REl - 0600622-54.2020.6.21.0028 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/08/2023 às 16:00

VOTO

Primeiramente, marca a eleição sob exame (2020) o isolamento social devido à pandemia de coronavírus (COVID-19), impondo significativa mudança nas formas de estudo, de trabalho, de relacionamento e de atuar politicamente.

Desta forma, mesmo em uma comunidade pequena como Caseiros/RS (com 3.107 – três mil, cento e sete – eleitores aptos a votar no pleito municipal de 2020), utilizaram-se amplamente as redes sociais (tais como WhatsApp, Facebook, Instagram) como meios de campanha (e de monitoramento de preferências políticas), conforme depreende-se dos documentos acostados pela defesa de ADELAR (IDs 45239910, 45239911, 45239912, 45239913, 45239914, 45239915, 45239916, 45239917, 45239918 e 45239919 dos autos 0600622-54.2020.6.21.0028) e dos testemunhos (IDs 45239978, 45239979, 45239980, 45239975, 45239976 dos autos 0600622-54.2020.6.21.0028).

Neste contexto, passo à análise da preliminar de (i)legalidade dos áudios sob os seguintes argumentos: 1) gravação ambiental clandestina; 2) ausência de autorização judicial; 3) falta de diálogos completos.

Por primeiro, “gravação clandestina: é a praticada pelo próprio interlocutor ao registrar sua conversa (telefônica ou não), sem o conhecimento da outra parte” (CAPEZ, F. Curso de Processo Penal. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2022. E-book, p.752, grifou-se).

No presente caso, pela experiência comum de uso do WhatsApp, observa-se que Adelar Zoilo Lunelli tinha pleno conhecimento das mensagens: a) produziu áudio – gravando sua própria voz –, facultado o cancelamento nessa etapa; b) poderia ouvir (e caso o conteúdo não lhe aprouvesse, apagar) a mensagem antes do seu envio; c) enviou livre e conscientemente os áudios à testemunha Terezinha de Fátima Machado de Souza; d) deixou de utilizar o recurso de apagar a mensagem após o envio. Reforço, por oportuno, que esse procedimento se repetiu a cada mensagem encaminhada.

Aliás, observa a Procuradora Regional Eleitoral: “(...) ambos os interlocutores tinham ciência de que as conversas eram, de alguma forma, gravadas.” (ID 45398538, p.7).

Por tanto, não guarda boa-fé objetiva a alegação de clandestinidade (ou desconhecimento) de áudios gravados e transmitidos pelo próprio recorrente ADELAR. Consequentemente, inexistindo o vício de clandestinidade (repiso), não se aplicam os precedentes citados na tese defensiva sobre gravação ambiental clandestina (nem mesmo por analogia) ao presente caso (distinguishing).

Registre-se, por oportuno, ser essa a ratio decidendi do Colendo Tribunal Regional Catarinense para afastar preliminar equivalente no julgamento da AIME 060227650, conforme trecho abaixo transcrito do acórdão:

(…)

Por isso mesmo, não é possível equiparar prints de conversas no WhatsApp com a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores.

A gravação ambiental, em regra, é clandestina e oculta, previamente preparada para induzir e registrar a ocorrência de determinados diálogos.

A confiança na privacidade da conversa acaba, de certo modo, sendo quebrada por um dos interlocutores. Diferentemente, a troca de mensagens em um grupo de WhatsApp é realizada de forma deliberada e sem restrições. Os comentários e opiniões dos seus participantes são externados para determinada coletividade, formada por distintas personalidades, pelo que o interlocutor tem a exata noção – ou deveria ter – de que o teor da conversa nesse tipo de rede social pode acabar sendo tornado público. Exemplos não faltam para atestar esse risco.

(…)

(Ação de Investigação Judicial Eleitoral nº 060227650, Acórdão de TRE-SC, Relator(a) Des. JAIME RAMOS, Publicação: DJE - Diário de JE, Data 22.11.2019.)

