REl - 0600714-03.2020.6.21.0070 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/08/2023 às 16:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a petição inicial aponta que os ora recorridos teriam praticado o seguinte fato, que caracterizaria captação ilícita de sufrágio e abuso do poder econômico:

4. Na data de 11 de novembro de 2020, na residência do Sr. VALDIR BOMBANA, sito na Localidade de São João Vianei, na cidade de Ipiranga do Sul, RS, em horário não preciso, mas pela parte da noite, os requeridos ELOIR, JÚLIO, IVALDO e MARCOS, com consentimento e à mando dos corréus MARCO e FABIANO, de forma ilícita e vedada pela legislação eleitoral, apresentaram uma proposta e negociaram a compra do voto do anfitrião, a fim de que ele votasse nos candidatos à prefeito e vice MARCO ANTÔNIO SANA e FABIANO LUIZ KLEIN e no vereador ELOIR CARLOS PEGORARO.

5. Conforme se depreende dos vídeos em anexo, cujas transcrição dos principais trechos seguem abaixo, os réus ofertaram pelo voto de VALDIR a quantia de R$ 1.000,00 (mil reais).

Não bastasse, lhe ofereceram ainda os serviços com máquinas da Prefeitura Municipal, visando o término da construção da taipa do açude na sua propriedade na Comunidade de Alto Alegre.

 

Com a exordial, foram acostados arquivos de vídeo e áudio (ID 44995400, 44995401, 44995402, 44995403, 44995404, 44995405, 44995406, 44995407), que teriam sido gravados em 11.11.2020, por ocasião de visita de ELOIR CARLOS PEGORARO, JÚLIO CÉSAR BOMBANA, IVALDO JOSÉ BALOTIN e MARCOS PINTO DE TOLEDO à residência do eleitor Valdir Bombana, no interior da qual, com o consentimento e a mando de MARCO ANTÔNIO SANA e FABIANO LUIZ KLEIN, teriam lhe oferecido dinheiro e a realização de serviços com máquinas da prefeitura, em troca de seu voto na chapa MARCO e FABIANO e no candidato ELOIR.

Na sentença, a magistrada a quo considerou ilícita a gravação, tendo em vista que “se deu sem o conhecimento dos demais interlocutores, ficando ainda a fundada impressão de que a presente gravação ambiental se deu produzida em contexto de flagrante preparado, atuando o eleitor como agente provocador e com premeditação”.

Com efeito, trata-se de gravação ambiental de conversa entre várias pessoas, realizada no interior do domicílio do eleitor Valdir, cujos diálogos são apenas parcialmente compreensíveis e captados sem o conhecimento de todos os participantes.

A agremiação recorrente reconhece que a captação ambiental de som e imagem ocorreu de modo sub-reptício, por meio dos aparelhos de monitoramento instalados no interior do domicílio do eleitor a pretexto de segurança residencial.

Nessas circunstâncias, o TSE sedimentou o entendimento de que são ilícitas as provas obtidas mediante gravação ambiental clandestina feita em ambiente privado, sem autorização judicial e sem o conhecimento dos interlocutores, ante o primado da privacidade e da intimidade, direitos fundamentais garantidos pela Constituição, sob o risco de incentivar práticas ardilosas e violadoras de direitos fundamentais em cenário de disputa acirrada como o eleitoral.

A questão foi enfrenta no âmbito do TSE, em 07.10.2021, no julgamento de três recursos eleitorais (processos n. 0000293-64.2016.6.16.0095, 0000634-06.2016.6.13.0247, 0000385-19.2016.6.10.0092), nos quais foi ressaltada, também, o novo art. 8-A da Lei n. 9.296/96, inserido pela Lei n. 13.964/19, que expressamente restringiu o alcance da captação ambiental clandestina como prova processual penal.

Por elucidativa, reproduzo a ementa pertinente ao primeiro julgado acima relacionado:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CANDIDATOS A PREFEITO E A VEREADOR. GRAVAÇÃO AMBIENTAL EM AMBIENTE PRIVADO. ILICITUDE DA PROVA. PROVIMENTO.

1. Nos termos do artigo 8°-A da Lei n° 9.296/96, introduzido pela Lei n° 13.964/2019. a gravação ambiental é possível para fins de investigação ou instrução criminal, por determinação judicial mediante requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, demonstrando que por outro meio a prova não poderia ser realizada e houver elementos probatórios razoáveis do cometimento de crime cuja pena máxima supere quatro anos.

2. Nos termos do § 4°, do artigo 8°-A da Lei n° 9.296/96, introduzido pela Lei n° 13.964/2019, a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento das autoridades legitimadas no caput do mesmo artigo somente poderá ser utilizada em matéria de defesa, no âmbito de processo criminal e desde que comprovada a integridade de seu conteúdo.

