REl - 0600075-86.2022.6.21.0143 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/08/2023 às 16:00

VOTO

Da admissibilidade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

 

Mérito

Eminentes Colegas.

Trata-se da análise de recurso interposto pelo COLIGAÇÃO A ESPERANÇA VAI MUDAR CACHOEIRINHA contra a sentença proferida pelo Juízo da 143ª Zona Eleitoral que indeferiu a petição inicial e julgou extinta, sem resolução do mérito, a ação de investigação judicial eleitoral proposta em desfavor de CRISTIAN WASEN ROSA, candidato ao cargo de prefeito na renovação de eleição municipal realizada em Cachoeirinha, no ano de 2022.

Pois bem.

Segundo consta na inicial, a ação em exame foi proposta com o objetivo de demonstrar a prática de abuso de poder sob os vieses político e econômico e uso indevido dos meios de comunicação por parte do candidato investigado. O recorrido estaria se valendo da máquina pública com a finalidade de promover-se indevidamente, o que resultaria em quebra da isonomia na disputa eleitoral. Também é afirmado que, em postagens em redes sociais, o candidato estaria se utilizando de imagens produzidas pelo poder público e que haveria publicidade da mesma natureza, já retirada, na página oficial do Município de Cachoeirinha na internet.

O recorrente afirma que, guardadas as proporções, o caso seria semelhante àquele decidido pelo Tribunal Superior Eleitoral em que se determinou a proibição de que a chapa do presidente Jair Bolsonaro, que concorria à reeleição, veiculasse material de campanha com imagens dos eventos oficiais de comemoração do bicentenário da Independência do Brasil, ocorridos em Brasília e no Rio de Janeiro no dia 07.9.2022.

Acompanhou a inicial vídeo em que o demandado fala sobre cercamento eletrônico (ID 45131742) e cópia da decisão do Tribunal Superior Eleitoral mencionada.

O recorrente sustenta que publicações em redes sociais e na página do município na internet teriam violado o disposto no inc. II do art. 73 da Lei n. 9.504/97:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[...]

II - usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram;

 

Da mesma forma, as publicações configurariam o abuso de autoridade indicado no art. 74 da Lei das Eleições, além de abuso de poder sob o viés econômico e uso indevido dos meios de comunicação por parte do candidato investigado, tudo a demandar investigação nos termos da Lei Complementar n. 64/90, que assim dispõe:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito.

 

A AIJE é demanda de natureza cível com caráter jurisdicional, que tem o objetivo de apurar a prática de abuso de poder econômico, abuso de poder político ou de autoridade e o uso indevido dos meios de comunicação social.

As causas de pedir da ação são conceitos jurídicos indeterminados, aos quais a jurisprudência, em especial do Tribunal Superior Eleitoral, tem definido os contornos.

Em especial, “o abuso de poder político, de que trata o art. 22, caput, da LC 64/90, configura-se quando o agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade da disputa e a legitimidade do pleito em benefício de sua candidatura ou de terceiros” (RO n. 172365/ DF – Rel. Min. Admar Gonzaga – j. 07.12.2017 – DJe 27.02.2018).

Aquela Corte também já fixou que “o abuso de poder econômico ocorre pelo uso exorbitante de recursos patrimoniais, sejam eles públicos ou privados, de forma a comprometer a isonomia da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito em benefício de determinada candidatura” (Recurso Especial Eleitoral n. 105717, Acórdão, Relator Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 240, Data: 13/12/2019, Página 41-42).

O uso indevido dos meios de comunicação social, por sua vez, "caracteriza–se pela exposição desproporcional de um candidato em detrimento dos demais, devendo ser demonstrada gravidade nas condutas investigadas a tal ponto de implicar desequilíbrio na disputa eleitoral" (AgR–RO–El 0601586–22, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJE de 13.9.2021). Ainda, "apenas os casos que extrapolem o uso normal das ferramentas virtuais é que podem configurar o uso indevido dos meios de comunicação social" (AIJE 0601862–21, rel. Min. Jorge Mussi, DJE de 26.11.2019).