 

De outro lado, não há constatação de técnicas (nem de participação de agente público) na produção da prova que necessite análise ou autorização judicial prévia, tais como: a) espelhamento do aparelho telefônico; b) interceptação da conversa; c) escuta autorizada; d) acesso de dados constantes em celular apreendido. Como acertadamente destacado pela Procuradoria Regional Eleitoral, “não se está a tratar de investigação criminal, ou seja, de uma apuração estatal que se sobreponha ao direito à privacidade e à intimidade de particulares, com a consequente aplicação do regramento previsto na Lei 9.296/96, mas sim de conversas, por meio de mensagens de texto e áudio e assim registradas, que estavam em poder de um dos interlocutores, no caso, vítima e também testemunha de captação ilícita de sufrágio, em prejuízo à lisura e à legitimidade das eleições” (ID 45398538, p.6, dos autos 0600622-54.2020.6.21.0028).

A propósito, neste caso, a análise dos direitos fundamentais das partes deve ser feita de forma horizontal (verificando-se a sua eficácia nas relações privadas e no contexto probatório), sopesando a proporcionalidade dos direitos da eleitora Terezinha à sua privacidade e ao seu livre exercício do voto (garantidos constitucionalmente) em desfavor de candidatura que, em período vedado (dia da eleição, 15.11.2020; art. 39, § 5º, inc. II e III, da Lei n. 9.504/97), busca o sufrágio dessa cidadã que, de forma pública e notória, possuía clara inclinação política adversa (vide testemunhas de defesa: IDs 45239978, 45239979, 45239980, 45239975, 45239976 dos autos 0600622-54.2020.6.21.0028).

Ademais, áudios enviados por aplicativo de mensagens têm sido admitidos como prova lícita, dispensada a autorização judicial para a sua coleta quando apresentada por um dos interlocutores (como no caso em tela), senão vejamos:

PROVA. LICITUDE. ÁUDIOS ENVIADOS POR WHATSAPP.

A utilização de gravação ou registro de conversa por meio telefônico por um dos participantes, ainda que sem o conhecimento do outro, é meio lícito de prova. Esse entendimento, relativo às conversas por telefone, aplica-se igualmente às novas ferramentas de comunicação, tais como as mensagens e áudios enviados por aplicativos como o WhatsApp, de forma que não há vedação ao uso do conteúdo por um dos interlocutores como prova em processo judicial.

(TRT da 3.ª Região; PJe: 0010127-04.2019.5.03.0137 (ROT); Disponibilização: 26.10.2020, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 595; Órgão Julgador: Sexta Turma; Relator(a)/Redator(a): Cesar Machado)

 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA E DO DESPACHO DE INADMISSIBILIDADE ATACADOS. AFASTAMENTO DA SUMULA 182/STJ. CRIME MILITAR. INJÚRIA E AMEAÇA. ACESSO AO CELULAR AUTORIZADO POR INTEGRANTE DE GRUPO DE WHATSAPP. PROVA LÍCITA. CONDENAÇÃO BASEADA EM OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS.

(...)

2. Os dados constantes de aparelho celular obtidos por órgão investigativo – mensagens e conversas por meio de programas ou aplicativos (WhatsApp) – somente são admitidos como prova lícita no processo penal quando há precedente mandado de busca e apreensão expedido por juiz competente ou quando há autorização voluntária de interlocutor da conversa (AgRg no HC 646.771/PR, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUINTA TURMA, julgado em 10.8.2021, DJe 13.8.2021.).

3. No caso, as conversas foram fornecidas, espontaneamente, por um dos integrantes do grupo, no qual foi divulgado o conteúdo criminoso (ameaça e injúria).

4. Ademais, a prática delitiva foi demonstrada também por outros meios de prova, robustos e independentes das mensagens de WhatsApp acessadas no celular apreendido, constando da sentença condenatória que "durante todo o procedimento o acusado reconheceu ser o autor das postagens, inexistindo qualquer questionamento sobre a veracidade dos áudios que embasam a acusação ou de sua autoria".

