeito suspensivo da sentença de cassação

Os autores da presente ação pretendem a imediata eficácia da sentença de cassação, com a remoção do efeito suspensivo que normalmente lhe é atribuído, embasado na tutela de evidência e na redução da utilidade do provimento jurisdicional com o passar do tempo.

Sem razão.

Em princípio, os recursos eleitorais não possuem efeito suspensivo. Entretanto, há expressa previsão para esse efeito, no caso de recurso ordinário interposto contra decisão proferida por juiz eleitoral ou por Tribunal Regional Eleitoral, que resulte em cassação de registro, afastamento do titular ou perda de mandato eletivo.

Consequentemente, é assegurada a prioridade de tramitação dessa espécie de recurso em relação aos demais processos, salvo os mandados de segurança e habeas corpus.

Nesse norte é a redação do art. 257 do Código Eleitoral, a seguir transcrito:

 

Art. 257. Os recursos eleitorais não terão efeito suspensivo.

§ 1º A execução de qualquer acórdão será feita imediatamente, através de comunicação por ofício, telegrama, ou, em casos especiais, a critério do presidente do Tribunal, através de cópia do acórdão. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

§ 2º O recurso ordinário interposto contra decisão proferida por juiz eleitoral ou por Tribunal Regional Eleitoral que resulte em cassação de registro, afastamento do titular ou perda de mandato eletivo será recebido pelo Tribunal competente com efeito suspensivo. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

§ 3º O Tribunal dará preferência ao recurso sobre quaisquer outros processos, ressalvados os de habeas corpus e de mandado de segurança. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

 

Registro, ainda, que, caso este Tribunal entenda pela manutenção da decisão de cassação de mandato, o acórdão, sim, terá efeito imediato, não sendo atribuído efeito suspensivo a recurso eventualmente interposto.

Em face do exposto, afasto a preliminar suscitada.

 

1.2. Da Admissibilidade Recursal

Os recursos são tempestivos e preenchem os demais requisitos de admissibilidade.

Questão peculiar diz respeito às razões apresentadas pelo recorrente ALEXANDRE BOBADRA.

Conforme já mencionado no relatório, ALEXANDRE BOBADRA apresentou três peças de razões recursais, sendo a primeira em 11.08.2022 e as demais em 12.08.2022. Todas, em tese, tempestivas, pois protocoladas dentro do tríduo legal.

Contudo, há que se examinar questão referente à preclusão consumativa, que pode ter ocorrido com a interposição da primeira peça de razões recursais, ou se, uma vez que as razões recursais foram delineadas naquele momento, seria possível a sua complementação por meio de peças recursais sucessivas, como de fato ocorreu.

Registro que a preclusão consiste na impossibilidade de revisitar fases já cumpridas ou de se repetirem atos já praticados, promovendo, assim, o impulsionamento do processo em direção ao seu término.

No que diz respeito à interposição de recursos, após a apresentação das razões recursais tem-se como finalizada a oportunidade de a parte recorrer. Ou seja, após a apresentação das razões, não se permite que a parte interponha recurso diferente contra a mesma decisão ou complemente as razões já postuladas.

Nesse sentido, este Regional, ao julgar agravo interno na Prestação de Contas n. 0601971-50.2018.6.21.0000 decidiu, nos termos do voto do relator, por não conhecer petições “nas quais o agravante, à guisa de complementação das razões recursais, invoca precedentes jurisprudenciais, ataca o parecer técnico sobre as contas e junta novos documentos, reapresentando o pedido de reforma da decisão”. E tal como consignado no voto condutor do acórdão, “esses sucessivos peticionamentos, realizados após a interposição de recurso e a intimação da pauta de julgamento, causam inequívoco tumulto na tramitação e atraso na análise do feito” (TRE-RS - PC: 060197150 PORTO ALEGRE - RS, Rel. MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, Data de Julgamento: 05.08.2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Data 09.08.2019).

Por sua vez, tal como consignado no parecer do douto Procurador Regional Eleitoral (ID 45328990), a jurisprudência do Tribunal Regional Eleitoral “é recorrente quanto ao não conhecimento de segundo recurso interposto pela mesma parte contra a mesma decisão, ainda que dentro do prazo recursal originário”. Transcrevo ementas de julgados elencados no referido parecer:

 

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL INADMITIDO NA ORIGEM. DEMONSTRATIVO DE REGULARIDADE DE ATOS PARTIDÁRIOS (DRAP). DEFERIMENTO. SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO. QUERELA NULLITATIS. AÇÃO DECLARATÓRIA. NULIDADE. DESCABIMENTO. (…) 1. A interposição de dois agravos regimentais pela mesma parte contra a mesma decisão impõe o não conhecimento do segundo em razão do princípio da unirrecorribilidade e da preclusão consumativa. Precedentes. (…) (Agravo de Instrumento nº 133507, Acórdão, Rel. Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, DJE 05/08/2019, Página 132)

 

ELEIÇÕES 2016. AGRAVOS REGIMENTAIS. RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. NÃO CABIMENTO. (…) 6. O segundo agravo regimental interposto pela mesma parte em desfavor da mesma decisão não deve ser conhecido, em razão da incidência da preclusão consumativa. Precedentes. (…) (Agravo de Instrumento nº 060000773, Acórdão, Rel. Min. Admar Gonzaga, Publicação: DJE 12/09/2018)

 

ELEIÇÕES 2014. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA. RECEBIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO ESTADUAL. INTERPOSIÇÃO DE DOIS RECURSOS ESPECIAIS. PRIMEIRO ESPECIAL SUBSCRITO POR IMAGEM DIGITALIZADA DE ASSINATURA. AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO. PRECLUSÃO CONSUMATIVA QUANTO AO SEGUNDO RECURSO. (…) 5. No mais, o Agravante interpôs dois especiais em datas distintas, motivo pelo qual é de se concluir pela preclusão consumativa em relação ao segundo apelo protocolado. 6. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento. (Recurso Especial Eleitoral nº 243161, Acórdão, Rel.Min. Luiz Fux, DJE 27/09/2016)

 

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PREFEITO E VICE-PREFEITO. ELEIÇÕES 2012. 1. Na Justiça Eleitoral, o prazo para oposição dos embargos de declaração é igual ao prazo para interposição dos recursos, razão pela qual é pacífica a jurisprudência a respeito da desnecessidade de ratificação do recurso especial interposto antes do julgamento dos embargos de declaração opostos pela parte contrária, quando não há alteração do julgado. Precedentes: AgR-AI nº 318-28, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE de 29.6.2015; e REspe nº 940- 27, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 1º.7.2014.2. O segundo recurso especial interposto pela mesma parte não pode ser conhecido, em razão da preclusão consumativa. Precedentes. (…) (Recurso Especial Eleitoral nº 69731, Acórdão, Rel. Min. Henrique Neves Da Silva, DJE 06/06/2016)

 

Ainda, conforme segue o ilustre representante do órgão ministerial, a mais alta Corte eleitoral “registra precedente bem específico, vedando a complementação das razões de recurso já interposto”. Transcrevo a aludida ementa, a seguir grifada:

 

ELEIÇÕES 2012. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. REPRESENTAÇÃO. DIVULGAÇÃO DE PESQUISA ELEITORAL SEM PRÉVIO REGISTRO. SÚMULA Nº 182/STJ. INCIDÊNCIA. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO E OBSCURIDADE NÃO APONTADAS NAS RAZÕES RECURSAIS. REJEIÇÃO.

