REl - 0600028-45.2023.6.21.0057 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/08/2023 às 16:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Preliminarmente, com fundamento no art. 266 do Código Eleitoral e em reiterados julgamentos deste Tribunal em casos análogos (TRE-RS - REl n. 8012, Relator: Des. Eleitoral André Luiz Planella Villarinho, DJE de 28.06.2019; e REl n. 0600082-75, Relatora: Desa. Eleitoral Elaine Maria Canto da Fonseca, DJE de 30.05.2023), conheço dos documentos acostados com a peça recursal, a saber, print de anotação na Carteira de Trabalho Digital, da qual se verifica a ocorrência de rescisão, em 04.8.2022, do contrato de trabalho com a empresa TRADIÇÃO GAUCHA CONFECÇÕES DE PEÇAS DO VESTUARIO LTDA., CNPJ n. 03.599.667/0001-40 (ID 45451831), em que o salário mensal recebido pela função de costureira era de R$ 1.327,00 (ID 45451832).

Não fosse isso, o procedimento administrativo foi instaurado de ofício, e a recorrente apenas dele tomou ciência após a imposição da multa, por ocasião de sua intimação para efetuar o pagamento, de sorte que a primeira oportunidade que teve para falar nos autos e juntar documentos foi exatamente no recurso.

Outrossim, em que pese a recorrente não possua advogado constituído nos autos, não há óbice ao conhecimento do apelo, tendo em vista que o procedimento atinente à apuração de ausência de mesário aos trabalhos eleitorais e à aplicação de multa ostenta natureza administrativa, para o qual não há previsão legal de representação por advogado, na esteira da jurisprudência consolidada deste Tribunal Regional:

RECURSO ELEITORAL. NOMEAÇÃO DE MESA RECEPTORA. ELEIÇÕES 2018. PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE ADVOGADO. ADMISSIBILIDADE. MÉRITO. MESÁRIO FALTOSO. AUSENTE JUSTO MOTIVO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA. MULTA. DESPROVIMENTO.

1. Preliminar. Entendimento desta Corte no sentido de permitir o prosseguimento do feito, ainda que ausente procurador constituído nos autos, diante da natureza administrativa da atividade judicial sancionatória contra a qual se insurge a recorrente.

2. Devidamente convocada para prestar serviço eleitoral como 2º mesário, a recorrente deixou de comparecer na data em que ocorreu o segundo turno, sem a apresentação de justificativa. Atestado médico oferecido a destempo, informando impedimento por motivo de saúde em período diverso do abrangido pela realização do pleito eleitoral.

3. Aplicação de multa. Desprovimento.

(TRE-RS, RE 7238 ALVORADA, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Data de Julgamento: 27.01.2020, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 15, 04.02.2020, p. 4) Grifei.

 

No mérito, NATALI GIOVANA DOS SANTOS LEAL, embora convocada, por meio de mensagem remetida via aplicativo WhatsApp, para exercer a função de Secretária da Seção n. 208, instalada no Município de Uruguaiana, vinculada à 57ª Zona Eleitoral, não compareceu aos trabalhos eleitorais, tampouco apresentou justificativa no prazo de 30 (trinta) dias após a data do pleito.

Em face disso, foi promovida a autuação de processo próprio, o qual culminou com decisão do Juízo Eleitoral arbitrando multa à mesária faltosa no valor de R$ 351,40.

Irresignada, recorreu a eleitora, aduzindo que não compareceu à mesa receptora de votos por ocasião do segundo turno das eleições de 2022 porque não tinha com quem deixar sua filha de dois anos de idade, que se encontrava febril. Assevera que está desempregada, sem renda, consoante documentação, e não possui condições de arcar com o pagamento da multa.

Primeiramente, cumpre ressaltar que a ausência da recorrente se deu no segundo turno das eleições, e não no primeiro turno, como constou da decisão.

Contudo, tenho que, no presente feito, trata-se de erro material facilmente perceptível, que não prejudicou o conteúdo da decisão ou a defesa da recorrente, podendo haver a devida correção nesta instância.