5. Agravo regimental provido, tão somente para afastar a incidência da Súmula 182/STJ, negando, todavia, provimento ao recurso especial.

(STJ, AgRg no AREsp n. 1910871, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 19.10.21; grifou-se)

 

Nessa esteira, fatos ilícitos (dependendo de seu modus operandi) permitem, a partir de um juízo de ponderação, decreto condenatório lastreado por testemunho único da vítima, apoiado em áudios recebidos do infrator por WhatsApp, conforme se depreende do precedente abaixo transcrito:

DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE AMEAÇA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. MATERIALIDADE E AUTORIA PRESENTES. RELEVÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA. ÁUDIOS DE WHATSAPP. DOLO COMPROVADO. DANOS MORAIS IN RE IPSA. MANUTENÇÃO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

1. Nos crimes praticados no âmbito da violência doméstica e familiar, a palavra da vítima merece especial relevo, uma vez que são cometidos comumente longe da vista de testemunhas.

2. Comprovadas a autoria e a materialidade do crime de ameaça, mormente pelas declarações da vítima na fase inquisitorial e em juízo, além de outras provas, como áudios de WhatsApp, a condenação do réu é medida que se impõe.

3. O MP formulou pedido de fixação de valor mínimo reparatório na denúncia, de modo que não há óbice para a condenação do réu à reparação dos danos morais em favor da vítima.

4. Recurso conhecido e desprovido.

(Acórdão 1677184, 07027292420218070010, Relator: WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, 3ª Turma Criminal, data de julgamento: 16.3.2023, publicado no PJe: 24.3.2023. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

 

Por conseguinte, a produção (e o envio) de áudio por WhatsApp não depende de autorização judicial (sob pena de inviabilizar a vida cotidiana), devendo os excessos (e os ilícitos) ser analisados sob luz de um juízo de ponderação no caso concreto. Dessa forma, em matéria preliminar, não podem ser afastadas de pronto gravações realizadas pelo próprio recorrente e encaminhas livre e conscientemente para a testemunha vítima de ilícito eleitoral.

De outra senda, sublinho que não há controvérsia sobre a existência, a integralidade e a autoria das falas imputadas a ADELAR, mas alegação de fato modificativo: descontextualização dos áudios em razão da ausência dos diálogos completos nos autos, faltando-lhes textos e falas da testemunha Terezinha. Alega, ainda, não poder produzir essa prova considerando o defeito no aparelho telefônico de Terezinha, apreendido nos autos (ID 45239924 dos autos 0600622-54.2020.6.21.0028).

Contudo, a despeito da impossibilidade de recuperação dos dados do celular da testemunha Terezinha (Laudos IDs 45240028; 45240069, 45240070 dos autos 0600622-54.2020.6.21.0028), refere o parecer ministerial: “(...) no caso em exame, as mensagens de texto e áudio utilizadas como prova foram reveladas por eleitora que as recebeu do réu Adelar Zoilo Lunelli, (...), utilizando-se de programa que, por padrão, mantém tais registros armazenados em ambos dispositivos, o que envia e o que recebe.” (ID 45398538, p.7).

Assim, mesmo possuindo meios adequados (cópia dos registros integrais da conversa em seu próprio celular), não se comprovou a prova do fato modificativo (ônus do réu: arts. 373, inc. II, do CPC e 156, caput, do CPP) alegado na tese defensiva (correta contextualização das mensagens). Aliás, ao ser interrogado (ID 45239994 dos autos 0600622-54.2020.6.21.0028), Adelar desconhece a razão de não ter se desincumbido desse seu ônus probatório (v.g. juntando ata notarial das conversas ora inquinadas).

Destarte, mantenho a rejeição das matérias preliminares.

