PCE - 0603203-58.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/07/2023 às 14:00

VOTO

Senhora Presidente. Eminentes Colegas.

Cuida-se de prestação de contas eleitorais, relativas ao pleito de 2022, apresentada pelo candidato ALBERTO FRANTZ JUNIOR, suplente do cargo de deputado federal pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT).

A Secretária de Auditoria Interna (SAI) exarou parecer conclusivo apontando como persistente falha, referente à omissão de gastos eleitorais identificada em nota fiscal, no valor total de R$ 129,09 (cento e vinte e nove reais e nove centavos), não declarada na prestação de contas, emitida pelo fornecedor Supermercado Rafana LTDA., CNPJ n. 08545193/0001-78.

Em sede de esclarecimentos (ID 45399929), o prestador alegou que:

“O candidato não reconhece a realização da despesa confrontada através de cruzamento fiscal junto ao Supermercado Rafana Ltda. Supõe-se que algum prestador de serviço utilizou-se do CNPJ do candidato inadvertidamente para fazer compras, provavelmente alimentícia. Esse tipo de equivoco não é novidade, pois em outras oportunidades sabe-se que os próprios doadores ao cumprir a obrigação de identificação do depósito, ao invés de informa seu CPF informavam o número do CPF, redundando em devolução do valor recibo. No caso real, não havia como fazer a referida correção pelo fato de que o candidato desconhecia a ocorrência, assim como não tem o conhecimento de quem possa ter feito tal ação. Além do mais, outra hipótese é que algum apoiador tenha adquirido produtos para apoio do candidato, forma que a lei permite até o limite de R$ 1.064,00 sem inclusão na prestação de contas. Seja qual for à ocorrência é de total desconhecimento do candidato não podendo ser este penalizado”.

 

Em que pese a justificativa esposada, esta não merece prosperar.

A emissão de nota fiscal para o CNPJ da campanha gera a presunção de existência da despesa subjacente ao documento. Ausente ou insuficiente a justificativa ou o registro de sobra de campanha, conclui-se que a despesa eleitoral ocorreu e que houve omissão de gasto na prestação de contas.

Por outro lado, se o gasto não ocorreu, as notas fiscais deveriam ter sido canceladas e, bem ainda, adotados os procedimentos previstos no art. 92, §§ 5º e 6°, da Resolução TSE n. 23.607/19, o que não se observou no caso em exame.

Resta analisar, ainda, se a origem deste recurso foi identificada pelo prestador. Isso porque, inicialmente, a realização de despesas não declaradas obsta, como consectário natural, a revelação das respectivas fontes de custeio.

Nesse cenário, recentemente, o c. TSE entendeu que “o reconhecimento de omissão de despesa de forma automática como recursos de origem não identificada é questionável, pois tal omissão pode ser detectada em eventual circularização, e a receita correspondente pode ou não ser identificada” (TSE ARg no Respe 0603463-02.2018.6.13.0000, julgado em 03.9.2020).

Destarte, compete ao prestador comprovar, documentalmente, a origem dos recursos utilizados, de modo a afastar a configuração da despesa não escriturada como um gasto eleitoral que foi adimplido a partir de uma fonte não identificada.

In casu, o candidato, apesar de apresentar justificativa nos autos, não conseguiu esclarecer e nem comprovar a procedência da fonte de custeio do gasto não contabilizado, o que, consequentemente, importa em caracterização do recurso correspondente como de origem não identificada, devendo ser recolhido ao Tesouro Nacional, conforme o art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Em prosseguimento, a SAI, no item 5 de seu parecer, verificou que, mediante cruzamento de dados da prestação de contas com as informações constantes dos sistemas dos órgãos de fiscalização, o candidato realizou despesa de campanha, na quantia de R$ 1.800,00 (um mil e oitocentos reais), com fornecedora que com ele possui relação de parentesco, podendo indicar desvio de finalidade, a par de o gasto não ter sido devidamente detalhado.

O prestador, instado a se manifestar, assim argumentou:

