REl - 0600334-58.2020.6.21.0044 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/08/2023 às 16:00

 

VOTO

 

O recurso é tempestivo, e presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

Preliminarmente, o prestador requer o conhecimento de documentação acostada em fase recursal, situação que na classe processual sob exame, prestação de contas, não apresenta prejuízo à tramitação do processo, mormente quando se trata de documentos simples, capazes de esclarecer as irregularidades apontadas sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. A medida visa salvaguardar, sobretudo, o interesse público na transparência da contabilidade de campanha e a celeridade processual, conforme precedentes desta Corte.

No caso, os documentos consistem, basicamente, nas cópias das microfilmagens dos cheques, permitindo analise conclusiva primo ictu oculi.

Portanto, conheço dos documentos.

No mérito, ANTÔNIO CARLOS ROSA BUENO recorre contra a sentença que desaprovou as contas do candidato ao cargo de vereador no Município de Santiago, relativas às eleições 2020, em razão de pagamento de despesa com verbas públicas e privadas, sem observância da forma prevista em lei.

A decisão hostilizada reconheceu irregularidades na emissão de cinco cheques utilizados para o pagamento de gastos eleitorais: uma das cártulas associada à conta bancária “outros recursos”, na quantia de R$ 155,60, e os outros quatro cheques, da conta destinada ao trânsito das verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, nos valores de R$ 145,00, R$ 144,40 e dois cheques de R$ 500,00, pois ausentes nos extratos bancários a identificação de seus beneficiários.

Ainda, a sentença apontou que os documentos apresentados não lograram detalhar os locais de trabalho, as horas trabalhadas, a especificação das atividades executadas e a justificativa do preço contratado.

O caso sob exame recebe disciplina na Resolução TSE n. 23.607/19, art. 38, que dispõe a respeito das modalidades admitidas para o pagamento de gastos eleitorais, e arts. 35, § 12, e 60:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

Art. 35.

§ 12. As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral das pessoas prestadoras de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado.

 

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome das candidatas ou dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação da (o) emitente e da destinatária ou do destinatário ou das(os) contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

 

Ou seja, há requisitos cumulativos, exigindo que a emissão de cheque obedeça a ambos os requisitos, nominalidade e cruzamento. E, quanto aos documentos, é impositivo que os contratos sejam detalhados e as notas fiscais dos gastos, apresentadas.

O primeiro cheque a ser considerado é o de n. 850004, único lastreado pela conta Outros Recursos, no valor de R$ 155,60, nominal à Silvana Aparecida Rodrigues de Oliveira – a qual também é beneficiária de outro cheque, emitido da conta FEFC, a ser analisado posteriormente (cheque n. 850006).

O recorrente alega que a despesa é regular, nestes termos:

- Os cheques nº 850004 no valor de R$ 155,60, e cheque n° 850006, no valor de R$ 144,40, correspondem ao recibo juntado na página 88 destes autos, no valor total de R$ 300,00, emitido por Silvana Aparecida Rodrigues de Oliveira, e ao contrato de prestação de serviços ora juntado, referente a serviços de panfletagem realizados pela emitente durante a campanha eleitoral do recorrente.

O pagamento do cheque n° 850004, no valor de R$ 155,60, foi pago pelo banco em 05 de novembro de 2020, conforme extrato de fl. 103, oportunidade em que foi feita a identificação do sacado e a colheita de sua assinatura.

Por usa vez, o pagamento do cheque n° 850006, no valor de 144,40 ocorreu 11 de novembro de 2020, conforme extrato ora juntado e cópia da cártula também juntada, que contém a identificação do sacado e a sua assinatura. Para comprovar o alegado, o recorrente junta, neste ato, o contrato de prestação de serviços firmado, extrato bancário e cópia da cártula compensada pelo banco.

As referidas cártulas, entretanto, foram descontadas no caixa da instituição financeira. Quando da realização do pagamento, foi identificado o sacador, com a notação do número de seu documento e assinada no verso do cheque (conforme cópia do cheque em anexo).

(Grifei.)

 

No extrato da conta “Outros Recursos”, disponível no DivulgaCand, verifico que o cheque em questão (85004) foi descontado em 11.11.2020, tendo a descrição da operação como “CHEQUE”, sem indicação da contraparte. Ainda, na cópia da microfilmagem do documento juntado pelo prestador, não se verifica a alegada assinatura no verso da cártula.

