REl - 0600152-62.2022.6.21.0057 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/07/2023 às 14:00

VOTO

Senhora Presidente,

Eminentes Colegas.

 

1. Da intempestividade

Inicialmente, cabe registrar que, como bem pontuou o ilustre Procurador Regional Eleitoral (ID 45468118), a “recorrente foi notificada da decisão recorrida, mediante envio de mensagem por aplicativo de WhatsApp, em 31.01.2023 (ID 45438352 e 45438353), e o recurso somente foi interposto em 14.02.2023 (ID 45438355), não respeitando o tríduo legal previsto no art. 258 do Código Eleitoral”.

Contudo, considerando o caráter administrativo do procedimento em questão, é plenamente admissível a adoção de uma interpretação mais flexível no que diz respeito à intempestividade do apelo, visto que a situação excepcional se enquadra perfeitamente no conceito de justa causa.

Em moldes semelhantes, transcrevo ementa de jurisprudência do Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe, que relativizou a intempestividade na apresentação de justificativa ocorrida fora do prazo do art. 124 do Código Eleitoral.

RECURSO ELEITORAL. MESÁRIO FALTOSO. MULTA APLICADA. PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE RECURSAL. NÃO OCORRÊNCIA. INTIMAÇÃO PESSOAL. AUSÊNCIA DA JUNTADA DO MANDADO. JUSTIFICATIVA APRESENTADA A DESTEMPO. MATÉRIA DE NATUREZA ADMINISTRATIVA.

JUSTA CAUSA DEMONSTRADA EM SEDE DE RECURSO. REFORMA DA SENTENÇA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO RECURSAL.

1. O dia do começo do prazo recursal se dá na data de juntada aos autos do mandado de intimação devidamente cumprido, nos termos do art. 231, II do CPC, o que não ocorreu na espécie.

2. Ainda que o mesário faltoso apresente justificativa fora do prazo determinado pelo art. 124, por se tratar de procedimento de natureza administrativa, é admissível que se adote entendimento mais brando no que toca intempestividade do ato, quando esse grava situação excepcional se amolda perfeitamente ao conceito de justa causa.

3. Na hipótese, não obstante as justificativas da recorrente tenham sido ofertadas fora do prazo estabelecido, merecem ser acolhidas, visto que se respaldam em elementos probatórios contundentes, mormente a apresentação de cópia da certidão de nascimento de sua filha, nascida de parto cesário, em 23 de outubro de 2020, conforme relatório médico que atesta a necessidade de 45 dias de repouso para a insurgente.

4. Reforma da sentença de 1º grau, no sentido de afastar a multa eleitoral imposta.

5. Recurso conhecido e provido.

(TRE-SE - Recurso Eleitoral n. 060005138, Acórdão, Relatora Desa. Clarisse De Aguiar Ribeiro Simas, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 25.11.2021.) (Grifei.)

Portanto, afasto a intempestividade.

2. Ausência de advogado

A recorrente interpôs o presente recurso sem se fazer representar por procurador habilitado.

Em que pese não tenha sido alegada nos autos a falta de representação em juízo por advogado constituído, entendo que, por se tratar de matéria de ordem pública, a ausência deste pressuposto processual deve ser enfrentada de ofício.

Com efeito, a regra geral é a de que os recursos interpostos perante os Tribunais devem ser subscritos por advogado devidamente habilitado e com instrumento de mandato nos autos.

Todavia, muito embora tenha a peça recursal sido subscrita pela própria mesária, por se tratar de matéria eminentemente administrativa, este Tribunal tem atenuado o rigor da norma, tornando dispensável a representação legal, conforme precedente desta Corte, que restou assim ementado:

RECURSO ELEITORAL. NOMEAÇÃO DE MESA RECEPTORA. ELEIÇÕES 2018. PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE ADVOGADO. PUNIÇÃO ADMINISTRATIVA. ADMISSIBILIDADE. MÉRITO. MESÁRIO FALTOSO. MULTA. JUNTADA DE DOCUMENTOS COM O RECURSO. AUSENTE JUSTO MOTIVO. DEMONSTRADA A HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DA ELEITORA. DETERMINADA A REDUÇÃO DA MULTA. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar. Legitimidade para interpor o recurso sem procurador constituído nos autos. Conhecimento do apelo. Flexibilização do rigor da norma por se tratar de punição aplicada em matéria eminentemente administrativa. Superada a ausência de advogado constituído, a fim de facilitar o acesso ao Poder Judiciário.

2. Devidamente convocada para prestar serviço eleitoral como Presidente de seção, deixou de comparecer aos trabalhos eleitorais no dia em que ocorreu o primeiro turno do pleito, sem a apresentação de qualquer justificativa para a ausência no prazo de 30 dias. Diante da inércia da eleitora, o juízo a quo aplicou-lhe a multa.

