REl - 0600574-82.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/08/2023 às 16:00

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Da Preliminar de Cerceamento de Defesa

Os recorrentes arguem preliminar de cerceamento de defesa, tendo em vista o indeferimento pelo juízo a quo do pedido de intimação judicial da testemunha Roberto Cruz da Silva, conhecido como Balaca.

A hipótese já foi objeto de análise pelo Tribunal, razão pela qual me reporto ao que proferido no acórdão de ID 44996234, que deu provimento ao agravo interposto contra o decisum monocrático que houvera acolhido o pedido de baixa dos autos, para que fosse realizada a inquirição da testemunha, consoante ementa que transcrevo:

AGRAVO INTERNO. RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. DEFERIDO RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA. PROVIDÊNCIA DE CARÁTER EXCEPCIONAL. NÃO DEMONSTRADA A IMPRESCINDIBILIDADE DO TESTEMUNHO. AFASTADA A ORDEM DE BAIXA DO PROCESSO. DETERMINADO O PROSSEGUIMENTO REGULAR DO TRÂMITE PROCESSUAL. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra decisão que deferiu pedido formulado pelo Parquet, em sede de recurso, e determinou a baixa dos autos à instância de origem para realização de inquirição de testemunha.

2. Como regra, nos feitos eleitorais, a testemunha deve comparecer por iniciativa da parte que a arrolou, nos termos dos arts. 5º e 22, inc. V, da Lei Complementar n. 64/90. Portanto, a notificação e a condução judiciais são providências de exceção, sendo cabíveis apenas quando a parte não tiver acesso à testemunha ou quando houver a recusa em comparecer espontaneamente à audiência e a prova for considerada indispensável à elucidação dos fatos. A admissão, em grau recursal, da remessa de autos à instância de piso para realização de atos complexos de instrução deve ser excepcional e alicerçada na demonstração inequívoca de vícios na produção de prova e da imprescindibilidade da medida, sob pena de criar desnecessário tumulto processual e retardar sobremaneira o andamento do feito.

3. Na hipótese, a testemunha não se revela indispensável, tendo em vista que suas declarações foram vertidas aos autos por meio de ata notarial e por termo de declaração produzido perante o Ministério Público, posteriormente à apelação. Embora não tenham sido produzidas em juízo, foram submetidas ao crivo do contraditório, não havendo motivo hábil a justificar o excepcional retrocesso na marcha processual, consistente no retorno dos autos ao primeiro grau de jurisdição para produção de prova anteriormente considerada desnecessária pelo magistrado a quo.

4. Provimento. Afastada a determinação de baixa à origem. Ordenado o prosseguimento do regular trâmite processual e o encaminhamento dos autos à Procuradoria Regional Eleitoral para emissão de parecer.

(TRE-RS; Agravo Regimental n. 0600574-82.2020.6.21.0000, Relator: Des. Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, sessão de 21.06.2022, unânime)

 

Com efeito, no julgamento do agravo, restou assentado que, como regra, a testemunha deve comparecer por iniciativa da parte que a arrolou (arts. 5º e 22, inc. V, da Lei Complementar n. 64/90), de modo que a notificação e a condução judiciais são providências de exceção, sendo cabíveis apenas quando a parte não tiver acesso à testemunha ou quando houver a recusa em comparecer espontaneamente à audiência e a prova for considerada indispensável à elucidação dos fatos.

Além disso, conforme a ata de audiência, a parte investigada, que, inicialmente, também havia arrolado “Balaca” como testemunha, manifestou-se contrariamente a novo adiamento da audiência, em face de ser aquela a segunda oportunidade em que a testemunha deixava de comparecer, em prejuízo às demais testemunhas. De seu turno, o Ministério Público Eleitoral com atuação perante a Zona Eleitoral asseverou não ter interesse em sua oitiva (ID 44835142).

Deveras, o testemunho de “Balaca” não se revelava imprescindível, uma vez que suas declarações foram vertidas aos autos por meio de ata notarial, com data de 31.3.2021 (ID 44835114), e por meio de termo de declaração produzido perante o Ministério Público, posteriormente à apelação (ID 44840117), em ato que inclusive contou com a presença de advogado constituído pelos recorrentes, de sorte que houve efetivamente a possibilidade de juntarem ao feito as declarações de Roberto Cruz da Silva, que, embora não tenham sido produzidas em juízo, foram submetidas ao crivo do contraditório.