1. Em vista da preclusão consumativa, não se admite a complementação posterior das razões de recurso já interposto.

2. Da leitura das razões do embargante, não se extrai a indicação clara das hipóteses do art. 275 do Código Eleitoral, mas apenas alegações genéricas, as quais não apontam com clareza a matéria que se diz omissa, contraditória e obscura, o que conduz ao desprovimento dos embargos.

3. Embargos de declaração rejeitados.

(Agravo de Instrumento nº 48972, Acórdão, Relator(a) Min. Luciana Lóssio, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 144, Data 06/08/2014, Página 89)

 

Na hipótese sob análise, as razões recursais apresentadas por ALEXANDRE BOBADRA foram submetidas em sequência, sem a adoção de qualquer medida processual entre elas. Sob essa perspectiva, não se verifica tumulto ou atraso no processo eventualmente ocasionados pelas referidas interposições.

Entretanto, como bem referiu o douto Procurador Regional Eleitoral, dois motivos fazem com que o instituto da preclusão consumativa seja aplicado ao presente caso, para o fim de impedir o conhecimento das petições de recurso de números dois e três apresentadas por ALEXANDRE BOBADRA (ID 45053121 e ID 45053213):

 

(i) primeiro porque, com a apresentação das primeiras razões recursais, foi fechado o prazo para recurso, de modo que, tecnicamente, não haveria espaço para a parte ingressar com uma segunda e uma terceira peças de razões recursais;

(ii) segundo porque o conhecimento de três peças de razões recursais demandaria que o Ministério Público e essa Justiça Eleitoral compusessem, pelo recorrente, a causa de pedir do recurso, juntando os fundamentos e pedidos das três peças, medida que não lhes cabe nem é possível em razão de outros princípios processuais, como o da igualdade entre as partes.

 

Portanto, acolhendo a compreensão ministerial quanto ao ponto, conheço unicamente das razões recursais aviadas por ALEXANDRE BOBADRA, no dia 11.8.2022 (ID 45053119), deixando de conhecer as razões apresentadas no dia 12.8.2022 (IDs 45053121 e 45053123).

 

1.3. Da sentença extrapetita

O recorrente ALEXANDRE BOBADRA alega que a sentença é extrapetita, uma vez que o condenou por ter sido beneficiado por atos de abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social, enquanto os fatos descritos na inicial, e dos quais se defendeu, são relativos a ter praticado esses atos, o que restou rejeitado pela decisão de primeiro grau.

Adianto que tal argumento não encontra respaldo jurídico.

Como bem referido pelo douto Procurador Regional Eleitoral, em seu parecer ID 45328990, de acordo com a Súmula TSE n. 62, "os limites do pedido são estabelecidos pelos fatos descritos na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor".

Por consequência, da análise do conteúdo da petição inicial, é possível verificar que os autores apontaram a concentração de recursos financeiros e a propaganda eleitoral gratuita na candidatura de ALEXANDRE BOBADRA, em detrimento das candidaturas dos demais correligionários, nas eleições de 2020, para o cargo de vereador em Porto Alegre.

Os autores ainda descreveram que os fatos em questão foram praticados por ALEXANDRE BOBADRA (na qualidade de presidente municipal do PSL e, simultaneamente, candidato a vereador) e por RUY SANTIAGO IRIGARAY JÚNIOR (na qualidade de presidente estadual do PSL), em benefício da candidatura de ALEXANDRE BOBADRA.

Como bem delineado pelo Procurador Regional Eleitoral:

 

“A explicitação de que os atos praticados beneficiaram a candidatura de ALEXANDRE BOBADRA figura em diversos trechos da petição inicial, podendo ser mencionados, exemplificativamente, os seguintes (ID 45052697 – grifos nossos):

(i) p. 04 – “busca o benefício pessoal em detrimento dos demais colegas de nominata”;

(ii) p. 05 – “houve cálculo deliberadamente pensado para excluir os demais e assim favorecer exclusivamente o Presidente”;

(iii) p. 05 – “o que singulariza o agir ilegal do requerido Alexandre é o fato de favorecer a si mesmo com uso de recursos públicos que deveriam ser compartilhados com o restante da lista de candidatos”;

(iv) p. 06 – “apossando-se da maior fatia do dinheiro e dos espaços de visibilidade do partido em seu próprio e exclusivo benefício”;

(v) p. 11 – “o Presidente Bobadra também foi egoísta e autoritário na distribuição do dinheiro, absorvendo 100 vezes mais recursos do que os candidatos menos aquinhoados”;

(vi) p. 11 – “vê-se que a atuação abusiva foi favorável exclusivamente a si, e extremamente prejudicial ao partido”;

(vii) p. 13 – “mobilizar poder econômico e espaço de televisão em seu próprio interesse, abusando da autoridade presidencial, é atitude que merece a reprimenda da justiça eleitoral, com a cassação do diploma do candidato infrator e beneficiário do abuso, Alexandre Bobadra (…)”.

 

Além disso, a petição inicial claramente descreve como fundamento para a ação o descumprimento dos percentuais mínimos de distribuição dos recursos públicos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e do tempo de propaganda eleitoral gratuita na televisão, em detrimento das candidaturas de mulheres e pardos/negros, conforme descrito no documento ID 45052697, página 12:

 

O PSL não aplicou os percentuais mínimos de fundo eleitoral e de tempo de televisão em candidatos negros e mulheres, o quanto basta para restar caracterizado o atentado à normalidade e à legitimidade das eleições.

 

A causa de pedir em questão, não depende da participação direta do beneficiário na prática dos atos, sendo suficiente, por si só, quando comprovada, para determinar a cassação do mandato.

Dessa forma, a alegação de que a sentença teria sido extrapetita não procede, uma vez que a petição inicial tem como causa de pedir não apenas a prática de atos de abuso de poder, mas também a obtenção de benefício com essa prática, independentemente de o beneficiado ter contribuído ou não para a prática dos atos.

Logo, inexiste qualquer nulidade na sentença, que mereça ser reconhecida e declarada.

 

2. Mérito

2.1. Premissas jurídicas do abuso de poder (econômico e midiático)

O abuso de poder encontra-se normatizado no art. 22, caput e incs. XIV e XVI, da LC n. 64/90:

 

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

(...)

XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

(...)