3. Num ambiente caracterizado pela disputa, como é o político, notadamente acirrado pelo período eleitoral o desestímulo a subterfúgios espúrios voltados a tumultuar o enlace eleitoral resguardando assim a privacidade e intimidade constitucionalmente asseguradas, deve ser intensificado, de modo que reuniões políticas privadas travadas em ambientes residenciais ou inequivocamente reservados não se aprazem com gravações ambientais plantadas e clandestinas, pois vocacionadas tão só ao uso espúrio em jogo político ilegítimo, recrudescendo a possibilidade de manipulações.

4. São clandestinas e, portanto, ilícitas as gravações ambientais feitas em ambiente privado, ainda que por um dos interlocutores ou terceiros a seu rogo ou com seu consentimento, mas sem o consentimento ou ciência inequívoca dos demais, dada inequívoca afronta ao inciso X, do art 5°, da Constituição Federal Ilícitas, do mesmo modo, as provas delas derivadas, não se prestando a fundamentar condenação em representação eleitoral.

5. A compreensão aqui firmada não se afigura incompatível com a tese firmada pelo E. STF no RE n° 583.937 (QO-RG/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 19.11.2009 -Tema 237), que teve como perspectiva o prisma da instrução criminal sobremodo distinto do aqui tratado por força de expressa norma constitucional (art. 5°, XII, parte final) e legal.

6. E tanto há distinção de enfoques que o próprio STF, no RE 1040515 (Rel. Ministro Dias Toffoli - Tema 979), afetou a discussão da necessidade de autorização judicial para legitimar gravação ambiental realizada por um dos interlocutores ou por terceiro presente à conversa, para fins de instrução de ação de impugnação de mandato eletivo, à luz do art. 5°, incs. II e XII da Constituição da República.

7. Agravo Interno provido para julgar improcedente a Representação proposta com base no art. 41-A da Lei 9.504/1997.

(Agravo de Instrumento nº 29364, Relator: Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 206, Data 09/11/2021) Grifei.

 

Em julgamentos posteriores, o tema foi revisitado pelo Plenário do TSE, que tem ratificado a nova orientação jurisprudencial decorrente das alterações legais trazidas pela Lei n. 13.964/19, inclusive para o pleito de 2020, consoante ilustram as seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL. AIJE. ABUSO DE PODER. PREFEITO. VICE–PREFEITO.

Recurso de Samuel Garcia Salomão

Ausência. Interesse recursal. Inexistência. Condenação. Participação. Fatos abusivos. 1. O recorrente não possui interesse recursal ante a ausência de sucumbência nos autos. 2. Recurso desprovido.

Recurso especial de Norair Cassiano da Silveira e outro

3. "São clandestinas e, portanto, ilícitas as gravações ambientais feitas em ambiente privado, ainda que por um dos interlocutores ou terceiros a seu rogo ou com seu consentimento, mas sem o consentimento ou ciência inequívoca dos demais, dada inequívoca afronta ao inciso X, do art. 5º, da Constituição Federal. Ilícitas, do mesmo modo, as provas delas derivadas, não se prestando a fundamentar condenação em representação eleitoral" (AgR–AI nº 293–64/PR, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 7.10.2021, DJe de 9.11.2021). 4. Nos termos do art. 368–A do Código eleitoral, "a prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato". 5. Recurso provido.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060070930, Acórdão, Relator(a) Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 145, Data 02/08/2022) Grifei.

 

DIREITO ELEITORAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. AIJE. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PROVIMENTO.

I – Hipótese

1. Recurso especial eleitoral interposto contra acórdão regional que: (i) reconheceu a perda de objeto em relação ao pedido de condenação por captação ilícita de sufrágio; (ii) considerou ilícitas as gravações ambientais realizadas em ambientes particulares, sem autorização judicial e sem conhecimento de todos os interlocutores, bem como a prova testemunhal dela derivada; e (iii) manteve a improcedência do pedido em relação ao abuso do poder econômico.

[…].

III – Gravação ambiental como meio de prova das condutas tidas por ilícitas.

8. Nos termos do voto proferido pelo Min. Alexandre de Moraes, esta Corte considerou ilícita a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o consentimento dos demais e sem autorização judicial. Afastou–se, assim, a possibilidade de sua consideração, bem como das provas porventura derivadas destas gravações ilícitas, para o fim de aferição da conduta dos representados.

[…].

(TSE; REspEl 0000385-19.2016.6.10.0092, Relator: Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 31.3.2022) Grifei.

 

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CANDIDATOS A PREFEITO E A VEREADOR. GRAVAÇÃO AMBIENTAL EM AMBIENTE PRIVADO. ILICITUDE DA PROVA. PROVIMENTO.