No mérito, as ações foram propostas com fundamento na prática de captação ilícita de sufrágio, uma vez que desde o início de outubro de 2020 a eleitora Terezinha de Fátima Machado de Souza estaria recebendo ligações do recorrente Adelar Zoilo Lunelli, com oferta de vantagem econômica em dinheiro e ajuda de qualquer tipo para obter seu voto e de sua família em favor dos candidatos a prefeito e vice-prefeito, Léo César Tessaro e Mario João Comparim, e do candidato a vereador de Adelar Lunelli, circunstância comprovada por mensagens de WathsApp.

A sentença recorrida considerou ter sido comprovado que Adelar Zoilo Lunelli, por meio de mensagens trocadas na aplicação WhatsApp, inclusive com conteúdos de voz, captou ilicitamente o voto da eleitora Terezinha e de seus familiares, e entendeu que não haveria prova suficiente para a condenação dos demais réus, de modo que a AIJE n. 0600622-54.2020.6.21.0028 foi julgada procedente em parte para condenar o réu Adelar Zoilo Lunelli pela prática de captação ilegal de sufrágio, determinando-se a cassação do seu diploma e a fixação de multa de 1.000 UFIRs, e a AIME n. 0600001-23.2021.6.21.0028 foi julgada procedente em parte para declarar a nulidade dos votos recebidos pelo réu Adelar, com determinação do recálculo dos quocientes eleitoral e partidário.

Entendo que não merecem acolhida os recursos.

A decisão a quo, ao analisar conjuntamente a ação de impugnação de mandado eletivo e a representação por captação ilícita de sufrágio, concluiu, após extensa análise probatória (à qual se adere, evitando tautologia, como razão de decidir), não haver prova robusta carreada aos autos capaz de atribuir qualquer conduta ou anuência de Leo César Tessaro e de Mário João Comparin aos fatos narrados na exordial e na sua emenda.

No mesmo sentido, conclui a Procuradoria Regional Eleitoral: “Assim, não há provas suficientes para a condenação dos réus Leo César Tessaro e Mário João Comparin, seja por captação ilícita de sufrágio, seja por abuso de poder político e econômico.” (ID 45398538, p. 14).

Acrescento, ainda, que nenhuma prova nova se apresentou em matéria recursal.

Desta forma, inexistindo responsabilidade objetiva neste caso, a sentença deve ser mantida integralmente sob este aspecto, na forma da pacífica jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

“[...] Captação ilícita de sufrágio. Art. 41–A da Lei n. 9.504/97. Candidato a prefeito. Ausência de indícios de participação ou anuência. Responsabilidade subjetiva. Inexistência. [...]

1. A caracterização da conduta ilícita prevista no caput do art. 41–A da Lei n. 9.504/97 demanda a constatação do dolo do investigado, não sendo possível reconhecer a responsabilidade objetiva do agente para a aplicação das sanções previstas no dispositivo.

2. No caso, inexistem nos autos indícios de que o prefeito, que disputava a reeleição, teve qualquer participação ou conhecimento dos atos praticados pelos demais investigados.”

(Ac. de 30.4.2020 no REspEl nº 26407, rel. Min. Jorge Mussi, red. designado Min. Alexandre de Moraes.)

 

“[...]. 1. A caracterização da captação ilícita de sufrágio há de ser demonstrada mediante prova robusta de que o beneficiário praticou ou anuiu com prática das condutas descritas no art. 41-A da Lei n. 9.504/97. [...].”

(Ac. de 31.10.2006 no AgRgAg nº 7051, rel. Min. Caputo Bastos.)

