REl - 0600350-25.2020.6.21.0072 - Voto Relator(a) - Sessão: 11/07/2023 às 14:00

VOTO

 

O recurso é tempestivo e, presentes todos os pressupostos de admissibilidade, está a merecer conhecimento.

Preliminar. Nulidade da sentença. Alegado não enfrentamento da matéria probatória.

A recorrente argui preliminar de nulidade da sentença por entender que não houve enfrentamento da matéria de prova, pelo que opôs embargos de declaração perante o juízo de origem ao argumento de omissão.

Consigna que, igualmente, a decisão relativa aos embargos de declaração carece de fundamentos, pois o magistrado prolator da decisão embargada consignara apenas: “deixo de acolher os embargos, mantendo a decisão por seus fatos e fundamentos.”.

De fato, a sentença proferida nos aclaratórios é de extrema síntese. Contudo, observo que a decisão hostilizada via embargos não padece de omissão, conforme se verá na análise da questão de fundo da causa.

Ademais, como bem pontuou o d. Procurador Regional Eleitoral em seu parecer, uma vez devolvida a este Tribunal "(...) o exame de toda a matéria probatória, o recurso eleitoral interposto permite que as alegações do candidato sejam examinadas em profundidade, suprindo eventual lacuna da decisão do juízo de origem”.

Assim, considero a causa madura para julgamento, e afasto a matéria preliminar.

No concernente ao argumento recursal de que as informações prestadas por candidatos e profissionais de contabilidade são dotadas de presunção de veracidade, são necessários alguns esclarecimentos.

É certo que o exercício de profissionais de contabilidade ou as manifestações dos candidatos são recebidos com presunção de veracidade. Contudo, destaco que a legislação de regência expressamente exige registros específicos, de dados e fatos, sempre buscando trazer objetividade aos processos de prestação de contas, espécie de demanda de conteúdo eminentemente declaratório.

Ou seja, as declarações devem estar acompanhadas de contexto probatório capaz de corroborar as informações prestadas, não podendo, tal presunção, socorrer a prestadora, sob pena de injustificado privilégio, pois o nível de exigência de prova deve ser o mesmo, objetivamente, em relação a todos os competidores eleitorais.

Não fosse assim, restariam esvaziadas as exigências legais de comprovação a respeito das receitas e dos gastos declarados.

No relativo ao mérito propriamente dito, ELIANE ALVES MEIRA interpõe recurso contra a sentença do Juízo da 72ª Zona Eleitoral que desaprovou suas contas de campanha nas eleições 2020, em razão do pagamento de gastos eleitorais sem identificação do destinatário nos extratos bancários.

As irregularidades verificadas consistem em pagamento de despesas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, por meio de três cheques, nos valores de R$ 1.000,00 (cada), a respeito dos quais o extrato bancário indica “cheque pago em outra agência”, e não registra contraparte.

Há, nitidamente, o cometimento de irregularidade. A forma exigida para realização dos gastos eleitorais está definida, de modo taxativo, na Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

A recorrente alega que “o CPF do destinatário consta expressamente descrito nos contratos, nos recibos e no relatório de despesa”, documentos que a sentença hostilizada entendeu não suprirem a exigência de comprovação.

Com razão o juízo sentenciante.

Verifico que as provas se constituem de (1) registros das informações no SPCE, (2) três contratos, sendo dois deles firmados pela candidata com as contratadas Ana Mari Silva de Oliveira e Mari Dayse Machado Fortes, e um terceiro documento com o campo do nome do contratado sem preenchimento, nos quais os valores de pagamento indicam “R$ 1.000,00 (hum mil reais R$ 45,00)”, e (3) extrato bancário com as operações de compensação de cheques objetos das irregularidades.

Ora, o preenchimento dos documentos deve refletir com fidelidade as operações financeiras havidas na campanha, e o que se vislumbra nos contratos acostados é uma confusão de valores (R$ 1.000,00 e R$ 45,00), que não encontram perfeito reflexo nos demais apontamentos ou documentos bancários.

