PCE - 0602920-35.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/08/2023 às 16:00

VOTO

Trata-se de prestação de contas apresentada por RENAN BERLEZE RECCHIA, candidato não eleito ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022.

A Secretaria de Auditoria Interna (SAI) apresentou relatório apontando, inicialmente, diversas falhas na contabilidade de campanha, todas concernentes à aplicação de recursos do FEFC, no somatório de R$ 28.515,00 (ID 45383686).

Intimado a apresentar documentos e complementar dados, o candidato manteve-se silente durante todo o curso da instrução.

Assim, sobreveio parecer conclusivo, repetindo o teor do relatório anterior, com a recomendação de desaprovação das contas (ID 45398191), cujos apontamentos passo a analisar.

 

I. Da Ausência de Documentos Fiscais Comprobatórios dos Gastos

Consoante a tabela gerada pela unidade técnica, as despesas agrupadas que conteriam a inconsistência “C – Não foi apresentado documento fiscal comprovando a despesa, conforme art. 60 da Resolução TSE 23.607/2019”, são as seguintes:

A esse respeito, a Procuradoria Regional Eleitoral, em seu parecer, considerou saneadas as falhas em relação aos fornecedores CONNECTESE e FACEBOOK por meio dos documentos fiscais disponibilizados no Sistema de Divulgação de Contas (ID 45416985):

[...].

Em consulta ao divulgacand, é possível identificar parte da documentação necessária para comprovar as despesas.

Assim, a nota fiscal 42/S corresponde aos serviços prestados pela empresa Connectese, no valor de R$ 4.997,00, reputando-se comprovada a despesa.

Da mesma forma, as notas fiscais 50480518 e 50303036, emitidas pelo Facebook, atingem o valor de R$ 1.013,05, equivalente ao comprovante de pagamento de título juntado no PJE (ID 45273943), somado ao valor do pagamento registrado no extrato bancário da conta FEFC no valor de R$ 13,05, no dia 28.09.2022. Considerando que o parecer conclusivo aponta apenas a irregularidade de R$ 1.000,00 e não R$ 1.013,05, deve aquele valor ser subtraído do montante de irregularidades.

Quanto às duas despesas realizadas com Elizete Costa Vicedo, Cuca Produções, não foram identificadas as notas fiscais correspondentes aos pagamentos realizados à empresa. Embora tenha sido gasto R$ 20.500,00, apenas foram apresentadas notas no valor de R$ 4.500,00. O restante, R$ 16.500,00 não está amparado em documentação que atenda à exigência do caput do art. 60 da Resolução TSE nº 23.607/2019.

[...].

 

Com efeito, analisando-se o sistema Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, disponível na página https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RS/210001649221/nfes, observa-se a existência das seguintes notas fiscais:

  • NFSe n. 42 / S, no valor de R$ 4.997,00, emitida por LUCAS PEREIRA FIGUEIRA, CNPJ n. 34.536.832/0001-49, nome de fantasia CONNECTSE, contra o CNPJ de campanha do candidato;
  • NFSe n. 50480518, no valor de R$ 768,21, emitida por FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA., CNPJ n. 13.347.016/0001-17, contra o CNPJ de campanha do candidato; e
  • NFSe n. 50303036, no valor de R$ 244,84, emitida por FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA., CNPJ n. 13.347.016/0001-17, contra o CNPJ de campanha do candidato.

 

Desse modo, restaram evidenciados os documentos faltantes em relação aos gastos com CONNECTSE (R$ 4.997,00) e FACEBOOK (R$ 1.013,05), no total de R$ 6.010,05, montante que deve ser subtraído do valor apontado como irregular.

No entanto, quanto aos dispêndios com ELIZETE COSTA VICEDO, nome de fantasia CUCA PRODUÇÕES, CNPJ n. 24.736.110/0001-84, examinando-se os extratos bancários eletrônicos, vê-se que foram direcionados recursos no total de R$ 20.500,00 a essa pessoa jurídica, sendo comprovados os gastos de apenas R$ 4.500,00, consoante notas fiscais juntadas aos autos, nas quantias de R$ 3.000,00 (ID 45273948) e 1.500,00 (ID 45273949).

Não havendo documento fiscal comprobatório das demais despesas com essa fornecedora, no total de R$ 16.000,00, está caracterizada irregularidade por descumprimento ao art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19, devendo a importância ser ressarcida ao Tesouro Nacional, com fulcro no art. 79 do mesmo diploma normativo.

