REl - 0600294-89.2020.6.21.0072 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/08/2023 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

 

Da Preliminar de Nulidade por Ausência de Fundamentação

Proferida a sentença, a candidata opôs embargos declaratórios, alegando a existência de omissão, no que se refere à análise do conjunto probatório produzido (ID 45025998).

Sobreveio decisão, nos seguintes termos: "Deixo de acolher os embargos, mantendo a decisão por seus fatos e fundamentos” (ID 45026003).

No apelo, a recorrente arguiu nulidade da decisão, por ausência de fundamentação.

Com efeito, a decisão exarada nos aclaratórios padece de nulidade, por ausência de mínima fundamentação, eis que deduzida com motivação genérica, passível de aplicação a qualquer caso.

Justamente para conferir efetividade ao art. 93, inc. IX, da CF/88, o art. 489, § 1º, do CPC estabelece as situações em que qualquer decisão judicial não pode ser considerada fundamentada, dentre as quais quando o julgador “invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão” (inciso III do referido dispositivo), hipótese do pronunciamento em tela.

Contudo, na esteira do parecer ministerial, não é o caso de determinar a devolução dos autos à origem, para que seja proferida nova decisão, pois a ausência de fundamentação na apreciação dos aclaratórios não inviabiliza o julgamento do mérito do recurso pelo Tribunal, uma vez que o processo está em condições de imediato julgamento, cabendo a aplicação da teoria da causa madura.

Essa, aliás, é a solução preconizada pelo art. 1.013, § 3º, inc. IV, do CPC, que dispõe:

Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

(...).

§ 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:

[...].

III - constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo;

IV - decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.

 

Nesse sentido está a jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2018. RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO FEDERAL. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, l, DA LEI COMPLEMENTAR 64/90. PROVIMENTO.

(...).

4. Apesar da omissão do Tribunal de origem, é possível o conhecimento direto da matéria em sede de recurso ordinário, tendo em vista que foi devidamente exercido o contraditório na origem e a causa está madura, nos termos do art. 1.013, § 3º, III, do Código de Processo Civil.

(...)

(Recurso Ordinário n. 060098106, Acórdão, Relator Min. Admar Gonzaga, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 27.11.2018.) (Grifei.)

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. AIME. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. PRELIMINARES. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. AUTOR DO ATO ABUSIVO E BENEFICIÁRIOS. DESNECESSIDADE. LEGITIMIDADE PASSIVA EXCLUSIVA DOS CANDIDATOS ELEITOS E DIPLOMADOS. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. INEXISTÊNCIA. ABUSO DO PODER POLÍTICO ENTRELAÇADO COM O ECONÔMICO. CONTRATAÇÃO MACIÇA DE SERVIDORES TEMPORÁRIOS NA VÉSPERA DO PERÍODO ELEITORAL. COMPROVAÇÃO. CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DELINEADO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. REEXAME. INOCORRÊNCIA. PROVA DA PARTICIPAÇÃO, CIÊNCIA OU ANUÊNCIA DOS BENEFICIÁRIOS. DESNECESSIDADE. GRAVIDADE. COMPROVAÇÃO. PROVIMENTO. CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS DOS ELEITOS.

(...)

2.2. Da ampla devolutividade do recurso eleitoral e da teoria da causa madura

10. Consoante se extrai do relatório do acórdão recorrido, no juízo de piso, a AIME ajuizada por Raimundo Nonato Dias Santos - candidato a prefeito de Pilão Arcado/BA pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) no pleito de 2016 - contra os candidatos da chapa majoritária vencedora, ora recorridos, foi extinta, sem exame do mérito (art. 485, VI, do CPC), ante a ausência de interesse processual decorrente da inadequação da via eleita, tendo em vista não integrar o escopo da ação constitucional a apuração de eventual abuso do poder político.