Retomando a questão da conduta vedada aventada na inicial, que teria se caracterizado pela utilização da máquina pública para publicidade e de imagens produzidas pelo poder público para postagens em redes sociais, José Jairo Gomes, em relação à aptidão para lesionar o bem jurídico protegido, menciona situações em que o ilícito não se configura, mesmo que, em tese, se amolde ao disposto na norma que descreve as condutas vedadas. Vejamos:

Entre as inumeráveis situações que podem denotar uso abusivo de poder político ou de autoridade, o legislador destacou algumas em virtude de suas relevâncias e reconhecida gravidade no processo eleitoral, interditando-as expressamente. São as denominadas condutas vedadas, cujo rol encontra-se nos artigos 73 a 78 da Lei nº 9.504/97. Trata-se de numerus clausus, não se admitindo acréscimo no elenco legal. Sobretudo em razão de seu caráter sancionatório, as regras em apreço não podem ser interpretadas extensiva ou ampliativamente, de modo a abarcar situações não normatizadas.

[...]

O que se impõe para a perfeição da conduta vedada é que, além de ser típico e subsumir-se a seu respectivo conceito legal, o evento considerado tenha aptidão para lesionar o bem jurídico protegido, no caso, a igualdade na disputa, e não propriamente as eleições como um todo ou os seus resultados. Assim, não chega a configurar o ilícito em tela hipóteses cerebrinas de lesão, bem como condutas irrelevantes ou inócuas relativamente ao ferimento do bem jurídico salvaguardado. Não se pode olvidar que o Direito Eleitoral tem em vista a expressão da soberania popular, o exercício do sufrágio, a higidez do processo eleitoral, de sorte que somente condutas lesivas aos bens por ele protegidos merecem sua atenção e severa reprimenda. Nesse sentido, não chegam a ser ações tipicamente relevantes eventos como o envio de um único documento por aparelho de fac-símile instalado em repartição pública, o uso de um clipe, de uma caneta, de um envelope de correspondência. É que nesses casos nenhuma lesão poderia ocorrer ao bem jurídico tutelado. Em outros termos, para usar a linguagem do Direito Penal, embora possa haver tipicidade formal (no sentido de abstrata subsunção de uma conduta à regra ou tipo legal), não há a necessária tipicidade material ou substancial. Se tais exemplos patenteiam ou não ilícitos administrativos, isso deve ser considerado em outra seara. Não por outra razão, tem-se entendido ser necessário que haja razoabilidade no enquadramento dos fatos às hipóteses legais de conduta vedada, bem como “que o uso da máquina pública foi capaz de atingir o bem protegido pela referida norma” (TSE – AgR-REspe nº 79734/RS – DJe, t. 211, 9-11-2015, p. 79) ou que o evento considerado apresente “capacidade concreta para comprometer a igualdade do pleito” (TSE – AREspe nº 25.758/SP – DJ 11-4-2007, p. 199) ou que tenha grandeza que justifique a sanção que se pretende impor (TSE – AgR-RO nº 505393/DF – DJe, t. 9, 12-6-2013, p. 62).

(Direito eleitoral – 14. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2018)

 

Nessa perspectiva, é de se reconhecer que os fatos narrados não poderiam, mesmo que potencialmente, se constituir em uso da máquina pública em favor de candidatura.

No caso dos autos, a investigante indicou que o candidato estaria se valendo de “alguns materiais e informações oficiais da Prefeitura, material da Municipalidade, ou seja, a sua pessoa promovida pela instituição pública” e informou o link https://m.facebook.com/prefeitocristianwasem, que leva ao perfil do candidato demandado na rede social Facebook. Seguiram capturas de telas supostamente obtidas das postagens tidas como irregulares, a primeira sem data (consta “ontem”), a segunda apontando “7 de setembro” e a terceira, “05 de setembro”, e que, na perspectiva do recorrente, se trataria de publicidade institucional. O link do Instagram indicado no que se refere ao segundo fato direciona ao perfil pessoal do candidato nessa rede social e reproduz postagem do Facebook. O item 3 da inicial refere-se a vídeo que teria sido postado na página da prefeitura e retirado, e o item 4 apresenta link que direciona para página do Instagram “não encontrada”, a qual o próprio recorrente afirma já ter sido retirada a publicação (ID 45131740).

Para além das afirmações da inicial, o que se verifica desses elementos é o candidato divulgando suas ações em seu perfil pessoal em redes sociais. Não há qualquer elemento que indique minimamente a utilização de recursos públicos para realização das postagens ou que tenha havido publicidade institucional favorecendo candidato em período vedado.

Assim, correto o entendimento do magistrado de primeiro grau ao indeferir a petição inicial de plano por não ter vislumbrado a ocorrência de justa causa para a ação.