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

 

Na lição de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral Essencial, São Paulo: Editora Método, 2018, pp. 228-229):

 

Haverá abuso sempre que, em um contexto amplo, o poder – não importa sua origem ou natureza – for manejado com vistas à concretização de ações irrazoáveis, anormais, inusitadas ou mesmo injustificáveis diante das circunstâncias que se apresentarem e, sobretudo, ante os princípios e valores agasalhados no ordenamento jurídico. Por conta do abuso, ultrapassa-se o padrão normal de comportamento, realizando-se condutas que não guardam relação lógica com o que normalmente ocorreria ou se esperaria que ocorresse. A análise da razoabilidade da conduta e a ponderação de seus motivos e finalidades oferecem importantes vetores para a apreciação e o julgamento do evento; razoável, com efeito, é o que está em consonância com a razão.

(...)

No Direito Eleitoral, o abuso de poder consiste no mau uso de direito, situação ou posição jurídicas com vistas a exercer indevida e ilegítima influência em dada eleição. Para caracterizá-lo, fundamental é a presença de uma conduta em desconformidade com o Direito (que não se limita à lei), podendo ou não haver desnaturamento dos institutos jurídicos envolvidos. No mais das vezes, há a realização de ações ilícitas ou anormais, denotando mau uso de uma situação ou posição jurídicas ou mau uso de bens e recursos detidos pelo agente ou beneficiário ou a eles disponibilizados, isso sempre com o objetivo de influir indevidamente em determinado pleito eleitoral.

 

As práticas abusivas, nas suas diferentes modalidades, não demandam prova da sua interferência no resultado da votação, mas, tão somente, da gravidade das condutas para afetar o equilíbrio entre os candidatos e, com isso, causar mácula à normalidade e à legitimidade da disputa eleitoral (TSE, AIJE n. 060177905, Acórdão, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJE de 11.3.2021), valores tutelados pelo art. 14, § 9º, da Constituição Federal:

 

Art. 14. (...)

(...)

§9º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

 

No que respeita especificamente ao abuso de poder econômico, é necessário que a conduta abusiva tenha em vista processo eleitoral futuro ou em curso, concretizando ações ilícitas ou anormais, das quais se denote o uso de recursos patrimoniais detidos, controlados ou disponibilizados ao agente, que extrapolem ou exorbitem, no contexto em que se verificam, a razoabilidade e a normalidade no exercício de direitos, e o emprego de recursos, com o propósito de beneficiar determinada candidatura, provocando a quebra da igualdade de forças que deve preponderar no âmbito da disputa eleitoral.

Segundo Zilio (Direito Eleitoral – 5ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016. Páginas 557-558):

 

Caracteriza-se o abuso de poder econômico, na esfera eleitoral, quando o uso de parcela do poder financeiro é utilizada indevidamente, com o intuito de obter vantagem, ainda que indireta ou reflexa, na disputa do pleito. Pode-se configurar o abuso de poder econômico, exemplificativamente, no caso de descumprimento das normas que disciplinam as regras de arrecadação e prestação de contas na campanha eleitoral (v.g., arts. 18 a 25 da LE).

 

São institutos abertos, não sendo definidos por condutas taxativas, mas pela sua finalidade de impedir práticas e comportamentos que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

A quebra da normalidade do pleito está vinculada à gravidade da conduta capaz de alterar a simples normalidade das campanhas, sem a necessidade da demonstração de que sem a prática abusiva o resultado das urnas seria diferente.

Por sua vez, a utilização indevida dos meios de comunicação social ocorre quando um veículo de comunicação social deixa de observar a legislação, e tal ato resulta em benefício eleitoral a candidato, partido ou coligação.

Trago novamente a doutrina de Rodrigo López Zilio a respeito do tema (Direito Eleitoral – 5ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016. Página 559):

 

A utilização indevida dos meios de comunicação social ocorre sempre que um veículo de comunicação social (v.g., rádio, jornal, televisão) não observar a legislação de regência, causando benefício eleitoral a determinado candidato, partido ou coligação. É inegável, e cada vez maior, a influência dos meios comunicação de massa na sociedade atual, cuja característica principal é a imediatidade da circulação de informação. FÁVILA RIBEIRO, após aduzir que os meios de comunicação devem ser tratados como poder social, sendo passíveis de controle, assevera que “as comunicações não tem sido compativelmente tratadas pela condição de poder que adquiriram no contexto da sociedade de massas, com a concentração de uma potencialidade informativa a se propagar com inusitada velocidade a pontos mais remotos”, concluindo que “no momento em que se afirma como poder, [o meio de comunicação] fica afetado pela tendência congênita a abuso, não que programe desencadear o mal, mas em proteger desregradamente os seus afeiçoados, abalando a regra igualitarista no âmbito do processo eleitoral” (Abuso..., pp. 45/48). O uso indevido dos meios de comunicação social pode ocorrer através da participação ativa ou da anuência do veículo de comunicação social no ilícito praticado (v.g., o jornal é transformado em um sistemático agente de propaganda eleitoral de determinado candidato), bem como por meio da utilização desse meio de comunicação social sem o seu conhecimento ou anuência para o cometimento do ilícito (v.g., o jornal é ardilosamente utilizado, sem o seu conhecimento, como meio de propaganda eleitoral para determinada candidatura).

 

Essa, eminentes colegas, é a contextualização normativa e jurisprudencial.

 

2.2. Premissas jurídicas referentes à distribuição, pelos partidos políticos, dos recursos públicos do FEFC e do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão em relação às candidaturas para vereador em 2020

Somadas a esse repertório, entendo de extrema importância transcrever aqui as premissas jurídicas colacionadas pelo douto Procurador Regional Eleitoral em seu minudente parecer, as quais evidenciam com singular clareza o arcabouço jurídico relativo aos fatos sob análise. Vejamos:

 

A Lei nº 9.504/97, por seu art. 10, § 3º, estabeleceu que os partidos devem observar, no lançamento de candidaturas aos pleitos proporcionais (Deputado Federal, Deputado Estadual e Vereador), o percentual mínimo de 30% e máximo de 70% para cada gênero.

Na prática, a disposição visou à garantia de percentual mínimo de candidaturas femininas nos pleitos proporcionais.

A partir dessa disposição, passou-se a questionar se a distribuição dos recursos de natureza pública (Fundo Partidário e Fundo Especial de Financiamento de Campanha) e do tempo de propaganda eleitoral gratuita na rádio e na televisão também deveria observar percentual mínimo e máximo por gênero.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5617 (ADI 5617, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 15/03/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe211 DIVULG 02-10-2018 PUBLIC 03-10-2018), estabeleceu que a distribuição de recursos provenientes do Fundo Partidário deveria observar os percentuais mínimo e máximo por gênero; bem como que, havendo percentual mais elevado de candidaturas femininas, o mínimo de recursos globais do partido destinados a campanhas lhes fosse alocado na mesma proporção.

Em sequência, o Tribunal Superior Eleitoral, ao responder à Consulta nº 0600252-18.2018.6.00.0000 (Consulta nº 060025218, Acórdão, Relator(a) Min. Rosa Weber, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 163, Data 15/08/2018.), determinou a aplicação dessa fórmula também para os recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e para a distribuição do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão.

