REl - 0600789-59.2020.6.21.0032 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/07/2023 às 14:00

VOTO

Inicialmente, analiso as preliminares: a) contradição na procedência da AIJE e, ao mesmo tempo, na constatação de ausência de abuso de poder político e/ou econômico; e b) prolação de decisão surpresa sobre a inexistência de causa superveniente ao registro de candidatura (gravidez de risco) de TAÍSA DO NASCIMENTO PADILHA, justificante do abandono da sua campanha.

a) Contradição da sentença ao julgar procedente a AIJE

Primeiramente, não há contradição na sentença.

Os recorrentes alegam que o fundamento utilizado para a cassação dos mandatos é a fraude, que essa está expressamente prevista como causa de cassação em AIME e que, apesar de terem sido opostos embargos de declaração, não foi sanada a contradição da sentença, pois ao mesmo tempo em que o juízo reconheceu inexistir abuso de poder econômico e/ou de autoridade, que são os fundamentos para a propositura de uma AIJE, deixou de dar o desfecho necessário à AIJE, no sentido da improcedência de seus pedidos.

Nesse sentido, VELLOSO et al informa que do gênero “abuso de poder” provêm as espécies: “abuso de poder econômico”, “abuso de poder político”, “captação ilícita de sufrágio”, “ilicitude de gastos e arrecadação de recursos”, “corrupção e caixa dois” e “fraude à cota de gênero de candidaturas femininas”(VELLOSO, C. M. D. S.; AGRA, W. D. M. Elementos de Direito Eleitoral. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2023. E-book. p. 686-722). “A rigor, a fraude nada mais é do que espécie do gênero abuso de poder” (REspe 631–84, rel. Min. Luiz Fux, DJE de 5.10.2016).

Assim, “o Tribunal Superior Eleitoral firmou o entendimento, em recente julgado, de que é possível a apuração de fraude em Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), por constituir tipo de abuso de poder, cujas consequências são a cassação dos mandatos dos eleitos e dos diplomas dos suplentes e não eleitos e a declaração de inelegibilidade dos diretamente envolvidos na fraude (REspe nº 193–92/PI, Rel. Min. Jorge Mussi, julgamento encerrado em 17.9.2019)” (REspe 747–89, rel. Min. Edson Fachin, DJE 13.8.2020). (Grifou-se.)

Portanto, apresenta-se na sentença distinção técnica sobre espécie de abuso de poder, sendo fundamento suficiente para o processamento e para o julgamento da ação de investigação judicial eleitoral a verificação de fraude ao § 3º do art. 10 da Lei n. 9.504/97:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. FRAUDE. PERCENTUAIS DE GÊNERO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO.

(...)

4. É possível verificar, por meio da ação de investigação judicial eleitoral, se o partido político efetivamente respeita a normalidade das eleições prevista no ordenamento jurídico - tanto no momento do registro como no curso das campanhas eleitorais, no que tange à efetiva observância da regra prevista no art. 10, § 3º, da Lei das Eleições - ou se há o lançamento de candidaturas apenas para que se preencha, em fraude à lei, o número mínimo de vagas previsto para cada gênero, sem o efetivo desenvolvimento das candidaturas.

(...)

Recurso especial parcialmente provido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 24342, Acórdão de 16/08/2016, Relator(a) Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 196, Data 11/10/2016, Página 65-66.) 

(Grifou-se.)

 

As cotas de gênero são um mecanismo de política afirmativa com o fim de promover a participação feminina na política, a qual tem encontrado resistência desde quando foi positivada. Tem-se observado indícios de que os partidos se limitam a lançar candidatas de forma fraudulenta apenas para viabilizar outras, do sexo masculino.

Tal postura tem sido combatida pela doutrina e encontra eco na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a qual admite o ajuizamento de ação de investigação judicial eleitoral para apurar fraude às cotas de gênero.

Dessa forma, os fatos alegados pelos autores, fraude no preenchimento do número mínimo de vagas, são perfeitamente passíveis de serem apurados em investigação judicial eleitoral.

Ademais, a inicial é acompanhada de indícios da verossimilhança da alegação, pois a candidata não recebeu votos, nem mesmo o seu, e realizou inexpressivos gastos na campanha.