A examinadora solicitou informações sobre o pagamento realizado a Sra. BETINA PARAIBA FRANTZ, no valor de R$ 1.800,00 (hum mil e oitocentos reais), a qual reside na cidade de Manoel Viana/RS. Sim, a referida pessoa é irmã por parte de pai do candidato ALBERTO FRANTZ JÚNIOR, mas explica-se a sua contratação. O candidato ALBERTO FRANTZ JÚNIOR é natural de Cerro Largo/RS. No entanto, com 05 (cinco) anos de idade foi residir junto com seus pais ALBERTO FRANTZ e NINFA ADRIANA SZTORMOWSKI na cidade de Manoel Viana/RS, onde residiu até os seus 16 (dezesseis) anos, quando então retornou para Cerro Largo/RS, onde já havia sido aprovado na Faculdade de Direito de Santo Ângelo/RS, e da qual se formou com 21 (vinte e um) anos. ALBERTO FRANTZ JÚNIOR fez todo seu ensino fundamental e médio na cidade de Manoel Viana/RS. Estudou desde o pré até a 8ª série no Colégio Estadual Salgado Filho. Depois, considerando que esse colégio não dispunha de ensino médio, foi transferido para a Escola Básica Manoel Viana, onde concluiu seu ensino médio, vindo então estudar em Santo Angelo/RS. O candidato não localizou seu currículo escolar, e ao que parece está na casa de sua mãe, a qual se encontra na praia, mas poderá ser requisitado aos colégios ou juntado em um prazo legal. Inclusive a sua ficha de filiação aos 16 (dezesseis) anos foi abonado na cidade de Manoel Viana, em grade ato do PDT, sendo depois transferida a Cerro Largo/RS. Em que pese a perda de contato com muitos amigos de infância, sua irmã passou a residir na cidade de Manoel Viana/RS. Quando da eleição, Betina que é forma em educação física, estava disponível para trabalhar, sendo uma pessoa de confiança para a distribuição do material do candidato naquela cidade, da qual como já mencionado, o candidato possui muitos vínculos de amigos, professores e conhecidos. Esclarece que logo após a vinda do candidato para estudar, seus pais se separaram, retornando ambos para Cerro Largo, e as visitas até Manoel Viana ficaram esporádicas, mais para com a sua irmã. Entende-se que a Sra. BETINA PARAIBA FRANTZ, era a única pessoa de confiança para desempenhar as funções, as quais realmente desempenhou, tendo em vista que o candidato – em que pese o apoio de todo o partido a outro – fez uma boa votação na cidade, conquistando 16 (dezesseis) votos, a mesma quantidade que outros já candidatos a Deputado Estadual que concorriam a vaga Federal. Portanto, a contratação não é eivada de má-fé ou com o intuito de enriquecimento ilícito, mas sim de efetivo trabalho em prol da candidatura de ALBERTO FRANTZ JÚNIOR, devendo esses pontos ser considerados para que não haja apontamento.

 

Na hipótese vertente, BETINA PARAIBA FRANTZ, CPF n. 00394671040, irmã do candidato ALBERTO FRANTZ JUNIOR recebeu, consoante “Contrato de Prestação de Serviço” juntado aos autos (ID 45347773), a importância de R$ 1.800,00 (um mil e oitocentos reais) referente a atividades de militância e mobilização de rua, bandeiraço, atuação em comitê de campanha eleitoral da respectiva cidade, assessoria ao candidato, tais como, acompanhamento a eventos, condução de veículo automotor, produção de fotos e vídeos, gravações, reportagens em geral, confecção de agendas de visitação etc., realizadas no período de 17.8.22 a 02.10.22.

A despeito de não haver restrição legal expressa, a contratação de familiar do prestador como cabo eleitoral para campanha, com a utilização de recursos públicos oriundos do Fundo Partidário - FP ou Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC, implica conduta que representa uma sobreposição de interesses privados em detrimento de interesses públicos, em afronta a diversos princípios, sobretudo quando há ausência de documentação que ateste, com a devida certeza, o emprego correto das verbas públicas.

Nesses casos, “a escolha do prestador dos serviços ou do valor a ser pago, dentro do juízo de definição do que seja costumeiro, vantajoso e útil para a campanha, cabe, em regra, exclusivamente ao candidato; contudo, ao fazê-lo na administração de recursos públicos, o agente se vincula aos princípios-deveres que regem a administração pública, como previsto no caput do art. 37 da Constituição da República. Na ausência de regra jurídica infraconstitucional, o princípio deve atuar, subsumindo os fatos, ensejando quando verificada a sua violação a irregularidade no uso dos recursos públicos, que vista no seu conjunto levou o julgador de primeira instância a aprovar com ressalvas as contas, determinado a devolução dos valores gastos com a contratação como cabo eleitoral de parente de segundo grau na linha colateral ao erário” (RECURSO ELEITORAL n. 060101804, Acórdão, Relator (a) Des. Adenir Teixeira Peres Junior, Relator (a) designado (a) Des. Jeronymo Pedro Villas Boas, Publicação: DJE – DJE, Tomo 107, Data: 20/06/2022).

A corroborar, segue excerto de ementa de aresto de relatoria da Min. Rosa Weber:

5. À luz do princípio da moralidade, não há como admitir que sejam contratadas para prestar serviços ao partido empresas pertencentes a dirigentes dele. Da mesma forma, tal contratação não permite o atendimento do princípio da economicidade, pois nunca se poderá saber se os serviços foram prestados com qualidade e modicidade de custo ou se eventual falta de qualidade ou preço acima do justo foram relevados pelo fato da empresa pertencer a dirigente partidário. (TSE – PC n. 0000228–15.2013.6.00.0000, Relatora Min. Rosa Weber, julgado em 26.4.2018, publicado no DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 110, Data: 06.6.2018, pp. 57–58.)