Ambos entendimentos passaram a vigorar a partir do pleito de 2018.

Consolidada a questão da distribuição de FP, FEFC e tempo de propaganda eleitoral gratuita por gênero, avançou-se para a discussão quanto à distribuição por raça (com fundamento no princípio constitucional da igualdade).

O Tribunal Superior Eleitoral, ao responder à Consulta nº 0600306-47.2019.6.00.0000 (CONSULTA nº 060030647, Acórdão, Relator(a) Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 199, Data 05/10/2020, Página 0.), fixou que: (1) os recursos públicos do FP e do FEFC e o tempo de rádio e TV destinados às candidaturas de mulheres devem ser repartidos entre mulheres negras e brancas na exata proporção das candidaturas apresentadas pelas agremiações; e (2) os recursos públicos do FP e do FEFC e o tempo de rádio e TV devem ser destinados ao custeio das candidaturas de homens negros na exata proporção das candidaturas apresentadas pelas agremiações.

A Corte eleitoral ainda determinou que esse entendimento somente teria validade a partir do pleito de 2022.

Paralelamente, foi ajuizada no Supremo Tribunal Federal a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 738 (ADPF 738 MC-Ref, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 05/10/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-260 DIVULG 28-10-2020 PUBLIC 29-10-2020). Nesta ação, foi deferida medida cautelar, posteriormente referendada pelo plenário da Corte, determinando a aplicação dos incentivos às candidaturas de pessoas negras nos exatos termos da resposta do TSE à consulta nº 600306-47.2019, ainda nas eleições de 2020.

Oportuno colacionar as diretrizes pormenorizadas pelo Min. Relator, em despacho datado de 24.09.2020:

1. O volume de recursos destinados a candidaturas de pessoas negras deve ser calculado a partir do percentual dessas candidaturas dentro de cada gênero, e não de forma global. Isto é, primeiramente, deve-se distribuir as candidaturas em dois grupos - homens e mulheres. Na sequência, deve-se estabelecer o percentual de candidaturas de mulheres negras em relação ao total de candidaturas femininas, bem como o percentual de candidaturas de homens negros em relação ao total de candidaturas masculinas. Do total de recursos destinados a cada gênero é que se separará a fatia mínima de recursos a ser destinada a pessoas negras desse gênero;

2. Ademais, deve-se observar as particularidades do regime do FEFC e do Fundo Partidário, ajustando-se as regras já aplicadas para cálculo e fiscalização de recursos destinados às mulheres;

3. A aplicação de recursos do FEFC em candidaturas femininas é calculada e fiscalizada em âmbito nacional. Assim, o cálculo do montante mínimo do FEFC a ser aplicado pelo partido, em todo o país em candidaturas de mulheres negras e homens negros será realizado a partir da aferição do percentual de mulheres negras, dento do total de candidaturas femininas, e de homens negros, dentro do total de candidaturas masculinas. A fiscalização da aplicação dos percentuais mínimos será realizada, apenas, no exame das prestações de contas do diretório nacional, pelo TSE;

4. A aplicação de recursos do Fundo Partidário em candidaturas femininas é calculada e fiscalizada em cada esfera partidária. Portanto, havendo aplicação de recursos do Fundo Partidário em campanhas, o órgão partidário doador, de qualquer esfera, deverá destinar os recursos proporcionalmente ao efetivo percentual (i) de candidaturas femininas, observado, dentro deste grupo, o volume mínimo a ser aplicado a candidaturas de mulheres negras; e (ii) de candidaturas de homens negros. Nesse caso, a proporcionalidade será aferida com base nas candidaturas apresentadas no âmbito territorial do órgão partidário doador. A fiscalização da aplicação do percentual mínimo será realizada no exame das prestações de contas de campanha de cada órgão partidário que tenha feito a doação.

Dessa forma, no pleito de 2020, competia aos partidos políticos, nas candidaturas para vereador:

(1) em relação ao total de candidaturas lançadas, observarem percentual mínimo de 30% e máximo de 70% para cada gênero;

(2) em relação aos recursos públicos do FP e do FEFC e ao tempo de propaganda eleitoral gratuita na rádio e na televisão – (2.1) observarem o percentual mínimo de 30% e máximo de 70% destinados para cada gênero; bem como (2.2) havendo percentual mais elevado do que o mínimo em candidaturas femininas, observarem a alocação de recursos e tempo de rádio e TV na mesma proporção;

(3) em relação aos recursos públicos do FP e do FEFC e ao tempo de propaganda eleitoral gratuita na rádio e na televisão dentro do gênero feminino, observarem a sua alocação proporcional ao número de candidatas negras e brancas;

(4) em relação aos recursos públicos do FP e FEFC e ao tempo de propaganda eleitoral gratuita na rádio e na televisão dentro do gênero masculino, observarem a sua alocação proporcional ao número de candidatos negros e brancos. (grifei)

 

Passo, então, à análise dos fatos objeto dos recursos.

2.3. Da distribuição de recursos do FEFC e do tempo de propaganda eleitoral gratuita na televisão entre as candidatas e os candidatos a vereador pelo PSL no pleito de 2020

Como já consignado anteriormente, os apelos em análise referem-se apenas à distribuição dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e ao tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão.

Ao analisar o processo n. 0600595-69.2020.6.21.0158, referente ao Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários do PSL em Porto Alegre, no ano de 2020, constata-se que o partido lançou 53 candidaturas para o pleito proporcional, sendo 16 mulheres (30,19%) e 37 homens (69,81%).

Um candidato, Simon Jonathan Wolk (homem branco), renunciou à candidatura. No entanto, como a renúncia ocorreu apenas às vésperas do pleito, ele não deve ser excluído dos cálculos percentuais relativos ao cumprimento da cota de gênero.

O número de candidaturas atendeu, portanto, aos percentuais mínimo e máximo de gênero estabelecidos no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

Após consulta ao Divulgacandcontas de 2020, constatou-se que o partido político PSL de Porto Alegre, nas candidaturas para vereador, lançou 16 mulheres, sendo 2 pardas/negras (12,5%) e 14 brancas (87,5%), além de 37 homens, sendo 17 pardos/negros (45,94%) e 20 brancos (54,05%).

Levando em conta os precedentes jurisprudenciais citados na seção anterior (ADPF 5617, Consultas TSE n. 0600252-18.2018.6.00.0000 e n. 0600306-47.2019.6.00.0000, e ADPF 738), o partido PSL deveria ter direcionado 30,19% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e do tempo de propaganda eleitoral gratuita na rádio e na televisão para candidatas mulheres, e, dentro do gênero feminino, deveria ter direcionado 12,5% desses recursos, especificamente para as candidatas pardas/negras.

Ademais, com base nos mesmos precedentes, cabia ao PSL direcionar 69,81% dos recursos do FEFC e do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, para candidatos homens; e, dentro do gênero masculino, deveria ter direcionado 45,94% dos mesmos itens, especificamente para os candidatos pardos/negros.