 

Anoto, novamente, que o simples pedido de voto no dia da eleição (mesmo que por aplicativo de mensagens) já importa em ilícito criminal eleitoral (art. 39, § 5º, incs. II e III, da Lei n. 9.504/97), a teor de precedentes do colendo Tribunal Regional do Paraná, cujas ementas seguem transcritas:

ELEIÇÕES 2020. CRIME ELEITORAL. PROPAGANDA NO DIA DA ELEIÇÃO. ART. 39, § 5º, III, DA LEI 9.504/97. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO INDICAÇÃO DA URL OU CÓDIGO HASH DA PROPAGANDA. INAPLICABILIDADE DA EXIGÊNCIA À SEARA CRIMINAL. PRELIMINAR REJEITADA. CRIME DE DIVULGAÇÃO DE PROPAGANDA NO DIA DA ELEIÇÃO. ENVIO DE IMAGEM DO SANTINHO DE CAMPANHA A GRUPO DE WHATSAPP NO DIA DA ELEIÇÃO. IRRELEVÂNCIA DA INEXISTÊNCIA DE PEDIDO EXPRESSO DE VOTO. ELEMENTOS QUE INDICAM NÃO SE TRATAR DE GRUPO PRIVADO OU FECHADO. CONFIGURAÇÃO DO DELITO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM RESTRITIVA DE DIREITOS. ART. 44 DO CÓDIGO PENAL. REINCIDÊNCIA NÃO ESPECÍFICA. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS QUE INDIQUEM QUE A SUBSTITUIÇÃO NÃO É SOCIALMENTE RECOMENDÁVEL. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

1. A obrigatoriedade de indicação de código hash ou URL aplica-se exclusivamente às representações eleitorais por propaganda irregular e destina-se a possibilitar eventual remoção de conteúdo, não se estendendo o requisito à seara criminal, sujeitando-se a denúncia unicamente aos requisitos previstos no art. 41 do Código de Processo Penal.

2. O crime previsto pelo art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97 é de mera conduta e configura-se com a simples divulgação da propagada eleitoral no dia das eleições.

3. O encaminhamento de "santinho" com a fotografia, o cargo e o número de urna por meio de grupo de whatsapp, mormente quando existentes elementos que indiquem não se tratar de grupo fechado ou privado, configura divulgação de propaganda eleitoral, vedada no dia da eleição.

4. A teor do disposto no art. 44, § 3º, do Código Penal, a reincidência só obsta a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos se a condenação anterior tiver se dado em razão do mesmo crime e houver elementos que indiquem que a medida não é socialmente recomendada.

5. Recurso parcialmente provido para o fim de determinar a substituição da pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos.

(RECURSO CRIMINAL ELEITORAL nº 060000214, Acórdão de TRE/PR, Relator(a) Des. Carlos Mauricio Ferreira, Publicação: DJE - DJE, Data 04.8.2022, grifou-se)

 

ELEIÇÕES 2020. RECURSO CRIMINAL ELEITORAL. DIVULGAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL. DIA DO PLEITO. EXCLUDENTE. DOLO. ÔNUS. DEFESA. NÃO COMPROVADO. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. Configura crime eleitoral a divulgação dolosa de propaganda eleitoral no dia do pleito em grupo de Whatsapp.

2. Eventual alegação de ausência de dolo formulada pela defesa deve ser por ela demonstrada, uma vez que "a prova da alegação incumbirá a quem a fizer", nos termos do art. 156 do CPP, ônus do qual não se desincumbiu no caso concreto.

3. Recurso conhecido e provido parcialmente, apenas para excluir erro material constante da sentença.

(RECURSO CRIMINAL ELEITORAL nº 060010341, Acórdão de TRE/PR, Relator(a) Des. Thiago Paiva Dos Santos, Publicação: DJE - DJE, Tomo 289, Data 27.10.2022.)

 

Destaco, também, que, ao analisar a prova (vide testemunhos de defesa: ID 45239978, 45239979, 45239980, 45239975, 45239976 dos autos 0600622-54.2020.6.21.0028) e a tese defensiva, era de notório conhecimento público que Terezinha de Fátima Machado de Souza, no exercício livre e consciente de seu sufrágio, conforme publicações em sua rede social privada, preferia grupo político adversário de Adelar Zoilo Lunelli, vulgo Baba.