Desse modo, afastado o cerceamento de defesa e preclusa a questão a partir do julgamento do agravo regimental interposto, inexiste nulidade a ser declarada no ato judicial que indeferiu a produção da prova, de sorte que a preliminar deve ser rejeitada.

 

Do Mérito

No mérito, trata-se de apelo contra a sentença do Juízo da 140ª Zona Eleitoral (Coronel Bicaco) que julgou improcedente a AIJE proposta em face de PEDRO DOS SANTOS, MARCIÉLI DOS REIS e ADEMAR OLIVEIRA DE AGUIAR, candidatos eleitos no pleito de 2020 para os cargos, respectivamente, de prefeito, vice-prefeita e vereador no Município de Campo Novo.

Os recorrentes ILIANDRO CESAR WELTER e JOAO AUGUSTO PRETTO alegam que os ora recorridos, pessoalmente ou por seus cabos eleitorais, foram responsáveis pela prática de dois fatos caracterizadores de abuso do poder econômico e captação ilícita de sufrágio.

Passo à análise dos supostos fatos descritos na petição inicial.

 

I – Da Doação de Materiais de Construção para a Igreja Primitiva

Segundo relatado pelos recorrentes, às vésperas das eleições, Roberto Cruz da Silva, cabo eleitoral de PEDRO DOS SANTOS, MARCIÉLI DOS REIS e ADEMAR OLIVEIRA DE AGUIAR, teria se dirigido, a mando dos investigados, à loja de materiais de construção Agrofer, de Roger Luiz Kowalski, onde teria adquirido mercadorias (revestimentos de PVC), no somatório de R$ 2.135,01, a serem doadas à Igreja Primitiva, visando à captação de votos, tendo a nota fiscal sido emitida somente em 18.11.2020.

Narram que Roberto Cruz da Silva, o “Balaca”, teria solicitado que os revestimentos fossem entregues “na IGREJA PRIMITIVA do Pastor EZIQUIEL RIBEIRO, que seria uma doação dos Réus, pois tanto o PASTOR como os demais membros apoiariam” as candidaturas dos recorridos, aduzindo que o material permaneceu estocado em uma sala da igreja, aguardando a instalação, presumivelmente por falta de recursos para realizar a obra.

Afirmam que áudios comprovam que Roberto Cruz da Silva e o funcionário da loja Jorge Luiz Kowalski, pai do proprietário, ao efetuarem o negócio, ajustaram que o pagamento seria realizado por PEDRO DOS SANTOS e ADEMAR OLIVEIRA DE AGUIAR.

Igualmente, sustentam que “as imagens captadas na entrada da loja” revelam que “PEDRO DOS SANTOS, esteve na LOJA no dia 17/11/2020, e lá conversou com o proprietário da LOJA ROGER LUIZ KOWALSKI, indagando se o MATERIAL que foi enviado à sua chácara estaria pago, tendo sido respondido que sim, que não tinha nenhuma pendência”, e que o “diálogo ocorreu para mascarar a verdade, posto que, não houve envio algum de materiais para a chácara do CANDIDATO A PREFEITO, mas sim, que ali naquela LOJA foram adquiridos outros materiais de construção para serem doados a eleitores visando a captação de votos”.

Ressaltam que a testemunha Jorge Romário Melo, em seu depoimento, afirmou que soube do fato por Balaca e que, a fim de esclarecer o ocorrido, foi à loja acompanhado de sua nora, Mariza, e gravou conversa com Jorge Luiz Kowalski e também com PEDRO, que lá havia chegado.

Adianto que o acervo probatório acostado não confere amparo à pretensão dos recorrentes.

Primeiramente, cabe transcrever trecho da gravação da conversa entre aqueles que seriam Romário e sua nora, Mariza, com funcionários, na loja Agrofer, (ID 12439333):

Romário: Ela quer um cadeado.

Atendente: Cadeado? Que tamanho?

Mariza: Pequenininho, pra armário.

Atendente: Pequenininho, pra armário.

(Cumprimentos entre as pessoas com terceiro)

Mariza: Qual que é o mais pequeno?

Romário: Aquele forro que foi entregue na igreja… Tu não sabe se eles botaram?…

Atendente: A cimalha?

Romário: A cimalha!

Atendente: Foi! Foi levada junto! A cimalha tipo “U”. Ele queria. Foi levada!

Romário: Mas o pastor disse que não tinha cimalha, lá…

Atendente: Tem, sim. Tem um pacote, lá!