Por conseguinte, existindo fundamento válido (fraude à cota de gênero de candidaturas femininas) para a procedência da AIJE distinto (e independente) da constatação de abuso de poder político e/ou econômico, falacioso se constitui o argumento de contradição da sentença, impondo-se a rejeição desta preliminar.

b) Prolação de decisão surpresa

A prefacial da ocorrência de decisão surpresa quanto ao raciocínio exposto pelo julgador nas razões de decidir, ao utilizar como um dos fundamentos para a procedência das ações a conclusão de inocorrência de gravidez de risco, comporta rejeição, pois houve debate acerca da questão pelas partes litigantes, inclusive com a juntada de documentos (IDs 44989898, 44989899 e 44989900 da AIJE n. 0600779-15.2020.6.21.0032), não estando a conclusão do juízo a quo vinculada às pretensões apresentadas pelas partes.

A alegação de contradição e de surpresa caracteriza mera insurgência quanto ao julgamento que foi desfavorável aos recorrentes, a qual foi muito bem afastada pela decisão do ID 44989984 da AIJE n. 0600779-15.2020.6.21.0032, que rejeitou os embargos nesse ponto, cujas razões transcrevo: “Quanto à decisão surpresa e o suposto fato incontroverso, não há qualquer surpresa, pois o principal argumento utilizado pela Defesa fora a gravidez de risco, inclusive apresentando provas para apontar o risco mencionado. Caso se tratasse de fato incontroverso, não haveria necessidade do debate”.

Assim, rejeito a prefacial de decisão surpresa.

Uma vez precluso o direito de produção probatória, obsta-se recepção de documentos novos sobre esse fato na fase recursal.

Nessa linha, observo que os recorrentes juntaram novos documentos ao recurso sob o fundamento de terem sido surpreendidos pelo juízo a quo, mas ressalto que a juntada intempestiva, em grau recursal, é inadmissível fora das hipóteses do art. 435, parágrafo único, do CPC, segundo o qual o procedimento é cabível apenas para os documentos “que se tornaram conhecidos, acessíveis ou disponíveis” em momento posterior, mediante comprovação do motivo de impedimento da juntada na fase oportuna.

No caso dos autos, durante toda a instrução processual houve extenso debate sobre o estado de gravidez da candidata, e apenas no recurso, quando já proferida a sentença, os recorrentes juntaram aos autos documentação que era manifestamente acessível quando da tramitação em primeiro grau: declaração de enfermeira e declaração médica, manual técnico de gestação de alto risco, cadernos de atenção básica pré-natal I e II.

Desse modo, não conheço da documentação juntada ao recurso por estar fora da hipótese de exceção prevista no art. 435, parágrafo único, do CPC e não ter sido submetida à apreciação do primeiro grau de jurisdição.

Passo à análise do mérito.

De início, consigno que o Parquet ajuizou duas ações eleitorais referentes ao mesmo fato (Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME e Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIJE), qual seja, fraude à cota de gênero, e encontram-se unidas para julgamento conjunto nos termos do art. 96-B da Lei n. 9.504/97. No caso, as duas demandas (AIME e AIJE) visam tutelar o mesmo bem jurídico: a normalidade e a legitimidade do pleito (ZILIO, Rodrigo López. Direito eleitoral. 8. ed. São Paulo: Juspodivm, 2022, p. 693).

As ações foram propostas sob a alegação de que a candidatura de Taísa do Nascimento Padilha ao cargo de vereadora pelo PSL de Palmeira das Missões, classificada como suplente, teria sido postulada de forma fictícia e com a finalidade exclusiva de cumprir o percentual de 30% (art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97) de preenchimento de candidatas femininas na eleição proporcional (candidatura laranja).

Segundo a narrativa ministerial, Taísa não possui experiência política e de liderança comunitária, enfrentava gravidez de risco, com indicação médica de repouso domiciliar, e apenas anuiu com a inserção de seu nome no quadro de candidatos a vereador do PSL, sem qualquer interesse e condições de realizar campanha eleitoral, razão pela qual sequer compareceu à convenção para escolha de candidatos realizada em 12.9.2020.

A formalização fraudulenta da candidatura teria sido realizada com base no Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP), assinado pelo Presidente do PSL de Palmeira das Missões e também candidato a vereador Clóvis Brizola Bueno, o qual restou eleito, tendo sido apurado que a filha de Clóvis, Diéssica Michelini Sanches Bueno, secretária do PSL, auxiliou na formalização do requerimento de registro da candidatura de Taísa ao cargo de vereadora, tendo posteriormente renunciado.

O Ministério Público Eleitoral apontou que a votação de Taísa foi zerada e que sua arrecadação e gasto eleitoral total foi de apenas R$ 100,00. Além disso, a candidata não criou página na internet ou redes sociais para divulgação de campanha eleitoral, mencionou ter publicado por 24h um vídeo em stories do aplicativo Facebook, o qual não se encontrava disponível para visualização, e referiu a realização de reunião de campanha em sua residência, mas não soube identificar quem teria comparecido.