 

Na mesma ordem de ideias, segue o raciocínio quanto à inadequação do uso de recursos públicos no adimplemento de obrigações contratadas com familiares, esposado pelo Min. Tarcísio Vieira Carvalho Neto:

(...)é de se ter enraizada nas estruturas partidárias a consciência da transparência, da moralidade, da economicidade, da razoabilidade, da boa–fé, da cooperação e de outros importantes princípios norteadores das despesas com recursos públicos, exatamente para que os gastos com o Fundo Partidário não percam a natureza de sustentação do modelo republicano brasileiro” (PC nº 229–97, Rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 19.4.2018)

 

Por derradeiro, idêntico é o entendimento alcançado por esta Corte em julgado similar, consoante ementa de aresto da lavra do Des. Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli, que segue:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. CARGO DE VEREADORA. DESAPROVAÇÃO. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. TRANSFERÊNCIA PARA CONTA PARTICULAR. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA IMPESSOALIDADE. MONTANTE DESPENDIDO INFERIOR AOS PARÂMETROS UTILIZADOS POR ESTA CORTE. APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MANTIDO O DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovada prestação de contas de candidata a vereadora. Determinado recolhimento ao Tesouro Nacional.

2. Apropriação de verbas públicas. Valores destinados ao financiamento eleitoral utilizados em proveito próprio ou alheio, na forma dos §§ 1º e 2º do art. 79 e art. 82 da Resolução TSE n. 23.607/19. A utilização de recursos do FEFC para quitação de serviço de militância realizado pela filha da candidata configura afronta aos princípios que norteiam o uso do dinheiro público, com relevo os da moralidade e da impessoalidade, máxime por ter a recorrente destinado a parente consanguíneo o repasse público. Irregularidade da despesa. Dever de ressarcimento aos cofres públicos.

3. A escolha do prestador de serviços ou do valor a ser pago, dentro do juízo de definição do que seja costumeiro, vantajoso e útil para a campanha, cabe, em regra, exclusivamente ao candidato. Contudo, ao fazê–lo no gerenciamento de recursos públicos, o agente se vincula aos princípios–deveres que regem a administração pública, como previsto no caput do art. 37 da Constituição da República.

4. A mácula, ainda que mantida, não supera o parâmetro de R$ 1.064,10 definido por esta Corte, viabilizando a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de atenuar sua gravidade sobre o conjunto das contas, de modo a possibilitar a aprovação das contas com ressalvas, de acordo com a jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral e desta Corte.5. Provimento parcial. Mantido o dever de recolhimento ao Tesouro Nacional.

5. Provimento parcial. Mantido o dever de recolhimento ao Tesouro Nacional. (grifei)

(REl - 0600293-07.2020.6.21.0072. Relator Des. Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli. Julgado em 04.10.2022)

 

Nesse trilhar, a utilização de recursos públicos pelos participantes do processo eleitoral exige especial transparência, como bem anotou, também, o douto representante do Parquet Eleitoral, em seu parecer:

Tendo em vista que a aplicação de recursos do Fundo Especial de
Financiamento de Campanha, os quais, por ostentarem caráter público, devem ter a sua utilização fundada, dentre outros, nos princípios da moralidade, da impessoalidade, da transparência, da razoabilidade e da economicidade, os quais são postulados norteadores da realização de despesas com dinheiro público, a contratação de parente deve se cercar de maior cuidado, exigindo, à risca, a observância da regra prevista no art. 35, § 12, da Res. TSE 23.607/2019, segundo a qual “[a]s despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral dos prestadores de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado.”, sendo necessária a apresentação de provas da prestação dos serviços, o que tampouco foi observado pelo prestador.
 

Assim, não há como se considerar comprovada, de modo escorreito, a utilização de valores provenientes do FEFC, de sorte que se impõe o reconhecimento da irregularidade na aplicação da verba pública (FEFC) e o recolhimento do valor equivalente ao gasto não comprovado, conforme o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Demais disso, destaco que a soma das irregularidades perfaz o montante de R$ 1.929,09 (R$129,09 + R$1.800,00) e representa irrisórios 3,86% das receitas declaradas na prestação (R$ 50.000,00), permitindo, na linha de entendimento pacificado deste Tribunal, um juízo de aprovação com ressalvas, mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Diante do exposto, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas de ALBERTO FRANTZ JUNIOR, suplente do cargo de deputado federal pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), e determino o recolhimento do valor de R$ 1.929,09 (um mil, novecentos e vinte e nove reais e nove centavos) ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.

É como voto, senhora Presidente.