REl - 0600543-31.2020.6.21.0075 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/07/2023 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e adequado, portanto, dele conheço.

Cuida-se de contas de chapa majoritária, que concorreu nas eleições municipais de 2020, composta pelo candidato ao cargo de prefeito, UMBERTO LUIZ CARNEVALLI, e pelo candidato ao cargo de vice-prefeito, CLAYTON RIGO, no Município de Nova Prata/RS.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada em razão de (1) divergências entre os registros constantes do extrato de prestação de contas final e do demonstrativo de receitas financeiras; (2) atraso na abertura das contas bancárias de campanha; (3) restituição irregular de depósitos recebidos em espécie pelos candidatos, em desacordo com o art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, configurando recursos de origem não identificada; e (4) extrapolação do limite para autofinanciamento, que no caso específico atingiu o valor de R$ 1.214,56. Houve determinação do recolhimento do montante de R$ 11.900,00 como recursos de origem não identificada, na forma do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19, bem como pagamento da multa de R$ 1.214,56, correspondente a 100% do valor excedido de valores próprios para o cargo, conforme descrito no § 4º do art. 27 da mencionada resolução

A sentença (ID 44986009) foi prolatada sob os seguintes fundamentos:

Cuida-se de apreciar contas de campanha eleitoral oferecidas pelos candidatos Umberto Luiz Carnevalli e Clayton Rigo.

Registre-se que a presente prestação de contas é regulada pela Lei nº 9.504/1997 e pela Resolução TSE n.º 23.607/2019 que estabelece os critérios para arrecadação de recursos para custear as despesas de campanha destinadas às eleições e para aplicação dos recursos captados.

Passo à análise dos pontos controversos:

1-FORMALIZAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS

Apesar dos argumentos trazidos pelos candidatos, vide Nota Explicativa (ID 102534916) ou petição (103146496), de fato, a receita que foi registrada diverge da receita apurada nos extratos bancários, pois não se verifica, na legislação eleitoral como um todo, permissivo legal para o estorno/devolução, no valor de R$ 7.250,00 para a conta do candidato a vice-prefeito.

Ademais, essa irregularidade aponta para irregularidade mais grave: a extrapolação do limite de gastos, que será detalhada posteriormente.

2.RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA (ART. 32 DA RESOLUÇÃO TSE N° 23.607/2019)

Considerando a manifestação apresentada, tenho por esclarecido o apontamento e afastada a falha.

3.ANÁLISE DA MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (ART. 53 DA RESOLUÇÃO TSE N° 23.607/2019)

Ainda que os prestadores considerem “singelo atraso no tocante ao cumprimento do prazo”, subsiste a falha de natureza formal em relação ao prazo para a abertura da conta bancária.

4. INDÍCIOS DE IRREGULARIDADE (ART. 91 DA RESOLUÇÃO TSE N° 23.607/2019)

4.1 - CAPACIDADE ECONÔMICA PARA A DOAÇÃO

Pelo conjunto probatório carreado aos autos, resta afastada a irregularidade apontada pela unidade técnica em relação à ausência de capacidade econômica relativa à doação analisada.

4.2.1 - INDÍCIO DE AUSÊNCIA DA INDICAÇÃO DA FONTE DE RECURSO

Foram realizados 11 (onze) depósitos “em espécie”, totalizando R$ 11.900,00 (onze mil e novecentos reais) em desacordo com o disposto no art. 21, § 1º, TSE nº 23.607/2019, que exige a transferência bancária. Nos registros bancários analisados verificou-se que cinco desses depósitos em dinheiro foram realizados, na mesma data, com indicação do CPF do candidato a prefeito. Após, em uma tentativa de sanar a falha, os valores foram transferidos da conta de campanha para a conta do candidato e, então, finalmente, realizada a transferência eletrônica para a conta de campanha.

Oito dias depois, idêntico procedimento foi realizado em relação aos outros depósitos em dinheiro, com mesma data e indicação do CPF de Araceli Langer, companheira do candidato a prefeito.

A legislação eleitoral prevê que os recursos recebidos de forma diversa da transferência eletrônica, na hipótese de identificação da doadora ou do doador, sejam a ela ou a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional.