Julgo de maior relevância o fato de não haver contraparte nos extratos bancários, a indicar o preenchimento das cártulas descontadas, no montante de R$ 3.000,00, sem atenção à prescrição legal, qual seja, que os cheques fossem nominais e cruzados.

Portanto, os elementos de prova, todos, à exceção do extrato, são meramente declaratórios e unilaterais na medida em que foram produzidos apenas por envolvidos diretamente na campanha, e não suprem a exigência de comprovação estabelecida em lei, pois não demonstram elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados.

Nesse norte, ausente o cheque nominal cruzado, inexiste a comprovação do vínculo entre pagamento e fornecedores de serviços, objeto dos contratos juntados à prestação.

Reproduzo, mais uma vez aqui, excerto do bem-lançado parecer ministerial:

Cumpre ressaltar que os meios de pagamento previstos no art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/2019 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos e, por consequência, da veracidade do gasto correspondente.

Tais dados fecham o círculo da análise das despesas, mediante a utilização de informações disponibilizadas por terceiro alheio à relação entre credor e devedor e, portanto, dotado da necessária isenção e confiabilidade para atestar os exatos origem e destino dos valores. Isso porque somente o registro correto e fidedigno das informações pela instituição financeira permite o posterior rastreamento, para que se possa apontar, por posterior análise de sistema a sistema, eventuais inconformidades.

Assim, se por um lado o pagamento pelos meios indicados pelo art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/19 não é suficiente, por si só, para atestar a realidade do gasto de campanha informado, ou seja, de que o valor foi efetivamente empregado em um serviço ou produto para a campanha eleitoral, sendo, pois, necessário trazer uma confirmação, chancelada pelo terceiro com quem o candidato contratou, acerca dos elementos da relação existente; por outra via a tão só confirmação do terceiro por recibo, contrato ou nota fiscal também é insuficiente, pois não há registro rastreável de que foi tal pessoa quem efetivamente recebeu o referido valor.

É somente a triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes, que permite, nos termos da Resolução TSE nº 23.607/2019, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se trata de aplicação de recursos públicos.

Ademais, a obrigação de que os recursos públicos recebidos pelos candidatos sejam gastos mediante forma de pagamento que permite a rastreabilidade do numerário até a conta do destinatário (crédito em conta), como se dá com o cheque cruzado (art. 45 da Lei nº 7.357/85), assegura que outros controles públicos possam ser exercidos, como é o caso da Receita Federal e do COAF.

Finalmente, ao não serem cruzados os cheques, permitindo o saque sem depósito em conta, resta prejudicado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e gastos de campanha, uma vez que impossibilitada a alimentação do sistema Divulgacandcontas com a informação sobre o beneficiário, inviabilizando o controle por parte da sociedade.

A realização de gastos com recursos do FEFC e do FP mediante a utilização de forma de pagamento vedada importa em utilização indevida de recursos públicos, ensejando o recolhimento ao Tesouro Nacional nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE 23.607/2019.

Portanto, não há como afastar a irregularidade referente aos pagamentos realizados pela prestadora, que totalizam R$ 3.000,00, uma vez que os cheques emitidos não foram cruzados e não há como confirmar que os valores em questão beneficiaram os prestadores de serviços informados no SPCE, inviabilizando-se a certificação da regularidade da despesa eleitoral.

 

A irregularidade configura falha grave que compromete a higidez das contas, devendo incidir a norma do § 1º do art. 79 da Resolução TSE 23.607/19, com a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, pois configura utilização indevida de recursos públicos.

Por fim, destaco que o montante das irregularidades, no valor de R$ 3.000,00, representa 100% dos recursos financeiros recebidos, e excede, nominalmente, ao parâmetro legal de R$ 1.064,10, admitido pela jurisprudência como “balizador, para as prestações de contas de candidatos”, e “como espécie de tarifação do princípio da insignificância” (AgR–REspe 0601473–67, de relatoria do Ministro Edson Fachin, de 5.11.2019), devendo ser mantida a desaprovação.

Diante do exposto, VOTO para afastar a matéria preliminar e para negar provimento ao recurso.