 

2.4. Dos Recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC)

Conforme se constata da inicial, os autores apresentaram apenas um dado concreto, o valor total dos recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) destinados às campanhas dos candidatos em Porto Alegre, que é de R$ 650.200,00 (seiscentos e cinquenta mil e duzentos reais). E esse valor não foi contestado pelo investigado ALEXANDRE BOBADRA.

Por consequência, considerando R$ 650.200,00 (seiscentos e cinquenta mil e duzentos reais) como o valor total de recursos do FEFC, a distribuição dessa quantia dentro dos percentuais de gênero e raça deveria se dar de acordo com o quadro trazido no parecer ministerial, o qual a seguir reproduzo:

 


 

E este ponto é incontroverso nos autos, pois admitido por ALEXANDRE BOBADRA ter recebido a quantia de R$ 280.000,00 (duzentos e oitenta mil reais) em recursos do FEFC, o que representa 43,06% do montante total obtido pelo partido.

Por consequência, constata-se com clareza que BOBADRA auferiu para a sua campanha um valor maior do que deveria ser atribuído a todos os candidatos homens brancos que concorreram ao cargo de vereador pelo PSL, em Porto Alegre. Vale destacar que, segundo informações do Divulgacandcontas, esses R$ 280.000,00 (duzentos e oitenta mil reais) correspondem a 94,19% dos recursos utilizados na campanha de ALEXANDRE BOBADRA, ou 97,98%, se considerarmos apenas os valores em dinheiro, já que o candidato utilizou recursos próprios na quantia de R$ 5.787,60 (cinco mil, setecentos e oitenta e sete reais e sessenta centavos) e recebeu uma doação de R$ 11.471,70 (onze mil, quatrocentos e setenta e um reais e setenta centavos) em bens estimáveis.

Conclui-se, indubitavelmente, que quase toda a receita de sua campanha emanou deste repasse de recursos públicos do FEFC, consistindo em desproporcional concentração de recursos públicos, nas mãos de um único candidato.

E quanto à concentração de recursos públicos para um único candidato, mesmo quando o partido apresenta diversas candidaturas, é de extrema valia transcrever excerto do julgado de relatoria do Ministro Edson Fachin, proferido no Recurso Ordinário Eleitoral n. 0601409-96.2018.6.01.0000, e já consignado no parecer do douto Procurador Regional Eleitoral, com os seguintes ensinamentos:

 

(…)

Com efeito, depreende-se dos autos a existência de graves violações a regras da contabilidade eleitoral, em especial quanto à aplicação de recursos oriundos dos fundos públicos por parte dos candidatos implicados.

Ficou provado que Manuel Marcos – que além de candidato era Presidente do Diretório Regional do PRB – recebeu do erário o montante de R$ 850.000,00 (oitocentos e cinquenta mil reais), sendo R$ 700.000,00 (setecentos mil reais) repassados pela direção nacional de seu partido, e o restante – R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) – repassado pelo órgão estadual que presidia. No contexto de suas finanças, as receitas provenientes dos fundos correspondem a 100% dos valores arrecadados para o enfrentamento da campanha eleitoral.

Por sua vez, Juliana Rodrigues recebeu dos cofres públicos R$ 587.600,00 (quinhentos e oitenta e sete mil e seiscentos reais), dos quais R$ 327.600,00 (trezentos e vinte e sete mil e seiscentos reais) vieram do órgão partidário estadual, ao tempo em que os R$ 260.000,00 (duzentos e sessenta mil reais) restantes foram providenciados pela executiva nacional. O total assinalado representa, dentro de seu orçamento, 97,73% das receitas amealhadas.

Em suma, é incontroverso que ambos os candidatos realizaram campanhas eleitorais totalmente – ou quase totalmente – financiadas com recursos de origem pública.

Se o privilégio assinalado não implica, per se, afronta direta a dispositivos expressos do arcabouço normativo, por outro lado não é dado desconsiderar as suas respectivas implicações de fundo. De fato, é inegável que o mau uso de verbas provindas do erário acentua o grau de reprovabilidade das condutas, notadamente porque, no caso, o propósito equalizador da política de prestação positiva concebida pelo Estado resulta cabalmente subvertido.

Ademais, na esteira do que pondera a Procuradoria-Geral Eleitoral, a gravidade das circunstâncias é intensificada, também, pela constatação de que, no pleito em questão, consoante dados constantes do sítio oficial deste Tribunal na internet, as campanhas de Juliana Rodrigues e Manuel Marcos canalizaram quase todo o dinheiro aplicado pelo Diretório Estadual do PRB, ainda que a agremiação tivesse levado às urnas outros quinze candidatos.

Dentro desse panorama, ainda que a lógica de concentração das aplicações financeiras possa ser vista como legítima, à luz da autonomia partidária consagrada na Constituição da República, o certo é que a prerrogativa de tomada de decisão pro domo incrementa, no caso, o grau de reprovabilidade atribuído aos eventos. Isso porque, ao fim e ao cabo, Manuel Marcos, como candidato e presidente do partido, apresenta-se, simultaneamente, como decisor e beneficiário das destinações comentadas, ao tempo em que Juliana Rodrigues, sua parceira nos esforços políticos, recebe valores extraordinários por associação, em um evidente exercício de mutualismo prejudicial aos demais concorrentes.

Tendo em consideração que o objetivo do financiamento público de campanhas eleitoras é desativar a capacidade de influência do poder financeiro sobre o eleitorado, compensando as diferenças fáticas existentes entre os distintos competidores eleitorais nesse campo (SÁNCHEZ MUÑOZ, Óscar. La igualdad de oportunidades en las competiciones electorales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007, p. 15), segue-se que a negação da expectativa de repartição substancial e o aproveitamento da condição de liderança para a absorção desproporcional de subsídios, embora não afrontem regra expressa, intensificam a reprovabilidade de práticas que se demonstrem desviantes.

Isso porque a recusa de processos eleitorais desleais e desequilibrados envolve, sob a perspectiva da igualdade de oportunidades, especial atenção quanto a agentes que possam se beneficiar de vantagens financeiras proporcionadas pelo governo ou, como é o caso, pela cúpula dos partidos políticos (ARIAS SOLÍS, Columba. El financiamento de las campañas. In: IFE – Instituto Federal Electoral. Democracia interna y fiscalización de los partidos políticos. Ciudad de México: IFE, 2006, p. 135).

 

Quanto a esse ponto, cumpre destacar que a distribuição equitativa de recursos financeiros é um aspecto crucial para garantir a igualdade de oportunidades entre os candidatos em uma campanha eleitoral. No entanto, quando ocorre a concentração excessiva de recursos públicos do partido na campanha de um único candidato, são levantadas sérias preocupações em relação à equidade, à transparência e à integridade do processo eleitoral.

Essa disparidade de recursos compromete a capacidade dos candidatos de realizar campanhas robustas e efetivas, prejudicando a competição justa e dificultando a participação de concorrentes menos privilegiados financeiramente.