Entretanto, no caso dos depósitos em dinheiro sob análise, inexiste comprovação adicional mínima acerca da origem dos recursos ou indicação do motivo pelo qual não foram realizados depósitos por transferências bancárias de modo conjunto, impossibilitando que a falha seja relevada.

Em suma, apesar da manobra realizada (devolução seguida de transferência bancária) manteve-se a configuração dos recursos como de origem não identificada no montante de R$ 11.900,00 (onze mil e novecentos reais), importando seu recolhimento ao Tesouro Nacional, como se observa nos julgados relativos às três últimas eleições, que colaciono:

[...]

4.2.2 - INDÍCIO DE EXTRAPOLAÇÃO DE LIMITE DE GASTOS

Retomando o apontamento do item 1, formalização da prestação de contas, temos o depósito no valor R$ 11.000,00 (docs. 103146499, p. 02, em destaque) que, nos registros contábeis, desdobrou-se em (1) doação no valor de R$ 3.750,00 (doc. de ID 102534916, p. 05) e (2) estorno/devolução da diferença, R$ 7.250,00, (ID 102534916, p. 05), estorno realizado 22 (vinte e dois) dias depois do depósito, restando inequivocamente evidenciado que o candidato se utilizou dos recursos de autofinanciamento para quitação de despesas de campanha e, ao final, transferiu para si, recursos que foram doados para a campanha, a saber: recebimento de parcela de doação de Artur Tadeu Rodrigues Alves ref documento 231030 conforme recibo 00014.11.87696.RS.000025 R$ 7.250,00 (ID 103146500, p. 03).

A esse respeito, é relevante referir que o recurso recebido – em conta de eleição – após o pagamento de todas as despesas, como se vê no caso em tela, configura sobra de campanha, cujo valor deveria ser depositado na conta do partido, conforme previsão do art. 50, §4º, da Resolução TSE nº 23.607/2019.

A conduta descrita não encontra amparo na legislação vigente porque uma vez transferidos para a conta de eleição, os recursos recebidos passam a integrar a campanha eleitoral e submetem-se ao regramento específico, nos termos do julgado que segue:

[...]

Deflui daí que, apesar do registro da doação referida estar registrada no valor de R$ 3.750,00, ocorreu, de fato, uma doação de R$ 11.000,00, com o estorno “para fechamento das contas”, expondo que o total efetivamente doado pelos candidatos para a campanha importa R$ 18.522,30, configurando extrapolação ao limite previsto no art. 27, §1º, da Resolução TSE nº 23.607/19 (R$ 12.307,74) no montante de R$ 6.214,56.

É de se destacar que o foco da fiscalização das contas de campanha eleitoral é garantir a transparência e a legitimidade dos recursos utilizados para o financiamento das campanhas eleitorais, com o objetivo de coibir o abuso de poder econômico e os desvios de finalidade na utilização dos recursos acumulados, preservando a publicidade na disputa eleitoral.

Por todo o exposto, considerando as graves irregularidades apontadas, assiste razão à unidade técnica e ao Ministério Público Eleitoral, pois a desaprovação das contas, na forma do art. 74, inciso III da Resolução TSE 23.607/19, é medida que se impõe.

Por derradeiro, para fins de mensuração das sanções a serem aplicadas em relação às falhas detalhadas no item 4.2.1 e no item 4.2.2, é imperioso descontar-se do total efetivamente doado pelos candidatos para a campanha (R$ 18.522,30), os cinco depósitos que foram registrados como recursos próprios e que configuram recursos de origem não identificada (R$ 5.000,00). Assim, a extrapolação ao limite previsto no art. 27, §1º, da Resolução TSE nº 23.607/2019 (R$ 12.307,74) consiste no montante de R$ 1.214,56 e os recursos de origem não identificada, consoante art. 21, §1º, da resolução referida, no montante de R$ 11.900,00 (onze mil e novecentos reais).

