REl - 0600465-76.2020.6.21.0062 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/07/2023 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de campanha, com fundamento em duas irregularidades: (a) omissão de gasto eleitoral, com utilização de recursos de origem não identificada; e (b) não comprovação quanto à correta utilização de verbas do FEFC, em vista de inobservância ao art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Passa-se à análise das glosas.

I – Da Omissão de Despesa e da Utilização de Recursos de Origem Não Identificada

Na origem, a sentença acolheu as conclusões do órgão técnico, que relatou  a seguinte inconsistência (ID 44988308):

1. Foram identificadas as seguintes divergências entre as informações relativas às despesas, constantes da prestação de contas, e aquelas constantes da base de dados da Justiça Eleitoral, obtidas mediante confronto com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais, revelando indícios de omissão de gastos eleitorais, infringindo o que dispõe o art. 53, I, g, da Resolução TSE n. 23.607/2019:

Em síntese, o órgão técnico apurou que as notas fiscais emitidas pelo Facebook Ltda. contra o CNPJ de campanha somam a quantia de R$ 262,68, porém os valores pagos a partir da contabilidade da candidata alcançam apenas R$ 250,00, havendo uma diferença de R$ 12,68 em valores que não transitaram pelas contas de campanha.

No apelo, argumenta a candidata que efetivamente pagou R$ 250,00 em créditos para serem utilizados nos impulsionamentos das postagens, não tendo adquirido ou pago qualquer valor adicional. Anota também que o total das notas fiscais soma R$ 262,68 e que comprovou o pagamento de R$ 250,00, concluindo que a irregularidade seria circunscrita à diferença de R$ 12,68.

Conforme já vislumbrado em outros processos de contas de campanha, os serviços de impulsionamento de conteúdo prestado pelo Facebook são pagos antecipadamente, por meio da aquisição de créditos, os quais vão sendo utilizados de forma gradativa durante a campanha, ocasião em que são emitidas as notas fiscais relativas aos serviços efetivamente prestados em dado período e descontados da conta do usuário.

De seu turno, a prestadora acostou recibos de serviços de impulsionamento, cujo número de identificação da conta é 425907890780385 (ID 44988272), além do boleto bancário emitido em 26.10.2020 (ID 44988272, fl. 13) e seu respectivo comprovante de pagamento do dia 28.10.2020, no qual se encontra o CNPJ de campanha como pagador (ID 44988272, fl. 14), todos no exato valor de R$ 250,00.

Consta nos autos, igualmente, um recibo do Facebook, com referência à data de 26.10.2020 (dia em que emitido o boleto antes mencionado) e ao valor de R$ 250,00 (“financiado”), relacionado à mesma conta 425907890780385 (ID 44988272, fl. 5):

Ocorre que, em vez de proceder ao pagamento do boleto por débito em conta, via cartão bancário, a prestadora emitiu o cheque n. 850.001 (ID 44988272, fl. 14), nominal à “Dlocal Brasil Pagamentos Ltda”, que é a empresa intermediadora de pagamentos para o Facebook Brasil Ltda., a fim de possibilitar o saque em espécie para quitação do boleto bancário, consoante confirma o extrato bancário respectivo (ID 44988279, fl. 2):

As notas fiscais destacadas pelo órgão técnico, conquanto não tenham sido juntadas aos autos, podem ser visualizadas no sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, no endereço https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87378/210000968290/nfes.

Esses documentos fiscais eletrônicos, com referência expressa à “conta de anúncios: 425907890780385”, ou seja, a mesma conta consignada nos recibos, foram emitidos em 04.11.2020, no importe de R$ 25,38, referindo-se ao conjunto de pedidos de inserção de anúncios na internet durante o mês de outubro (NFS-e n. 23497888); e em 03.12.2020, no valor de R$ 237,30, atinente aos impulsionamentos no mês de novembro (NFS-e n. 24449931), resultando na cifra final de R$ 262,68.