1. Nos termos do artigo 8°-A da Lei n° 9.296/96, introduzido pela Lei n° 13.964/2019. a gravação ambiental é possível para fins de investigação ou instrução criminal, por determinação judicial mediante requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, demonstrando que por outro meio a prova não poderia ser realizada e houver elementos probatórios razoáveis do cometimento de crime cuja pena máxima supere quatro anos.

2. Nos termos do § 4°, do artigo 8°-A da Lei n° 9.296/96, introduzido pela Lei n° 13.964/2019, a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento das autoridades legitimadas no caput do mesmo artigo somente poderá ser utilizada em matéria de defesa, no âmbito de processo criminal e desde que comprovada a integridade de seu conteúdo.

3. Num ambiente caracterizado pela disputa, como é o político, notadamente acirrado pelo período eleitoral o desestímulo a subterfúgios espúrios voltados a tumultuar o enlace eleitoral resguardando assim a privacidade e intimidade constitucionalmente asseguradas, deve ser intensificado, de modo que reuniões políticas privadas travadas em ambientes residenciais ou inequivocamente reservados não se aprazem com gravações ambientais plantadas e clandestinas, pois vocacionadas tão só ao uso espúrio em jogo político ilegítimo, recrudescendo a possibilidade de manipulações.

4. São clandestinas e, portanto, ilícitas as gravações ambientais feitas em ambiente privado, ainda que por um dos interlocutores ou terceiros a seu rogo ou com seu consentimento, mas sem o consentimento ou ciência inequívoca dos demais, dada inequívoca afronta ao inciso X, do art 5°, da Constituição Federal Ilícitas, do mesmo modo, as provas delas derivadas, não se prestando a fundamentar condenação em representação eleitoral.

5. A compreensão aqui firmada não se afigura incompatível com a tese firmada pelo E. STF no RE n° 583.937 (QO-RG/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 19.11.2009 -Tema 237), que teve como perspectiva o prisma da instrução criminal sobremodo distinto do aqui tratado por força de expressa norma constitucional (art. 5°, XII, parte final) e legal.

6. E tanto há distinção de enfoques que o próprio STF, no RE 1040515 (Rel. Ministro Dias Toffoli - Tema 979), afetou a discussão da necessidade de autorização judicial para legitimar gravação ambiental realizada por um dos interlocutores ou por terceiro presente à conversa, para fins de instrução de ação de impugnação de mandato eletivo, à luz do art. 5°, incs. II e XII da Constituição da República.

7. Agravo Interno provido para julgar improcedente a Representação proposta com base no art. 41-A da Lei 9.504/1997.

(Agravo de Instrumento nº 29364, Relator: Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 206, Data 09/11/2021) Grifei.

 

ELEIÇÕES 2020. CARGOS PROPORCIONAIS. COTA DE GÊNERO. SUPOSTA FRAUDE. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). CASSAÇÃO DOS REGISTROS DE CANDIDATURA NA AIJE. MANUTENÇÃO PELA CORTE REGIONAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROVIMENTO PARA IMEDIATO JULGAMENTO DO ESPECIAL. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. PROVA ILÍCITA. ORIENTAÇÃO VIGENTE NA JURISPRUDÊNCIA DO TSE. PROVAS REMANESCENTES. AUSÊNCIA DE ROBUSTEZ. PROVIMENTO. IMPROCEDÊNCIA DA AIJE. RECURSO ESPECIAL NA AIME. DETERMINAÇÃO, PELO JUIZ ELEITORAL, DE APENSAMENTO AOS AUTOS DA AIJE. REMESSA À INSTÂNCIA SUPERIOR. IMPOSSIBILIDADE. ART. 55, § 1º, DO CPC. VIOLAÇÃO. PROVIMENTO. RESTITUIÇÃO AO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU PARA REGULAR INSTRUÇÃO E JULGAMENTO.1. A orientação jurisprudencial vigente neste Tribunal Superior é no sentido da ilicitude da gravação ambiental como meio de prova para fins de comprovação da prática de ilícito eleitoral, ainda que captado o áudio por um dos interlocutores, mas sem a aceitação ou ciência dos demais partícipes do diálogo (AgR–AI n. 0000293–64/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 9.11.2021, por maioria). 2. No que concerne à AIJE, as provas remanescentes, consideradas conforme a moldura do acórdão regional, não se revestem da robustez necessária à confirmação do decreto condenatório por suposta fraude à cota de gênero, razão pela qual a improcedência do pedido se impõe.3. O apensamento dos feitos eleitorais por conexão, à luz do disposto no art. 96–B da Lei n. 9.504/97, deve obedecer à diretriz processual estabelecida no art. 55, § 1º, do CPC, de modo a ser inviável a remessa à superior instância de autos de ação em curso no primeiro grau de jurisdição.4. No caso, portanto, viola o art. 55, § 1º, do CPC, a determinação, pelo juiz eleitoral e confirmada pelo TRE, de apensamento dos autos da AIME, pendente de instrução, aos da AIJE, devidamente sentenciada e relativamente à qual tramitava recurso eleitoral na Corte Regional.5. Agravo e recurso especial formalizados por Eliel Prioli e outro providos para julgar improcedentes os pedidos formulados na Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), determinando–se, independentemente da publicação do acórdão, o restabelecimento da totalização das eleições proporcionais de Monte Azul Paulista/SP, computando–se como votos válidos os votos recebidos pelos partidos e por seus candidatos a vereador. Recurso especial formalizado por Fabio Aparecido Balarini e outro provido, para determinar o desapensamento da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) e seu retorno ao juízo eleitoral para regular processamento e julgamento.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060053094, Acórdão, Relator(a) Min. Sergio Silveira Banhos, Relator(a) designado(a) Min. Carlos Horbach, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 59, Data 01/04/2022) Grifei.