Portanto, sem segura comprovação do beneficiário do pagamento, mantenho a irregularidade apontada na sentença relativa ao cheque n. 850004, destacando que por se tratar de verba privada, descabe a determinação de seu recolhimento.

As irregularidades seguintes foram verificadas no âmbito das despesas realizadas com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, por meio dos cheques de números 850003, 850005, 850006 e 850007 nos valores, respectivamente, de R$ 145,00, R$ 500,00, R$ 144,40 e R$ 500,00.

No relativo ao cheque n. 850003, nominal a Cláudio Giovani da Silva e na quantia de R$ 145,00, verifico haver, ID 45054353, a microfilmagem do documento bancário, preenchido conforme as exigências legais – nominal e cruzado.

Destaco que a legislação eleitoral, ao estabelecer as formas admitidas para quitação dos gastos eleitorais, não inclui a emissão de cheque não endossável, que se consubstancia com o registro na cártula de “não à ordem”, permitindo a lícita transmissão a terceiros mediante endosso, conforme previsto no art. 17 da Lei n. 7.357/85, o qual dispõe que “o cheque pagável a pessoa nomeada, com ou sem cláusula expressa ‘’ à ordem’’, é transmissível por via de endosso.”.

Nessa senda, comprovada a emissão do cheque de forma adequada à legislação de regência, resta a falha sanada. Exemplificativamente, reproduzo ementa de julgado desta Corte Regional:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. ELEIÇÕES 2020. DESAPROVAÇÃO. OMISSÃO DE INFORMAÇÕES À JUSTIÇA ELEITORAL. AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS DE DESPESAS PAGAS COM RECURSOS DO FEFC. CONHECIMENTO DA NOVA DOCUMENTAÇÃO APRESENTADA. DEMONSTRADA A REGULARIDADE DOS PAGAMENTOS. OBSERVÂNCIA AOS TERMOS DO ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. IRREGULARIDADE SANADA. AFASTADA A ORDEM DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra a sentença que desaprovou as contas de candidato ao cargo de vereador, relativas ao pleito de 2020, em virtude de omissão de receitas e gastos eleitorais, ausência de registro integral da movimentação financeira de campanha (despesas com combustível) e falta de comprovação de despesas pagas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Determinado o recolhimento do valor equivalente ao Tesouro Nacional.

2. Conhecida a documentação apresentada com o recurso, cujo exame independe de novo parecer técnico. Precedentes desta Corte.

3. Existência de três pagamentos mediante cheque, tendo como contrapartes pessoas diversas das informadas no SPCE. Juntadas, em sede recursal, cópias dos cheques, cruzados e nominais, comprovando a realização dos pagamentos. Assim, estando presentes o contrato de prestação de serviços, o pagamento realizado por meio de cheque, nos moldes do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, e o recibo de pagamento no valor do contrato, resta afastada a irregularidade.

4. Provimento. Aprovação das contas. Afastada a determinação de recolhimento ao erário.

(RECURSO ELEITORAL nº 060040537, Acórdão, Relator(a) Des. Luis Alberto D`Azevedo Aurvalle, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 24, Data 10/02/2023)

 

Portanto, alinho-me ao parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, e afasto a irregularidade relativa ao cheque de n. 850003, no valor de R$ 145,00.

No que diz respeito aos  cheques números 850005 e 850007, sublinho que se posicionam em idêntica situação: estão preenchidos de modo nominal, respectivamente a Gean La Roque de Freitas e a Raul Campos Alves, não cruzados, sem endosso no verso e ausente a contraparte no extrato bancário.

Observo que o documento bancário indica a agência e a respectiva conta de desconto, sendo Ag: 503, Cc: 00000000130001582125, para cheque n. 850005; e Ag: 503, Cc: 00000000010002856872, para o cheque n. 850007.

Contudo, como destacado pela Procuradoria Regional Eleitoral, não há informação quanto à titularidade das contas, de modo que são irregulares os gastos quitados com os cheques de números 850005 e 850007.