Além disso, quando um único candidato recebe uma quantidade significativamente maior de recursos públicos, há um risco de influência indevida no processo eleitoral. Aqueles com maior acesso a recursos financeiros podem usar essa vantagem para manipular a opinião pública, distorcer o debate político e desequilibrar a disputa em seu favor, comprometendo a legitimidade e a imparcialidade do processo eleitoral.

Cabe ressaltar que a representatividade é um dos pilares do sistema democrático. Quando um partido político está a serviço de um único candidato, outras vozes e segmentos da sociedade podem ser negligenciados ou excluídos do processo político. Isso resulta em uma representação política inadequada e limitada, negando a diversidade e a pluralidade de ideias, o que prejudica sobremaneira o processo democrático.

 

2.5. Do tempo de propaganda eleitoral gratuita na televisão

No mesmo norte seguiu a flagrante desproporção na alocação do tempo de televisão entre as candidaturas a vereador pelo PSL, nas eleições de 2020.

Transcrevo, a seguir, a meticulosa análise realizada pelo representante do Ministério Público Eleitoral no primeiro grau, o qual, com absoluta percuciência, analisou e compilou os dados fornecidos pela chefia de cartório da Zona Eleitoral responsável pela propaganda, traduzindo-os e demonstrando nitidamente a desproporção ocorrida. Vejamos:

 

Quanto à tabela ID 104402329, elaborada pela Chefe de Cartório, nela constam dados relativos aos 52 candidatos ao cargo de Vereador pelo PSL nas eleições de 2020 no Município de Porto Alegre, classificados conforme gênero e cor/raça, constatando-se que foram respeitados os percentuais mínimos para as candidaturas femininas (30,76%) e de pessoas negras (36,53%).

Na aludida tabela está totalizado o tempo despendido nas inserções de propaganda eleitoral gratuita dos candidatos e candidatas do PSL ao cargo de Vereador, que foi de 5.700 segundos (100%). O campeão de audibilidade/visibilidade foi o investigado ALEXANDRE, que, nos períodos de 11/10 a 02/11/2020 e de 09/11 a 12/11/2020, utilizou 1.770 segundos para a divulgação da sua candidatura (31,05% do total), tendo conquistado 4.703 votos e a única cadeira do PSL na Câmara Municipal de Porto Alegre.

Como já foi abordado no tópico sobre o abuso do poder econômico, são verificáveis, em prejuízo das candidaturas das mulheres (brancas e negras) e dos homens negros, quatro situações desviantes relativas à aplicação do percentual mínimo de 30%, seja no repasse de recursos do FEFC, seja no tempo de exposição na propaganda eleitoral gratuita, que aqui desperta mais interesse para análise quanto à caracterização da utilização indevida dos meios de comunicação social em favor de candidato.

Uma das situações desviantes no tempo de exposição na propaganda eleitoral gratuita é conferida na TABELA II – CANDIDATURAS DO GÊNERO FEMININO (MULHERES BRANCAS E NEGRAS/PARDAS), onde se examina que as 16 candidatas mulheres (brancas e negras), que perfaziam 30,76% do total de 52 postulantes ao cargo de Vereador pelo PSL no pleito de 2020 e, portanto, deveriam dispor, no mínimo, de 1.753 segundos na propaganda eleitoral gratuita, só puderam utilizar o tempo de 1.680 segundos, o que corresponde a 29,47% do total de 5.700 segundos.

Diferença a menor de 73 segundos.

Outra das situações desviantes no tempo de exposição na propaganda eleitoral gratuita é estampada na TABELA IV – CANDIDATURAS GÊNERO MASCULINO (HOMENS NEGROS), onde se lê que aos 17 homens afrodescendentes, que representavam 32,69% do total de 52 candidatos ao cargo de Vereador pelo PSL no pleito de 2020 e, portanto, deveriam dispor, no mínimo, de 1.863 segundos na propaganda eleitoral gratuita, coube o tempo de 1.515 segundos, o que equivale a 26,58% do total de 5.700 segundos. Diferença a menor de 348 segundos.

 

Portanto, verifica-se que quanto ao tempo de televisão, também deve ser aplicado o entendimento consolidado pelo Ministro Edson Fachin, no julgamento do já referido Recurso Ordinário Eleitoral n. 0601409-96.2018.6.01.0000.

Ao permitir que um candidato concentre a maior parte do tempo de propaganda na televisão, cria-se uma clara desigualdade de oportunidades entre os concorrentes. Aquele candidato com acesso privilegiado à propaganda eleitoral tem uma vantagem significativa sobre os demais, dificultando a competição justa e comprometendo a capacidade dos eleitores, de avaliar todas as opções disponíveis.

Ademais, ao concentrar a maior parte do tempo de propaganda em um único candidato homem branco, os outros concorrentes, especialmente aqueles de diferentes gêneros e raças, acabam sendo sub-representados. Isso gera um desequilíbrio na visibilidade e dificulta a promoção da diversidade na política, negando a oportunidade de outras vozes serem ouvidas e representadas de forma justa, contrariando as ações afirmativas propostas na legislação eleitoral.

Por consequência, a falta de representatividade de diferentes grupos sociais nas campanhas políticas pode perpetuar estereótipos, hierarquias de poder e marginalização, dificultando o avanço de pautas igualitárias e inclusivas.

Registro que a democracia se baseia na diversidade de opiniões e no princípio de representatividade. Quando um único candidato recebe a maior parte do tempo de propaganda, outros pontos de vista e candidaturas podem ser marginalizados ou ignorados. Isso limita a pluralidade política e impede que diferentes segmentos da sociedade sejam adequadamente representados, no processo eleitoral.

De igual modo, resta ferido o princípio da equidade, postulado essencial para garantir que todos os candidatos tenham condições justas de competir. Ao concentrar o tempo de propaganda em um único candidato, viola-se esse princípio fundamental da democracia, minando a confiança dos eleitores no processo eleitoral e na imparcialidade das instituições responsáveis por sua condução.

 

2.6. Do abuso de poder econômico decorrente da inobservância dos percentuais de gênero e raça referentes aos recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha; e da utilização indevida dos meios de comunicação social

A busca pela igualdade de gênero e pela promoção da diversidade racial é um princípio fundamental em uma sociedade democrática e inclusiva.

No contexto eleitoral, é essencial garantir que os recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e o tempo de propaganda gratuita de TV sejam distribuídos de forma equânime, respeitando os percentuais de gênero e raça, estabelecidos em lei.

Por outro lado, a inobservância desses percentuais pode caracterizar abuso de poder econômico e utilização indevida dos meios de comunicação, comprometendo a igualdade de oportunidades e a representatividade política.

E é justamente o que se compreende da prova dos autos.

No caso sob exame, restou evidente que ALEXANDRE BOBADRA, na qualidade de presidente da COMISSÃO PROVISÓRIA MUNICIPAL DO PSL DE PORTO ALEGRE, foi diretamente beneficiado pelo abuso do poder econômico.