III - DISPOSITIVO:

Diante do exposto, considerando os termos dos pareceres constantes nos autos, e obedecidas às diretrizes traçadas pela legislação Eleitoral pertinente, com fundamento no art. 30, II, da Lei nº 9.504/97 e art. 74, III, da Resolução TSE n.º 23.607/2019, julgo DESAPROVADAS as contas de UMBERTO LUIZ CARNEVALLI e CLAYTON RIGO, que concorreram aos cargos de prefeito e vice-prefeito de Nova Prata.

Determino, outrossim, o recolhimento ao Fundo Partidário, na forma do art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95, do montante de R$ 1.214,56 (mil, duzentos e quatorze reais e cinquenta e seis centavos), sanção por extrapolação ao limite previsto no art. 27, §1º, da Resolução TSE nº 23.607/2019, determino, ainda, o recolhimento do montante de R$ 11.900,00 (onze mil e novecentos reais), recursos de origem não identificada, na forma do art. 32 da Resolução TSE nº 23.607/2019.

 

Quanto à primeira irregularidade, trata-se de divergência entre os registros constantes no extrato de prestação de contas final e do demonstrativo de receitas financeiras.

Os recorrentes argumentam que a incompatibilidade é inexistente e dizem que se deu em decorrência de erro quanto à forma em que se procedeu ao repasse de recursos doados à campanha dos candidatos. Contudo, o equívoco restou sanado, uma vez que os valores percebidos foram devolvidos aos doadores. Ademais, esclarecem que tais quantias não foram utilizadas como receitas da campanha, as quais resultam em valores compatíveis com os constantes da prestação de contas.

Malgrado os esclarecimentos aventados, esses não merecem amparo. Inicialmente, porque os valores declarados na prestação de contas não guardam correspondência com os que constam nos documentos apresentados e no extrato bancário, gerando, desse modo, quebra na confiabilidade das informações prestadas; e, mesmo a conduta dos insurgentes em devolver o montante de R$ 7.250,00 ao doador, esta ação não tem o condão de salvaguardá-los, visto que a legislação não traz permissão legal nesse sentido.

Com relação à segunda irregularidade, ou seja, atraso na abertura de contas bancárias de campanha, em desatendimento ao disposto no art. 8º, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, as contas bancárias n. 8892288(FEFC), 8892296 (OUTROS RECURSOS) e 8892300 (FP) foram abertas após o prazo de 10 (dez) dias contados da concessão do CNPJ de campanha (ID 44985991).

Os recorrentes ponderam que a responsabilidade pelo atraso coube à situação de saúde pública deflagrada em virtude da pandemia do Covid-19, acarretando óbice ao atendimento presencial nas agências bancárias.

No art. 8º, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 encontra-se preceituada a obrigação de os candidatos efetuarem a abertura de conta bancária para a movimentação de “Outros Recursos” no prazo de dez dias após a concessão do CNPJ, verbis:

Art. 8º É obrigatória para os partidos políticos e os candidatos a abertura de conta bancária específica, na Caixa Econômica Federal, no Banco do Brasil ou em outra instituição financeira com carteira comercial reconhecida pelo Banco Central do Brasil e que atendam à obrigação prevista no art. 13 desta Resolução.

§ 1º A conta bancária deve ser aberta em agências bancárias ou postos de atendimento bancário:

I - pelo candidato, no prazo de 10 (dez) dias contados da concessão do CNPJ pela Secretaria da Receita Federal do Brasil;

 

Por outro lado, relativamente à conta bancária destinada à movimentação das receitas oriundas do FEFC, não incide a imposição do prazo de 10 (dez) dias a partir da data da concessão do número de CNPJ pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, estipulado no art. 8º, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