A matéria atinente às providências e penalidades decorrentes da não apresentação da pessoa convocada para os trabalhos eleitorais sem justificativa encontra-se inteiramente regulamentada pelo Tribunal Superior Eleitoral, por meio da Resolução TSE n. 23.659/21, cujos arts. 127 e 129 dispõem:

Art. 127. A fixação da multa observará a variação entre o mínimo de 3% e o máximo de 10% do valor utilizado como base de cálculo, podendo ser decuplicado em razão da situação econômica do eleitor ou da eleitora.

(...)

Art. 129. A pessoa que deixar de se apresentar aos trabalhos eleitorais para os quais foi convocada e não se justificar perante o juízo eleitoral nos 30 dias seguintes ao pleito incorrerá em multa.

§ 1º A fixação da multa a que se refere o caput observará a variação entre o mínimo de 10% e o máximo de 50% do valor utilizado como base de cálculo, podendo ser decuplicada em razão da situação econômica do eleitor ou eleitora, ficando o valor final sujeito a duplicação em caso de:

a) a mesa receptora deixar de funcionar por sua culpa; ou

b) a pessoa abandonar os trabalhos no decurso da votação sem justa causa, hipótese na qual o prazo aplicável para a apresentação de justificativa será de 3 dias após a ocorrência.

§ 2º A aplicação da multa de que trata este artigo observará, no que couber, o disposto nos §§ 1º a 3º do art. 127 desta Resolução.

§ 3º Recolhida a multa, será observado o previsto no art. 128 desta Resolução.

 

A Resolução em tela, ainda, em seu art. 133, fixou o valor da “base de cálculo” em R$ 35,13, litteris:

Art. 133. A base de cálculo para aplicação das multas previstas nesta Resolução, salvo se prevista de forma diversa, será R$ 35,13 (trinta e cinco reais e treze centavos).

 

Dessa feita, a multa há de ser fixada entre R$ 3,51 e R$ 17,57, podendo ser decuplicada em razão da situação econômica do eleitor ou eleitora, vale dizer, pode atingir R$ 175,70, ficando tal valor final sujeito à duplicação (R$ 351,40), em caso de a mesa receptora deixar de funcionar por sua culpa ou a pessoa abandonar os trabalhos no decurso da votação sem justa causa.

Nesse cenário, verifica-se que, ainda que fosse imposta a penalidade em seu máximo, R$ 17,57, somente poderia ser majorada até R$ 175,70 se a situação econômica da eleitora exigisse o incremento.

Ademais, ainda que a mesária fosse economicamente abastada, não poderia a sanção aumentada até R$ 175,70 ser duplicada, porquanto a mesa receptora de votos não deixou de funcionar regularmente, e tampouco trata a espécie de abandono dos trabalhos eleitorais no curso da votação.

No caso vertente, a recorrente exerceu suas funções regularmente durante o primeiro turno, vindo a não comparecer tão somente no segundo turno, em que a votação contempla menos cargos, é mais dinâmica e requer menor carga de trabalho dos mesários envolvidos.

Em realidade, ao meu sentir, as particularidades do caso sob exame justificam não apenas que a multa seja reduzida, mas que seja integralmente afastada.

Em um primeiro aspecto, a eleitora afirma que não compareceu no segundo turno de votação porque não havia com quem deixar sua filha de dois anos de idade, que se encontrava febril.

Diante disso, é necessário um olhar atento sobre o contexto social no qual a recorrente está inserida, na linha proposta pelo protocolo para julgamento com perspectiva de gênero do CNJ, reconhecendo-se que as mulheres exercem o papel primário e, por vezes, sem rede familiar de apoio, no cuidado dos filhos.

Embora a recorrente não tenha produzido prova material sobre o estado de saúde da sua filha no dia do pleito, não se pode desconsiderar que a situação de hipossuficiência econômica demonstrada nos autos permite presumir dificuldades no acesso a serviços de saúde, ainda que públicos, dificultando-lhe a apresentação de comprovação nesse sentido.