O juízo de primeiro grau bem apontou na sentença recorrida que o calendário eleitoral para o pleito em questão (Resolução TRE-RS n. 394, de 02 de agosto de 2022 - https://www.tre-rs.jus.br/legislacao/normas-do-tre-rs/resolucoes-tre-rs-geral/resolucoes-tre-rs-2022/resolucao-tre-rs-394-2022) previa que a data de 08 de setembro seria o marco para verificação das condutas vedadas do art. 73 da Lei das Eleições (ID 45131746).

A Procuradoria Regional Eleitoral, da mesma forma, realizou minuciosa análise dos autos e opinou pelo desprovimento do recurso, consignando em seu parecer a ausência de elementos mínimos a indicar a utilização da estrutura do Município de Cachoeirinha na captação das imagens divulgadas na página pessoal do candidato ou a caracterização do ato abusivo cogitado na inicial. Confira-se (ID 45485379):

Inicialmente, destaca-se a impossibilidade de avaliar se as duas publicações realizadas no site oficial e em rede social da Prefeitura de Cachoeirinha foram veiculadas em período em que vedada a realização de publicidade institucional, porquanto estas já não mais estavam disponíveis para acesso no momento da propositura da ação e não foi produzida prova apta à demonstração de tal circunstância, como, por exemplo, a juntada de ata notarial. Assim, fica prejudicada a análise da materialidade do ilícito eleitoral descrito na inicial.

Em relação às publicações feitas nas redes sociais do próprio candidato, deve ser afastada a prática de abuso de poder, pois o que está evidenciado nos autos são simples atos de divulgação de informações de obras públicas realizadas pela sua gestão. Sendo lícita a disputa pela reeleição nos cargos majoritários, é natural que os candidatos exponham suas realizações na campanha eleitoral, da mesma forma que os adversários são livres para tecerem críticas acerca da forma como tenha sido conduzida a administração pública no período.

Por outro lado, as publicações questionadas ocorreram, como dito, em perfil pessoal do candidato, não se percebendo a utilização de recursos públicos ou instrumentos custosos de produção. E a simples divulgação das realizações do governo, com a exaltação de qualidades ou conquistas, sem que tenha havido a distribuição eleitoreira de bens ou serviços, não é apta à configuração de conduta vedada. Tratando-se de divulgação em espaço permitido de campanha, tampouco é possível caracterizá-la como publicidade institucional ou ato abusivo.

[…]

Assim, não havendo elementos mínimos a indicar a utilização da estrutura do Município de Cachoeirinha na captação das imagens divulgadas na página pessoal do candidato, tampouco estando caracterizado o ato abusivo cogitado na inicial, merece ser mantida a sentença que extinguiu o processo sem julgamento de mérito, uma vez que “não há quaisquer fundamentos que demonstrem que o alegado mereça prosperar, nem tampouco elementos robustos a serem investigados.

 

Menciono, ainda, que a decisão recorrida consignou que os documentos juntados aos autos já teriam sido analisados sob a perspectiva da propaganda eleitoral irregular na Representação n. 0600049-88.2022.6.21.0143, na qual foi proferida sentença que reconheceu que tal conteúdo teria caráter meramente informativo acerca de serviços prestados pelo prefeito interino no exercício de seu mandato, bem como que não haveria menções à candidatura e a partidos políticos, tampouco há quaisquer referências às eleições suplementares municipais, e que, ainda, haveria deficiência na identificação de postagens tidas como abusivas.

Embora a recorrente afirme que a representação por propaganda eleitoral antecipada utilizada como fundamento da sentença se referia a apenas um dos itens que ampararam a propositura desta ação de investigação judicial eleitoral, não há como avaliar a tese recursal em razão da ausência de cópias da mencionada representação nos autos.

De todo exposto, a título de conclusão, tenho que, da análise dos argumentos e elementos que acompanharam a inicial, verifica-se, de plano, a ausência de interesse processual para propositura da ação. Mesmo com a instrução dos autos a partir das imputações formuladas, não lograria êxito o recorrente em demonstrar o comprometimento da igualdade da disputa, da legitimidade do pleito em benefício da candidatura adversária ou a extrapolação do uso normal das ferramentas virtuais na campanha eleitoral.

O recurso, portanto, não merece provimento.

 

Dispositivo

Ante o exposto, voto por conhecer do recurso e, no mérito, pelo seu desprovimento, mantendo a sentença que indeferiu a inicial da ação de investigação judicial eleitoral proposta pela COLIGAÇÃO A ESPERANÇA VAI MUDAR CACHOEIRINHA em desfavor de CRISTIAN WASEN ROSA, nos termos da fundamentação.

É o voto.