REl - 0600003-12.2020.6.21.0130 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/08/2023 às 16:00

VOTO

Eminentes Colegas:

 

Da Admissibilidade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

 

Das Preliminares

Trata-se de recurso interposto pelo Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB de São José do Norte contra sentença que indeferiu o pedido de regularização das contas relativas ao exercício financeiro de 2013, que haviam sido julgadas como não prestadas, e determinou o recolhimento de R$ 7.280,00 do Tesouro Nacional (ID 45464629 e 45464636).

Para melhor compreensão, faço um breve relato da movimentação processual na primeira instância.

Consoante parecer conclusivo (ID 45464508), o requerente teve suas contas julgadas como não prestadas nos autos de n. 1403.2014.621.0130, fato que lhe acarretou, em maio de 2014, a suspensão de distribuição de recursos do Fundo Partidário (Certidão ID 45464487).

Apresentadas as contas em junho de 2020, em Requerimento de Regularização da Situação de Inadimplência de Prestação de Conta, o analista emitiu parecer conclusivo com o seguinte teor:

(…) Da análise do extrato bancário (páginas 04/14, doc ID1480806) e do demonstrativo de doações recebidas (página 17/18, doc ID1480806), foi constatada a existência de recursos de origem não identificada, no montante de R$7.280,00. Falha esta, que afeta a confiabilidade do requerimento apresentado, diante da impossibilidade de identificação da origem dos recursos financeiros recebidos pelo Partido.

 

Intimado, o partido informou que os doadores compareciam diretamente ao caixa do banco e faziam os depósitos na conta do partido, e pleiteou, então, a expedição de ofício determinando que a agência bancária prestasse as informações capazes de identificar os doadores.

Tal pedido foi indeferido ao fundamento de que “cabia ao próprio Diretório Municipal do Partido, titular da conta, gestionar junto a instituição financeira e juntar aos autos, os documentos comprobatórios da origem do recursos”.

Na sequência, cumprido o rito processual, foi prolatada sentença determinando o recolhimento da quantia de R$ 7.280,00 e INDEFERINDO o pedido de regularização, decisão contra a qual se insurgiu o recorrente.

Anoto que o rito processual aplicável à espécie está disciplinado na Resolução TSE n. 23.604/19:

Art. 58. Transitada em julgado a decisão que julgar as contas não prestadas, os órgãos partidários podem requerer a regularização da situação de inadimplência para suspender as consequências previstas no art. 47.

§ 1º O requerimento de regularização:

I - pode ser apresentado pelo próprio órgão partidário, ou pelo(s) hierarquicamente superior(es);

II - deve ser autuado na classe Regularização da omissão de prestação de contas anual partidária, consignando-se os nomes dos responsáveis, e distribuído por prevenção ao juiz ou ao relator que conduziu o processo de prestação de contas a que ele se refere;

III - deve ser instruído com todos os dados e documentos que deveriam ter sido apresentados à época da obrigação de prestar contas a que se refere o requerimento;

IV - não deve ser recebido com efeito suspensivo;

V - deve ser submetido ao exame técnico para verificação:

a) se foram apresentados todos os dados e documentos que deveriam ter sido apresentados originalmente; e

b) se há impropriedade ou irregularidade na aplicação de recursos públicos recebidos, recebimento de recursos de origem não identificada, de fonte vedada ou irregularidade que afete a confiabilidade do requerimento apresentado.

§ 2º Caso constatada impropriedade ou irregularidade na aplicação dos recursos do Fundo Partidário, do Fundo Especial de Financiamento de Campanha ou no recebimento dos recursos de que tratam os arts. 12 e 13, o órgão partidário e seus responsáveis devem ser notificados para fins de devolução ao erário, se já não houver sido demonstrada a sua realização.

§ 3º Recolhidos os valores mencionados no § 2º ou na ausência de valores a recolher, o Juiz Eleitoral ou o Tribunal, conforme o caso, deve decidir sobre o deferimento ou não do requerimento apresentado, aplicando ao órgão partidário e a seus responsáveis, quando for o caso, as sanções previstas nos arts. 48 e 50 ou aquelas aplicáveis à época das contas que se pretende regularizar, caso sejam relativas a exercícios anteriores a 2018.

§ 4º Na hipótese de a decisão prevista no parágrafo anterior impor o recolhimento de valores e/ou a aplicação de sanções, a situação de inadimplência do órgão partidário e dos seus dirigentes somente deve ser levantada após o efetivo recolhimento dos valores devidos e o cumprimento das sanções impostas na decisão prevista no § 3º.