O prazo em questão aplica-se especificamente à abertura da conta bancária destinada ao recebimento de doações de pessoas físicas, agremiações partidárias e do próprio candidato, enquanto que a conta bancária destinada às verbas recebidas do Fundo Partidário e do FEFC obedece à disciplina do art. 9º da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nessa linha de raciocínio, a inobservância do prazo prescrito no art. 8º, § 1º, inc. I, da citada Resolução para a abertura de conta bancária relacionado às receitas do FEFC não configura afronta à legislação de regência e não importa em desaprovação da contabilidade no caso concreto, na linha de precedente deste Tribunal:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATOS. PREFEITO E VICE. ELEIÇÕES 2016. DESAPROVAÇÃO. ABERTURA INTEMPESTIVA DA CONTA BANCÁRIA ESPECÍFICA. ART. 7º, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA VIA DEPÓSITO DIRETO. FALHA SANADA. INCONSISTÊNCIAS NAS SOBRAS DE CAMPANHA. AUSENTE IRREGULARIDADE. AFASTADA A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO PARCIAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. À luz do art. 7º, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, a abertura da conta bancária de campanha é obrigatória e deve observar o prazo de dez dias contados da concessão do CNPJ pela Secretaria da Receita Federal, ainda que não ocorra movimentação de recursos. Na espécie, o apontamento refere-se à intempestividade na abertura de conta destinada ao movimento de valores oriundos do Fundo Partidário e não às receitas procedentes de outras fontes, objeto de incidência da norma em comento. Irregularidade afastada. 2. O art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15 estabelece que as pessoas físicas somente poderão realizar doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 mediante transferência eletrônica entre as contas do doador e do beneficiário. No caso, apesar de identificado depósito direto em espécie na conta de campanha, o valor irregularmente arrecadado foi restituído ao respectivo doador antes da utilização na campanha, conforme previsto no § 3º do referido dispositivo. Demonstrada a boa-fé do prestador. Afastada a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional. 3. Na eventual ocorrência de sobras de campanha, a quantia deve ser transferida para a conta bancária do órgão partidário, na circunscrição do pleito, de acordo com a natureza do recurso, conforme dispõe o art. 46 da Resolução TSE n. 23.463/15. Na espécie, demonstrada a transferência das sobras de campanha para a conta bancária da agremiação municipal. Ausente irregularidade na contabilização dos recursos desta natureza. Provimento parcial. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS - RE: 15742 NOVA ESPERANÇA DO SUL - RS, Relator: LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN, Data de Julgamento: 17/08/2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 151, Data: 21/08/2018, Página 7)

Relativamente à conta n. 8892296, empregada para a movimentação de recursos privados (ID44985952), compulsando os autos, observo que, de fato, foi aberta em 21.10.2020, ou seja, 27 dias após a data de concessão do CNPJ aos candidatos (ID 44985991).

Anoto, ainda, que, segundo consulta ao sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, não houve movimentação financeira na conta supramencionada.

Em que pese o atraso verificado, não foi identificada pelos mecanismos de controle da Justiça Eleitoral a realização de gastos mediante o uso de verba atinente a “Outros Recursos” em período anterior ao da abertura da conta-corrente.

O atraso na abertura de conta bancária é irregularidade insanável, porém somente pode ser considerada grave se for constatado que houve movimentação financeira antes da abertura de conta para a campanha e não for possível rastrear os valores movimentados, o que não ficou comprovado nos autos.

Nessa linha, colaciono precedentes do egrégio Tribunal Superior Eleitoral: PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL DE 2014. CANDIDATO À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA PELO PCB EM CONJUNTO COM SUA CANDIDATA À VICE-PRESIDÊNCIA. IRREGULARIDADES QUE TOTALIZAM R$ 5.684,69. VALOR EQUIVALENTE A 8,47% DE TODOS OS RECURSOS MOVIMENTADOS NA CAMPANHA. AUSÊNCIA DE FALHA GRAVE. APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. PRECEDENTE. DETERMINAÇÃO DE DEVOLUÇÃO DE VALOR AO ERÁRIO.

[...]

5. Intempestividade na abertura da conta bancária de campanha. Não tendo a unidade técnica apontado prejuízo à fiscalização das contas, advindo da abertura tardia da conta-corrente - dois dias após o prazo -, a falha configura uma impropriedade. Irregularidade afastada.

[...]

Prestação de Contas n. 100733, Acórdão, Relator Min. Og Fernandes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 164, Data 26.8.2019, pp. 63/65).

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO RENOVADOR TRABALHISTA BRASILEIRO (PRTB). DIRETÓRIO NACIONAL. ELEIÇÕES 2014. IRREGULARIDADES. DESAPROVAÇÃO. SUSPENSÃO DE UMA COTA DO FUNDO PARTIDÁRIO. DETERMINAÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. RECURSOS PRÓPRIOS.