 

II. Das Falhas nos Comprovantes de Gastos com Pessoal

A partir da tabela criada pela SAI, foram reunidos os gastos abaixo, cujas inconsistências seriam referentes a atividades de militância e mobilização de rua, conforme segue:

 

O primeiro dispêndio, no dia 27.9.2022, com JOSÉ RONALDO PEDROSO, CPF n. 393.955.450-20, no valor de R$ 2.960,00, que estaria expresso pelo documento fiscal n. 092701, segundo o órgão técnico, não se encontra devidamente comprovado, pois a “documentação apresentada não possui a descrição detalhada da operação, sendo necessária a descrição qualitativa e quantitativa dos serviços prestados e ou documento adicional de forma a comprovar a prestação efetiva do serviço, em conformidade com art. 60 da Resolução TSE 23.607/2019”, ao mesmo tempo em que a documentação comprobatória “dos gastos com pessoal não apresenta a integralidade dos detalhes previstos no §12 do art. 35 da Resolução TSE 23607/2019, tais como locais de trabalho, horas trabalhadas, especificação das atividades executadas e justificativa do preço contratado”.

Dada a lacônica e genérica indicação das falhas, esquadrinhei os autos em busca dos documentos apresentados pelo candidato pertinentes ao apontamento sub examine.

Verifiquei, em relação a esse gasto, que foi apresentado unicamente o comprovante de pagamento bancário ao fornecedor dos serviços, mediante PIX, cuja chave é o número de CPF do beneficiário, no valor de R$ 2.960,00 (ID 45273946), não estando presente nos autos o contrato de prestação de serviços ou documento equivalente.

Destaco, por oportuno, que o documento bancário não contém registro de quaisquer informações adicionais atinentes ao fato gerador do pagamento, que poderiam ter sido lançadas pelo pagador no instrumento bancário, no campo próprio.

Entretanto, para a comprovação de despesas com pessoal é exigido que o documento contenha dados complementares, de modo que, a rigor, seria necessária a apresentação de contrato para o atendimento do que dispõe o art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

[...].

VII - remuneração ou gratificação de qualquer espécie paga a quem preste serviço a candidatas ou candidatos e a partidos políticos;

[...].

§ 12. As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral das pessoas prestadoras de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado.

 

Ainda que o art. 60, § 1º, da citada Resolução admita “qualquer meio idôneo de prova” dos gastos, certo é que o mero comprovante bancário de pagamento, sem informações adicionais, não basta para comprovar dispêndio com pessoal, máxime quando o pagamento é efetuado com verbas públicas.

Dessa maneira, restou configurada a irregularidade no emprego de recursos do FEFC, impondo-se a glosa da despesa, com recolhimento dos valores aos cofres públicos.

De igual modo, no que se refere a dispêndio com ENILDA F. PEDROSO para prestação de serviços vinculados a atividades de militância e mobilização de rua, no valor de R$ 1.500,00, pago no dia 23.9.2022, por meio de PIX, cujo código usado foi o CPF da prestadora dos serviços (ID 45273945), não houve também a juntada do respectivo contrato ou de documentos que lhe suprissem a ausência.

Logo, está caracterizada a irregularidade, devendo ser comandado ao candidato a restituição do montante correspondente ao erário.

Idêntico vício ocorre no que tange ao gasto com ROSIANE TORMES NUNES, no importe de R$ 408,00, quitado mediante PIX, em que a chave se identifica com o número de CPF da contratada (ID 45273942), pois não foi apresentado o contrato de prestação de serviços de militância e mobilização de rua e nem elementos subsidiários.

De seu turno, quanto ao prestador de serviços GETÚLIO FUGA, cujo instrumento contratual consta nos autos, a unidade técnica aponta que as falhas incidentes sobre o dispêndio se circunscrevem a “Local de trabalho não especificado” e “Horas trabalhadas não informadas”.

O candidato carreou ao feito contrato firmado com GETULIO FUGA para prestação de serviços na campanha eleitoral, a serem desempenhados no período de 20.8.2022 a 21.9.2022, no valor de R$ 1.650,00 (ID 45273947, fls. 1 e 2), bem como recibo de pagamento (ID 45273947, fl. 3), liquidado no dia 06.9.2022, via PIX, diretamente ao fornecedor de campanha, conforme se afere do extrato bancário juntado aos autos (ID 45273959).

Todos os documentos foram subscritos no Município de Santa Maria, também local de residência do contratado e do contratante (RRC n. 0601623-90.2022.6.21.0000).