Mariza: Então o Roberto mandou depois, então…

Romário: Ahhh, então o Roberto mandou depois, então…

Mariza: Porque nóis tinha falado com ele… até então não tinha levado… então ele levou depois…

Romário: Como que eu boto aqueles forro, com parafuso, ou?

Atendente: O quê?

Romário: O forro, aquele?

Atendente: Tanto faz, né? A maioria leva com parafuso, outros levam com grampo, grampeador, então… Mas o mais prático hoje é parafuso; pega  a furadeira e tshsh, tshsh…

Romário: Balaca disse que gastou 3 mil em forro… Mas não é 3 mil...

Mariza: Eu teimei com ele, eu disse que não era tudo isso

Atendente: Não, não, não… (inaudível) deu mil e pouco…

 

A partir desse ponto, chega outra pessoa ao ambiente, que seria PEDRO, e passam a ocorrer conversas paralelas, transparecendo dos diálogos, de difícil compreensão em função dos ruídos e da sobreposição de falas, que PEDRO não estava conversando com Romário ou Mariza, e sim com o atendente da loja.

Com efeito, o magistrado monocrático, na sentença, contextualizou com precisão o conteúdo da gravação (ID 44835177):

No que diz à gravação realizada por Romário e Mariza no interior do estabelecimento comercial de Roger Luiz Kowalski, o áudio indica que eles compareceram à loja, após a eleição, supostamente para adquirir um cadeado, ocasião em que realizaram a gravação da conversa mantida com o atendente e também captaram falas do investigado Pedro, que chegou ao local enquanto eles estavam ali. Percebe-se que uma voz feminina, possivelmente de Mariza, solicita o cadeado ao atendente, enquanto uma voz masculina, ao que consta de Romário, passa a fazer indagações sobre a entrega, valor, pagamento e instalação do forro da igreja do Pastor Ezequiel, ao mesmo tempo em que faz alusões à pessoa de Roberto (Balaca), sendo que terceira voz, possivelmente do atendente, informa que foi entregue todo o material na igreja e explica a Romário o modo mais prático para instalação do forro. Na sequência, é possível notar que Pedrinho (o investigado Pedro) chega ao estabelecimento e é cumprimentado pelos presentes. Ouve-se, então, diálogos entabulados entre Romário e o atendente e entre Pedro e o atendente, não sendo possível precisar se ambos conversam com o mesmo atendente ou com pessoas diferentes. Ao que é possível perceber, Romário volta a questionar sobre o forro da igreja, inclusive dizendo que vai fazer a colocação, deixando tudo arrumadinho, enquanto Pedro pergunta se há pendências em relação ao material que foi levado para sua chácara, obtendo como resposta que tudo estaria acertado. Instantes depois, Romário e Mariza saem da loja e a gravação é encerrada.

Tais diálogos revelam que Romário e Mariza referem-se ao nome de Roberto (Balaca) e fazem questionamentos a respeito do forro da igreja, inexistindo na fala do(s) atendente(s) e de Pedro – que coincidentemente chegou ao local no momento em que acontecia dita gravação - elementos capazes de corroborar o ilícito. Aliás, é possível notar que as falas não aconteceram exatamente na sequência em que foram descritas na inicial, porquanto inexistiu o diálogo entre Romário e Pedro ou entre Pedro e o atendente, acerca dos materiais fornecidos para a igreja.

 

Ora, tal áudio não denota a prática de qualquer ilícito.

Ademais, veja-se que, consoante escritura pública de ata notarial, lavrada a pedido de advogado dos recorrentes, a tabeliã, conduzida à Igreja Primitiva, em 22.12.2020, constatou, após ter acesso ao interior do templo com a permissão do pastor Ezequiel Ribeiro, a existência de material de PVC para forração junto ao chão.

Assim, conforme registrado, indagado pelo advogado qual pessoa havia doado as peças, o ministro espiritual respondeu que ele próprio havia comprado, em prestações, e que estava pagando com dinheiro da igreja (ID 44835007).

Realmente, essa versão restou corroborada por nota fiscal de compra de revestimento de PVC juntada aos autos pelos recorridos, emitida por Roger Luiz Kowalski, no dia 18.11.2020, no valor de R$ 2.135,01 (ID 44835024), bem como dois cheques liquidados de Ezequiel Ribeiro, na quantia de R$ 330,00 cada, sendo um deles nominativo a Roger Luiz Kowalski e outro endossado pelo comerciante (ID 44835027).