[...]

12. Segundo o art. 12 da Res. TSE nº 23.406/2014, os partidos políticos e comitês financeiros devem, no prazo de 10 (dez) dias a contar da concessão do CNPJ pela Receita Federal do Brasil, efetuar a abertura de conta bancária específica, na Caixa Econômica Federal, no Banco do Brasil ou em outra instituição financeira com carteira comercial reconhecida pelo Banco Central do Brasil, com vistas a registrar todo o movimento financeiro de campanha.

13. O não atendimento à exigência normativa em apreço, malgrado tenha aptidão para comprometer o acompanhamento da movimentação de recursos durante a campanha, no caso vertente, não maculou a efetiva fiscalização das contas em exame, uma vez que, da análise do fluxo financeiro de campanha, verifica-se que não houve obtenção de receitas ou assunção de despesas no período que antecede a abertura da conta bancária.

14. Embora remanesça a impropriedade, esta se mostra meramente formal, de forma a não comprometer, isoladamente, a regularidade das contas.

[...]

(Prestação de Contas n. 98742, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 106, Data 06.6.2019, pp. 21/23).

 

Além disso, não se deve desconsiderar a justificativa manejada pelos recorrentes acerca da situação de pandemia enfrentada durante toda a campanha eleitoral de 2020, a qual gerou dificuldade nos atendimentos presenciais, sobretudo os necessários ao cumprimento de tal diligência.

Dessarte, tenho que a extrapolação do prazo previsto no art. 8º, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, no presente caso, não comprometeu as contas de forma grave, constituindo-se em mera impropriedade formal, sem aptidão para, por si só, ensejar a desaprovação da contabilidade.

No concernente à terceira irregularidade, qual seja, restituição irregular de depósitos recebidos em espécie pelos candidatos, em desacordo com o art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, sustentaram os recorrentes, em síntese, que a falha apontada foi decorrente de equívoco ao serem depositados, em espécie, recursos próprios para campanha, porém retificaram o erro quando do estorno dos valores mediante transferência bancária, obedecendo, portanto, aos termos da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ao compulsar o caderno processual, verifica-se, de fato, o ingresso de doações à revelia do que estabelece a norma eleitoral. O parecer conclusivo da unidade técnica assim detalha as operações consignadas:

Ocorreram 5 (cinco) depósitos em espécie, sucessivos, diretamente no caixa do banco, de R$ 1.000,00 (mil reais) no dia 10/11/20, informados como realizados pelo próprio candidato a prefeito, bem como os 6 (seis) depósitos em espécie, sucessivos, diretamente no caixa do banco, de R$ 1.000,00 (mil reais), mais um depósito de R$ 900,00 (novecentos reais), no dia 18/11/20, informados como realizados por Araceli Langer..

 

Registro que houve nítida demonstração quanto à restituição das doações aos contribuintes e a posterior transferência bancária para a conta de campanha, como prevê o § 3º do citado art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19. No entanto, o juiz sentenciante asseverou não estar comprovado nos autos que os valores em espécie, relativos aos depósitos originários, são provenientes das contas bancárias dos doadores.

No ponto, tenho que merece reforma a sentença.

A Resolução TSE n. 23.607/19, regulamentadora da matéria, assim dispõe em seu art. 21, inc. I e §§ 1º a 5º:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

[...]

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento.

Da leitura dos dispositivos, ressai nítido que, se igual ou superior a R$ 1.064,10, a doação eleitoral somente poderá ser concretizada por intermédio de transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário ou cheque cruzado e nominal.

Por outro lado, o art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, a contrario sensu, faculta que as doações inferiores a R$ 1.064,10 sejam realizadas por depósito bancário em espécie, também comumente referido como “na boca do caixa”, que consiste em uma operação eminentemente declaratória quanto à identificação do depositante.