Assim, é inequívoco que a candidata realizou a aquisição de créditos para o impulsionamento de sua publicidade eleitoral no Facebook em 28.10.2020, no valor de R$ 250,00, para a conta de anúncios n. 425907890780385, utilizando-se dos valores sacados pelo cheque n. 850.001 para o pagamento do boleto bancário emitido pelo fornecedor.

Entretanto, restou agregado aos documentos fiscais também o uso de um crédito a mais de R$ 12,68, cuja origem não restou esclarecida nos autos.

Dessa forma, a fim de afastar a falha, cumpriria à candidata comprovar o pagamento da quantia de R$ 12,68 por suas contas de campanha ou demonstrar que o valor a maior envolveu eventuais impulsionamentos anteriores ou posteriores, não eleitorais, em sua conta no Facebook, provas não realizadas na espécie.

Uma vez emitida a nota fiscal contra o CNPJ de campanha, presume-se a natureza eleitoral da despesa, cujos valores utilizados para quitação foram arrecadados e movimentados sem trânsito pela conta bancária específica de campanha, com prejuízo dos mecanismos de controle e fiscalização da Justiça Eleitoral, infringindo os arts. 8º e 14 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nada obstante, o montante de origem não identificada se limita à diferença entre o valor pago pela candidata e a nota fiscal emitida pelo fornecedor, ou seja, R$ 12,68, porquanto os demais valores componentes do gasto com o Facebook (R$ 250,00) foram devidamente comprovados em todas as suas etapas de contratação e pagamento.

Portanto, a sentença, que glosou a integralidade do gasto com o Facebook (R$ 262,68), deve ser reformada para reduzir o montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional para R$ 12,68, por utilização de recursos que não se originaram das contas específicas de campanha (art. 32, caput e § 1º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19).

II – Da Falta de Comprovação da Regular Utilização de Recursos do FEFC

O órgão técnico, ainda, apurou que o cheque utilizado para pagamento com recursos do FEFC de despesa no valor de R$ 986,00, em favor da fornecedora Liliana Trentini, CPF n. 036.160.870-58, não foi devidamente cruzado em violação ao art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A magistrada sentenciante compreendeu que o fato de a cártula ser nominativa à fornecedora declarada não garante que foi aquela a destinatária dos valores, pois a falta de cruzamento findou por permitir seu desconto sem que o CPF do favorecido constasse no extrato bancário, concluindo que houve utilização indevida de recursos públicos, a ensejar a recomposição ao erário.

Nas razões recursais, a candidata alega que a falta de cruzamento constitui mero erro formal no preenchimento do cheque, visto que toda a documentação juntada, como contrato de prestação de serviços, recibo e cópia da cártula nominativa, identifica que o pagamento foi realizado para a prestadora Liliana Trentini, sendo esta a destinatária final.

Em julgamentos envolvendo o presente tema, pontuei meu entendimento no sentido de que a ausência do cruzamento dos cheques não impediria, por si só, a comprovação dos gastos quando apresentados documentos hábeis e fidedignos, aptos a comprovar os serviços e os pagamentos realizados, com a estrita vinculação dos cheques nominativos emitidos aos correspondentes contratos, sem trazer maiores prejuízos à análise das contas.

