REl - 0600331-03.2020.6.21.0142 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/07/2023 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

 

Do Mérito

Eminentes Colegas.

As contas do partido recorrente foram desaprovadas com a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 599,50, em razão das seguintes irregularidades: a) omissão de gasto eleitoral atinente a serviços advocatícios; e b) existência de dívida de campanha sem a assunção pela esfera partidária superior.

Passo à análise individualizada dos apontamentos.

 

a) Omissão de gasto eleitoral atinente a serviços advocatícios

A ilustre magistrada a quo entendeu que o partido, não tendo declarado em sua contabilidade o gasto com serviços advocatícios, os quais efetivamente foram prestados, incorreu em omissão de despesa, cujo pagamento se deu com a utilização de recursos de origem não identificada. Tendo em vista não ser possível apurar o exato montante sonegado, foi esse fixado pela autoridade judicial em R$ 300,00 (trezentos reais), equivalente à média dos valores cobrados por advogados no município em questão para o desempenho de serviços similares.

Com efeito, segundo estabelece o art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, a prestação de contas deve ser integrada por todas as receitas e despesas, especificadamente, verbis:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

I - pelas seguintes informações:

[...]

g) receitas e despesas, especificadas;

In casu, não foi escriturada nas contas de campanha a despesa com serviços advocatícios, os quais efetivamente foram prestados ao partido.

Desse modo, mostra-se patente a infringência à retrocitada norma.

Os recorrentes argumentam que não houve omissão de gastos, visto que, em razão da falta de recursos do partido, o acompanhamento processual foi realizado pelo advogado da esfera estadual, sem nenhuma remuneração.

O argumento, entretanto, não prospera, pois ainda que a prestação dos serviços advocatícios tenha sido realizada pelo procurador da esfera estadual, não há como afastar a existência da despesa, visto que os serviços foram efetivamente prestados. Logo, em conformidade com o disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, os gastos com os serviços advocatícios deveriam ter sido declarados à Justiça Eleitoral, sob pena de configuração de omissão de despesa.

Por conseguinte, a receita omitida para satisfazer o débito com advogado, financeira ou estimável em dinheiro, configura-se como recursos de origem não identificada, consoante o disposto no art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19, passível de recolhimento ao erário.

No caso, entendo que não merece reparo a decisão do juízo a quo que reconheceu a irregularidade e, com base na média dos valores cobrados por outros advogados nas contas apresentadas por candidatos do Município de Candiota, conforme apurado pelo órgão técnico em primeira instância (ID 44993754), arbitrou em R$ 300,00 (trezentos reais) o quantum da despesa omitida e determinou o recolhimento da importância ao Tesouro Nacional.

Nesse mesmo sentido, inclusive, é o parecer ministerial de ID 44993764.

Outrossim, esta Corte sedimentou entendimento de que a falta de escrituração no ajuste contábil de gastos com honorários advocatícios configura recursos de origem não identificada, sendo adequado o arbitramento do valor da despesa pelo juiz eleitoral:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. OMISSÃO DE DESPESA COM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. AUSENTE COMPROVAÇÃO DE DESPESA REALIZADA COM VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. CORREÇÃO DE OFÍCIO. ERRO MATERIAL. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. VALOR ABSOLUTO REDUZIDO. PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovadas as contas de campanha de candidato ao cargo de vereador, relativas às eleições de 2020, em virtude da omissão de gastos com serviços advocatícios e da ausência de comprovação da regularidade das despesas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Determinando o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional.

2. Omissão de gasto eleitoral atinente a serviços advocatícios. O art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19 determina que a prestação de contas deve ser integrada por todas as receitas e despesas, especificadamente. Serviços efetivamente prestados em prol da campanha e não escriturados na contabilidade. Pagamento com a utilização de recursos de origem não identificada, impondo o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional, consoante o disposto no art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19. Adequado o arbitramento do valor da despesa pelo juiz eleitoral, com base na média das quantias cobradas por outros advogados nas contas apresentadas por candidatos do mesmo município.

3. (...) 5. Embora as irregularidades representem, aproximadamente, 40,58% das receitas declaradas, em termos absolutos o montante mostra-se reduzido e inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto por qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19). Aplicados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 6. Provimento parcial. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional. (Recurso Eleitoral n. 060027567, ACÓRDÃO de 28.7.2022, Relatora Desa. Eleitoral VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 01.8.2022.) (Grifei.)