3. Notificada, a recorrente manifestou-se, argumentando que deixou de atender à convocação eleitoral porque no dia do pleito trabalhara como freelancer, com o objetivo de pagar as despesas de aluguel, instruindo o recurso com cópias de sua CTPS, bem como a de seu marido, também desempregado. As justificativas prestadas não afastam a aplicação do art. 124 do Código Eleitoral, em face dos princípios que regem a Justiça Eleitoral, com a preponderância do interesse público sobre o particular. Entretanto, os documentos demonstram a atual hipossuficiência econômica da eleitora, circunstância que enseja a redução do valor da multa aplicada.

4. Parcial provimento.

(TRE-RS - REl n. 533 NOVO HAMBURGO - RS, Relator: GUSTAVO ALBERTO GASTAL DIEFENTHÄLER, Data de Julgamento: 02.7.2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 122, Data: 05.7.2019, p. 4.) (Grifei.)

Destaco, ainda, que o princípio da indispensabilidade do advogado não é absoluto, a exemplo da capacidade postulatória para qualquer pessoa impetrar ordem de habeas corpus.

Assim, é legítima a outorga, em situações excepcionais e legalmente previstas, do jus postulandi a qualquer pessoa, em atenção a outros princípios constitucionais, como no caso, o direito de defesa.

Ressalto que não se trata aqui de desprestigiar a nobre função do advogado, declarada pelo texto constitucional como função essencial à Justiça, mas sim de atender à celeridade que deve nortear a prestação jurisdicional, que deve ser tempestiva e capaz de manter a lisura, a transparência e a universalidade do processo eleitoral.

3. Preliminar de conhecimento de documentos

Preliminarmente, com fundamento no art. 266 do Código Eleitoral, conheço dos documentos acostados com a peça recursal, a saber, declaração de viagem a trabalho e atestado médico (ID 45438356).

O procedimento administrativo foi instaurado de ofício e a recorrente apenas dele tomou ciência após a imposição da multa, por ocasião de sua intimação para efetuar o pagamento, de sorte que a primeira oportunidade que teve para falar nos autos e juntar documentos foi exatamente no recurso.

Isso posto, superada a matéria preliminar, tenho por conhecer do recurso e documentos que o acompanham.

4. Mérito

No mérito, a eleitora ANDRINARA SILVA GONÇALVES, devidamente convocada para prestar serviço eleitoral como mesária, deixou de comparecer à seção eleitoral no primeiro turno das eleições de 2022, não tendo apresentado justificativa para a ausência no prazo de 30 (trinta) dias, previsto no art. 124 do Código Eleitoral. Transcrevo:

Art. 124. O membro da mesa receptora que não comparecer no local, em dia e hora determinados para a realização de eleição, sem justa causa apresentada ao juiz eleitoral até 30 (trinta) dias após, incorrerá na multa de 50% (cinquenta por cento) a 1 (um) salário-mínimo vigente na zona eleitoral cobrada mediante selo federal inutilizado no requerimento em que fôr solicitado o arbitramento ou através de executivo fiscal.

§ 1º Se o arbitramento e pagamento da multa não for requerido pelo mesário faltoso, a multa será arbitrada e cobrada na forma prevista no artigo 367.

§ 2º Se o faltoso for servidor público ou autárquico, a pena será de suspensão até 15 (quinze) dias.

§ 3º As penas previstas neste artigo serão aplicadas em dobro se a mesa receptora deixar de funcionar por culpa dos faltosos.

§ 4º Será também aplicada em dobro observado o disposto nos §§ 1º e 2º, a pena ao membro da mesa que abandonar os trabalhos no decurso da votação sem justa causa apresentada ao juiz até 3 (três) dias após a ocorrência.

Diante da inércia da eleitora no prazo concedido para oferta de justificativa, o juízo a quo aplicou multa no valor de R$ 351,40 (ID 45438349).

Devidamente intimada, a eleitora apresentou pedido de reconsideração (ora recebido como recurso) aduzindo que no dia 02.10.2022, primeiro turno das eleições gerais de 2022, encontrava-se em viagem de trabalho e, posteriormente, retornou à sua cidade natal para cuidar de sua mãe que, de forma inesperada, foi internada na UTI do Hospital São Patrício de Itaqui em grave estado de saúde, que exigiu sua transferência para a cidade de Uruguaiana. Salientou que o contexto apresentado dificultou a declaração de justificativa dentro do prazo determinado. Para respaldar sua alegação, apresentou documentos que atestam a viagem de trabalho em 02.10.2022 e o estado de saúde da genitora (ID 45438356).

Ao analisar o pedido de reconsideração (decisão ID 45438358), o próprio magistrado da origem compreendeu que a “documentação acostada aos autos é suficiente para comprovar o alegado, inclusive quanto ao estado de saúde da genitora da requerente, vez que o atestado médico datado de 13/02/2023 revela um quadro de doença crônica”.

Contudo, deixou de reconsiderar sua decisão em virtude da intempestividade da apresentação da justificativa e remeteu os autos para apreciação deste Tribunal.

Assim, superada a intempestividade do apelo, não vejo razões para deixar de acolher a justificativa trazida pela mesária, visto que o próprio magistrado da origem compreendeu pela sua pertinência.