 

Em parecer, a Procuradoria Regional Eleitoral bem relembra que a questão teve sua repercussão geral reconhecida no âmbito do STF, envolvendo o Tema n. 979 (leading case: RE 1040515). Contudo, não houve ainda qualquer definição da Corte Suprema sobre o assunto, ainda que em medida cautelar ou em modulação de efeitos, que possa orientar a atuação das instâncias inferiores para determinado posicionamento, estando o julgamento, neste momento, suspenso pelo pedido de vista da Ministra Cármen Lúcia em 30.06.2023.

Diante disso, este Tribunal, ao analisar o REl n. 0600245-27.2020.6.21.0079, na sessão de 28.11.2022, alinhou-se ao entendimento firmado pelo TSE no sentido da ilicitude da gravação ambiental como meio de prova para fins de comprovação da prática de ilícito eleitoral, quando captado o áudio por um dos interlocutores sem a aceitação ou ciência dos demais partícipes do diálogo e sem autorização judicial, consoante se extrai da seguinte ementa:

RECURSOS. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). CANDIDATOS ELEITOS. SERVIDOR PÚBLICO. REPRESENTAÇÃO POR CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PRELIMINAR DE ILICITUDE DAS GRAVAÇÕES AMBIENTAIS. VÁLIDA A DECISÃO QUE DEFERIU A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PRELIMINARES DE NULIDADE DA EXTRAÇÃO DE DADOS DOS APARELHOS CELULARES, DE SUSPEIÇÃO IRREGULAR DAS TESTEMUNHAS, DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL E DE AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS. REJEIÇÃO. MÉRITO. PRÁTICA GENERALIZADA DE CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CADERNO PROBATÓRIO EXAUSTIVA E CRITERIOSAMENTE ANALISADO. DISTRIBUIÇÃO DE CESTAS BÁSICAS. AÇÃO PLANEJADA E REITERADA. FLAGRANTE ABUSO DE PODER ECONÔMICO. UTILIZAÇÃO DE RECURSOS PATRIMONIAIS PÚBLICOS. ABUSO DE PODER POLÍTICO. USO INDEVIDO DO CARGO OU FUNÇÃO PÚBLICA. CONDUTA GRAVOSA. COMPROVAÇÃO DO USO DE VALORES PARTICULARES (CAIXA 2) PARA OFERECIMENTO DE VANTAGENS. CONJUNTO PROBATÓRIO INÁBIL PARA DEMONSTRAR A PARTICIPAÇÃO OU ANUÊNCIA DO CANDIDATO A PREFEITO. IMPOSSIBILIDADE DE PRESUNÇÃO. CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS. INELEGIBILIDADE. MULTA. RECÁLCULO DOS QUOCIENTES ELEITORAL E PARTIDÁRIO. NOVAS ELEIÇÕES MAJORITÁRIAS NO MUNICÍPIO. PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DO PREFEITO. DESPROVIMENTO DOS RECURSOS REMANESCENTES. 1. Insurgências contra sentença que julgou procedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) cumulada com Representação por Captação Ilícita de Sufrágio, ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral contra candidatos eleitos aos cargos de prefeito, vice–prefeito e vereador, nas eleições de 2020, bem como de servidor público à época dos fatos. 2. Preliminar de ilicitude das gravações ambientais. 2.1. Esta Corte tem reconhecido a licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, ou por terceiro presente à conversa, sem o conhecimento dos demais e sem autorização judicial prévia, para as eleições de 2020. Matéria controvertida e pendente de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal. Todavia, O Tribunal Superior Eleitoral tem mantido posição pela ilicitude de tais gravações. Assim, por razões de segurança jurídica e alinhamento ao decidido pela instância superior, altera–se, por prudência, o entendimento desta Corte para considerar ilícitas as gravações clandestinas contidas nos arquivos presentes nos autos. 2.2. A qualidade de cada prova merece tratamento diverso. Assim, válida a decisão que deferiu a interceptação telefônica e, por consequência, as provas dela decorrentes. Os arquivos de WhatsApp não se equiparam à captação clandestina, pois foram produzidos e enviados pelo próprio recorrente, obviamente com pleno conhecimento de sua própria fala que estava sendo gravada por ele mesmo. O pedido de interceptação telefônica fundamentou–se em vários outros elementos de prova, que de forma autônoma e independente seriam suficientes ao deferimento da medida. Indícios de cometimento do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral e deferimento da interceptação telefônica, prova não contaminada pela ilicitude das gravações clandestinas. Limites à aplicação da ilicitude por derivação. Existência da exceção da fonte independente, de cujo fundamento se extrai que, havendo concretamente duas origens – uma lícita e outra ilícita –, ainda que suprimida a fonte ilegal, as provas trazidas ao processo pela fonte lícita subsistem, podendo ser validamente utilizadas para todos os fins. 3. Rejeitadas as demais preliminares. [...].