Também foram acostados ao feito cópia dos títulos eleitorais de Ezequiel Ribeiro e de Rute Thalia Cavalheiro Ribeiro, esta seria esposa daquele, para demonstrar que o domicílio eleitoral deles é no Município de Santo Augusto, não votando, portanto, em Campo Novo (ID 44835023).

Os recorridos, a fim de evidenciarem que PEDRO apenas tratava sobre materiais comprados para obras realizadas em sua chácara e em sua antiga residência, coligiram contrato em que ele figura como promitente comprador de imóvel rural, com firmas reconhecidas em tabelionato na data de 26.7.2019 (ID 44835019), bem como matrícula de imóvel urbano, onde teria construído recentemente um quiosque (ID 44835020).

O pedreiro Rosemar Leites Neckel, ouvido como testemunha, confirmou que executou reforma na chácara de PEDRO, assim como vários outros serviços para ele, e explicou que ele mesmo pegava algum material na loja para a obra, quando era pouca coisa, ou fazia pedido a Roger, que entregava no local (ID 44835144).

O que consta nos autos que poderia indicar a suposta prática do ilícito são as declarações de Roberto Cruz da Silva, que, consoante ata notarial de 31.3.2021, descreveu os fatos que constam da exordial, praticamente com as mesmas palavras utilizadas na peça processual, relativamente à compra de revestimento de PVC (ID 44835114), litteris:

[…] 1º) Que às vésperas da eleição municipal realizada no dia 15 de novembro de 2020, compareceu na LOJA DE MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO ROGER LUIZ KOWALSKI, na cidade de Campo Novo-RS, a mando do candidato a Prefeito PEDRO DOS SANTOS e da candidata Vice-Prefeita MARCIÉLI DOS REIS, da COLIGAÇÃO UNIDOS POR CAMPO NOVO, de quem era cabo eleitoral, para adquirir em nome daqueles e DOAR para a IGREJA PRIMITIVA, estabelecida na Rua Domingos Mancha nº 1.009, na cidade de CAMPO NOVO-RS, visando obter o apoio eleitoral do Pastor e dos demais membros da Igreja na captação de votos, os seguintes bens: a) 53,90m², de revestimento PVC Plasbil 100mmX7mmX7mt frisado branco barras no valor de R$ 1.067,22 (hum mil e sessenta e sete reais e vinte e dois centavos); b) 42,40m², de revestimento PVC Plasbil 100mmX7mmX8mt frisado branco barras no valor de R$ 839,52 (oitocentos e trinta e nove e cinquenta e dois centavos); c) - 7,00 BR convencional branco tipo U BR mt Plasbil 002 1 no valor de R$ 228,27 (duzentos e vinte e oito reais e vinte e sete centavos). A aquisição totalizou o valor de R$ 2.135,01 (dois mil, cento e trinta e cinco reais e um centavo);

 

Em 23.9.2021, Balaca compareceu perante o Ministério Público de Palmeira das Missões e apresentou as seguintes declarações, abaixo transcritas, no que interessa ao ponto (ID 44840117):

[…] afirma que era membro da igreja Primitiva de Campo Novo onde foi dada uma doação para o Pastor Ezequiel de Santo Augusto, que é irmão do Pastor Nasir de Campo Novo; que a doação se destinava à compra um forro para a Igreja, que a doação foi realizada por uma comissão do partido PSB 40 e que o declarante e o pai da Vice-Prefeita, Sr. Valdir Reis, foram até a Igreja entregar o dinheiro. Tal doação foi de R$ 1.000,00 (mil reais) em espécie; que o dinheiro foi apanhado na casa do Sr. Valdir e, pelo que se recorda, depois da campanha, ainda seriam “doadas” mais três parcelas para inteirar o valor gasto para troca do forro da Igreja. Assevera que toda a “família” do Pastor, os mais íntimos da Igreja, apoiaram o candidato Pedro. Afirma que o Pastor deu sua palavra que iria apoiar Pedro e que se precisasse iria arrumar mais votos. Refere que participava das reuniões da Igreja, assim como das reuniões da campanha e que tinha ciência de tal combinado. (Grifei).

 

Ora, de pronto se percebe que as versões são distintas, pois, inicialmente, afirmara que ele próprio havia comparecido à loja para comprar o material e doá-lo para a Igreja Primitiva, “visando obter o apoio eleitoral do Pastor e dos demais membros da Igreja na captação de votos”.

