REl - 0600125-15.2022.6.21.0143 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/08/2023 às 16:00

VOTO

Da admissibilidade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

 

Mérito

Eminentes Colegas.

Trata-se da análise de recurso interposto pela COLIGAÇÃO A ESPERANÇA VAI MUDAR CACHOEIRINHA contra a sentença proferida pelo Juízo da 143ª Zona Eleitoral que, indeferindo a petição inicial, julgou extinta, sem resolução do mérito, a ação de investigação judicial eleitoral proposta em desfavor de CRISTIAN WASEN ROSA e JOÃO PAULO MARTINS, candidatos, respectivamente, aos cargos de prefeito e vice-prefeito na renovação de eleição realizada em Cachoeirinha, no ano de 2022, e da COLIGAÇÃO CACHOEIRINHA UM NOVO TEMPO.

Pois bem.

A alegação da petição inicial é de que o então prefeito em exercício, candidato à reeleição, estaria utilizando o aparato da fiscalização municipal de trânsito para cercear os atos de propaganda eleitoral da campanha adversária, violando, com isso, o disposto no inc. III do art. 73 da Lei n. 9.504/97:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[...]

III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;

 

A conduta vedada indicada pela recorrente, segundo o contido na petição inicial, também configuraria abuso de autoridade.

Observo que a Lei Complementar n. 64/90, ao disciplinar o rito aplicável à ação de investigação judicial eleitoral, assim dispõe:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito.

 

A AIJE é, portanto, demanda de natureza cível com caráter jurisdicional, que tem o objetivo de apurar a prática de abuso de poder econômico, abuso de poder político ou de autoridade e o uso indevido dos meios de comunicação social.

As causas de pedir da ação são conceitos jurídicos indeterminados, aos quais a jurisprudência, em especial do Tribunal Superior Eleitoral, tem definido os contornos.

Em especial, “as condutas vedadas (Lei das Eleições, art. 73) constituem-se em espécie do gênero abuso de autoridade.” (Recurso Ordinário nº 718, Acórdão, Relator(a) Min. Luiz Carlos Madeira, Publicação: DJ - Diário de justiça, Volume 1, Data: 17/06/2005, Página 161).

Em relação à conduta vedada, José Jairo Gomes afirma a necessidade de se perquirir se o evento considerado tem aptidão para lesionar o bem jurídico protegido, no caso, a igualdade na disputa, e não propriamente as eleições como um todo ou os seus resultados (Direito Eleitoral – 14. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2018)

No mesmo sentido, o Tribunal Superior Eleitoral assentou que “o abuso de poder político, de que trata o art. 22, caput, da LC 64/90, configura-se quando o agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade da disputa e a legitimidade do pleito em benefício de sua candidatura ou de terceiros” (RO n. 172365/ DF – Rel. Min. Admar Gonzaga – j. 07.12.2017 – DJe 27.02.2018).

Na hipótese, a decisão recorrida assentou ser desnecessária a dilação probatória, afirmando que os fatos narrados na inicial constituem meros incidentes de trânsito. Assim, estaria “ausente a demonstração de potencialidade lesiva, dessas meras ações citadas, em influenciar decisivamente no resultado do pleito suplementar eleitoral de Cachoeirinha de 2022”.

Também constou na decisão que na “jurisprudência do TSE, é cediço, que faz-se necessária a presença deste elemento essencial para a configuração do abuso do poder: a potencialidade do ato em influir no resultado do pleito - o que não está comprovado no caso”, pois não haveria violação a dispositivos da Lei das Eleições “ante a ausência de provas que possam caracterizar os atos elencados na inicial como ilícitos à luz da legislação eleitoral, ou seja, para configuração do abuso de poder político, além da prova de sua materialização, faz-se necessário demonstrar se a conduta teve potencialidade para gerar desequilíbrio no pleito”.

A sentença que indeferiu a inicial deve ser reformada.

A investigante, na exordial, narrou fatos ocorridos em 18.10.2022 e 21.10.2022 que, na sua perspectiva, constituiriam cerceamento de atos de propaganda eleitoral por agente público, em favorecimento de adversários políticos, que estariam realizando livremente os mesmos atos. Afirmou o temor de novas ocorrências na fase final da campanha eleitoral. A exordial foi acompanhada de registro da ocorrência (ID 45341675), auto de infração de trânsito (ID 45341676), fotos da campanha antagonista, aparentemente utilizando a mesma modalidade de propaganda eleitoral (ID 45341677), imagens de perfil em rede social que, supostamente, pertenceria ao agente público com publicidade eleitoral em favor dos recorridos, a demonstrar sua parcialidade (ID 45341679), vídeos das abordagens e de propaganda da campanha adversária que teria ficado livre de qualquer embargo ou fiscalização.