(TRE-RS - REl: 06002452720206210079 SÃO FRANCISCO DE ASSIS - RS, Relator: Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Data de Julgamento: 02/12/2022, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 260, Data 09/12/2022) Grifei.

 

Na hipótese, é inequívoco que a captação clandestina de conversa privada realizada por Valmir ocorreu no interior da sua residência, sem o conhecimento dos demais participantes da conversa e sem autorização judicial prévia.

Assim, confirmo a ilicitude da gravação ambiental clandestina produzida na casa de Valdir Bombana, relativamente à conversa estabelecida com Eloir, Júlio César, Ivaldo e Marcos.

Nada obstante, em alegações finais (ID 44995512), os investigados impugnaram a prova também em razão de sua péssima qualidade e da impossibilidade de se ouvir com clareza todas as falas, afirmando, ainda, que o vídeo teria sido cortado e editado. Os argumentos constam repetidos nas contrarrazões apresentadas (ID 44995526), nas quais ressaltam que não houve perícia sobre a mídia original, impossibilitando que se ateste a fidedignidade da gravação.

De fato, ainda que fosse reconhecida a validade do meio de prova, a captação ambiental não se presta à comprovação pretendida pelos recorrentes.

Veja-se, a seguir, as transcrições feitas pelo recorrente que denotariam a prática dos ilícitos eleitorais (ID 44995522):

2.7. Logo no início da conversa já se comprova a ocorrência da captação ilegal de sufrágio, pois, no trecho 1 do vídeo, a partir de 01:10, o corréu JÚLIO afirma a VALDIR: “[...] se você vestir a camisa com nós, até domingo, ficar firme, que nós possa chegar aqui e ter um ponto nosso aqui na tua casa, segunda [inaudível], no décimo dia nós vamos fazer tudo que você quiser lá na tua... [...]”, referindo-se ao uso de maquinário da Secretaria de Obras para o término da construção da taipa do açude na propriedade de VALDIR, na Localidade de Alto Alegre.

Em seguida, no trecho 2 do vídeo, a partir de 02:33, o corréu JÚLIO diz para VALDIR: “[...] curto e grosso: quanto tu quer de entrada pra tá com nós amanhã? [...]”.

A seguir, no mesmo trecho 2, a partir de 2:47, JÚLIO faz uma afirmação que por si só já impõe o total provimento deste Recurso. Ao ser questionado sobre o oferecimento de dinheiro em troca do voto, deixa claro que toda a campanha eleitoral da Coligação PTB e PP se deu desta mesma forma, na base da compra de votos: “[...] NÓS FAZ POLÍTICA ASSIM! [...]”.

Continua afirmando, a partir de 03:49, do mesmo trecho, que “[...] se você emplacar com nós amanhã, tu sai com R$ 1.000 na mão já amanhã. Vamo! Eu boto na tua mão R$ 1.000 real amanhã. R$ 1.000 real. [...] Amanhã R$ 1.000 tá na tua mão!”.

 

2.8. O pagamento oferecido não era para que VALDIR votasse apenas na chapa majoritária da coligação “PTB e PP”, mas também no candidato a vereador e ora recorrido ELOIR.

A conversa a respeito inicia a partir de 4:36, do trecho 3, onde JÚLIO questiona: “e pra vereador? [...] você tem vereador na cabeça [inaudível] ou não tem?”. VALDIR responde que não tem e JÚLIO diz, no início do trecho 4: “[...] então aqui ó”, apontando em direção ao corréu ELOIR, que se mostra a todo tempo conivente com a proposta, e pede para que o eleitor coloque um adesivo de ELOIR no seu automóvel.

 

2.9. A partir de 0:31 do trecho 4, JÚLIO volta a pressionar VALDIR, dizendo: “tu abraça a causa com nós, se a gente te der uma ajuda? [...] pensa até amanhã”.

