AJDesCargEle - 0600070-71.2023.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/08/2023 às 16:00

VOTO

Senhora Presidente,

Eminentes Colegas.

Os vereadores RODRIGO RABUSKE e SÉRGIO MARQUES MORAES ingressaram com Ação Declaratória de Justa Causa para Desfiliação Partidária, visando à desfiliação dos quadros do Partido Trabalhista Brasileiro, preservando, entretanto, os mandatos para os quais foram eleitos.

A demanda tem por norte os regramentos dispostos na Lei n. 9.096/95, na Resolução TSE de n. 22.610/07 e no art. 17 da Constituição de 1988, o qual, por força da Emenda Constitucional n. 97/17, sofreu o acréscimo de parágrafos que estabeleceram importantes mudanças no regramento do direito eleitoral e partidário.

Dentre as alterações, merecem relevo a instituição da cláusula de barreira e uma hipótese inédita de justa causa para desfiliação partidária, ambas essenciais ao deslinde do feito:

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

[…]

§ 3º Somente terão direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei, os partidos políticos que alternativamente:        (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017)

I - obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% (três por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou                (Incluído pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017)

II - tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação.               (Incluído pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017)

[...]

§ 5º Ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos no § 3º deste artigo é assegurado o mandato e facultada a filiação, sem perda do mandato, a outro partido que os tenha atingido, não sendo essa filiação considerada para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e de televisão.                 (Incluído pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017)

 

Assim, no caso concreto, a ação tem por fito a aferição das teses vertidas pelos autores, as quais, visando lastrear seus pedidos de desfiliação, devem ir ao encontro do regramento contido na Resolução TSE n. 22.610/17 e no art. 17 da CF, modificado pela Emenda Constitucional n. 97/17.

Com base nas aludidas alterações, os autores ingressaram com a presente ação aduzindo, em síntese, que o partido pelo qual foram eleitos não alcançou a cláusula de barreira, requisito necessário para garantir à agremiação o acesso ao Fundo Partidário e à divulgação gratuita em rádio e televisão.

Nesse trilhar, defendem que as perdas inerentes ao não preenchimento das exigências legais plasmadas no § 3º do art. 17 da Carta Magna acarretarão prejuízos aos candidatos eleitos, especialmente diante das demais agremiações contempladas com a verba pública e visibilidade na mídia por meio de rádio e televisão.

Citado, o partido alvo das desfiliações emitiu resposta na qual defendeu pertencer à grei os mandatos conquistados, uma vez que alcançados por uma construção de todos os partidários. Informou haver regra estatutária que impõe aos filiados eleitos a renúncia do mandato em caso de desligamento do partido. Relatou a existência de processo de fusão com o PATRIOTAS no TSE, o qual, ainda que não concluído, já conta com um bloqueio de 2,5 milhões de reais oriundos do Fundo Partidário para a nova sigla. E, por fim, defendeu a intempestividade do feito, porquanto transcorrido o prazo de 30 dias disposto no inc. III do art. 22-A da Lei n. 9.096/95.

A pretensão dos autores abarcava pedido de tutela de urgência, o qual foi deferido, ocasião em que a matéria foi tratada. Assim, de forma a evitar desnecessária tautologia, colaciono trecho da decisão que bem analisa a hipótese dos trânsfugas:

 

Como se pode notar, no caso dos autos, os autores foram eleitos vereadores pelo PTB-RS, nas eleições de 2020, sendo que nas eleições de 2022 seu partido não conseguiu atingir os critérios estabelecidos pelo texto constitucional para continuar a fazer jus aos recursos do fundo partidário e ao acesso gratuito ao rádio e à televisão, como atestam as notícias trazidas na inicial, bem como se pode extrair facilmente do site do Tribunal Superior Eleitoral (https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Outubro/apenas-12-entes-politicos-receberao-recursos-do-fundo-partidario-em-2023).

Da leitura das aludidas notícias, observa-se que o PTB não atendeu às exigências do § 3º do art. 17 da Constituição Federal, ou seja, não atingiu a composição e a distribuição do percentual mínimo de votos nas eleições 2022, não elegendo bancada mínima para a Câmara dos Deputados.

Pontuada a questão, verifica-se que os fatos em evidência guardam perfeita correlação com o normativo constitucional mencionado, uma vez que seu texto é expresso e objetivo, ao prever que, ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos no § 3 º do mencionado dispositivo, é assegurado o cargo eletivo e facultada a filiação, sem perda do mandato, a outro que os tenha atingido. Essas, portanto, as únicas condições exigidas pelo texto constitucional, para se falar em justa causa para desfiliação partidária.

Cumpre registrar que o texto constitucional não impôs qualquer exigência de justificativa para reconhecer a justa causa, tampouco estabeleceu termo para que os titulares do direito nele veiculado possam ingressar em juízo, para obter seu reconhecimento.