 

Como visto, as contas partidárias apresentadas após o trânsito da decisão que as julgou como não prestadas não serão objeto de novo julgamento, sendo consideradas, tão somente, para fins de regularização da situação eleitoral e afastamento das consequências eventualmente impostas à agremiação.

De destacar que, no âmbito da regularização das contas, o exame deve se limitar à verificação da observância do regramento de regência na aplicação do Fundo Partidário e detecção do recebimento de recursos de fonte vedada ou de origem não identificada.

No caso concreto, as razões recursais resumem-se à arguição de duas preliminares de nulidade de sentença, as quais passo a analisar.

 

Da nulidade da sentença por violação ao princípio da ampla defesa e do contraditório.

Sustenta o requerente que houve violação ao princípio da ampla defesa por parte do magistrado ao indeferir o pedido do envio de ofício ao banco.

Sem razão.

A Resolução TSE n. 21.841/04, aplicável ao mérito das contas partidárias no exercício de 2013, assim disciplinava a matéria:

Art. 4º

(…)

§ 2º As doações e as contribuições de recursos financeiros devem ser efetuadas por cheque nominativo cruzado ou por crédito bancário identificado, diretamente na conta do partido político.

 

O Demonstrativo das Doações Recebidas (fls. 17/18 do ID 45464485) relaciona dezenas de depósitos efetuados em dinheiro na conta do ora recorrente, ao longo de 2013, no valor total de R$ 7.280,00.

Ou seja, o partido descumpriu a principal regra referente à arrecadação de recursos, pois os recebeu em sua conta bancária sem qualquer identificação dos depositantes, utilizou tais valores e, ao pleitear a regularização das contas, transfere ao juízo a responsabilidade de buscar a instituição bancária visando à identificação dos doadores.

Como bem acentuado na decisão recorrida, competia ao próprio partido a realização da busca desses dados. Ademais, sequer foi comprovado nos autos que o partido diligenciou nesse sentido e teve seu pedido negado pela instituição bancária.

Sobre o ponto, menciono precedente deste Tribunal:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. PRELIMINARES DE RETORNO À UNIDADE TÉCNICA PARA ANÁLISE E DE CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO ACOLHIDAS. IRREGULARIDADES NA COMPROVAÇÃO DE DESPESAS

EFETUADAS COM RECURSOS ORIUNDOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. RECEBIMENTO DE VALORES ADVINDOS DE FONTES VEDADAS E SEM IDENTIFICAÇÃO DA ORIGEM. COMPROVAÇÃO ADEQUADA DOS GASTOS DE VERBAS DO FUNDO ELEITORAL. RECOLHIMENTO DE VALORES DE FONTE DE VEDADA E DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. CONSTITUCIONALIDADE DO TERMO "AUTORIDADE". IRRETROATIVIDADE DE NOVAS DISPOSIÇÕES LEGAIS. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95. NÃO DEMONSTRADA SUFICIENTEMENTE A ORIGEM DOS APORTES RECEBIDOS. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. MONTANTE INEXPRESSIVO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas de agremiação estadual referente ao exercício financeiro 2016.

2. Preliminares afastadas.

2.1. Retorno dos autos à unidade técnica para análise de documentação. Acervo probatório passível de conhecimento e análise pelo próprio julgador, sem necessidade de novo exame técnico.

2.2. Cerceamento de defesa. Requerimento da grei para envio de ofício à entidade bancária indeferido, pois, no processo de prestação de contas, o ônus da prova incumbe ao gestor da movimentação financeira da agremiação, que deve comprovar a regular arrecadação e aplicação dos recursos, não cabendo a transferência do referido ônus à Justiça Eleitoral.3. Irregularidade na utilização do Fundo Partidário, devido à ausência de comprovantes fiscais a demonstrar as despesas pagas com aquela verba. Logrou êxito a agremiação em evidenciar, mediante a documentação apresentada com a defesa, a destinação dos valores gastos com o respectivo fundo.

(...)

(Prestação de Contas n. 4265, Acórdão, Relator Des. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 13, Data: 25.01.2021, pp. 6-7.) (Grifei.)

Alega também o recorrente que o tempo de dez anos decorrido entre o recebimento dos recursos e a tramitação do feito impossibilita-lhe a produção das provas requeridas pelo setor de análise.