No trecho 5, a partir de 01:13, JÚLIO reafirma: “[…] (inaudível) tu vem lá no comitê amanhã tu sai com R$ 1.000 já na mão. E depois vai ter mais (inaudível). Bem mais. [...] Pense bem. Tu tem a noite inteira pra pensar. [...] Tu sabe que esses R$ 1.000 eu vou ter que me virar contigo. Depois da eleição vem outro”.

Na sequência, o candidato a vereador ELOIR chega a explicar que eles não estarão no comitê direto amanhã, mas que é para marcar uma hora. Ele diz: “[...] daí eu venho amanhã, aí por umas nove horas, daí marca [...]. Eu vou descer pra Ipiranga amanhã”.

 

Embora existam frases sugestivas de alguma negociação, não é possível se conhecer o exato contexto em que as conversas ocorreram, eis que as falas se encontram praticamente ininteligíveis e bastante fragmentadas.

Aliás, percebe-se dos áudios, contidos em oito arquivos digitais juntados ao feito, que não necessariamente há simultaneidade entre o som e as imagens captadas, inclusive estas, por vezes, ficam “congeladas”, ao passo que o áudio prossegue.

Em razão da precariedade e baixa qualidade da gravação, não é possível concluir de modo indene de qualquer dúvida razoável que a conversa envolveu uma efetiva e espontânea captação ilícita de sufrágio e tampouco há condições de excluir a possibilidade de tenha havido premeditada indução ou provocação por parte de Valmir, tal como defendido pelos recorridos.

Nessa linha, a diligente magistrada da origem bem ressaltou que, “assistindo a gravação ambiental apresentada, está encontra-se, em grande parte inaudível, principalmente, quanto as falas de Valdir Bombana, o que inviabiliza a análise contextualizada da conversa, o que, mesmo se considerada lícita tal gravação, não teria o peso probatório necessário para aplicação das penalidades”.

A fragilidade e imprestabilidade da prova para esclarecer os fatos é também exposta no parecer a douta Procuradoria Regional Eleitoral:

Não obstante os trechos acima citados e de outros elementos contidos na gravação ambiental, os quais demonstram que os investigados Eloir, Júlio, Ivaldo e Marcos, realmente ofertaram valores e favores administrativos em troca do voto e apoio político de Valdir, tem-se que, diante das imperfeições na gravação ambiental captada, resta inviável a análise acerca de eventual preparação do flagrante, uma vez que inaudíveis muitos trechos da conversa, sobretudo as falas perpetradas pelo eleitor Valdir.

Assim, frente a impossibilidade de verificação de eventual instigação à prática ilícita por parte do eleitor, tem-se que a prova angariada aos autos é imprestável à comprovação da prática do tipo eleitoral descrito no artigo 41-A da LE, pois não permite verificar se a conversa por eles entabulada deu-se de maneira espontânea, ou seja, sem a provocação do eleitor para o cometido do ilícito eleitoral, mesmo que o réu Júlio tenha feito referência ao ilícito.

 

Outrossim, o conjunto probatório é constituído, ainda, pelo depoimento judicial de Valdir Bombana, responsável pela gravação, cabendo destacar os seguintes excertos do seu testemunho:

(ID 44995461, 00:05:18)

Representados: Essa gravação que o senhor diz ter feito, por que o senhor entregou para o MDB a gravação?

Valdir: Porque eu sempre votei pra eles, apoio eles nas eleição. Sempre alguém tem que (inaudível) votar, então votar pra eles. Então daí procurei eles, me senti humilhado, chegar lá e oferecer dinheiro pro meu voto (inaudível).

Representados: O senhor entregou a gravação lá pro pessoal do MDB antes ou após a eleição?

Valdir: Agora não me lembro que dia que eu entreguei… foi em seguida assim ali, no mesmo dia que, no segundo dia que eles estiveram lá… (inaudível)

Representados: O senhor não se recorda se foi antes ou se foi depois da eleição?

Valdir: Não… Foi no dia que eles estiveram lá, no outro dia… (inaudível)

Representados: Senhor Bombana, por que o senhor não procurou o Ministério Público ou a polícia pra entregar essa gravação?

Valdir: Mas eu não entendo disso ali, daí eu procurei o pessoal lá que a gente apoia, né? A gente vota pra eles… Votei, né? Então eu procurei eles, né?

Representados: O senhor sabe se comprar voto e vender voto é crime?

 

(ID 44995462, 00:00:00):

Valdir: Mas tem que ser, porque donde é que se viu uma coisa dessas…

Representados: E quando o senhor sabe de um crime, o senhor procura o pessoal do MDB ou procura a polícia e o Ministério Público?

Valdir: Eu, como não entendo, eu procurei o pessoal do MDB lá, que é quem eu apoio (inaudível)

(…)

Representados: Me diz uma coisa: o senhor tinha propaganda de algum candidato no seu carro, na sua casa?