A partir disso, diante das circunstâncias do caso concreto, observo que estão ausentes elementos que indiquem tentativa de fraude ou burla à legislação, porquanto, mesmo após a devolução aos doadores indicados no extrato bancário (ID 44985954), os valores, em sua totalidade, foram novamente doados pelos mesmos contribuintes originariamente apontados nos autos mediante transferências bancárias regulares. Em todas as transações as contrapartes envolvidas são as mesmas, evidenciando a fiel observância dos procedimentos previstos no art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19, devendo ser acolhida a tese defensiva de que houve mero equívoco formal quanto ao modo inadequado de repasse dos recursos, de modo a afastar a falha.

Por derradeiro, foi apontada a quarta irregularidade atinente ao excesso de autofinanciamento realizado pelos candidatos, no valor de R$ 1.214,56. Nesse ponto, acolho integralmente a fundamentação traçada pela douta Procuradoria Regional Eleitoral (ID 45443134):

De fato, em 18.11.2020 o candidato a vice-prefeito, CLAYTON RIGO, realizou um depósito de R$ 11.000,00 na conta 06.098869.0-6, sendo que lhe foram “devolvidos” R$ 7.250,00 no dia 09.12.2020, mesma data em que a conta recebeu uma doação em igual valor.

A movimentação da conta bancária nos dias seguintes ao depósito de R$ 11.000,00 revela o pagamento de uma série de despesas eleitorais, até zerar o saldo em 30.11.2020 (ID 44985954).

Ou seja, houve efetiva utilização dos valores doados a título de autofinanciamento para a campanha dos recorrentes, ultrapassando o teto de 10% dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer o candidato, conforme estabelecido no art. 27, §1º, da Resolução TSE nº 23.607/19.

A posterior devolução dos recursos ao candidato a vice-prefeito, CLAYTON RIGO, realizada em 09.12.2020, somente foi possível em razão do ingresso de novos valores na conta bancária. Contudo, em se tratando de valores arrecadados após a data das eleições, sem que existissem obrigações contraídas até a realização do pleito pendentes de pagamento, tal ingresso de valores é irregular, em razão do previsto no art. 33, § 1º, da Resolução TSE nº 23.607/19.

Ressalte-se, a restituição da quantia de R$ 7.250,00 a CLAYTON RIGO não pode ser considerada pagamento de dívida de campanha, tratando-se de irregularidade decorrente da superação do limite para o autofinanciamento.

Portanto, deve ser mantida a irregularidade.

Outrossim, persistindo a falha referente ao excesso de autofinanciamento (4), mas afastada a irregularidade relativa à devolução dos valores doados em espécie (3), para aplicação da multa do art. 27, § 4º, da Resolução TSE nº 23.607/2019 não mais subsiste a necessidade de “descontar-se do total efetivamente doado pelos candidatos para a campanha (R$ 18.522,30), os cinco depósitos que foram registrados como recursos próprios e que configuram recursos de origem não identificada (R$ 5.000,00)”, como registrado na sentença. Portanto, reconhecida a superação do autofinanciamento em R$ 6.214,56, deve a multa incidir sobre tal montante. (Grifo nosso)

 

Assim, há de ser considerado como recursos próprios utilizados na campanha o total de R$ 18.522,30, sem o desconto do valor de R$ 5.000,00 que a sentença havia julgado como recursos de origem não identificada, pois superada a falha na presente decisão.

Logo, considerando que o limite para autofinanciamento no Município de Nova Prata era de R$ 12.307,74, houve a extrapolação do valor de R$ 6.214,56 (R$ 18.522,30 - R$ 12.307,74), correspondente à multa a ser recolhida, conforme dispõe o art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

[…]

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

 

Por derradeiro, há de se considerar que o valor da irregularidade remanescente (R$ 6.214,56) representa menos de 10% do total de recursos declarados na campanha dos recorrentes (R$ 70.430,00), o que autoriza a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas, em consonância com o entendimento pacificado nesta Corte Eleitoral e no TSE.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para reformar a sentença e aprovar COM RESSALVAS a prestação de contas da chapa majoritária composta pelo candidato ao cargo de prefeito UMBERTO LUIZ CARNEVALLI e pelo candidato ao cargo de vice-prefeito CLAYTON RIGO, de modo a afastar a obrigação de recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 11.900,00, e para ajustar o valor da multa, a ser arrecada ao Fundo Partidário, na forma do art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95, a R$ 6.214,56.