 

RECURSO. RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. PRELIMINAR. JUNTADA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS RETIFICADORA NA VIA RECURSAL. PRECLUSÃO. ANÁLISE TÉCNICA PORMENORIZADA. ATIVIDADE A SER REALIZADA EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. OMISSÃO DE GASTOS. SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. QUANTUM ARBITRADO PELO JUÍZO COM BASE NA MÉDIA VERIFICADA NO MUNICÍPIO. VALOR ABSOLUTO DIMINUTO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que desaprovou as contas de candidato a vereador, referentes às eleições municipais de 2020, em virtude de omissão de gasto eleitoral atinente a serviços advocatícios, configurando recebimento de recursos de origem não identificada. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

2. Preliminar. Não conhecida a prestação de contas retificadora oferecida com as razões recursais, porquanto demandaria a realização de exame pormenorizado dos lançamentos contábeis, em cotejo com os extratos bancários e demais batimentos integrantes dos procedimentos técnicos de exame, atividade a ser realizada, nas eleições municipais, em primeira instância. Transcorrido o momento processual adequado, preclusa a possibilidade da apresentação de contas retificadoras, na esteira da jurisprudência deste Tribunal.

3. Segundo estabelece o art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, a prestação de contas deve ser integrada por todas as receitas e despesas, especificadamente. In casu, não foi escriturada nas contas de campanha a despesa com serviços advocatícios, os quais efetivamente foram prestados ao candidato. Logo, a receita utilizada para satisfação deste débito, financeira ou estimável em dinheiro, caracteriza-se como recurso de origem não identificada, consoante o disposto no art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19. Não merece reparo a decisão monocrática que, com base na média dos valores cobrados por outros advogados nas contas apresentadas por candidatos do município arbitrou o quantum da despesa omitida e determinou ao candidato o recolhimento da importância ao Tesouro Nacional.

4. A falha identificada nas contas, conquanto represente 69,77% das receitas declaradas, mostra-se, em termos absolutos, reduzida. Nessa linha, a jurisprudência deste Tribunal admite a aplicação do critério do valor nominal diminuto, que prepondera sobre eventual aferição do alcance percentual das falhas, de modo a afastar o juízo de desaprovação das contas quando o somatório das irregularidades se mostra irrelevante.

5. Parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de campanha relativas às eleições de 2020, mantendo a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

(Recurso Eleitoral n. 060032848, ACÓRDÃO de 30.11.2021, Relator Des. Eleitoral Miguel Antônio Silveira Ramos, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE.) (Grifei.)

Além disso, menciono também o julgamento ocorrido em 05.5.2023, nos autos do Recurso Eleitoral n. 0600624-70, de relatoria do Des. Luis Alberto D’Azevedo Aurvalle, que apreciou a mesma questão em processo igualmente oriundo de Candiota.

Registro, ainda, que recentemente, em 11.5.2023, no julgamento ocorrido no Recurso Especial Eleitoral n. 0600402-75.2020.6.25.0018, o Tribunal Superior Eleitoral, ao julgar prestação de contas de candidato, aprovou as contas por entender desnecessário o registro de gastos com serviços advocatícios. Penso que o precedente não é aplicável ao caso dos autos por aqui se tratar de prestação de contas de partido, além de que os fundamentos da decisão mencionada estão ligados aos limites de gastos de candidatos em campanha, os quais não são aplicáveis aos partidos políticos.

Por derradeiro, cabe salientar que, na espécie, não se discute a boa-fé ou a má-fé do recorrente, e sim a observância das normas sobre finanças de campanha, bem como a transparência, a confiabilidade e a lisura da prestação de contas.

Consequentemente, correta a conclusão sentencial no sentido de caracterizar o montante de R$ 300,00 (trezentos reais) como proveniente de origem não identificada e determinar sua transferência ao Tesouro Nacional, em decorrência expressa do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

b) Existência de dívida de campanha sem a assunção pela esfera partidária superior

No que concerne ao segundo apontamento, o partido recorrente foi condenado ao recolhimento do montante de R$ 299,50 (duzentos e noventa e nove reais e cinquenta centavos) ao Tesouro Nacional em razão da existência de dívida de campanha sem assunção pela esfera superior, em manifesta violação ao disposto nos arts. 33, § 3º, e 53, inc. II, al. “e”, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Em seu recurso, os recorrentes sustentam que houve algum equívoco contábil, pois a contadora não cobrou o valor referente a uma candidata que teve seu registro de candidatura indeferido, tratando-se de erro formal, que não prejudica a confiabilidade e transparência das contas apresentadas.