Valdir: Tinha no carro, tinha, porque era o que eles queriam que eu tirasse e me ofereceram dinheiro, né? A minha filha…

Representados: Na casa não tinha?

Valdir: Não, não tinha!

(…)

 

(ID 44995463, 00:02:10):

Ministério Público Eleitoral: No início o doutor leu pro senhor a frase dos R$ 1.000,00. Esses R$ 1.000,00 seriam basicamente para que, esses R$ 1.000,00?

Valdir: Pra mim votar pra eles. Votar pro prefeito, pro Marcos Sana, e pro vereador, o Pegoraro.

Ministério Público Eleitoral: Havia algum pedido pro senhor trabalhar pra eles, fazer campanha eleitoral? Ou era pelo voto?

Valdir: Pelo voto, pelo voto.

 

Primeiramente, o depoente deixou estreme de dúvidas que apoia e sempre apoiou o partido ora recorrente, derrotado nas urnas, inclusive tendo participado ativamente da campanha eleitoral, ao afixar propaganda em seus automóveis, e entregue a gravação diretamente aos membros dessa agremiação, mesmo tendo conhecimento de que os fatos, em tese, constituiriam crime eleitoral.

Tais circunstâncias já impõem que as afirmações da testemunha sejam tomadas com redobradas cautelas ante o seu comprometimento com a parte investigante.

Além disso, Valmir hesitou em estabelecer o objeto da suposta negociação, pois, questionado acerca da publicidade eleitoral aposta em seus veículos, afirmou que “Tinha no carro, tinha, porque era o que eles queriam que eu tirasse e me ofereceram dinheiro”, tendo asseverado na sequência, quando indagado pelo representante do Ministério Público Eleitoral, que o dinheiro que lhe teria sido prometido era “pelo voto”.

Em realidade, a gravação não deixa claro que a quantia de R$ 1.000,00 seria devida pelo voto do eleitor, parecendo relacionar-se mais a algo que deveria ser feito no dia seguinte, que seria dia 12.11.2020, uma quinta-feira: “se você vestir a camisa com nós, até domingo, ficar firme, que nós possa chegar aqui e ter um ponto nosso aqui na tua casa” e “quanto tu quer de entrada pra tá com nós amanhã?”, situação não esclarecida a partir da prova acostada.

Não fosse a fragilidade da narrativa da testemunha, o art. 368-A do Código Eleitoral, introduzido pela Lei n. 13.165/15, veda que a prova testemunhal singular, quando exclusiva, seja aceita nos processos que possam levar à perda do mandato, exatamente como no caso sub examine.

Confira-se o dispositivo em questão:

Art. 368-A. A prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato.

 

No que tange especificamente ao suposto abuso do poder político e econômico, ainda que estivesse demonstrado o fato envolvendo a promessa de valores e de serviços de máquina da prefeitura em troca do voto, esse ato isolado, voltado à captação de voto de um único eleitor, não teria potencial para ser qualificado como abusivo, com as consequências previstas no art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90, pois não ostentaria, mesmo, em tese, gravidade suficiente para macular a legitimidade e a isonomia do pleito, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo), consoante a jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. VEREADOR. ART. 41-A DA LEI N° 9.504/97. ART. 22 DA LC N° 64/90. PRELIMINAR. GRAVAÇÃO AMBIENTAL REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. LICITUDE DA PROVA. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. OFERTA DE BENESSES EM TROCA DE VOTO. CONFIGURAÇÃO. ABUSO DE PODER POLÍTICO OU DE AUTORIDADE. NÃO CARACTERIZADO. AUSÊNCIA DE GRAVIDADE. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO.

[...]

7. O ilícito descrito no art. 41-A da Lei nº 9.504/97 se consubstancia com a oferta, a doação, a promessa ou a entrega de benefícios de qualquer natureza, pelo candidato, ao eleitor, em troca de voto, que, comprovado por meio de acervo probatório robusto, acarreta a cominação de sanção pecuniária e a cassação do registro ou do diploma.

8. Acertada a decisão regional, visto que, a partir do teor da conversa anteriormente transcrito, objeto da gravação ambiental, depreende-se ter havido espontânea oferta de benesses, pelos recorrentes, à eleitora Juscilaine Bairros de Souza e seus familiares - oferecimento da quantia de R$ 500,00 (quinhentos reais), facilitação do uso dos serviços médicos da Unidade de Saúde Moisés Dias, oferta de gasolina e de veículos para transportar, no dia das eleições, os parentes que moram em outro município e promessa de emprego para o marido da eleitora -, vinculada ao especial fim de obter votos para o então candidato Gilberto Massaneiro, que participou ativamente da conduta.

