PCE - 0602634-57.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/07/2023 às 14:00

VOTO

A Secretaria de Auditoria Interna (SAI), examinando a contabilidade, vislumbrou a existência de duas falhas: a) extrapolação, com aluguel de veículos, do limite de 20% do total dos gastos de campanha contratados, infringindo o que dispõe o art. 42, II, da Resolução TSE n. 23.607/19; b) existência de contas bancárias não registradas na prestação de contas (ID 45496972).

Passo à análise das inconsistências.

O parecer conclusivo apontou (ID 45496972):

[…]

Com base nos procedimentos técnicos de exame e na análise dos extratos bancários eletrônicos, disponibilizados pelo TSE, assim como na documentação apresentada nesta prestação de contas, foram constatadas as seguintes impropriedades no Relatório de Exame de Contas.

1.1 As despesas com aluguel de veículos automotores, num total de R$ 8.800,00,extrapolaram o limite de 20% do total dos gastos de campanha contratados, num total de R$ 39.990,00, em R$ 802,00, infringindo o que dispõe o art. 42, II, da Resolução TSE nº 23.607/2019.

1.2 Há contas bancárias na base de dados dos extratos eletrônicos não registradas na prestação de contas em exame, caracterizando omissão na prestação de informações à Justiça Eleitoral relativas ao registro integral da movimentação financeira de campanha, infringindo o art. 53, II, alínea "a", da Resolução TSE nº 23.607/2019:

Dando continuidade ao exame, o órgão técnico concluiu no seguinte sentido:

1) Impropriedades – Observaram-se impropriedades nos itens 1.1 e 1.2 deste Parecer Conclusivo. As falhas não prejudicaram a verificação da origem das receitas e a destinação das despesas, uma vez que a análise financeira dos extratos bancários eletrônicos, disponibilizados pelo TSE, revelou informações necessárias para a aplicação dos procedimentos técnicos de exame; todavia, referente ao item 1.1 deste Parecer Conclusivo, consigna-se que as despesas com aluguel de veículos automotores extrapolaram em R$ 802,00, o limite de 20% do total dos gastos de campanha de R$ 39.990,00, infringindo o que dispõe o art. 42, II, da Resolução TSE nº 23.607/2019.

Finalizada a análise técnica das contas, as impropriedades descritas afetaram a transparência e conformidade com o disposto na Resolução TSE 23.607/2019, contudo, após a prestação de contas final, foi possível a identificação das receitas e comprovação das despesas conforme os extratos bancários eletrônicos disponibilizados pelo TSE.

Assim, como resultado deste Parecer Conclusivo, recomenda-se a aprovação das contas, em observância ao art. 72 da Resolução TSE 23.607/2019.

 

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se no seguinte sentido (ID 45498687):

Contrariamente ao entendimento firmado no parecer técnico, a extrapolação do limite de gastos com a locação de veículos para utilização na campanha, em inobservância ao teto de 20% estabelecido no art. 42, II, da Resolução TSE nº 23.607/20192, configura aplicação irregular de verba pública (no caso foram utilizados recursos do FEFC para pagamento dessas despesas), ensejando o recolhimento da quantia excedida ao Tesouro Nacional, na forma estipulada no art. 79, § 1º, da Resolução TSE nº 23.607/19, conforme jurisprudência consolidada dessa egrégia Corte Regional Eleitoral (TRE/RS – Recurso Eleitoral nº 0600678-77.2020.6.21.0096 - Relator(a) Des. FRANCISCO JOSÉ MOESCH – Data: 24/01/2022).

Desse modo, forçoso concluir como irregular o valor excedente de R$ 802,00.

Contudo, considerando que a irregularidade apontada representa 1,74% do montante recebido pela campanha (R$ 45.938,12), possível a aprovação das contas com ressalvas em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, permanecendo, contudo, o dever de recolhimento ao erário dos recursos utilizados irregularmente pelo(a) candidato(a), nos termos da jurisprudência pacífica dessa e. Corte e do TSE.

 

Com razão à douta Procuradoria Regional Eleitoral.

Em relação à extrapolação do limite de gastos, a matéria está disciplinada na Lei n. 9.504/97, art. 26, § 1º, inc. II, e na Resolução TSE n. 23.607/19, art. 42, inc. II, verbis:

Lei n. 9.504/97

Art. 26. São considerados gastos eleitorais, sujeitos a registro e aos limites fixados nesta Lei:

§ 1º São estabelecidos os seguintes limites com relação ao total do gasto da campanha:

(...)

II - aluguel de veículos automotores: 20% (vinte por cento).

…………………………………...

Resolução TSE n. 23.607/19

Art. 42. São estabelecidos os seguintes limites em relação ao total dos gastos de campanha contratados (Lei nº 9.504/1997, art. 26, § 1º):

(...)

II - aluguel de veículos automotores: 20% (vinte por cento).

 

Desse modo, resta nítido que os dispêndios com locação de veículos ficam limitados a 20% do total dos gastos eleitorais, sob pena de ser caracterizada irregularidade atinente à aplicação dos recursos de campanha.

No caso, os gastos contratados pela candidata totalizaram R$ 39.990,00, de modo que poderia ter sido despendido com aluguel de automóveis o valor máximo de R$ 7.998,00. Na medida em que foram gastos R$ 8.8800,00, houve a extrapolação de R$ 802,00.

Assim, configurada a irregularidade, que tem potencial para conduzir à desaprovação das contas, na linha do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO ESTADUAL. IRREGULARIDADES. APRESENTAÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS. AUSÊNCIA. GRAVIDADE. DESPESA COM ALUGUEL DE VEÍCULOS. LIMITE LEGAL. EXTRAPOLAÇÃO. ART. 45, II, DA RES.–TSE Nº 23.553/2017. PREJUÍZO À CONFIABILIDADE DAS CONTAS. DESAPROVAÇÃO. PRECEDENTES. SÚMULA Nº 30/TSE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO COMPROVAÇÃO. SÚMULA Nº 28/TSE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 24/TSE. DESPROVIMENTO.

(...)

2. No mesmo sentido, a extrapolação dos limites previstos para gastos com aluguel de veículo atrai a desaprovação das contas, sendo afastada tão somente nos casos em que ausente má–fé do candidato e representarem valores absolutos módicos.

(...)

(Recurso Especial Eleitoral n. 060192972, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE, Tomo 72, Data 15.4.2020). (Grifo nosso)

 

E, como foram utilizados recursos do FEFC para pagamento das despesas com aluguel de automóveis, resta configurada a aplicação irregular de verba pública, ensejando o recolhimento da quantia malversada ao Tesouro Nacional, como disposto no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, litteris:

Art. 79.(...)

§ 1º Verificada a ausência de comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou a sua utilização indevida, a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado, sob pena de remessa dos autos à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União, para fins de cobrança. (Grifo nosso)

 

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral encontra-se consolidada no sentido de que é imperativo o ressarcimento ao erário quando houver uso indevido de verbas públicas:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. CONTAS DE CAMPANHA. VALOR PERCENTUAL PEQUENO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

DEVOLUÇÃO AO ERÁRIO. ART. 82, § 1º, DA RES.–TSE 23.553/2017. NEGATIVA DE PROVIMENTO.

1. No decisum agravado, proveu–se em parte o recurso especial interposto por candidata não eleita ao cargo de deputado estadual em 2018 para aprovar com ressalvas suas contas de campanha, porém mantendo–se a determinação do retorno de R$ 1.500,00 ao Tesouro Nacional, o que ensejou agravo pelo Parquet.

2. A aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade em processo de contas condiciona–se a três requisitos cumulativos: a) falhas que não comprometam a higidez do balanço; b) percentual ou valor não expressivo do total irregular; c) ausência de má–fé. Precedentes.

3. Na espécie, segundo o TRE/SE, embora inexista comprovação da titularidade de veículo alugado com recursos públicos, a falha incide sobre apenas 0,5% dos recursos arrecadados, sem indício de má–fé por parte da candidata.

4. Nesse contexto, impõe–se aprovar o ajuste contábil, na linha da jurisprudência desta Corte Superior, mantendo-se a devolução ao erário, pois não se demonstrou o correto uso de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), nos termos do art. 82, § 1º, da Res.–TSE 23.553/2017.

5. Agravo interno a que se nega provimento.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 060126119, Acórdão, Relator Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 62, Data: 08.4.2021.) (Grifo nosso)

 

Impõe-se, pois, a restituição ao erário do montante de R$ 802,00.

No que diz respeito ao segundo apontamento, existência de contas bancárias não registradas na prestação de contas (ID 45496972), é de se reconhecer sanada a falha, pois em consulta ao SPCE extratos bancários foi possível verificar que a conta bancária foi aberta e encerrada na mesma data, 17.8.2022, sem qualquer movimentação financeira, informação alinhada com os fundamentos da defesa (ID 45494821).

Em conclusão, as irregularidades alcançam a quantia de R$ 802,00, que representa 1,74% do montante recebido pela candidata (R$ 45.938,12), de maneira a viabilizar a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovação das contas com ressalvas, em linha com o parecer ministerial.

Ante o exposto, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas de LUCIENNE FERNANDES DOS REIS, candidata ao cargo de deputada federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas Eleições Gerais de 2022, e pela determinação do recolhimento de R$ 802,00 ao Tesouro Nacional.