Destaco, na mesma linha, recente julgado de 09.3.2023, nos autos do AREspEl n. 0600203-46.2020.6.10.0026, no qual o TSE ratificou para o pleito de 2020 o posicionamento já assentado para as eleições de 2018 (REspE n. 0602985-69, rel. Min. Og Fernandes, rel. designado Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 16.8.2021, e REspE n. 0602104-92, rel. Min. Carlos Horbach, DJE de 20.10.2021), no sentido de que, apesar da não observância do cruzamento dos cheques, dando ensejo ao saque por caixa, “não é o caso de determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional se há comprovação da própria regularidade dos gastos” por meio da juntada de “notas fiscais, contratos de prestação de serviços, declarações e cópias de cheques”, conforme a seguinte ementa:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA. PREFEITO E VICE–PREFEITO. DESAPROVAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO ERÁRIO. SÍNTESE DO CASO 1. O Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão manteve, à unanimidade, a sentença que desaprovou as contas de campanha do agravante, referentes às Eleições de 2020, quando concorreu ao cargo de prefeito do Município de Carolina/MA, com a determinação de recolhimento, ao Tesouro Nacional, dos recursos de origem não identificada, no valor de R$ 8.216,99, bem como dos recursos recebidos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), no montante de R$ 77.280,65. 2. Na decisão agravada, o agravo em recurso especial teve seguimento negado por não ter sido reconhecida a alegada violação aos dispositivos legais invocados, bem como pela incidência do óbice do verbete sumular 24 do Tribunal Superior Eleitoral, tendo sido interposto agravo regimental. ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL 3. (...). 4. No que respeita ao pagamento a fornecedores de bens e serviços e de atividades de militância por meio de cheque nominal não cruzado, é certo que a Corte de origem assinala que foram anexados “notas fiscais, contratos de prestação de serviços, declarações e cópias de cheques”, embora tenha entendido que o pagamento desses gastos por meio de cheque nominal não cruzado (ao invés de cruzado) seria suficiente para manutenção da falha. 5. A jurisprudência admite que – mantida a glosa em face da não observância da formalidade preconizada quanto à necessidade de emissão de cheque nominal cruzado para quitação de despesas – não é caso de determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional se há a comprovação da própria regularidade do gasto. Nesse sentido: Recurso Especial 0602985–69, rel. Min. Og Fernandes, rel. designado Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 16.8.2021; Recurso Especial 0602104–92, rel. Min. Carlos Horbach, DJE de 20.10.2021. CONCLUSÃO Agravo regimental provido em parte, a fim de prover o agravo em recurso especial eleitoral e, desde logo, prover em parte o recurso especial eleitoral, para, subsistente a desaprovação das contas do candidato a prefeito Erivelton Teixeira Neves, manter a determinação de recolhimento, ao Tesouro Nacional, somente dos recursos de origem não identificada, no valor de R$ 8.216,99 (oito mil, duzentos e dezesseis reais e noventa e nove centavos) e, ainda, de R$ 6.001,00 (seis mil e um reais), decotado, portanto, o valor de R$ 71.279,65.

(TSE - AREspEl n. 06002034620206100026 CAROLINA - MA 060020346, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 09.3.2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 47.) (Grifei.)

No caso sub examine, foram colacionados contrato de prestação de serviços com Liliana Trentini, CPF n. 036.160.870-58, cujo objeto foi a elaboração e postagem de conteúdo de campanha em redes sociais, no valor de R$ 986,00, recibo de pagamento e cópia de cheque nominativo à respectiva fornecedora (ID 44988276).

Além disso, a microfilmagem do cheque emitido (ID 44988323) revela o lançamento da assinatura da contratada no verso do título, circunstância bastante para assegurar que a cártula foi entregue à favorecida imediata, pois endossado em branco, nos termos do art. 28, caput, da Lei n. 7.357/85 (Lei do Cheque), pelo qual “o endosso no cheque nominativo, pago pelo banco contra o qual foi sacado, prova o recebimento da respectiva importância pela pessoa a favor da qual foi emitido, e pelos endossantes subsequentes”.

Nesse contexto, considero que houve a devida comprovação do gasto eleitoral, quitado com recursos do FEFC, de sorte que a ausência de cruzamento, no caso em tela, representa impropriedade formal, não havendo de se cogitar em desvio ou malversação dos recursos públicos.