9. O art. 22, XVI, da LC n° 64/90, com a redação conferida pela LC n° 135/2010, erigiu a gravidade como elemento caracterizador do ato abusivo, a qual deve ser apurada no caso concreto. A despeito da inexistência de parâmetros objetivos, a aferição da presença desse elemento normativo é balizada pela vulneração dos bens jurídicos tutelados pela norma, quais sejam, a normalidade e legitimidade das eleições, que possuem guarida constitucional no art. 14, § 9°, da Lei Maior.

10. Consoante jurisprudência deste Tribunal Superior, o abuso do poder político ou de autoridade insculpido no art. 22, caput, da LC n° 64/90, caracteriza-se quando o agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade e a legitimidade da disputa eleitoral em benefício de candidatura própria ou de terceiros (RO n° 172365/DF, Rel. Min. Admar Gonzaga, DJe de 27.2.2018; RO n° 466997/PR, Rel. Gilmar Mendes, DJe de 3.10.2016; REspe n° 33230/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 31.3.2016).

11. Na hipótese dos autos, em que pese a moldura fática evidencie o uso desvirtuado da instituição pública, as circunstâncias não se afiguram suficientemente graves para macular a legitimidade e a isonomia do pleito, porquanto os fatos comprovados no acórdão cingem-se à eleitora específica e à ocasião única, o que, embora aptos a caracterizar captação ilícita de sufrágio, mostram-se inábeis para atrair a gravidade necessária à configuração do ato abusivo.

12. Recurso especial parcialmente provido apenas para afastar a configuração do abuso do poder político em relação a ambos os recorrentes, mantendo-se a condenação de Gilberto Massaneiro pela prática de captação ilícita de sufrágio. Julgo prejudicado o pedido de concessão de efeito suspensivo ao recurso especial.

(REspEl n. 40898, Acórdão, Relator Min. Edson Fachin, Publicação: DJE, Tomo 150, Data: 06.8.2019, pp. 71/72). Grifei.

 

ELEIÇÕES 2018. RECURSOS ORDINÁRIOS. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. AIJE. ABUSO DE PODER. DEPUTADO ESTADUAL. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. AUSÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS. NEGADO PROVIMENTO AOS RECURSOS ORDINÁRIOS.

(...)

10. No que concerne ao abuso de poder, a jurisprudência deste Tribunal entende que o viés econômico se caracteriza "[...] pelo uso desmedido de aporte patrimonial que, por sua vultosidade e gravidade, é capaz de viciar a vontade do eleitor, desequilibrando a lisura do pleito. Precedentes" (AIJE nº 0601771–28/DF, rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgada em 28.10.2021, DJe de 18.8.2022), enquanto o aspecto político se revela quando "[...] o agente público, valendo–se de condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, desequilibra disputa em benefício de sua candidatura ou de terceiros" (AgR–REspEl nº 238–54/BA, rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20.5.2021, DJe de 4.6.2021).

11. Para se caracterizar o abuso de poder, impõe-se a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo). (AIJE nº 0601823–24/DF, rel. Min. Jorge Mussi, julgada em 8.8.2019, DJe de 26.9.2019).

(…)

15. É imprescindível a existência de provas robustas e incontestes para a configuração da conduta vedada e da prática de abuso do poder. Embora seja possível o uso de indícios para comprovar os ilícitos, a condenação não pode se fundar em frágeis ilações ou em presunções, especialmente em razão da gravidade das sanções impostas. (RO nº 1788–49/MT, rel. Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 7.11.2018, DJe de 28.3.2019).

16. É escorreito o entendimento esposado no acórdão recorrido, que, diante do caderno probatório dos autos, não reconheceu na narrativa dos fatos a ocorrência de abuso do poder econômico ou político.

17. Recursos ordinários desprovidos.

(RO-El n. 060166145, Acórdão, Relator Min. Raul Araujo Filho, Publicação: DJE, Tomo 66, Data 13.4.2023). Grifei.

 

Portanto, os elementos indiciários vertidos aos autos não têm o condão de embasar a procedência da ação, cuja consequência é a cassação de mandatos eletivos obtidos pelo voto popular, nem tampouco alicerçar qualquer penalidade aos recorridos, para o que é imprescindível a existência de prova idônea e cabal dos fatos, “não sendo suficientes meros indícios ou presunções” (TSE - AgR-REspe n. 471-54; Relator: Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, DJe de 19.9.2019; e AgR-REspe 272-38, Relator: Min. Jorge Mussi, DJe de 2.4.2018).

Destarte, em face da precariedade dos elementos probatórios coligidos aos autos, que não demonstram de forma contundente a prática de captação ilícita de sufrágio nem de abuso de poder no Município de Ipiranga do Sul, por ocasião das eleições de 2020, deve ser mantido integralmente o juízo de improcedência da demanda.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.