Isso ocorreu porque, visando impulsionar sua candidatura a vereador pelo PSL, ele recebeu a expressiva quantia de R$ 280.000,00 (duzentos e oitenta mil reais), o que correspondia a 43% dos R$ 650.200,00 (seiscentos e cinquenta mil e duzentos reais) repassados pelo Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Enquanto isso, a maioria dos candidatos pelo PSL recebeu recursos limitados ao teto de R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais).

Além disso, sobressai a utilização indevida dos meios de comunicação social em benefício de BOBADRA, pois recebeu 1.770 segundos do total de 5.700 segundos de inserções, na propaganda eleitoral gratuita de 2020.

Assim, é indubitável que essa situação não apenas causou um desequilíbrio nas demais candidaturas da mesma agremiação, mas também violou os enunciados das CONSULTAS TSE n. 0600252-18.2018 e 0600306-47.2019, bem como o acórdão na ADPF n. 738/DF, os quais determinaram que nas eleições de 2020 fosse aplicado o percentual mínimo de 30% em favor das candidaturas femininas e da raça negra, tanto no repasse de recursos do FEFC, quanto no tempo de propaganda eleitoral gratuita.

Desse modo, é evidente que o abuso de poder econômico e a utilização indevida dos meios de comunicação ocorreram, no caso em questão, beneficiando diretamente ALEXANDRE BOBADRA, visto que sua candidatura foi favorecida por um montante substancialmente maior de recursos financeiros e uma quantidade desproporcional de tempo de propaganda, o que prejudicou as outras candidaturas do mesmo partido e desrespeitou os princípios estabelecidos para promover a igualdade de oportunidades entre candidatos, de diferentes gêneros e raças.

Por consequência, reconhecida a afronta à lei, foi bem o magistrado de primeiro grau ao julgar parcialmente procedente a ação de investigação judicial eleitoral e determinar a cassação do mandato de ALEXANDRE BOBADRA, como consectário tanto do benefício decorrente da utilização indevida dos meios de comunicação social como do abuso de poder econômico, considerando o benefício auferido, causando desequilíbrio aos demais candidatos de sua agremiação, com base no art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90, não havendo reparos que possam ser feitos à sentença.

 

2.7. Da nulidade dos votos obtidos por ALEXANDRE BOBADRA

Diversamente do que postulam os recorrentes MARA SUZANA ANDRADE DE SOUZA, SANDRA MARA RODRIGUES e REGIS ALESSANDRO ROSA DOS SANTOS, em decorrência da cassação do diploma e do respectivo mandato, os votos obtidos por ALEXANDRE BOBADRA devem ser declarados nulos, recalculando-se, oportunamente, os quocientes eleitoral e partidário.

Extrai-se tal compreensão, da disposição trazida nos arts. 222 e 237 do Código Eleitoral, os quais preveem a anulação dos votos obtidos em decorrência da prática de abuso de poder econômico. Transcrevo os normativos:

 

Art. 222. É também anulável a votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios de que trata o art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei.

 

Art. 237. A interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos.

§ 1º O eleitor é parte legítima para denunciar os culpados e promover-lhes a responsabilidade, e a nenhum servidor público, inclusive de autarquia, de entidade paraestatal e de sociedade de economia mista, será lícito negar ou retardar ato de ofício tendente a esse fim.

§ 2º Qualquer eleitor ou partido político poderá se dirigir ao corregedor-geral ou regional, relatando fatos e indicando provas, e pedir abertura de investigação para apurar uso indevido do poder econômico, desvio ou abuso do poder de autoridade, em benefício de candidato ou de partido político.

§ 3º O corregedor, verificada a seriedade da denúncia procederá ou mandará proceder a investigações, regendo-se estas, no que lhes for aplicável, pela Lei nº 1.579 de 18 de março de 1952.

 

Registro que este Regional já reconheceu a preponderância do art. 222 do Código Eleitoral, dispositivo que embasa a sentença recorrida, fixando que “inexiste fundamento jurídico plausível para que sejam considerados, na competição eleitoral, os votos destinados ao candidato condenado, sob pena de reprovável benefício indevido. Reconhecidos os ilícitos perpetrados, devem ser considerados nulos os votos”, devendo ser determinado o recálculo do quociente eleitoral (Recurso Eleitoral n. 060059792, Acórdão, Relator Des. Gustavo Alberto Gastal Diefenthäler, julgado em 17.03.2021, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE).

E o mesmo norte segue a doutrina de Rodrigo López Zilio, que assim leciona:

 

A nulidade dos votos é efeito reflexo ou anexo da sentença de procedência da AIJE, na forma preconizada pelos artigos 222 e 237 do CE. O TSE firmou entendimento que “cassado o registro ou diploma do candidato eleito sob o sistema proporcional, em razão da prática das condutas descritas nos arts. 222 e 237 do Código Eleitoral, devem ser considerados nulos, para todos os fins, os votos a ele atribuídos, sendo inaplicável à espécie o disposto no art. 175, § 4º, do mesmo diploma legal” (ROEl nº 060390065/BA – j. 13.10.2020 – DJe 26.11.2020). (Direito eleitoral, 8ª ed., São Paulo, Editora JusPodivm, 2022, p. 705)

 

Assim, no presente caso, não é aplicável a disposição do art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, que estabelece que os votos atribuídos ao candidato cuja decisão de inelegibilidade ou cancelamento de registro tenha sido proferida após as eleições, devem ser contados para o partido. A procedência da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), em virtude do reconhecimento da prática de atos abusivos com impacto no pleito, tem como consequência a anulação dos votos obtidos ilicitamente, conforme previsão legal explícita.

Portanto, a sentença deve ser mantida, também neste ponto.

 

2.8. Do pedido de declaração de inelegibilidade de ALEXANDRE BOBADRA

Por fim, os recorrentes MARA SUZANA ANDRADE DE SOUZA, SANDRA MARA RODRIGUES e REGIS ALESSANDRO ROSA DOS SANTOS almejam o reconhecimento da responsabilidade subjetiva de ALEXANDRE BOBADRA, pelo recebimento de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e pela distribuição do tempo de propaganda gratuita de TV, sem observância aos percentuais de gênero e raça.

Argumentam que a responsabilidade subjetiva do investigado decorreria diretamente do fato de ser ele o presidente municipal da sigla, devendo, nessa condição, responder pela distribuição dos recursos do partido, na campanha 2020, de acordo com o art. 45, § 9º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que dispõe:

 

§ 9º A(O) presidente, a tesoureira ou o tesoureiro do partido político e a(o) profissional habilitada(o) em contabilidade são responsáveis pela veracidade das informações relativas à prestação de contas do partido.

 

Como bem pontuado pelo ilustre Procurador Regional Eleitoral, a afirmação é em parte verdadeira. Isso porque, enquanto presidente municipal do PSL, ALEXANDRE BOBADRA tinha certo grau de ingerência, tanto sobre a distribuição dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) quanto a disposição do tempo de propaganda gratuita na TV.