Tal circunstância confere ao eleito o direito de avaliar qual cenário lhe parece mais favorável: manter-se na legenda ou migrar para outra agremiação que tenha atendido aos ditames de desempenho previstos no texto constitucional.

Nesse trilhar, a plausibilidade do pedido evidencia-se, ao constatar que os fatos se amoldam perfeitamente ao regramento trazido pelos §§ 3º e 5º do art. 17 da Constituição Federal.

Ademais, considero configurada a urgência que justifica a antecipação da tutela, pois a permanência dos autores na agremiação requerida lhes traz desgaste cotidiano junto ao seu eleitorado, visto que este os identifica como ligados a um partido do qual não vislumbram futuro político. E tal circunstância traz prejuízo a ambos, eleitor e parlamentar, haja vista que o primeiro é levado a um desnecessário estado de ignorância ao desconhecer a premente saída do político do partido no qual foi eleito; e, por sua vez, o segundo é relegado a um incômodo compasso de espera, impossibilitando-o de bem desenvolver a atividade política.

Desse modo, ainda que em juízo perfunctório, considero possível reconhecer a ocorrência de justa causa para desfiliação partidária dos autores, possibilitando, ato contínuo, filiarem-se a uma agremiação que tenha atingido os índices de desempenho previstos pela norma constitucional. (Grifei.)

 

A corroborar, colaciono excerto do parecer da sempre diligente Procuradoria Regional Eleitoral, o qual refuta o arrazoado pelo partido, no sentido de que a fusão ainda não se consolidou, não havendo certeza quanto à sua aprovação:

 

Por fim, o argumento de que o PTB, em vista da fusão com o PATRIOTA, em trâmite no TSE, terá cumprido os requisitos para atendimento à cláusula de barreira, tampouco merece acolhimento. O requerimento de fusão está em trâmite há vários meses e foi objeto de impugnação, não havendo certeza sobre a aprovação da pretensão dos partidos. Ademais, o pedido de desfiliação foi formulado enquanto ainda não consumada a fusão, portanto em face de uma agremiação que não atingiu a cláusula de barreira e não tem acesso ao FP e à propaganda gratuita no rádio e na TV, conforme previsto na EC nº 97/2017. A eventual aprovação futura da fusão entre os partidos não tem o condão de afetar o direito reconhecido pelo art. 17, §5º da CR/88.

 

Nestes termos, entendo preenchido o critério legal para desfiliação sob a égide da norma prescrita no art. 17 da Constituição Federal.

Em relação à suposta decadência suscitada pela grei, tenho que a pretensão não merece guarida.

Isso porque o regramento constitucional não encerra termo para a desfiliação do parlamentar.

De seu turno, o § 2º do art. 1º da Resolução TSE n. 22.610/07 corresponde ao prazo para que o partido formule requerimento, visando à manutenção do mandato para a sigla.

E na mesma linha é o entendimento do douto Procurador Regional Eleitoral:

 

A alegação de que não foi respeitado o prazo decadencial de 30 dias para a busca do reconhecimento do direito à desfiliação sem perda do mandato não pode ser acolhida, pois o texto constitucional não fixou prazo para a desfiliação do parlamentar, e a Resolução TSE nº 22.610/2007 somente o fez para os casos de ajuizamento de ação pelo partido com vistas à decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa (art. 1º, caput). Nada obstante, cumpre aferir a existência de contemporaneidade entre o pedido de desfiliação e o resultado das urnas, para que uma esfera de incerteza não permaneça indefinidamente sobre a relação entre o partido e seus filiados. No caso, considerando-se o ajuizamento da ação no início de abril de 2023, tem-se como atendido tal requisito. 

 

Nestes termos, manifesta a tempestividade da ação.

Por derradeiro, consta da manifestação do partido alusão às regras estatutárias sobre a conquista e manutenção dos mandatos.

Entretanto, a relação institucional com o parlamento, com a consequência jurídica da perda do mandato por efeito de infidelidade partidária, não pode ser objeto da disciplina estatutária de partido político, sob pena de atrair sobre o caso o manto da incerteza jurídica, na medida em que cada agremiação poderia disciplinar a matéria de forma diversa.

Dessarte, considerada a argumentação das partes, entendo confirmada a ocorrência de justa causa para desfiliação com a consequente manutenção dos mandatos alcançados pelos vereadores.

Ante o exposto, confirmo a liminar antes concedida, a fim de reconhecer a existência de justa causa para a desfiliação partidária dos vereadores RODRIGO RABUSKE e SÉRGIO MARQUES MORAES, do PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB), consubstanciada na ocorrência da hipótese prevista no § 5º do art. 17 da Constituição Federal.

É como voto, senhora Presidente.