A despeito do pleno conhecimento dessa preferência política de Terezinha e da vedação legal expressa (proibição de pedido de voto e de arregimentar eleitores no dia do pleito), em 15.11.2020, a partir das 6h14min, por diversas vezes, em leitura conjunta das transcrições dos áudios nas atas notariais 205/019 e 206/019 de lavra do Tabelionato de Notas de Lagoa Vermelha/RS (respectivamente IDs 45239875 e 45239876 dos autos 0600622-54.2020.6.21.0028), Adelar (ou Baba), marca encontro em local longe de testemunhas, pelo aplicativo de mensagens WhatsApp, prometendo/ofertando a Terezinha (ou Tere), antes de ela exercer o seu sufrágio em Caseiros/RS, vantagem indevida com o fim de obter seu voto (e de seu núcleo familiar) para o candidato Leo César Tessaro (e seu vice Mário João Comparin). Dentre as mensagens de áudios de Adelar transcritas em ata notarial, destaco as seguintes passagens:

“Viu Tere, pessoal aí, vou insistir em pedir mais uma vez se não tem como vocês me darem mais uma mão para prefeito, é a mesma coisa que votar em mim, e na próxima de repente, e se o Leo ganhar eu sou candidato mais na majoritária aí, será que de repente vocês não fariam essa força por mim, nem que vocês passassem aqui em casa, de repente nós dava uma mão aí pra vocês, alguma coisa, veja ai Tere se hpa possibilidade de fazer alguma coisa por mim aí, que o que tiver do meu lado aqui, de repente eu trago aqui o prefeito e o vice-prefeito, ou mesmo eu, veja tá Tere, abraços e conto com vocês. (15.11.2020; 7h21min, ID 45239876 dos autos 0600622-54.2020.6.21.0028, grifou-se e sublinhou-se)

 

“Tere, viu faz o seguinte, me diga aí, mais ou menos o que que tu acha, pode me passar por áudio aí, que eu só escuto e tu já pode apagar, tá só me mande aí que daí eu ou você quer que eu mostre para ele, é você que manda, eu não vou fazer nada de mal pra você, veja aí que valor e me passe já, que meia hora já te passo de volta.” (15.11.2020; 7h21min, ID 45239876 dos autos 0600622-54.2020.6.21.0028, grifou-se e sublinhou-se)

 

“Jamais, jamais, jamais eu vou te deixar mal Tere, pode ficar tranquila, tu sabe que está dando uma mão pra mim, sou grato pro resto da vida por você, pode ficar tranquila, isso daqui more com nós tá, pode ficar tranquila, tranquila.” (15.11.2020; 11h56min, ID 45239875 dos autos 0600622-54.2020.6.21.0028, grifou-se e sublinhou-se)

 

“Tere quando tu chegar na Casera, não tem como tu chegar ali em casa?” (15.11.2020; 13h22min, ID 45239875 dos autos 0600622-54.2020.6.21.0028, grifou-se e sublinhou-se)

 

“Viu Tere, passa aqui em casa que nos acertamos aqui em casa tá, é o único jeito que nós se achar, desce chega aqui ninguém vai ver, aqui atrás da casa do pai, pode ser, dai me liga quando chegar ali, tá Tere”(15.11.2020; 13h23min, ID 45239875 dos autos 0600622-54.2020.6.21.0028, grifou-se e sublinhou-se)

 

“Tá votando duas vezes em mim Tere, pode ficar tranquilo, e mais se caso na hora que tu me ligar eu to na correria, caso nós não se achar bem na hora ali, mas tu sabe que o que combinado é certinho tá? Não tem erro, mas eu acho que vai dar pra mim prosear sim, vai dar certo” (15.11.2020; 13h23min, ID 45239875 dos autos 0600622-54.2020.6.21.0028, grifou-se e sublinhou-se)

 

“Quando tiver ali em casa me liga Tere ali atrás que nos descemos correndo ali tá?!” (15.11.2020; 13h38min, ID 45239875 dos autos 0600622-54.2020.6.21.0028, grifou-se e sublinhou-se)

 

Resta claro, com já destacado na sentença e no parecer ministerial, a partir dos áudios acima transcritos, a preocupação do recorrente Adelar em não haver testemunhas (“ninguém vai ver”), nem vestígios (“eu só escuto e já pode apagar”), demonstrando a plena consciência da ilicitude de seus atos.