Assim, em um segundo enfoque, sob pena de agravar o estado de desigualdade estrutural vivenciado pela recorrente, tais circunstâncias exigem que se atribua maior valor à prova de vulnerabilidade econômica realizada por meio da anotação na Carteira de Trabalho Digital, onde se verifica que a recorrente está desempregada de seu ofício de costureira, pelo qual, em sua última relação de trabalho, no ano de 2022, percebia cerca de um salário mínimo mensal (ID 45451831 e 45451832).

Assim, considerando que NATALI GIOVANA DOS SANTOS LEAL declara não possuir renda, não tendo condições financeiras para arcar com o pagamento de multa, inclusive estando comprovado seu estado de vulnerabilidade socioeconômica, deve a penalidade ser afastada, com fundamento nos arts. 129, § 2º, c/c 127, § 3º, ambos da Resolução TSE n. 23.659/21, levantando-se, via de consequência, a restrição de mesária faltosa no cadastro eleitoral.

Para ilustrar, trago precedentes deste Tribunal, bem como de outros Regionais, que entenderam pelo afastamento de multa a mesário faltoso, em virtude de seu estado de pobreza:

RECURSO. ELEIÇÕES 2022. RECUSA OU ABANDONO DE SERVIÇO ELEITORAL. MESÁRIA. REPRESENTAÇÃO POR ADVOGADO. DISPENSADA. NÃO COMPARECIMENTO AO SEGUNDO TURNO DO PLEITO. NÃO APRESENTADA JUSTIFICATIVA NO PRAZO LEGAL. CARACTERIZADA A HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DA ELEITORA. AFASTADA A MULTA IMPOSTA. DETERMINADO O LEVANTAMENTO DA RESTRIÇÃO DE MESÁRIA FALTOSA JUNTO AO CADASTRO ELEITORAL. PROVIMENTO.

[...].

4. Entretanto, o art. 367, § 3º, do CE, impõe a isenção do pagamento da multa aos que comprovarem seu estado de pobreza. O TSE, ao regulamentar o tema, fixou, no art. 129, § 2º, c/c art. 127, § 3º, da Resolução n. 23.659/21, que a pessoa que declarar ser pobre, sob as penas da lei, perante qualquer juízo eleitoral, ficará isenta do pagamento da multa por deixar de se apresentar aos trabalhos eleitorais para os quais tenha sido convocada. Considerando que a eleitora declara não possuir condições financeiras para arcar com o pagamento da multa, inclusive estando inferido o seu estado de vulnerabilidade socioeconômica, visto que beneficiária de programa de governo destinado a pessoas que se encontrem em situação de extrema pobreza, deve a multa ser afastada, com fundamento nos arts. 129, § 2º, c/c 127, § 3º, ambos da Resolução TSE n. 23.659/21, levantando-se, via de consequência, a restrição de mesária faltosa no cadastro eleitoral.

5. Provimento.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 0600021-53.2023.6.21.0057, Acórdão, Relator Des. Eleitoral Rogério Favreto, Publicação: DEJERS de 23.05.2023) Grifei.

 

Recurso. Mesário faltoso. Aplicação de multa, no juízo originário, diante da ausência aos trabalhos eleitorais no segundo turno das eleições de 2010.

Superada a preliminar de incapacidade postulatória, frente ao caráter eminentemente administrativo da matéria.

Aplicabilidade do artigo 367, § 3º, do Código Eleitoral para afastar a penalidade pecuniária, em razão do comprovado estado de pobreza do recorrente.

Provimento.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 193, Acórdão, Relator Des. Eleitoral Eduardo Kothe Werlang, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 121, Data 14.7.2011, p. 3). Grifei.

 

Recurso. Mesário faltoso. Decisão que condenou eleitor ao pagamento de multa administrativa, com fundamento no artigo 124 do Código Eleitoral. Devidamente comprovado o estado de pobreza do recorrente, permitindo o afastamento da sanção pecuniária. Provimento.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 98, Acórdão, Relatora Des. Federal Marga Inge Barth Tessler, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 72, Data 11.5.2010, p. 2). Grifei.

 

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para afastar a penalidade imposta a NATALI GIOVANA DOS SANTOS LEAL, bem como determinar ao juízo da origem que promova o devido levantamento da restrição de mesária faltosa junto ao cadastro eleitoral.