Ocorre que a demora de dez anos é de responsabilidade única do prestador, que não contabilizou adequadamente os recursos recebidos, não apresentou as contas no prazo legal e, depois de ter suspenso o recebimento de verbas do Fundo Partidário em 2014, veio ajuizar o requerimento de regularização da situação de inadimplência apenas em 2020.

A legislação em vigor à época do recebimento dos recursos era clara quanto à necessidade de identificação do doador, sendo inviável atribuir a responsabilidade pela observância da norma à instituição bancária. Cabia ao partido acompanhar a movimentação bancária e oportunamente dar a correta destinação aos recursos oriundos de fonte não identificada, nos termos do art. 6º da Resolução TSE n. 21.841/04.

Colho, a propósito, trecho do bem-lançado parecer da Dra. Maria Emília Correa da Costa, Procuradora Regional Eleitoral Substituta:

A rigor, a contabilidade do partido já deveria identificar o doador dos valores.
Na ausência desta informação, a agremiação deveria, previamente ao ajuizamento da regularização das contas, obter com a instituição financeira as informações necessárias para demonstrar a origem dos recursos recebidos.

Entretanto, o que se observa é que a regularização das contas foi ajuizada sem a necessária discriminação da receita e tampouco das despesas realizadas, verificando-se a posterior pretensão de imputar ao juízo eleitoral a responsabilidade pela obtenção das informações que deveriam ter sido reunidas pela agremiação.

Logo, não há se falar em nulidade da sentença.

Com essas considerações, afasto a preliminar de nulidade da sentença por violação ao princípio da ampla defesa.

 

Da nulidade da sentença por inobservância ao disposto no art. 489, § 1º, inc. IV, do Código de Processo Civil.

Alega o recorrente nulidade da sentença por suposta ausência de enfrentamento do argumento apresentado por ocasião do pedido de envio de ofício à instituição bancária.

Igualmente sem razão.

O pedido foi indeferido em despacho assim redigido: “Indefiro o requerimento de ID 4162889, uma vez que, cabia ao próprio Diretório Municipal do Partido, titular da conta, gestionar junto a instituição financeira e juntar aos autos, os documentos comprobatórios da origem do recursos”.

Por ocasião da prolação da sentença, o juiz de primeiro grau apenas fez referência ao despacho, ou seja, a assunto já decidido. Confira-se:

(…)

No entanto, em relação aos recursos de origem não identificada, no montante de R$7.280,00, o Partido não comprovou a origem dos recursos, e nem comprovou o seu recolhimento, apenas pugnou que fosse oficiada a agência bancária, "...a fim de que a mesma traga aos autos os documentos comprobatórios da origem de todas as receitas." (ID91443487). Providência esta, outrora solicitada (ID 4162889), apreciada e indeferida (ID 90083668), visto que tal providência era competência do próprio partido.

 

Assim, como referido pela Procuradora Regional Eleitoral Substituta, “não há vício de fundamentação, senão mero inconformidade com o teor da decisão”.

Por essa razão, afasto a preliminar de nulidade da sentença por violação ao disposto no art. 489, § 1º, inc. IV, do Código de Processo Civil.

Em conclusão, e tendo em vista que o recorrente não formula razões no sentido da reforma do mérito da sentença, mas tão somente postula a reabertura da instrução probatória para que o juízo a quo determine que a instituição apresente a documentação referente às receitas recebidas do partido, o recurso deve ser desprovido.

Assim, deve ser mantida a sentença que indeferiu o pedido de regularização da situação de inadimplência do partido em relação às contas do exercício financeiro de 2013.

Saliento, outrossim, que o requerimento pode ser renovado, a qualquer tempo, bastando que o partido observe o disposto no art. 18 da Resolução TSE n. 23.604/19, e que, em relação aos recursos de origem não identificada, comprove o recolhimento da quantia de R$ 7.280,00, já determinado em sentença.

 

Dispositivo

Ante o exposto, rejeito as arguições de nulidade e voto pelo desprovimento do recurso, mantendo a decisão de primeiro grau que indeferiu o pedido de regularização da situação de inadimplência do Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB de São José do Norte.

Determino à Secretaria Judiciária que proceda ao desentranhamento da petição ID 45478859, estranha aos presentes autos, e que, conforme verificado na movimentação processual, já se encontra juntada no processo correspondente.

Baixados os autos à origem, deve o Cartório Eleitoral retificar a classe do processo, erroneamente autuado como PetCível, para REQUERIMENTO DE REGULARIZAÇÃO DE OMISSÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL (12631), como determina o inc. II do § 1º do art. 58 da Resolução TSE n. 23.604/19.

É o voto.