11. Entretanto, o fundamento da sentença primeva foi superado quando examinado o recurso eleitoral, uma vez que o TRE/BA constatou a ocorrência, nos fatos articulados na petição inicial, de abuso do poder político entrelaçado ao abuso do poder econômico, circunstância que autoriza o manejo da AIME.

12. Ainda que o juízo eleitoral não tenha adentrado no meritum causae, é incontroverso que o recurso eleitoral, de devolutividade ampla, possibilita a revisão, pela instância superior, de toda a matéria versada na decisão impugnada, a teor do que preveem os arts. 1.013 e 1.014 do CPC, aplicáveis subsidiariamente aos processos cíveis-eleitorais.

13. A suficiência da instrução probatória assentada pela Corte Regional permite, por aplicação da teoria da causa madura, a análise do mérito da AIME em sede de recurso eleitoral (art. 1.013, § 3º, do CPC).

(...)

(REspEl n 142, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE, Tomo 242, Data 17.12.2019, pp. 20-22.) (Grifei.)

 

Destarte, em que pese a nulidade verificada, deixo de comandar o retorno do processo à origem, para que seja apreciado o mérito da causa nesta instância, ante a devolutividade ampla do recurso, a suficiência da instrução probatória e a possibilidade de imediato julgamento.

 

Do Mérito

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de FABIANA SOARES PRUDÊNCIO e lhe determinou a devolução ao Tesouro Nacional de R$ 2.200,00.

As irregularidades reconhecidas na sentença envolvem gastos com verbas do FEFC, com a prestação de serviços de militância, cujos contratos e recibos foram carreados aos autos, porém os respectivos pagamentos foram reputados irregulares, um no valor de R$ 1.000,00 e dois na monta de R$ 600,00, por ausência de comprovação dos destinatários nas operações bancárias.

Os débitos registrados no extrato bancário (ID 45025974) da conta n. 394552, agência n. 8267, do Banco Itaú Unibanco S/A, pertinente à movimentação de verbas do FEFC, possuem a informação “DÉBITO CHEQUE” e “CH COMPENSADO 104”.

Com relação aos cheques n. 000002 e 000003, ambos debitados em 30.10.2020, o CPF/CNPJ da contraparte é o da própria prestadora de contas. No que se refere ao cheque n. 000008, compensado em 04.11.2020, no valor de R$ 600,00, não há identificação do beneficiário no campo “CPF/CNPJ Contraparte”

Reproduzo, abaixo, a imagem do documento bancário, extraído do sistema Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/89630/210000741213/extratos:

Data

Histórico

Operação

CPF/CNPJ Contraparte

C/D

Valor

Banco

Agência/Conta

22/10/2020

041.0783ELEICAO 2020

TRANSFERÊNCIA INTERBANCÁRIA (DOC, TED)0000229844

ELEICAO 2020 DANIELLE GOD38.634.726/0001-59

C

R$2.202,50

BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL41

Ag: 783Cc: 00000000000601372601

30/10/2020

DEBITO CHEQUE 000002

CHEQUES0000000000

38.633.413/0001-86

D

R$600,00

ITA? UNIBANCO S.A.341

Ag: 8267Cc: 00000000000000394552

30/10/2020

DEBITO CHEQUE 000003

CHEQUES0000000000

38.633.413/0001-86

D

R$1.000,00

ITA? UNIBANCO S.A.341

Ag: 8267Cc: 00000000000000394552

04/11/2020

CH COMPENSADO 104 000008

CHEQUES0000000000

00.000.000/0000-00

D

R$600,00

 

Ag: 9999Cc: 99999999999999900000

 

 

Na sentença, o magistrado a quo apontou o descumprimento do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, que exige a realização dos pagamentos por meio de cheque cruzado e nominal, tendo em vista que não houve a comprovação do CNPJ/CPF dos destinatários dos recursos públicos na operação bancária (ID 45025994):

Após a manifestação da candidata restaram ainda gastos eleitorais com recursos do FEFEC no total de R$ 2.200,00, conforme item 2.2. do parecer conclusivo, que descumpriram a previsão do Art. 38 da Resolução TSE 23.607/19, qual seja, a comprovação do CPF/CNPJ do destinatário na movimentação bancária.