A defesa dos candidatos sustentou que a candidatura foi postulada por Taísa de forma voluntária, referiu que não haveria exigência de participação de candidatos na convenção partidária, devido às normas editadas pelo TSE em razão da pandemia da Covid-19, e afirmou que Taísa, após a notícia de gravidez de risco, reduziu significativamente sua habilidade de fazer a própria campanha.

Alegaram que a candidata Diéssica teve a renúncia de candidatura homologada e deixou de concorrer. Clóvis, pai de Diéssica, não desistiu de concorrer e, enquanto secretária do partido, Diéssica ajudou com a documentação de todos os candidatos, não apenas de Taísa. Além disso, apontaram que a baixa arrecadação e votação da candidata não representaria a evidência de fraude.

Após a instrução, o juízo sentenciante acolheu a tese de que houve fraude na candidatura, concluindo pela ausência de comprovação de que a gravidez de Taísa seria de risco, tendo sido apenas demonstrado que a gestação apresentava placenta anterior e de implantação baixa, circunstância que, segundo a literatura médica, não enquadraria o caso em gravidez de risco.

A decisão giza ter sido apresentado um atestado de gestação de risco subscrito por profissional de enfermagem, e não por médico ginecologista obstetra, sem juntada de exames complementares além do realizado em 30.9.2020, no primeiro trimestre de gestação, nem de descrição de quais os motivos de se tratar de gravidez de risco, “resumindo-se a Ré Taísa a um laudo apresentado por profissional da saúde que não dispõe de competência para tanto, em que alega tratar-se de gravidez de risco sem apontar os reais motivos de considerar-se nesta condição”.

Ainda, considerou que os testemunhos no sentido da existência de campanha carecem de confiança e de credibilidade, e que Taísa narrou ter divulgado apenas 2 ou 3 vezes o vídeo de sua campanha em stories de Facebook e não recebeu sequer o próprio voto ou o voto de seus familiares, não sendo crível a justificativa de que compareceu à urna, mas não votou em si por estar passando mal, especialmente porque o seu depoimento judicial apresenta diversas contradições e lacunas, sobretudo no que se refere às declarações prestadas na fase extrajudicial perante o Ministério Público Eleitoral.

Ponderou, também, que a tese de que a candidata realizou reunião de campanha e preparou comida para cerca de 30 pessoas em sua residência, sem fotos definitivas ou informação do evento em seu registro de candidatura, contraria o argumento de que buscava evitar esforço por estar com uma gravidez de risco, evidenciando-se que sua participação se deu unicamente para proceder à composição da cota legalmente exigida.

De acordo com o magistrado (ID 44989974 da AIJE n. 0600779-15.2020.6.21.0032):

Constata-se que as testemunhas carecem de credibilidade e são destoantes da prova existente aos autos.

Conforme apontado pelo Ministério Público Eleitoral, o gasto de campanha da Ré Taísa totalizou o equivalente a R$ 100,00, valor inexpressivo, por si só, para quem pretende a concorrer ao cargo de vereadora. Estimando-se pouco provável que a Ré Taíse tenha realizado reunião para 30 pessoas, confeccionado "santinhos" e vídeo de campanha com este valor.

Resta comprovado a ausência de campanha por parte da Ré Taísa, inexistindo prova nos autos de eventual gravidez de risco, efetiva reunião eleitoral para o fim de angariar votos, tampouco intenção da Ré Taísa de efetivamente concorrer ao cargo eletivo. Não se trata de uma campanha modesta ou de uma timidez apta a dificultar a autora a almejar eventual objetivo eletivo. O que há nos autos, conforme o exposto acima, é a intenção dos candidatos de comporem a cota mínima legalmente exigida, isso que se extrai da parca divulgação de vídeos em local de visibilidade temporal limitada, além do gasto irrisório na campanha com o intuito único de não ter a prestação de contas zerada, o que resultou em zero votos na Ré Taísa, então candidata, pois sequer angariou o voto próprio ou de seus familiares próximos.

Assim, tratando-se a Ré Taísa de figura necessária para a composição da cota de gênero estabelecida, uma vez que existente apenas 02 candidatas do total de 06 pelo partido PSL, a fraude restou configurada.