“Nas conversas mantidas entre eles, o réu ADELAR ZOILO LUNELLI, ao referir a algo que estaria acertado ou combinado, pede para TEREZINHA DE FÁTIMA MACHADO DE SOUZA definir o valor de sua contrapartida. Vale lembrar que não foram oferecidos, pelo recorrente, esclarecimentos minimamente convincentes acerca de outra eventual finalidade para a definição de valores em questão. Ou seja, sua defesa não logrou afastar a constatação da captação ilícita de sufrágio.” (parecer Procuradoria Regional Eleitoral, p.18, ID 45397683 dos autos 0600622-54.2020.6.21.0028).

Registro, mais uma vez, que a autoria dos áudios não foi negada na tese defensiva.

Ademais, essa prova (áudios encartados na exordial) está em consonância com o testemunho de Terezinha, durante o qual descortina-se a vantagem indevida: oferta de R$ 3.000,00 (três mil reais), em duas parcelas, para alterar seu voto e de seus familiares para o cargo de prefeito em favor de Leo Tessaro (conforme atas notariais IDs 45239982, 45239983, 45239984, 45239985, 45239986, 45239987, 45239988, 45239989, 45239990 e 4523991 dos autos 0600622-54.2020.6.21.0028).

Apesar de revelar a participação de Leo Tessaro nesse encontro, as demais provas não corroboram essa conclusão, devendo ser mantida a decisão recorrida nesse ponto.

O Progressistas defende que a ordem cronológica do teor das mensagens, a foto do vice prefeito descendo do carro em frente à casa do pai de Adelar Zoilo Luneli, juntamente com as imagens de pessoas que se dirigiam até às residências de Leo Tessaro e do pai de Adelar comprovariam a participação dos candidatos majoritários nos fatos. 

Entretanto, tais circunstâncias não levam à essa conclusão de forma segura e estreme de dúvidas. A tese recursal de que o candidato a vereador Adelar Zoilo Luneli aliciava eleitores e combinava com o candidato a prefeito Leo Tessaro o valor, não passa de uma ilação, pois não constam nos autos elementos probatórios nesse sentido.

Aliás, anoto: a captação ilícita de sufrágio poderia ser comprovada apenas a partir de prova testemunhal (TRE-RS – Recurso Eleitoral n. 249-60.2012.6.21.015 5 – Procedência: Jóia/RS - Data do Julgamento: 01.8.2013 – Rel. Dr. Jorge Alberto Zugno; TRE-RS – Recurso Eleitoral n. 675-19.2012.6.21.0011 – Procedência: Tupandi/RS – Data do Julgamento: 09.7.2013 – Rel. Dr. Jorge Alberto Zugno).

Registro, também, que no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 se escuda o direito fundamental de participação política livre (protegendo a vontade do eleitor contra corrupção), na forma do entendimento consolidado pelo egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

“[...] Captação ilícita de sufrágio. Arts. 41–A da Lei nº 9.504/97 [...] Aferição. Potencialidade. Desnecessidade [...] 1. A compra de um único voto é suficiente para configurar captação ilícita de sufrágio, pois o bem jurídico tutelado pelo art. 41–A da Lei nº 9.504/97 é a livre vontade do eleitor, sendo desnecessário aferir eventual desequilíbrio da disputa [...] Cuida–se de circunstância que por si só basta para a procedência dos pedidos, independentemente do impacto na disputa [...]"