Também foi postulada a inquirição de testemunhas.

Considerando os fatos narrados e os indícios que acompanharam a inicial, é de se considerar presentes elementos mínimos a configurar a justa causa para processamento do pedido, como também deve ser entendida como prematura a extinção da ação sem a devida instrução.

Na mesma linha do parecer ministerial, é possível admitir que a coligação recorrente trouxe “elementos suficientes para identificar uma possível ação fiscalizatória por parte da Secretaria Municipal de Mobilidade e Segurança com viés eleitoral” (ID 45470420).

Ainda, no sentido de que a instauração da ação de investigação judicial eleitoral requer apenas a existência de elementos mínimos do cometimento de ilícito, sendo a robustez das provas indispensável tão somente para a formação do juízo de procedência da ação, menciono precedente da Corte:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL ¿ AIJE. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. PETIÇÃO INICIAL COM DOCUMENTOS E INDICAÇÃO DE TESTEMUNHAS. ELEMENTOS PROBATÓRIOS APTOS A ENSEJAR A PROPOSITURA DA AIJE. ART. 22 DA LEI COMPLEMENTAR N. 64/90. ENQUADRAMENTO JURÍDICO. SÚMULA N. 62 DO TSE. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA PROCESSAMENTO DA AÇÃO. PROVIMENTO.

1. Recurso eleitoral em Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE interposto por partido político, em face da sentença que indeferiu a petição inicial, com fundamento no inc. I do art. 485, c/c o art. 330, ambos do CPC. Entendimento da inexistência de indícios mínimos de prova do abuso de poder econômico ou da capacidade de o ato influenciar de fato no pleito eleitoral.

2. Juntado com a inicial, acervo probatório (relatórios de empenho de compras e fotografias) relacionado aos fatos alegados, consistindo em um início de prova documental. Ainda, na emenda à inicial, foram arroladas testemunhas que, em tese, estariam aptas a complementarem os fatos narrados. Assim, havendo elementos probatórios mínimos a ensejar a propositura da AIJE, nota-se precipitação do magistrado a quo no indeferimento da inicial, adiantando-se em um juízo de certeza que deve ser realizado somente após a instrução probatória, no momento da sentença de mérito.

3. A robustez das provas na investigação judicial eleitoral é indispensável à condenação dos responsáveis pelos citados ilícitos, mas não para simplesmente instaurar a investigação. Para a abertura da ação se exige a indicação de provas, indícios e circunstâncias da suposta prática ilícita, conforme previsto no caput do art. 22 da LC n. 64/90.

4. Na AIJE o réu se defende de fatos, pouco importando o enquadramento jurídico a eles dado na inicial. É o que está disposto na Súmula 62 do TSE: "Os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor".

5. Provimento do recurso para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para processamento da ação.

(Recurso Eleitoral nº 060099958, Acórdão, Relator(a) Des. FRANCISCO JOSÉ MOESCH, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE)

 

No caso dos autos, os elementos probatórios já relacionados constituem justa causa suficiente para o processamento da investigação, tal qual no precedente invocado.

Ademais, como já mencionado, as condutas vedadas descritas no art. 73 da Lei n. 9.504/97 tutelam a igualdade na disputa entre os candidatos participantes do pleito com o fim de manter a higidez do processo eleitoral (Recurso Especial Eleitoral n. 999897614, Acórdão, Relator(a) Min. Gilmar Mendes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 21/03/2017), e não a potencialidade para gerar desequilíbrio no pleito, como afirmado na decisão recorrida.

Ainda que a sentença tenha consignado que o reconhecimento da existência de abuso estaria condicionado à “demonstração de potencialidade lesiva, dessas meras ações citadas, em influenciar decisivamente no resultado do pleito suplementar eleitoral de Cachoeirinha de 2022”, tal conclusão é desautorizada pela Lei Complementar n. 64/90, a qual estabelece que “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam” (art. 22, inc. XVI).

Diante do exposto, a título de conclusão, tenho que a análise dos elementos constantes nos autos comprova a existência de interesse processual para a propositura da ação, devendo ser anulada a sentença que indeferiu a inicial e determinado o processamento do pedido.

 

Dispositivo

Ante o exposto, voto por conhecer do recurso e, no mérito, por seu provimento, para que seja anulada a sentença que indeferiu a petição inicial e julgou extinta a ação sem resolução do mérito, a fim de que seja dado processamento ao pedido contido na ação de investigação judicial eleitoral.

É o voto.