Posteriormente, declarou que a doação foi realizada à igreja, em espécie, no valor de R$ 1.000,00, sendo destinada à compra de forro, e que, após as eleições, “ainda seriam 'doadas' mais três parcelas para inteirar o valor gasto para troca do forro da Igreja”.

Nitidamente a versão foi alterada para adequar-se aos fatos ulteriormente demonstrados no feito, de que o Pastor Ezequiel era eleitor de circunscrição diversa e que a compra ocorreu de modo parcelado, utilizando-se cheques pré-datados.

Ademais, a credibilidade de Balaca foi seriamente comprometida pelo áudio que aportou aos autos, enviado por ele a Vanderson Von Muhlen Pires (ID 44835117), cujo teor segue, verbis:

Se eles não me ajudarem, Vande, se eles não me ajudarem eu aqui, no início aqui, no dia, no dia da audiência lá, o que vim na minha mente, eu falo. Pode ter certeza, pode ter certeza! Por mim, doa a quem doer! Não tô mais em Campo Novo, mesmo! Que se expruda tudo aí! Não, não ajudaram nóis como nóis merecia! Secretário ganhando 4, 5 mil lá por meis, e nóis aqui, mendingando!

Mas!! Pra mim, que se expruda essa gente! Por mim, que se expruda mesmo, Vande! Eu tô no meu limite, Vande! No meu limite, cara!!

A proposta deles foi muito boa! Muito boa a proposta deles, lá!! Bah, se eu fosse um cara zoiudo, eu tinha aceitado! Mas tinha aceitado, mesmo! E tinha enchido o bolso, hein! Mas como eu ainda tenho um pouco de caráter, não quis aceitar, mas, mas se eles não me ajudá, é capaz de pegá e aceitá a ajuda deles… Ah, mas eu vou aceitar mesmo!

 

Vanderson, porteiro e serviços gerais no hospital municipal, local em que já havia trabalhado com Roberto Cruz da Silva, foi então ouvido em juízo como testemunha, tendo confirmado que recebeu o áudio de Balaca, bem como explicou que, em data incerta, transcorridas as eleições, ao se dirigir ao hospital para trabalhar, após as 19 horas, já noite, passou de motocicleta defronte à residência de Balaca, onde o avistou, na garagem, acompanhado do recorrente Iliandro Cezar Welter e seu advogado, Dr. Adair Pinto da Silva, e que em seguida “questionou ele sobre o que eles estavam fazendo lá, e ele começou a me falar isso aí”, “que eles tinham feito uma proposta boa” (ID 44835145).

Nesse contexto, inexistem prova idônea e consistente a apoiar a tese dos recorrentes de compra de votos mediante a entrega de vantagens – sejam revestimento de PVC ou dinheiro em espécie –, e menos ainda para demonstrar a eventual anuência dos recorridos quanto à alegada conduta ilícita.

Assim, os elementos meramente indiciários vertidos aos autos não têm o condão de conduzir à cassação de mandatos eletivos obtidos pelo voto popular, nem tampouco alicerçar qualquer penalidade aos investigados, para o que é imprescindível a existência de prova cabal, segundo entendimento consolidado do TSE:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ACÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA. NÃO CONFIGURAÇÃO. FUNDAMENTOS NÃO IMPUGNADOS. NÃO CONHECIMENTO.

[...].

ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL

4. Os agravantes se limitaram a reproduzir os argumentos apresentados no agravo em recurso especial, sem infirmar os fundamentos da decisão impugnada de que a decisão regional está alinhada à jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que uma única prova, consistente em vídeo com gravação ambiental em que o eleitor supostamente corrompido narra que teria negociado o seu voto, não se reveste de robustez suficiente para comprovar as práticas de abuso do poder econômico e de captação ilícita de sufrágio imputados aos investigados. Desse modo, incide, na espécie, o verbete sumular 26 do TSE.

5. "A simples reprodução, no agravo nos próprios autos, de argumentos constantes do recurso especial, sem impugnar especificamente os fundamentos da decisão agravada suficientes para a sua manutenção, atrai o óbice da Súmula nº 26/TSE" (AgR–AI 0602797–12, rel. Min. Edson Fachin, DJE de 9.11.2020).

CONCLUSÃO

Agravo regimental não conhecido.

(AgR-AREspE n. 0600304-47.2020.6.06.0074/CE, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE, Tomo 161, Data: 23.8.2022.) (Grifei.)