Havendo beneficiamento das eleições proporcionais mediante fraude na cota de gênero, todos os votos recebidos pelo Partido Social Libera (PSL) para o cargo de vereador das eleições de 2020 de Palmeira das Missões devem ser declarados nulos e recalculados os quocientes eleitoral e partidário.

 

Pois bem.

Nas petições iniciais, descreve-se a fraude nos seguintes termos: “TAÍSA – sem nenhuma experiência política e de liderança comunitária, enfrentando gravidez de risco, com indicação médica de repouso domiciliar – anuiu com a inserção de seu nome no quadro de candidatos do partido, não tendo nenhum interesse e condições de realizar campanha eleitoral.” (ID 44989868, p.3, dos autos 0600779-15 e ID 44989790, p.3, dos autos 0600789-59, grifou-se e sublinhou-se). Repiso: o fundamento do ardil reside no conhecimento prévio ao registro da candidata TAÍSA da sua condição de gestação de risco (fator determinante da inviabilidade da candidatura). Portanto, não há dúvida sobre a existência de risco aumentado na gravidez, mas sobre o momento de sua ciência (antes ou após anuir com registro de sua candidatura).

Note-se, por oportuno, que o Ministério Público constata o risco na gestação e a indicação de repouso (desde a exordial) a partir do mesmo exame acostado em defesa, datado de 30.9.2020 (nesse sentido vide ID 44989791, 44989825 dos autos 06000789-59 e ID 44989869 e 44989899 dos autos 0600779-15). Ou seja, a determinação da condição de risco na gravidez ocorre posteriormente à distribuição do registro de candidatura, tombado, em 27.9.2020, sob o n. 0600424-05.2020.6.21.0032, perante o Juízo da 32ª Zona Eleitoral (ID 44989791 dos autos 0600789-59 e ID 44989869 dos autos 0600440-56). Assim, no momento do registro de candidatura, desconhecia-se a condição de saúde debilitante capaz de afastar TAÍSA do processo eleitoral (esvaziando elemento volitivo da fraude, na forma em que narrada na peça inicial).

Nesse diapasão, parece verossímil a arguição de desistência tácita da campanha em razão de causa superveniente ao registro de candidatura (gravidez de risco), justificante do irregular abandono da campanha em desconformidade com normas eleitorais (vide art. 69 da Res. TSE 23.609/2019) a partir da consulta médica realizada pelo sistema público de saúde em 16.10.2020 (ID 44989903 e 44989904 – carteira da gestante – dos autos 0600779-15). Em reforço, a partir do exame referido (nesse sentido vide ID 44989791, 44989825 dos autos 06000789-59 e ID 44989869 e 44989899 dos autos 0600779-15), colaciona-se atestado da enfermeira Raiane Trindade de Oliveira, que acompanhou o pré-natal: “Gestante Taísa precisou se afastar de suas atividades que exigia esforço e perigo para gestação. Segue em cuidados e acompanhamento na Unidade de Saúde de Palmeira das Missões” (ID 44989898 – atestado – ID 44989903 e 44989904 – carteira da gestante – ambos dos autos 0600779-15, grifou-se).

Ao analisar a prova, nesse sentido, conclui o ilustre Procurador Regional Eleitoral: “De fato, não obstante a existência de alguns indícios, a prova da fraude não está presente. Verifica-se, efetivamente, uma candidata pouco empenhada em lograr êxito no pleito, sendo de reconhecer, porém, que se trata de pessoa que desenvolveu uma gravidez de risco, com nítido potencial de afastá-la da disputa eleitoral.” (parecer ministerial, ID 45404819 dos autos 0600789-59 e ID 45404816 dos autos 0600779-15, sublinhou-se).

Também acompanho essa conclusão, merecendo ser ressaltado que o raciocínio está de acordo com as diretrizes estabelecidas no Protocolo de Julgamento com Perspectivas de Gênero definido pelo CNJ, segundo o qual o enfrentamento das várias verdades em jogo na relação processual, a identificação de estereótipos e o esforço para afastar eventuais prejulgamentos decorrentes de vieses inconscientes devem auxiliar na percepção da racionalidade jurídica mais próxima do ideal de justiça.