Entretanto, este Plenário fixou a orientação para o pleito de 2020 de que o pagamento de despesa por cheque não cruzado e não descontado em conta bancária, ainda que nominativo ao fornecedor e por esse endossado em branco, impede a comprovação de seu beneficiário, impondo-se o reconhecimento da irregularidade, apta a, per si, ocasionar, caso pago com verbas públicas, o ressarcimento ao erário dos respectivos valores, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Cito recente julgado em que restei vencido:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PREFEITO E VICE. APLICAÇÃO IRREGULAR DE VERBAS ORIUNDAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. FALHA PARCIALMENTE SANADA. PERSISTÊNCIA DO APONTAMENTO RELATIVO A CHEQUE SACADO SEM IDENTIFICAÇÃO DO ENDOSSATÁRIO. ALTO PERCENTUAL. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas relativas às eleições de 2020 de candidatos para os cargos de prefeito e vice, impondo a ordem de recolhimento de quantias irregulares ao Tesouro Nacional. 2. Pagamento de despesas com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) sem a identificação do beneficiário. Matéria disciplinada no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Na hipótese, embora os cheques não tenham sido originalmente cruzados, foram efetivamente depositados nas contas bancárias dos endossatários, alcançando o objetivo de conferir transparência à contabilidade com o registro de cruzamento dos títulos de crédito. Em situações como esta, este Tribunal Regional Eleitoral vem decidindo que, havendo o depósito da ordem de pagamento em conta bancária de terceiro em razão de endosso do título de crédito, deve se entender que a finalidade da norma foi atingida. 3. Persistência da falha com relação ao cheque sacado sem identificação do endossatário. A ausência de depósito desse valor em conta impediu que os batimentos realizados pela Justiça Eleitoral por via do sistema bancário pudessem ser realizados em relação a esse pagamento. Os documentos que comprovam a contratação dos fornecedores – contratos, notas fiscais e recibos de pagamento – não suprem a necessidade de que o lastro do pagamento seja registrado na própria operação bancária de crédito, conforme a diretriz jurisprudencial deste Regional. Recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, consoante prevê o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. 4. A irregularidade representa 11,97% do somatório das receitas auferidas para o custeio da campanha e ultrapassa o parâmetro de R$ 1.064,10 que a disciplina normativa das contas considera módico, impedindo a incidência dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade. Manutenção do juízo de reprovação das contas. 5. Parcial provimento. Redução do montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - REl n. 06008217320206210029 SÉRIO - RS, Relator: Desa. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, Data de Julgamento: 25.4.2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 74, Data: 28.4.2023.)

Assim, há de ser aplicado ao caso o entendimento majoritário local, no que atina ao pleito de 2020, de modo a manter incólume a segurança jurídica e evitar decisões conflitantes, podendo a vigente interpretação sobre a matéria ser objeto de futuro debate, por ocasião do exame das contas relacionadas às eleições subsequentes, observada a evolução jurisprudencial do TSE.

Destarte, ressalvado meu posicionamento pessoal sobre o tema, tem-se por caracterizada a mácula, consistente na falta de comprovação da correta utilização de recursos do FEFC, cujo respectivo montante, R$ 986,00, deve ser restituído ao Tesouro Nacional, na linha do parecer ministerial e da jurisprudência sedimentada desta Casa para o pleito em questão.

III – Do Julgamento das Contas

Conforme diretriz jurisprudencial estabelecida nesta Corte para o pleito de 2020, a análise da gravidade das falhas está diretamente relacionada ao valor envolvido e ao percentual de impacto sobre a arrecadação (REl n. 0600323-20.2020.6.21.0047, Relator: Des. Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli, sessão de 12.05.2021, e REl 0600329-27.2020.6.21.0047, Relator originário (vencido): Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Redator do acórdão: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, sessão de 10.08.2021).

Nessa linha, as irregularidades consolidam-se no montante de R$ 998,68 (R$ 12,68 + R$ 986,00), quantia considerada módica, adotando-se como referência o valor máximo de R$ 1.064,10, permitindo a aprovação das contas com ressalvas em face da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (TSE, RESPE n. 63967, Acórdão, Relator: Min. Edson Fachin, DJE de 06.8.2019).

Por essas razões, a sentença deve ser parcialmente reformada, para aprovar com ressalvas as contas e reduzir para R$ 998,68 o quantum a ser recolhido ao Tesouro Nacional.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de campanha de ODETE MERCEDES MARCANTE ALVES, candidata ao cargo de vereadora no Município de Marau, relativamente às eleições municipais de 2020, reduzindo-se para R$ 998,68 o montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional.