ED no(a) REl - 0601001-90.2020.6.21.0158 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/07/2023 às 14:00

VOTO

 

Senhora Presidente, eminentes Colegas.

Inicialmente, cumpre consignar que os embargos de declaração só podem ser opostos com o objetivo específico de esclarecer obscuridade ou contradição, sanar omissão ou corrigir erro material existente na decisão judicial, conforme estabelece o art. 1.022 do Código de Processo Civil, aplicado aos feitos eleitorais, por força do disposto no art. 275, caput, do Código Eleitoral.

É entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça que “a boa técnica dos embargos declaratórios visa a escoimar o relatório, os fundamentos e o acórdão de incoerências internas, capaz de ameaçarem sua inteireza” e, portanto, não é o meio adequado para a embargante “obter o reexame da matéria versada nos autos, na busca de decisão que lhe seja favorável” (STJ, EDcl no REsp 440.106/RJ, 6a Turma, Rel. Min. Celso Limongi, DJe 23.8.2010).

Passo ao exame da irresignação.

 

1. Admissibilidade

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razões pelas quais dele conheço.

 

2. Preliminares

2.1. Preliminar - Ofensa aos arts. 7º, 9º e 10 do Código de Processo Civil

Os embargantes alegam ofensa aos arts. 7º, 9º e 10 do Código de Processo Civil, pois a eles não teria sido concedida “a oportunidade de se manifestarem e se defenderem de forma prévia e adequada à nova pretensão, representada pela sanção pecuniária de multa com base no art. 73, § 4º, da Lei n. 9.504/97, até então não discutida nem alegada, em franco desrespeito à garantia da ampla defesa e do contraditório, e, especificamente ao princípio da paridade de armas”.

Sustentam que o recurso não postulava a incidência da aludida multa, razão pela qual o acórdão constituiu decisão surpresa, vedada pela lei processual.

Aduzem que a ação proposta foi uma ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), com base em abuso de poder, trazendo a conduta vedada apenas como reforço à tipificação do agir dos investigados. Por essa razão, requerem seja suprida a referida omissão, consistente na inobservância do regramento legal.

Sem razão.

Na inicial distribuída ao Juízo da 158ª Zona Eleitoral (ID 43976633) consta claramente, em letras maiúsculas negritadas, tratar-se de:

“AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL POR

ABUSO DE PODER E CONDUTA VEDADA C/C

CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO

Lei nº 9.504/97 – art. 41-A - art. 73, IV, §§10 e 11 – art. 74

LC nº 64/90 – arts. 19 e 22”

 

Somado a isso, no item IV da referida exordial assim constou, em letras maiúsculas, negritadas e sublinhadas:

“IV – DA PRÁTICA DE CONDUTA VEDADA DESCRITA NO ARTIGO 73, INCISO IV, §§ 10 E 11 E ARTIGO 74 DA LEI DAS ELEIÇÕES C/C O ART. 12 DA LCM Nº 887/2020 – BEM COMO DO ABUSO DE PODER POLÍTICO”

 

Assim, verifica-se que o pedido trazido na inicial é baseado na sanção máxima para as práticas ali trazidas, em sua totalidade, ou seja, a cassação dos registros de candidatura ou dos mandatos dos representados, bem como a inelegibilidade dos investigados para as eleições, a serem realizadas nos 8 (oito) anos seguintes àquela eleição municipal.

Por sua vez, a multa prevista no § 4º do art. 73 da Lei n. 9.504/97 constitui consectário legal pelo descumprimento das disposições trazidas no art. 73 da aludida lei. Vejamos:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(...)

§ 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR. (Grifei.)

 

Por consequência, o fato de ter sido postulada a sanção máxima, não impossibilita que seja aplicada a mínima.

Trata-se de lógica simples, consubstanciada na antiga máxima de que “in eo quod plus est semper inest et minus” (quem pode o mais, pode o menos).

Registra-se que o recurso interposto pela coligação autora pleiteou a reforma da decisão e a aplicação da pena requerida na inicial.

Por sua vez, o acórdão embargado deu parcial provimento ao apelo, deixando de acolher a pena mais grave (cassação dos registros de candidatura e declaração de inelegibilidade), mas aplicando a pena de multa, em seu grau mínimo.

Assim, o acórdão não caracteriza inovação, mas sim uma adequada ponderação na pena aplicada, fundamentada em argumentos já apresentados pelas partes, ao longo do processo.

Registro que a decisão foi proferida após o exame cuidadoso das alegações e dos pedidos das partes, bem como das provas apresentadas e a pena aplicada resultou de uma análise criteriosa dos argumentos expendidos, da legislação aplicável e da jurisprudência pertinente.

Não se pode confundir a ponderação na aplicação da pena com a criação de um novo fundamento ou causa de pedir que não tenha sido objeto de discussão pelas partes. A decisão está alicerçada em elementos já trazidos ao processo, refletindo a análise das circunstâncias específicas do caso concreto.

Ademais, é importante ressaltar que o magistrado tem a prerrogativa de interpretar e aplicar a legislação ao caso concreto, de acordo com os fatos e provas apresentados. A pena aplicada, portanto, foi resultado de uma interpretação razoável dos fatos e das normas legais pertinentes.

Portanto, conclui-se que o acórdão não incorreu em inovação, mas sim se pautou pela ponderação adequada na aplicação da pena, razão pela qual ausente qualquer ofensa às disposições trazidas nos arts. 7º, 9º e 10 do Código de Processo Civil, devendo ser afastada a prefacial suscitada.

 

2.2. Preliminar - Ausência de legitimidade do Ministério Publico Eleitoral, atuando como fiscal da ordem jurídica, para ampliar o espectro acusatório

Pelos mesmos argumentos expostos no exame da prefacial anterior, rejeito a presente preliminar, visto que não houve ampliação do espectro acusatório pelo Ministério Público Eleitoral, mas sim o pedido de aplicação de multa, em razão da prática de conduta vedada, que já havia sido requerida na inicial.

Por tal razão, não verifico ofensa ao disposto no art. 5º, incs. LIV (ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal) e LV (aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes), da Constituição Federal, bem como aos arts. 15, 490 e 492 do Código de Processo Civil.

Por tais razões, afasto também esta preliminar.

Passo ao exame do mérito.

 

3. Mérito

3.1. Da contradição

Os embargantes alegam que a conduta não teve reflexos na campanha eleitoral e que o acórdão foi contraditório visto que, “ao mesmo tempo que reconhece a ausência de qualquer impacto das publicações no período eleitoral, ou seja, da ausência de caráter eleitoreiro do programa social, aplica aos embargantes a pena de multa, por caracterização de violação ao art. 73, IV, da Lei 9.504/97”. Sustentam que o acórdão ignorou o fato de que não houve qualquer propaganda eleitoral ou qualquer ato eleitoral que tenha se valido do Cartão Social. Assim, requerem sejam acolhidos os embargos e concedidos efeitos infringentes, para o fim de “reconhecer a não incidência do art. 73, IV, da Lei 9.504/97, uma vez que esta não trouxe qualquer reflexo para o período da campanha eleitoral”.

Aqui, bem se verifica o intuito dos embargantes de postular o rejulgamento do feito.

E, nesse sentido, cabe enfatizar que a presente via processual não admite a pretendida rediscussão dos fatos e provas dos autos, não constituindo o inconformismo da parte com a decisão judicial, omissão apta a legitimar a oposição de aclaratórios.

A decisão bem analisou a prova dos autos, concluindo pela configuração da prática da conduta vedada prevista no inc. IV do art. 73 da Lei n. 9.504/97. Transcrevo trecho do acórdão originalmente grifado (ID 45496355):

2.5. Da conduta vedada prevista no inc. IV do art. 73 da Lei n. 9.504/97

Entretanto, melhor sorte não socorre os recorridos NELSON MARCHEZAN JÚNIOR e TAINÁ MOREIRA VIDAL, no que diz respeito à conduta vedada trazida no inc. IV do art. 73 da Lei n. 9.504/97, consistente no “uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados e subvencionados pelo Poder Público”.

Explico.

Embora os testemunhos indiquem que o então Prefeito NELSON MARCHEZAN JÚNIOR nunca tenha se referido à campanha ou às eleições em eventos oficiais da prefeitura, todos também afirmaram que o ato solene de abertura do programa do cartão social contou com a presença do mandatário. Naquela ocasião, foram simbolicamente entregues os cartões sociais a, aproximadamente, duas ou três famílias que eram elegíveis para recebê-los.

Essa efetiva entrega dos benefícios durante o evento é corroborada pela evidência documental presente nos autos, especialmente aquela mencionada na petição inicial (págs. 52-57 e 63-54), que apresenta publicações da primeira-dama, em seu perfil pessoal no Instagram, datadas de 14.08.2020, nas quais ela aparece segurando o cartão social e, ao lado do seu marido, o representado NELSON MARCHEZAN JÚNIOR, fazendo a entrega a duas beneficiárias.

Assim, constatou-se que o referido ato consistiu não apenas em representação simbólica, mas também em entrega concreta do benefício social do município, diretamente realizada pelo prefeito. Essa ação configura, portanto, parte da descrição típica estabelecida no mencionado inc. IV.

Quanto à utilização promocional do ato, verifica-se, mais uma vez a partir das publicações feitas pela primeira-dama, em sua rede social, que não se limitam apenas a fotografias desta com o cartão social e dos funcionários da Secretaria ou da FASC realizando a entrega aos beneficiários, mas também incluem reproduções do próprio prefeito entregando os cartões, com evidente intuito de beneficiar sua imagem e conquistar o apoio das pessoas que são mais engajadas em causas sociais e seguiam a primeira-dama nessas redes.

Essas fotografias afastam a natureza meramente informativa das postagens, pois estabelecem uma associação entre a imagem do prefeito e o benefício, associação essa que é reforçada nos comentários abaixo da foto, conforme destacado:

“Bom diaaa com mais esta entrega muito especial @nelsonmarchezanoficial! Ontem começamos a entrega dos primeiros cartões sociais do Programa Municipal Temporário de Transferência de Renda. Nesse momento de pandemia, a prefeitura vai viabilizar o cartão para que as famílias possam comprar alimentos, insumos de limpeza e higiene. Será um repasse de recurso para as pessoas que têm renda familiar per capita menor que meio salário mínimo, que não têm acesso ao Bolsa Família ou a recursos do governo federal”. (Grifei.)

Além disso, não se trata apenas da forma de divulgação, mas também do contexto em que ocorreu, o que reforça a intenção promocional do ato de entrega. Isso se deve ao fato de que a Lei Complementar Municipal n. 887/20, em sua versão final aprovada pela Câmara dos Vereadores e encaminhada ao prefeito, incluía o art. 12, cujo teor era o seguinte (ID 43977633):

“Art. 12. É vedado o atendimento ao público, a entrega física do cartão do benefício ou qualquer ato que concretize a concessão do auxílio emergencial de que trata esta Lei Complementar aos seus beneficiários por qualquer exercente de cargo em comissão da Prefeitura Municipal, bem como por agentes políticos eleitos, devendo tais atos ser procedidos por servidores efetivos ou aqueles contratados emergencialmente pela FASC. (Derrubada de veto do Prefeito pela Câmara Municipal em 15/09/2020)”

Ao analisarmos o processo de tramitação do projeto de lei pertinente, na Câmara Municipal (ID 43978933), observa-se que, embora o projeto original tenha sido alterado com a aprovação de sete emendas, somente esse dispositivo em específico recebeu o veto por parte do prefeito. O veto ocorreu sob a vaga alegação de violação à competência do Chefe do Executivo Municipal, no que diz respeito à iniciativa de projetos de lei relacionados à organização administrativa (fls. 130-133 – ID 43978933).

Assim, o veto, embora tenha sido exercido dentro das prerrogativas do mandatário, e tenha impedido a aplicação do dispositivo vetado até sua revogação, em 15.09.2020, revela – no contexto da legislação eleitoral – uma clara intenção de permitir a realização de entrega de benefícios por parte de agentes políticos, incluindo o próprio prefeito, visando promover sua imagem associada a tais benefícios.

Portanto, tenho que o fato se enquadra na vedação trazida no inc. IV do art. 73 da Lei n. 9.504/97.

 

Somado a isso, cabe ressaltar que não há contradição no fato de tal conduta ter sido enquadrada como conduta vedada, sujeita à aplicação de multa, mas não ter sido considerada como abuso de poder político.

Ademais, o trecho do acórdão apontado pelos embargantes como contraditório, nada mais diz que a concepção do programa de auxílio emergencial promovido pela prefeitura não teve caráter eleitoreiro. Transcrevo o excerto do acórdão com grifos meus (ID 45496355):

É importante registrar que a diferença de votos mencionada fragilizaria até mesmo a alegação de possível abuso de poder político, caso fosse reconhecido o caráter eleitoreiro – afastado, conforme mencionado anteriormente – de toda a concepção do programa de auxílio emergencial promovido pela Prefeitura. Conforme notícias colacionadas na própria petição inicial (fls. 26 e 36), o programa tinha como objetivo atender a 6,4 mil famílias. No entanto, mesmo considerando esse número projetado para o total de membros de um núcleo familiar regular, não seria suficiente para alterar a posição do candidato, não possuindo, portanto, capacidade de comprometer a normalidade e legitimidade da eleição.

 

Portanto, o programa social não teve caráter eleitoreiro, mas a entrega simbólica dos cartões a beneficiários, sim.

Desse modo, inexiste contradição no acórdão, devendo ser rejeitados os embargos quanto a este ponto.

 

3.2. Da omissão

Por fim, os embargantes apontam omissão do acórdão, quanto ao fato de que “as publicações em número de duas ocorreram em perfil pessoal da embargante e ex-primeira-dama, antes do período eleitoral”.

Referem outras decisões deste Regional e do egrégio Tribunal Superior Eleitoral nas quais resta reconhecida a legalidade de publicações em perfil pessoal de redes sociais exaltando a prática de atos de governo, sobretudo no caso da primeira-dama, que sequer era candidata.

Neste ponto, nítido, de igual modo, o intuito dos embargantes de rediscutir o feito.

Deixo de transcrever novamente, pois já colacionado no item anterior, o trecho do acórdão que bem analisou e decidiu o ponto em questão.

Registro que decisões em sentido diverso compreendida no acórdão, tanto deste Regional quanto do Tribunal Superior Eleitoral, não constituem fundamento para o acolhimento de embargos de declaração.

Nota-se, portanto, que a insurgência dos embargantes se volta às conclusões alcançadas por este Regional a partir do exame de todos os elementos essenciais ao deslinde da controvérsia, devendo, assim, ser veiculada em recurso próprio, dirigido à superior instância.

Desse modo, diante da ausência de qualquer omissão, obscuridade, contradição ou erro material no acórdão, deixo de acolher a pretensão recursal.

 

Ante o exposto, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração opostos por NELSON MARCHEZAN JUNIOR e TAINÁ MOREIRA VIDAL, nos termos da fundamentação.

É como voto, senhora Presidente.