Como exemplo, o qual possui inegável aplicabilidade para o caso em apreço, que se relaciona à credibilidade das alegações defensivas de uma candidata gestante, o protocolo em questão refere que "o Comitê CEDAW das Nações Unidas destacou que os estereótipos e os preconceitos de gênero, no sistema judicial, têm consequências de amplo alcance para o pleno desfrute, pelas mulheres, de seus direitos humanos; por essa razão, recomendou que os estados-partes adotem medidas, incluindo programas de conscientização e capacitação de todos(as) os(as) operadores(as) do sistema de justiça, para se eliminar os estereótipos, sobretudo para se assegurar que os programas tratem em particular da 'questão da credibilidade e do peso dado às vozes, aos argumentos e depoimentos das mulheres, como partes e testemunhas'” (item 29 da Recomendação Geral n. 33, do Comitê CEDAW)" (Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/10/protocolo-18-10-2021-final.pdf>, p. 36. Acesso em 39.6.2023).

Desse modo, muito embora pudesse evitar o dissabor do enfrentamento de investigação judicial com a devida formalização de sua renúncia, não se exige conduta diversa de mãe-gestante que escolhe proteger a própria vida e a de nascituro em detrimento do exercício de política afirmativa no curso de disputa eletiva, consoante precedente do egrégio Tribunal Superior Eleitoral abaixo transcrito:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. AIME. VEREADOR. ALEGAÇÃO DE FRAUDE À COTA DE GÊNERO. REGISTRO DE CANDIDATURAS FEMININAS FICTÍCIAS. ART. 10, § 3º, DA LEI Nº 9.504/1997. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. ACERTO. AUSÊNCIA DE ROBUSTEZ DO CADERNO PROBATÓRIO. DESISTÊNCIA TÁCITA. POSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DOS ENUNCIADOS SUMULARES NºS 24 E 30 DO TSE. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO.

1. O Tribunal local, soberano na análise de fatos e provas constantes nos autos, concluiu que não ficou evidenciado o caráter fictício da candidatura, malgrado tenha expressamente consignado a existência de diversos indícios nesse sentido (quantidade inexpressiva de votos, ausência de contratação de serviços, doação de serviços em valor ínfimo, ausência de atos de campanha nas redes sociais).

2. Nos termos da jurisprudência deste Tribunal Superior, além de meros indícios, faz–se necessária a presença de provas robustas para configurar a fraude em candidaturas femininas. Precedente.

3. Na espécie, a candidata teve gestação de alto risco durante a corrida eleitoral, o que corrobora a alegação de que houve a desistência tácita de sua campanha, conduta admitida por esta Justiça especializada.

4. Deve ser mantida a decisão agravada, ante a inexistência de argumentos aptos a modificá–la.

5. Negado provimento ao agravo interno.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060000172, Acórdão, Relator(a) Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 77, Data: 29/04/2022.) (Grifou-se e sublinhou-se)

 

Sublinho, de outra senda, que não constituem prova robusta da fraude, por si sós, os indícios constatados em sentença: a) ausência de votação; b) gastos de campanha pífios (R$ 100,00, cem reais); c) atos de propaganda insuficientes (publicações em redes sociais, reunião política única e confecção de ‘santinhos’ sem adequada distribuição).

Sobre o tema, já posicionou-se esta Colenda Corte no sentido de que: “(…) a inexistência ou pequena quantidade de votos, a não realização de propaganda eleitoral, a desistência ou o oferecimento de renúncia no curso das campanhas não configuram, por si sós, condições suficientes para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção, conforme orientação jurisprudencial.” (Recurso Eleitoral n. 48346, ACÓRDÃO de 26/02/2018, Relator JORGE LUÍS DALL`AGNOL, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 32, Data 28/02/2018, Página 4, grifou-se). Aliás, esse entendimento segue em linha com a jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral (Recurso Especial Eleitoral n. 060046112, Acórdão, Relator Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 155, Data: 05/08/2020; no mesmo sentido: Recurso Especial Eleitoral n. 74789, Acórdão, Relator Min. Edson Fachin, Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônica, Tomo 161, Data 13/08/2020, Página 218-225).

Por conseguinte, neste caso, não configurada prova robusta de candidatura feminina fictícia e presente causa justificante da renúncia tácita à candidatura, deve prevalecer, na forma do parecer ministerial, a “vontade do eleitor expressa nas urnas (…) manifestação do princípio democrático, basilar na República Federativa do Brasil e pressuposto do Estado Democrático de Direito” (parecer ministerial, ID 45404819 dos autos 0600789-59 e ID 45404816 dos autos 0600779-15).

Ante o exposto, VOTO pela rejeição da matéria preliminar e, no mérito, pelo provimento dos recursos, para o fim de reformar a sentença e, assim, julgar improcedentes a ação de investigação judicial eleitoral e a ação de impugnação de mandado eletivo, afastando as sanções impostas, nos termos da fundamentação.