Ademais, destaco que a inércia da eleitora em apresentar ao Juízo Eleitoral, no prazo de 30 (trinta) dias, a devida justificativa para sua ausência à mesa receptora de votos, não obsta o reconhecimento, nesta instância, do justo motivo, na esteira da jurisprudência deste Tribunal:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. TRABALHOS ELEITORAIS. MESA RECEPTORA DE VOTOS. AUSÊNCIA INJUSTIFICADA. PRELIMINAR. CONHECIDOS OS DOCUMENTOS JUNTADOS AO RECURSO. MÉRITO. COMPROVADO JUSTO MOTIVO. AFASTADA A PENALIDADE IMPOSTA. DETERMINADA A REGULARIZAÇÃO DA SITUAÇÃO CADASTRAL DA ELEITORA. PROVIMENTO.

1. Irresignação contra sentença que aplicou penalidade de multa, em virtude do não atendimento à convocação da Justiça Eleitoral para exercer a função de Secretária junto à Mesa Receptora de Votos, bem como não ter justificado tempestivamente a ausência.

2. Preliminar. Juntada de documentação ao recurso. Procedimento administrativo instaurado de ofício, tendo a recorrente ciência da imposição da multa apenas quando intimada para efetuar o pagamento. Conhecidos os documentos, com fundamento no art. 266 do Código Eleitoral.

3. Apresentação, em grau recursal, de atestado demonstrando ter recebido atendimento médico em 13.11.2020 e necessitado de afastamento de suas atividades nos três dias subsequentes, período que abarcou a data da realização do pleito. Comprovada a impossibilidade de atender à convocação da Justiça Eleitoral.

4. Caracterizada a incidência de justo motivo para ausência às atividades na seção eleitoral no dia do pleito. Afastada a penalidade de multa. Determinada a regularização de situação cadastral, com o levantamento da restrição de mesário faltoso.

5. Provimento.

(TRE-RS, REl n. 0600423-72.2020.6.21.0047/São Borja, Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, julgado em 06.5.2021). (Grifei.)

RECURSO ELEITORAL. NOMEAÇÃO DE MESA RECEPTORA. ELEIÇÕES 2018. PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE ADVOGADO. ADMISSIBILIDADE. MÉRITO. MESÁRIO FALTOSO. MULTA. JUNTADA DE DOCUMENTOS COM O RECURSO. JUSTO MOTIVO. ACOLHIDA A TESE DEFENSIVA. AFASTADA A MULTA IMPOSTA. PROVIMENTO.

1. Preliminar. Legitimidade do recorrente para interpor o apelo sem advogado constituído nos autos. A ausência de advogado subscrevendo a peça não impede o conhecimento do recurso, pois a sanção contra a qual se insurge o recorrente foi aplicada por juiz eleitoral no exercício da atividade administrativa, e não em atividade jurisdicional.

2. O eleitor, devidamente convocado para atuar como segundo mesário, deixou de comparecer aos trabalhos eleitorais no dia que ocorreu o segundo turno das eleições, não tendo apresentado justificativa para a ausência no prazo previsto de 30 dias. Diante da inércia do eleitor, o juízo a quo aplicou-lhe a sanção de multa.

3. O recorrente apresentou justificativa para sua ausência, instruindo o apelo com atestado e receituário médico, a fim de comprovar problemas de saúde que o teriam impossibilitado de exercer a função para a qual foi convocado. Este Tribunal firmou entendimento no sentido de admitir a juntada de documentos em grau recursal, quando se tratar de documento simples, sem a necessidade de diligência complementar.

4. No caso dos autos, os documentos comprobatórios autorizam a compreensão pela ocorrência de justo motivo. O eleitor não se furtou em atender ao chamado da Justiça Eleitoral para compor a mesa receptora de votos no primeiro turno das eleições gerais e em eleições anteriores.

5. Provimento.

(TRE-RS - REl. n. 8012 NOVO HAMBURGO - RS, Relator: ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO, Data de Julgamento: 25.6.2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 117, Data: 28.6.2019, p. 3.) (Grifei.)

Não desconheço que se mostra deplorável o fato de que alguns cidadãos se furtem de contribuírem efetivamente à realização das eleições, pedra angular da democracia, pois, como cediço, esta instituição não tem meios de empreender, sozinha, todo o processo eleitoral, tornando-se indispensável a colaboração ativa da população, da mesma forma como ocorre nos demais países democráticos.

Contudo, efetivamente não é o caso dos autos, visto que a eleitora já participou ativamente como mesária em outros 4 (quatro) pleitos para os quais foi convocada, conforme consta no espelho de seu cadastro no Sistema Elo do Tribunal Superior Eleitoral.

Assim, considerando que a recorrente apresentou motivos idôneos para a sua ausência, tenho que restou plenamente comprovada a impossibilidade de atender à convocação da Justiça Eleitoral para atuar como mesária.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para afastar a penalidade imposta a ANDRINARA SILVA GONÇALVES, bem como determinar ao juízo da origem que promova o devido levantamento da restrição de mesária faltosa junto ao cadastro eleitoral.

É como voto, senhora Presidente.