No entanto, para que possa ser considerado mais que beneficiário dos atos de abuso de poder econômico e do uso indevido dos meios de comunicação social, era incumbência dos demandantes demonstrar sua atuação direta e específica nas situações mencionadas nos autos, o que, entendo, não foi realizado.

Quanto ao ponto, transcrevo excerto da sentença que, ao reproduzir o parecer ministerial apresentado em primeira instância, abordou a questão, de forma exemplar:

 

No caso, as candidatas mulheres representaram 30,19% dos candidatos do partido, mas receberam a importância de R$139.200,00, equivalente a 21,41% do total do FEFC, o que representa 8,78% a menos, em números redondos. Já para os homens negros, cujo número representou 35,85% dos candidatos do partido, foi destinada a importância de R$195.700,00 do total de R$650.200,00, quando, proporcionalmente, o montante deveria equivaler ao mesmo percentual, ou seja, 5,75% a mais. As mulheres negras representaram, sozinhas, 12,50% do total de candidatos, mas a distribuição em seu favor foi de apenas 3,74%, com uma diferença a menor de 8,76%. Embora menos expressiva do que a diferença referente à distribuição entre candidatos nominais, essa distribuição desfavoreceu parte dos concorrentes, inclusive os autores, enquanto se reconhece que o investigado, sozinho, obteve benefício na ordem de 43,06% do percentual do FEFC. Esse benefício, como mencionado, desprestigiou os princípios da isonomia, da proporcionalidade, como regra estabelecida no art. 51, inciso I, da Lei n. 9.504/1997. A esse respeito, com a necessária vênia, oportuna a transcrição de parte do parecer ministerial, utilizado com base na jurisprudência do STF que admite a compatibilidade da fundamentação por remissão com o disposto no artigo 93, IX, da Carta da República (AI 734.689-Ag-DF, Rel. Min. Celso de Mello): (…) No âmbito do PSL, os critérios para a distribuição do FEFC foram definidos pela RESOLUÇÃO INTERNA CEN 001/2020, que “Estabelece normas e critérios para distribuição dos recursos financeiros do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) do Partido Social Liberal nas eleições de 2020” (ora juntada), tendo sido estatuído, no seu art. 1.º, § 4.º, que a COMISSÃO EXECUTIVA NACIONAL do PSL deveria efetuar os repasses do FEFC diretamente às suas candidaturas femininas em todo o território nacional. Nesse sentido: Art. 1.º - O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) destinado ao Partido Social Liberal, nos termos da Lei 9.504/97, será distribuído dentro dos seguintes critérios: § 4.º - os valores reservados ao custeio das campanhas das candidaturas femininas, decorrentes da incidência do percentual de 30% nos incisos I e II, serão distribuídos pela Comissão Executiva Nacional diretamente às candidatas do partido ou da coligação para fins de controle da aplicação efetiva dos recursos, determinada pela legislação. Significa dizer que RUY e ALEXANDRE não tiveram, em tese, nenhuma responsabilidade direta no efetivo repasse de recursos do FEFC às candidaturas femininas, pois quem o fez foi a COMISSÃO EXECUTIVA NACIONAL do PSL (art. 1.º, § 4.º, supra). Mas, se a COMISSÃO EXECUTIVA NACIONAL do PSL repassou diretamente recursos do FEFC às candidatas mulheres, só o fez após ter recebido o requerimento previsto no art. 1.º, § 5.º, da RESOLUÇÃO INTERNA CEN 001/2020, formulado pelo presidente estadual do PSL, em conjunto com a presidente ou a representante legal do PSL Mulher, no qual foram previamente informados, para fins de repasses pecuniários, os nomes das candidatas, os números de CNPJ de suas campanhas, os números das contas correntes do FEFC e os respectivos valores. Nesse sentido: Art. 1.º - O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) destinado ao Partido Social Liberal, nos termos da Lei 9.504/97, será distribuído dentro dos seguintes critérios: § 5.º - o órgão partidário estadual deve formular requerimento para a Comissão Executiva Nacional, assinado por seu Presidente em conjunto com a Presidente ou a representante legal do PSL Mulher, indicando as candidatas, CNPJ de campanha, número da conta corrente do FEFC e os respectivos valores. Conforme se lê na grade anexa, denominada HEG RBSTV e FEFC PSL POA 2020, obtida no endereço informado no ID 97212763, os repasses de recursos do FEFC às candidatas mulheres do PSL ocorreram nos dias 21/10, 22/10 e 12/11/2020. Logo, tais valores foram repassados durante a gestão do investigado RUY à frente do órgão provisório estadual do PSL (a partir de 06/10/2020, conforme ID 63476311, página 01), mas não se sabe se o requerimento à COMISSÃO EXECUTIVA NACIONAL foi assinado por ele ou por quem o precedeu na presidência da executiva estadual. Os autores não esclareceram isso, tampouco juntaram cópia de tal requerimento.

 

Na presente hipótese, verificamos que não foram especificados na petição inicial, os fatos que os autores da ação pretendem atribuir a ALEXANDRE BOBADRA, quanto à distribuição do tempo de propaganda eleitoral gratuita na TV. Além disso, não há comprovação de que a decisão competia exclusivamente a ele, sem a atuação dos demais integrantes da comissão executiva, dos demais candidatos e dos correligionários.

Embora o exercício da presidência seja um forte indício de que ALEXANDRE BOBADRA tinha ingerência sobre o tema, a falta de elementos concretos de sua atuação, com o intuito de obter benefício próprio, não confere segurança suficiente para ensejar a sanção de inelegibilidade, pelo prazo de oito anos.

Portanto, conclui-se que a sentença deve ser mantida, igualmente no que se refere a esse ponto.

 

EM FACE DO EXPOSTO, VOTO por conhecer do recurso interposto por MARA SUZANA ANDRADE DE SOUZA, SANDRA MARA RODRIGUES e REGIS ALESSANDRO ROSA DOS SANTOS e do primeiro recurso interposto por ALEXANDRE WAGNER DA SILVA BOBADRA, deixando de conhecer do segundo e terceiro recursos interpostos por ALEXANDRE WAGNER DA SILVA BOBADRA. No mérito, VOTO pelo desprovimento dos recursos, mantendo integralmente a sentença de primeiro grau.

Considero prequestionada toda a matéria invocada nos autos, a fim de facilitar o acesso à instância recursal, e mantenho a sentença que declarou nulos, para todos os fins, os votos atribuídos a ALEXANDRE WAGNER DA SILVA BOBADRA, devendo ser realizado o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, por ser inaplicável à espécie o disposto no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, por força do disposto no art. 198, inc. II, al. "b", da Resolução TSE n. 23.611/19, dispositivo que foi objeto inclusive de confirmação pelo TSE no RO 603900-65.2018.6.05.0000, Rel. Min. Sergio Silveira Banhos, DJE de 26.11.2020.

Após a publicação do acórdão, comunique-se esta decisão à respectiva Zona Eleitoral, para cumprimento e registro das sanções, nos sistemas pertinentes.

É como voto, Senhora Presidente.