Pois bem, na sessão de julgamento do dia 09.12.2022, esta Corte, por maioria, firmou entendimento de que é incabível a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional de dívidas de campanha como se de recursos de origem não identificada se tratasse, mudando o entendimento até então adotado pela Corte sobre o tema, in verbis:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. 1º SUPLENTE. DEPUTADO FEDERAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. OMISSÃO DE GASTOS ELEITORAIS. GASTO COM COMBUSTÍVEL. PRESUNÇÃO DE EXISTÊNCIA DE GASTO ELEITORAL. DÍVIDAS DE CAMPANHA NÃO QUITADAS. TERMO DE ASSUNÇÃO DE DÍVIDA RECONHECIDO. VALOR QUE ULTRAPASSA 100% DA RECEITA OBTIDA. IRREGULARIDADE MANTIDA. INCABÍVEL A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. INEXISTÊNCIA DE RESPALDO NORMATIVO. PRECEDENTE DO TSE. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL DA QUANTIA RELATIVA À OMISSÃO DO GASTO ELEITORAL. DESAPROVAÇÃO

[...]

3. Dívida de campanha não assumida pelo partido. Termo de assunção de dívida reconhecido pelo candidato. Incontroversa a dívida remanescente não autorizada pelo Diretório Nacional. Recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC e do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos – FP. O montante da dívida é superior ao total de receitas do candidato. Valor que ultrapassa 100% da receita obtida. Irregularidade mantida.

4. Incabível a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional. Inexistência de respaldo normativo para determinar o recolhimento de dívida de campanha ao Tesouro Nacional como se de recursos de origem não identificada se tratasse. Precedente do TSE: “A assunção da dívida pelo partido não é um procedimento obrigatório e, tampouco, afasta a possibilidade de que o candidato obtenha diretamente os recursos para quitar as obrigações junto aos fornecedores. Incabível considerar como de ‘origem não identificada’ recursos que sequer foram captados, pois significaria, em última análise, impedir o candidato de quitar a obrigação pela qual responde pessoal e individualmente. A medida apenas agrava o problema detectado pelo Relator, pois o candidato terá que duplicar o esforço de arrecadação de recursos junto a fontes não controladas pela Justiça Eleitoral, para além de pagar fornecedores, realizar o recolhimento ao Tesouro”. A determinação de recolhimento ao erário significaria enriquecimento sem causa à União, que se tornaria credora do candidato por dívidas que foram contraídas por este com terceiros.

5. Desaprovação. Determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional somente em relação ao valor referente à omissão do gasto eleitoral.

(PCE n. 0603217-42.2022.6.21.0000, ACÓRDÃO de 10.12.2022, Relator Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, Publicação: 11.12.2022.) (Grifei.)

O precedente passou também a ser adotado em processo de prestação de contas relativas às eleições 2020 (Recurso Eleitoral n. 060060454, Acórdão, Relator Des. Luis Alberto D’Azevedo Aurvalle, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 43, Data: 10.3.2023).

Dessa forma, em prestígio ao precedente mencionado e considerando o registro da diferença como "Despesas não pagas" na prestação de contas, merece reforma a sentença para o fim de afastar a condenação de recolhimento ao Tesouro Nacional do montante de R$ 299,50 (duzentos e noventa e nove reais e cinquenta centavos), pois é incabível a determinação de recolhimento de dívidas de campanha não assumidas pela esfera superior em razão da inexistência de respaldo normativo, consoante entendimento sufragado por este Regional e pelo Tribunal Superior Eleitoral.

 

Conclusão

Destarte, as falhas reconhecidas na sentença não foram superadas e atingem o patamar de R$ 599,50 (quinhentos e noventa e nove reais e cinquenta centavos), o que representa aproximadamente 9,63% das receitas declaradas (R$ 6.220,00). Tanto o percentual quanto o valor das falhas em termos absolutos mostram-se reduzidos e inferiores ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs), que a disciplina normativa das contas considera módica, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeitos à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19), possibilitando a aprovação das contas com ressalvas.

Registro, ainda, que, conforme diretriz jurisprudencial estabelecida nesta Corte para o pleito de 2020, a análise da gravidade da falha está diretamente relacionada ao valor envolvido e ao percentual de impacto sobre a arrecadação, “não importando se os recursos se caracterizam como de origem não identificada, de fonte vedada ou são de natureza pública” (REl 0600329-27.2020.6.21.0047, Redator do acórdão: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, Sessão de 10.08.2021).

Dessa forma, considerando-se reduzido o valor percentual e nominal da irregularidade, a sentença deve ser reformada para que as contas sejam aprovadas com ressalvas, nos termos do inc. II do art. 74 da Resolução TSE n. 23.607/19, em face da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Outrossim, o provimento parcial do recurso não afasta a obrigatoriedade do recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 300,00 (trezentos reais), referente à omissão de gastos.

 

Dispositivo

Ante o exposto, voto pelo provimento parcial do recurso, para aprovar com ressalvas as contas do Partido Socialista Brasileiro – PSB de Candiota, relativas ao pleito de 2020, reduzindo o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional para R$ 300,00 (trezentos reais), nos termos da fundamentação.

É o voto.