 

Portanto, impositiva a manutenção da sentença quanto ao ponto.

 

II – Da Realização de Conserto de Automóvel em Troca de Voto

De seu turno, o segundo fato ilícito consta assim exposto na petição inicial:

2º FATO – às vésperas da eleição, o “CABO ELEITORAL ROBERTO CRUZ OLIVEIRA “BALACA” da COLIGAÇÃO UNIDOS POR CAMPO NOVO, que acabou saindo vitoriosa no Pleito Municipal realizado dia 15 de novembro de 2020, com uma diferença de 47 (quarenta e sete) votos, compareceu da OFICINA MECÂNICA de ELIANE DORNELLES, também Candidato a Vereador pela mesma COLIGAÇÃO e, em nome de ADEMAR OLIVEIRA DE AGUIAR e MARCIÉLI REIS, Candidata a Vice-Prefeita, e MARQUINHOS REIS, seu irmão, deixou o VEÍCULO ASTRA SD 2001, para conserto, solicitando que ELIANE DORNELLES, realizasse os serviços de recuperação, que ADEMAR OLIVEIRA DE AGUIAR, MARCIÉLI REIS ou MARQUINHOS REIS e o então candidato a Majoritária, PEDRO DOS SANTOS, iriam efetuar o pagamento das despesas, sem maiores explicações, mas, certamente, doaram o conserto ao proprietário do VEÍCULO HENRIQUE BARBOSA, residente e domiciliado na Rua Redentora, centro, na cidade de CAMPO NOVO-RS, visando a captação de votos.

 

Para demonstrar a alegada captação de sufrágio por meio do pagamento de serviços de oficina automecânica, os recorrentes acostaram áudio com gravação de conversa travada entre a dupla Romário e Mariza e o mecânico Eliani, que teria ocorrido na oficina do último (ID 12439433), assim transcrita na peça inicial:

ROMÁRIO: “COMEQUE” PERDERAM PRO BALACA HOME? “BALACA” ME TRAZ O AUTO... E NÃO TRAZ O DINHEIRO E EMBOLSO O DINHEIRO...

ELIANE: MAS É “HOME”... “0000000” “BALACA” VEIO NÃO É FÁCIL... ELE EMBOLSOU O DINHEIRO?

ROMÁRIO: O QUE TEM ESSE AUTO?

ELIANE: É A JUNTA DO CABEÇOTE!

ROMÁRIO: DE NOVO? ESSE CARRO ERA NOSSO. NOS VENDEMOS PRA ELE JÁ FOI MANDADO FAZER O CABEÇOTE.

ELIANE: QUEM FEZ O CABEÇOTE?

MARI: NOS VENDEMOS PRA ELE JÁ FOI MANDADO FAZER O CABEÇOTE. FOI O “GEOWANE”...

ROMÁRIO: MAS O “BALACA” TE DEU 800 ENTÃO?

ELIANE: QUE 800? “BALACA” NÃO ME DEU NADA! SEM VERGONHA...QUEM ME DEU ONTEM FOI O “PIAZINHO” DO CARRO “ALI”. ME DEU 500 PILA.

ROMÁRIO: A VÓ DELE NÉ. “O BALACA” QUE PEGOU 800 DO “AGUIAR”, MAS ONDE SE VIU?

ELIANE: SEM VERGONHA! SÓ PEGAR O CABEÇOTE.

ROMÁRIO: E O QUE FALTA NESSE AUTO? O GELSON TAVA BEM NERVOSO.

ELIANE: DAÍ EU FALEI PRO “MARQUINHO” – IRMÃO DE MARCIÉLI CANDIDATA A VICE-PREFEITO ELEITA – O ROBERTO MANDOU FALAR COM O “MARQUINHO”. O “MARQUINHO” MANDOU FALAR COM O “ROBERTO/ BALACA” QUE É SÓ PARTE ELÉTRICA

ROMÁRIO: E O “PIA” VAI VOTA COM O “AGUIAR” E NA CONFIANÇA QUE “IAM” TIRAR O AUTO DAQUI... E “ONTE” O “PIA” COMEÇOU CHORA... DAI A VÓ DELE VEIO AQUI.

ELIANE: O ROBERTO EMBOLSO DINHEIRO. DAI EU FALEI PRO “ROBERTO/ BALACA”. MAS HOME, QUEM ME TROUXE O CARRO É VOCÊ. DAI EU FALEI “MARQUINHO” – IRMÃO DA CANDIDATA A VICE-PREFEITA MARCIÉLI – MANDOU FALAR COM VOCÊ QUE O NEGÓCIO ERA CONTIGO.