(Ac. de 26.5.2020 no AgR-REspe nº 18961, rel. Min. Jorge Mussi; red. designado Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto.)

 

“[...] 6. A compra de um único voto é suficiente para configurar captação ilícita de sufrágio, uma vez que o bem jurídico tutelado pelo art. 41-A da Lei 9.504/97 é a livre vontade do eleitor, sendo desnecessário aferir potencial lesivo dessa nefasta conduta para desequilibrar a disputa. Precedentes [...]”.

(Ac. de 23.8.2016 no REspe nº 54542, rel. Min. Luciana Lóssio, red. designado Min. Min. Herman Benjamin.)

 

Assim, configura violação grave à vontade da eleitora Terezinha a oferta (ou a promessa) de dinheiro e de outros benefícios por parte de Adelar, havendo nos autos prova suficientemente robusta para tipificar essa conduta nos ilícitos previsto nos arts. 41-A da Lei n. 9.504/97 e 14, § 10, da Constituição da República Federativa do Brasil.

Por sua vez, não se verificam elementos capazes de impor a sanção de declaração de inelegibilidade, na medida em que não é efeito imediato das ações em análise (ação de impugnação de mandado eletivo e representação por captação ilícita de sufrágio), conforme inteligência dos julgados abaixo transcritos:

“[...] Ação de impugnação de mandato eletivo. [...] Objetivo da AIME limitado à cassação de mandato. Falta de previsão normativa para a imposição da inelegibilidade por meio desse instrumento. [...]

1. A inelegibilidade, conquanto restrição ao ius honorum, não pode ser entrevista à luz da analogia ou de interpretação extensiva.

[...]

4. A ação de impugnação de mandato eletivo, cuja causa petendi veicule suposta prática de fraude, não tem o condão de atrair a pecha de inelegibilidade do art. 1º, inc. I, al. "d", cujo escopo cinge-se ao reconhecimento da prática abusiva de poder econômico ou político. [...]”

(Ac. de 16.6.2016 no REspe nº 52431, rel. Min. Luiz Fux.)

 

“[...] A cassação do registro ou do diploma em decorrência da captação ilícita de sufrágio não gera declaração de inelegibilidade [...]”.

(Ac. de 22.9.2005 no AgRgREspe no 25241, rel. Min. Humberto Gomes de Barros; no mesmo sentido o Ac. de 1o.8.2006 no AgRgREspe no 25787, rel. Min. Caputo Bastos.)

 

Quanto ao pedido de destinação dos votos anulados para legenda, de igual forma não merece acolhida, na medida em que, “(...) em eleições regidas pelo sistema proporcional, a cassação de mandato ou diploma em ação autônoma decorrente de ilícitos deve ensejar a anulação da votação recebida, tanto para o candidato como para o respectivo partido, ficando afastada a aplicação da solução de utilidade parcial plasmada no art. 175, §§ 3º e 4º, do Código Eleitoral” (RECURSO ORDINÁRIO ELEITORAL n. 060142380, Acórdão TSE, Relator Min. Edson Fachin, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 253, Data 04.12.2020.).

Fixada multa em sentença, no mínimo legal (1.000 UFIRs, art. 41-A da Lei n. 9.504/97), o valor representa R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos), consoante disposto no art. 109, caput, da Resolução TSE n. 23.610/19, devendo ser destinado ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95 e art. 44, caput, da Resolução TSE 23.709/22).

ANTE O EXPOSTO, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença de cassação do diploma e de condenação em multa de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos), restando nulos, para todos os fins, os votos atribuídos ao recorrente ADELAR ZOILO LUNELLI, devendo ser realizado o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, por força do disposto no art. 198, inc. II,  al. "b", da Resolução TSE n. 23.611/19, dispositivo que foi objeto inclusive de confirmação pelo TSE no RO 603900-65.2018.6.05.0000, Rel. Min. Sérgio Silveira Banhos, DJE de 26.11.2020.