Em sua manifestação o candidato alega que “informou” tais dados no sistema SPCE, caso em que não supre a exigência de “comprovação” destes dados junto aos extratos bancários ou outros comprovantes do CPF/CNPJ do destinatário. Sujeitando-se assim, à desaprovação das contas, bem como à devolução dos valores irregulares ao Tesouro Nacional, conforme previsto no Art. 79, §§ 1º e 2º, da resolução TSE 23.607/2019.

 

De seu turno, a recorrente argumenta que não se limitou a referir que as informações constavam no sistema SPCE, mas que identificou o CPF dos destinatários mediante a apresentação de contratos de prestação de serviço, recibos e relatório de despesa.

Verifica-se, entretanto, com relação aos pagamentos realizados em 30.10.2020, referentes aos cheques n. 000002 e 000003, no valor de R$ 600,00 e R$ 1.000,00, respectivamente, que a própria candidata é a beneficiária dos recursos públicos, consoante se verifica no registro do CNPJ da contraparte, no extrato bancário (ID 45025974).

Muito embora a candidata tenha encartado aos autos os instrumentos de contrato firmados com as prestadoras de serviço, os recibos de pagamento (IDs 45025987 e 45025988) e o relatório de despesa emitido pelo SPCE (ID 45025985), na hipótese concreta, tais documentos mostram-se insuficientes para demonstrar o destino dos recursos públicos.

No caso, não foram juntadas aos autos as cópias dos referidos cheques e nem houve esclarecimentos das razões que conduziram aos descontos dos títulos em favor do próprio CNPJ de campanha, quando deveriam ter sido emitidos cruzados e nominais às contratadas.

Assim, a flagrante dissonância quanto aos beneficiários dos pagamentos aliada à circunstância de inexistirem esclarecimentos pertinentes, impedem que seja afastada a irregularidade, sobretudo por ter sido o dispêndio suportado por verbas públicas, o que atrai a necessidade de recomposição ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Da mesma forma, com relação ao gasto de R$ 600,00 (cheque n. 000008), realizado em 04.11.2020, não há nos autos a cópia ou microfilmagem da cártula, o que permitiria aferir se restou preenchida nominalmente e com cruzamento ao fornecedor, como determina o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Registro que os demais documentos juntados resumem-se ao instrumento de contrato firmado entre a candidata e o prestador de serviço, o recibo de pagamento (IDs 45025986) e o relatório de despesa emitido pelo SPCE (ID 45025985), os quais se mostram insuficientes para demonstrar que o desconto bancário na conta de campanha foi efetivamente creditado em favor do contratado Moacir Cavalheiro ou, ainda, as razões que teriam impossibilitado o escorreito cumprimento da norma.

Em julgamentos envolvendo o presente tema, pontuei meu entendimento no sentido de que, não obstante o desatendimento ao art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, a ausência do cruzamento dos cheques não impediria, por si só, a comprovação dos gastos quando apresentados documentos hábeis e fidedignos, aptos a comprovar os serviços e os pagamentos realizados, com a estrita vinculação dos cheques nominativos emitidos aos correspondentes contratos, sem trazer maiores prejuízos à análise das contas.

Contudo, na situação em exame, não estão acostados os cheques emitidos e houve carência nas justificativas sobre o direcionamento dos recursos públicos manejados em campanha, impondo-se o reconhecimento da irregularidade e o ressarcimento ao erário dos respectivos valores, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

Do Julgamento das Contas

Por fim, registro que o conjunto de falhas abrange R$ 2.200,00, que representa 95,65% da arrecadação total de recursos (2.300,00), inviabilizando a aprovação das contas com ressalvas por aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença que desaprovou as contas de FABIANA SOARES PRUDÊNCIO e determinou o recolhimento de R$ 2.200,00 ao Tesouro Nacional.