ROMÁRIO: “MARQUINHO”???

ELIANE: “MARCOS REIS”!!! – IRMÃO DA CANDIDATA A VICE-PREFEITO MARCIÉLI.

ROMÁRIO: O REIS?

ELIANE: ISSO...

MARI: DAI EU FALEI COM A “MARCIÉLI REIS” ELA DISSE QUE NÃO SABIA DE NADA.

ELIANE: PSE... O MARQUINHO TAMBÉM FALOU QUE NÃO SABIA DE NADA. – FALAR COM O “ROBERTO” EU NÃO SEI DE NADA O “MARQUINHOS” DISSE... DAI EU DISSE... “MAS QUE BARBARIDADE”

ROMÁRIO: DAI O “ROBERTO” CHEGOU LA E DISSE QUE ERA 1.800... MAS PRA “EMBORSA” JÁ...

ELIANE: AQUELE “ROBERTO” É DOENTE DE SEM VERGONHA

MARI: ENTÃO NÃO ERA 1.800?...

ELIANE: É 800.

ROMÁRIO: VIU... “PEDRINHO – CANDIDATO A PREFEITO” ASSIM Ó A PESSOA TRATOU PRA VOTAR

ELIANE: CUMPRA!!! SIM

ROMÁRIO: O “AGUIAR” MANDOU. O “AGUIAR” MANDOU COM O BALACA... PORQUE O “BALACA” IA FZER CAMPNHA PRO???

ELIANE: PRO “AGUIAR”!!!

ROMÁRIO: E O “AGUIAR” MANDOU TRAZER O AUTO AQUI... PORA “BANCA” NÉ... E O COITADINHO DO PIA TROUXE...

ELIANE: “O BALACA” E ... NÓ...

ROMÁRIO: O “GURIZINHO” VOTOU PRA VOCÊS...

ELIANE: MAS PODE CHAMAR O “BALACA” AI... CHAMO DE SEM VERGONHA AI NA CARA DELE... DAI ELE DISSE... HOME FALA COM O “MARQUINHOS”... FUI LA, FALEI COM O “MARQUINHOS – IRMÃO DE MARCIÉLI CANDIDATA A VICE-PREFEITO – O “MARQUINHOS”... NÃO, NÃO SEI DE NADA...

 

Ocorre que, do teor de conversa, captada com baixa clareza em razão dos barulhos ambientais, não há nas falas de Eliani nada que indique que o conserto tenha sido pago por Balaca, a mando dos recorridos, com a intenção de comprar o voto de Henrique. Há somente falas de Romário nesse sentido, que chega a referir que o trato de compra de votos teria que ser honrado.

Com efeito, Eliani, ouvido em audiência, ao ser perguntado se confirmava que Roberto havia levado para conserto o automóvel, disse que não, que “quem levou foi o Henrique”, que Roberto “não compareceu”. Referiu que Romário ficava insistentemente lhe interrogando, e reconheceu que falou com Marcos Reis, irmão da MARCIÉLI, mas que isso ocorreu a mando de Romário. Do mesmo modo, negou que tenha dito na gravação que AGUIAR tenha dado dinheiro a Roberto e que este tenha embolsado os recursos, aduzindo que quem disse isso foi Romário, não ele, que nada sabia sobre isso (ID 44835120).

Inquirido pelo juiz, respondeu que a conversa aconteceu enquanto trabalhava, que ficavam “me atazanando, e eu lidava dos carros e vinham em cima, me atazaná, (inaudível) fazendo pergunta e pergunta e pergunta” e “no final é que fui me tocar: o que esse homem faz tanto aí? Mas aí na outra semana...” (ID 44835121) “… mas aí depois explodiu esse troço” (ID 44835122).

Ainda, os ora recorrentes juntaram outra gravação de conversa entre Henrique, proprietário do automóvel, e Romário e Mariza, ao intento de demonstrar que Balaca teria, a mando de PEDRO e AGUIAR, feito promessa de pagamento para o conserto do carro (ID 12439733).

Entretanto, Henrique Kaua Oliveira Barboza, inquirido em juízo como testemunha, negou o fato. Disse que seu carro começou a apresentar defeito, ficava falhando, e acabou se encontrando com Balaca, que é seu vizinho, que comentou que Eliani era um bom mecânico, sugerindo que levasse lá, e, uma semana depois, levou até Eliani, deixando seu veículo para ser consertado (ID 44835123).