O último cheque que deu azo à desaprovação das contas é a cártula de n. 850006, nominal à Silvana Aparecida Rodrigues de Oliveira, e que somente difere em relação aos dois anteriores por apresentar endosso no verso do título.

E aqui não socorre, ao recorrente, o entendimento deste Tribunal no sentido de que a despesa poderá ser considerada regular acaso (1) realizada com cheques originalmente não cruzados e posteriormente endossados, e (2) os títulos sejam efetivamente depositados nas contas bancárias dos endossatários, pois a forma utilizada no caso em tela foi a do “endosso em branco”, sem a identificação de endossatário, de modo a transformar a cártula em um título ao portador.

Nesta senda, julgado de lavra da Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PREFEITO E VICE. APLICAÇÃO IRREGULAR DE VERBAS ORIUNDAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. FALHA PARCIALMENTE SANADA. PERSISTÊNCIA DO APONTAMENTO RELATIVO A CHEQUE SACADO SEM IDENTIFICAÇÃO DO ENDOSSATÁRIO. ALTO PERCENTUAL. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas relativas às eleições de 2020 de candidatos para os cargos de prefeito e vice, impondo a ordem de recolhimento de quantias irregulares ao Tesouro Nacional.

2. Pagamento de despesas com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) sem a identificação do beneficiário. Matéria disciplinada no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Na hipótese, embora os cheques não tenham sido originalmente cruzados, foram efetivamente depositados nas contas bancárias dos endossatários, alcançando o objetivo de conferir transparência à contabilidade com o registro de cruzamento dos títulos de crédito. Em situações como esta, este Tribunal Regional Eleitoral vem decidindo que, havendo o depósito da ordem de pagamento em conta bancária de terceiro em razão de endosso do título de crédito, deve se entender que a finalidade da norma foi atingida.

3. Persistência da falha com relação ao cheque sacado sem identificação do endossatário. A ausência de depósito desse valor em conta impediu que os batimentos realizados pela Justiça Eleitoral por via do sistema bancário pudessem ser realizados em relação a esse pagamento. Os documentos que comprovam a contratação dos fornecedores – contratos, notas fiscais e recibos de pagamento – não suprem a necessidade de que o lastro do pagamento seja registrado na própria operação bancária de crédito, conforme a diretriz jurisprudencial deste Regional. Recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, consoante prevê o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

4. A irregularidade representa 11,97% do somatório das receitas auferidas para o custeio da campanha e ultrapassa o parâmetro de R$ 1.064,10 que a disciplina normativa das contas considera módico, impedindo a incidência dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade. Manutenção do juízo de reprovação das contas.

5. Parcial provimento. Redução do montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional.

(Rel 0600821-73.2020.6.21.0029,Relatora Desa. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, publicado em 28.04.2023)

 

Nesse norte, deve ser mantida a irregularidade relativa aos pagamentos realizados com os cheques n. 850004, no valor de R$ 155,60, único lastreado pela Conta Outros Recursos; e dos cheques provisionados na conta FEFC n. 850005, de R$ 500,00; n. 850006, de R$ 144,40; e n. 850007, de R$ 500,00.

Por outro lado, deve ser afastada a irregularidade reconhecida na sentença, concernente ao cheque n. 85003 (R$ 145,00), conta FEFC, resultando em uma redução do valor de recolhimento, de R$ 1.289,40 para R$ 1.144,40 (R$ 500,00 + R$ 144,40 + R$ R$ 500,00), repisando que o valor de R$ 155,60 não deve ser recolhido, por constitui verba privada.

A título de desfecho, destaco que as irregularidades atingem o patamar de R$ 1.300,00 (R$ 1.144,40 + R$ 155,60) e correspondem a 20,6% das receitas auferidas, R$ 6.309,95, encontrando-se acima do parâmetro legal de R$ 1.064,10, admitido pela jurisprudência como “balizador, para as prestações de contas de candidatos”, e “como espécie de tarifação do princípio da insignificância” (AgR–REspe 0601473–67, de relatoria do Ministro Edson Fachin, de 5.11.2019), não sendo possível a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para um juízo de aprovação com ressalvas, devendo ser mantida a desaprovação das contas.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso para reduzir o recolhimento ao Tesouro Nacional de R$ 1.289,40 para R$ 1.144,40, mantendo a desaprovação das contas.