Este Tribunal já relevou a ausência de referência expressa ao local de prestação dos serviços em contratos de militância e propaganda de rua quando havia convergência entre outros elementos presentes no contrato, não existindo motivo discrepante para se presumir que o trabalho seria realizado em cidade diversa, conforme ilustra a seguinte ementa:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. CARGO DE DEPUTADO FEDERAL. 2º SUPLENTE. GASTOS COM COMBUSTÍVEL OMITIDOS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS. CARACTERIZADO RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. FORNECEDORES SEM CNPJ NA RECEITA FEDERAL. AFASTAMENTO DA FALHA. AUSÊNCIA DE EXTRATOS BANCÁRIOS COM A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). IMPULSIONAMENTO DE CONTEÚDOS. OMISSÃO DE DOCUMENTOS FISCAIS. UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DO FEFC PARA CUSTEIO DE ATIVIDADE DE MILITÂNCIA E MOBILIZAÇÃO DE RUA. FALHA FORMAL. EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO AO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARA APURAÇÃO DE POSSÍVEL FRAUDE NO RECEBIMENTO DE VERBA PÚBLICA. DETERMINADO O RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. IRRISÓRIA REPRESENTATIVIDADE DAS FALHAS. PRECEDENTE DO TSE. APROVAÇÃO DAS CONTAS. […]. 4.3. Apontada falha na utilização de recursos do FEFC para o custeio de atividade de militância e mobilização de rua, em que os documentos de comprovação não especificariam o local de trabalho, contrariando o previsto no § 12 do art. 35 da Resolução TSE 23.607/19, além de não ter sido apresentada a justificativa do preço contratado e a descrição detalhada das atividades executadas. Entretanto, tal detalhamento é desnecessário uma vez que as tarefas designadas aos prestadores de serviço nos contratos é “atividades de DIVULGAÇÃO para a campanha Eleitoral 2022”, tendo a unidade técnica considerado que tal trabalho seria equivalente ao serviço de panfletagem. Quanto ao local da atividade, os contratos glosados referem–se aos residentes na cidade, para os quais é despicienda a especificação de onde os prestadores de serviço exerceriam suas atividades, pois o domicílio de todos os pactuantes é o mesmo, bem como o foro eleito para dirimir controvérsias, não havendo motivos para se entender que o trabalho seria realizado em outra cidade. Valor pago com recurso do FEFC, para divulgação da campanha eleitoral do candidato, de acordo com a especificidade do trabalho exercido por prestadores. No mesmo sentido, entendimento deste Tribunal. A irregularidade deve ser motivo de ressalva nas contas, uma vez que não foram trazidos aos autos os dados exigidos no § 12 do art. 35 da Resolução TSE 23.607/19. Falha meramente formal que não impõe o recolhimento do valor ao erário. […].

(TRE-RS - PCE: 06024535620226210000 PORTO ALEGRE - RS, Relator: Des. KALIN COGO RODRIGUES, Data de Julgamento: 13.12.2022, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 271, Data: 15.12.2022.) (Grifei.)

 

No mesmo sentido, cito a PCE n. 0603324-86.2022.6.21.0000, da minha relatoria, e a PCE n. 0602406-82.2022.6.21.0000, Relator Des. Eleitoral José Vinicius Andrade Jappur, ambas julgadas na sessão de 28.11.2022.

Outrossim, mediante análise do extrato bancário juntado aos autos, sob ID 45273959, afere-se que a remuneração de R$ 1.650,00 foi paga no dia 06.9.2022, via PIX, diretamente ao contratado.

O extrato bancário eletrônico, disponível no sistema DivulgaCandContas também confirma a regularidade do pagamento.

Assim, relativamente à especificação da jornada de trabalho, em que pese seja relevante e necessária sua estipulação no instrumento contratual, tenho que, nas circunstâncias presentes, sua ausência não tem o condão de conduzir à glosa da despesa, tendo em vista que a documentação apresentada pelo candidato converge para a efetiva prestação do serviço.

Além disso, o estipêndio fixado como contraprestação por um mês de trabalho é módico, estando um pouco acima de um salário-mínimo, o que mitiga a importância da especificação da carga horária para se aferir a justeza do pacto celebrado entre as partes.

Portanto, por tais razões, reputo que os apontamentos relacionados ao contrato com GETÚLIO FUGA representam impropriedades meramente formais, que não maculam a integralidade do gasto, não havendo indicativos de desvio ou malversação de recursos públicos a justificarem a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

Do Julgamento das Contas

Ultimada a análise contábil, restaram evidenciadas irregularidades concernentes à aplicação de recursos do FEFC, na quantia de R$ 20.868,00 [R$ 16.000,00 (item I) + R$ 2.960,00 (item II) + R$ 1.500,00 (item II) + R$ 408,00 (item II)], que representa 45,8% do total arrecadado (R$ 45.506,00), de modo que se impõe a desaprovação das contas e o recolhimento ao Tesouro Nacional da importância correspondente, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela desaprovação das contas de RENAN BERLEZE RECCHIA, relativas ao pleito de 2022, com esteio no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, e pela determinação do recolhimento de R$ 20.868,00 ao Tesouro Nacional, na forma do art. 79, § 1º, da mesma Resolução.