Disse que foi Eliani quem levou o carro para sua residência. Declarou que Romário é seu tio por afinidade e que Mariza era nora dele. Contando sobre como ocorreu o áudio, disse que Mariza começou a entrar em contato, dizendo que precisava de sua ajuda, tendo sido combinado de ele ir ao centro de Santo Augusto, perto da rodoviária. Nesse local, encontrou-se com Romário e Mariza, e começaram a conversar sobre o carro. Inquirido sobre qual seria a ajuda deles, respondeu que foi de R$ 300,00. Nisso, houve intervenção da parte investigante e debate na audiência, após o que a testemunha afirmou (ID 44835124, 00:04:40):

Sabe o que ela fez comigo? Nesse áudio, já cheguemo nesse áudio, esse áudio, tudo o que eu falei foi mentira! Se eu falo pro senhor que foi tudo mentira!! Ela me induziu a dizer esse áudio! Se eu dissesse esse áudio, ela disse que iria me ajudar! E essa ajuda foi esses R$ 300,00! Daí, se eu digo pro senhor, não estou mentindo!

 

Indagado pela Promotora Eleitoral sobre as circunstâncias de ter sido induzido a falar o que disse, explicou que (ID 44835125, 00:05:30):

Henrique: Aí eu ia ajudar eles e eles iriam me ajudar. Foi isso que aconteceu. Daí, se eu falasse isso ali, tipo uma entrevista, ia ajudar muito eles! Mas nunca imaginei que..., tipo eu achei que eles só queriam… como que diz, achei que só queriam saber um questionamento, alguma coisa, mas nunca imaginei que eles iam me gravar… nunca…

Promotora Eleitoral: Não entendi… essa conversa que o senhor teve com ele, foi gravada num áudio que o senhor não sabia que tava sendo gravada, é isso?

Henrique: Não sabia. Até desconfiei, pelas perguntas que ela tava me fazendo...e pelo que ela mandou eu responder, também.

 

Afirmou a testemunha que chegou a falar isso também porque eles ficavam incomodando, “era por mensagem, era lá em Campo Novo…”, ao que foi solicitado pela Promotora a disponibilização das mensagens, tendo a testemunha se proposto a colaborar, juntando as conversas (ID 44835126, 00:00:20).

Na sequência, foi juntada ata notarial com os prints de conversa entre Henrique e Mariza, de 08.12.2020, que dão suporte ao quanto afirmado em audiência, de que foi procurado por Mariza e Romário, que precisava se encontrar com ele, mas que não poderia adiantar o assunto, por ser sigiloso, mas que era “dim dim pro teu carro” (ID 44835131).

Desse modo, inexistem nos autos quaisquer indícios da alegada conduta infracional pelos recorridos, de sorte que é impositiva a manutenção do juízo de improcedência da AIJE.

Assinalo que, neste segundo fato, também, o único elemento direto sobre o ilícito consiste na afirmação de Roberto Cruz da Silva (IDs 44835114 e 44840117).

Todavia, como anteriormente anotado, carecem de credibilidade suas afirmações, ante as contradições e a fundada suspeita de terem sido produzidas em troca de benefício econômico.

Noutro giro, anoto que, por não terem sido demonstradas as duas alegadas captações ilícitas, resta igualmente carente de comprovação a alegação de prática de abuso de poder econômico.

No ensejo, colho excerto da conclusão do magistrado a quo na bem-lançada sentença (ID 44835177):

Deveras, no caso presente, sequer há prova induvidosa acerca da existência das condutas caracterizadoras da captação ilícita de sufrágio, tampouco estão presentes circunstâncias graves que denotem o ventilado abuso de poder econômico, com aptidão para quebrar a normalidade das eleições ou a sinceridade do voto. Aliás, ainda mais frágeis mostraram-se os indícios da participação, consentimento ou anuência dos investigados em relação aos fatos arguidos, razão pela qual a improcedência da demanda é medida inarredável, nos termos já delineados no bem-lançado parecer ministerial.

 

Destarte, em face da absoluta precariedade dos elementos probatórios coligidos aos autos, que não demonstram de forma contundente a prática de captação ilícita de sufrágio ou de abuso de poder no Município de Campo Novo, por ocasião das eleições de 2020, deve ser mantido o juízo de improcedência da demanda, em linha com o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.