REl - 0600352-40.2020.6.21.0057 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/06/2023 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a desaprovação das contas teve por fundamento o fato de o cheque utilizado para pagamento da despesa com locação de imóvel, no valor de R$ 1.000,00, não ter sido cruzado, contrariando a previsão do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Conforme constou lançado no relatório preliminar (ID 44957807) e no parecer conclusivo (ID 44957816), houve o pagamento da despesa, com recursos do FEFC,  mediante o cheque n. 850.001, não cruzado e sacado em caixa, resultando na ausência de identificação da contraparte no extrato bancário.

Nas razões recursais, o candidato argumenta que foi evidenciada a aplicação de recursos públicos por meio da apresentação de contrato de locação e recibo de aluguel, bem como de cópia de cheque nominal ao fornecedor de campanha, não havendo prejuízo à aprovação das contas com ressalvas, nem que se falar em devolução de valores ao erário.

Em julgamentos envolvendo o presente tema, pontuei meu entendimento no sentido de que, não obstante o desatendimento ao art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, a ausência do cruzamento dos cheques não impediria, por si só, a comprovação dos gastos, quando apresentados documentos hábeis e fidedignos, aptos a comprovar os serviços e os pagamentos realizados, com a estrita vinculação dos cheques nominativos emitidos aos correspondentes contratos, sem trazer maiores prejuízos à análise das contas.

Destaco, na mesma linha, recente julgado, de 09.3.2023, nos autos do AREspEl n. 0600203-46.2020.6.10.0026, no qual o TSE ratificou para o pleito de 2020 o posicionamento já assentado para as Eleições de 2018 (REspE n. 0602985-69, rel. Min. Og Fernandes, rel. designado Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 16.8.2021, e REspE n. 0602104-92, rel. Min. Carlos Horbach, DJE de 20.10.2021), no sentido de que, apesar da não observância ao cruzamento dos cheques, dando ensejo ao saque por caixa, “não é o caso de determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional se há comprovação da própria regularidade dos gastos”, por meio da juntada de “notas fiscais, contratos de prestação de serviços, declarações e cópias de cheques”, conforme a seguinte ementa:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA. PREFEITO E VICE–PREFEITO. DESAPROVAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO ERÁRIO. SÍNTESE DO CASO 1. O Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão manteve, à unanimidade, a sentença que desaprovou as contas de campanha do agravante, referentes às Eleições de 2020, quando concorreu ao cargo de prefeito do Município de Carolina/MA, com a determinação de recolhimento, ao Tesouro Nacional, dos recursos de origem não identificada, no valor de R$ 8.216,99, bem como dos recursos recebidos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), no montante de R$ 77.280,65. 2. Na decisão agravada, o agravo em recurso especial teve seguimento negado por não ter sido reconhecida a alegada violação aos dispositivos legais invocados, bem como pela incidência do óbice do verbete sumular 24 do Tribunal Superior Eleitoral, tendo sido interposto agravo regimental. ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL 3. (...). 4. No que respeita ao pagamento a fornecedores de bens e serviços e de atividades de militância por meio de cheque nominal não cruzado, é certo que a Corte de origem assinala que foram anexados “notas fiscais, contratos de prestação de serviços, declarações e cópias de cheques”, embora tenha entendido que o pagamento desses gastos por meio de cheque nominal não cruzado (ao invés de cruzado) seria suficiente para manutenção da falha. 5. A jurisprudência admite que – mantida a glosa em face da não observância da formalidade preconizada quanto à necessidade de emissão de cheque nominal cruzado para quitação de despesas – não é caso de determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional se há a comprovação da própria regularidade do gasto. Nesse sentido: Recurso Especial 0602985–69, rel. Min. Og Fernandes, rel. designado Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 16.8.2021; Recurso Especial 0602104–92, rel. Min. Carlos Horbach, DJE de 20.10.2021. CONCLUSÃO Agravo regimental provido em parte, a fim de prover o agravo em recurso especial eleitoral e, desde logo, prover em parte o recurso especial eleitoral, para, subsistente a desaprovação das contas do candidato a prefeito Erivelton Teixeira Neves, manter a determinação de recolhimento, ao Tesouro Nacional, somente dos recursos de origem não identificada, no valor de R$ 8.216,99 (oito mil, duzentos e dezesseis reais e noventa e nove centavos) e, ainda, de R$ 6.001,00 (seis mil e um reais), decotado, portanto, o valor de R$ 71.279,65.

(TSE - AREspEl: 06002034620206100026 CAROLINA - MA 060020346, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 09/03/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 47.) (Grifei.)

 

No caso sub examine, foram colacionados contrato de locação de imóvel com firmas reconhecidas em Tabelionato, recibo de pagamento com referência ao cheque n. 850.001 e cópia de cheque nominativo ao locador, Dorival Repiso Riela (ID 44957792).

Nesse contexto, considero que houve a devida comprovação do gasto eleitoral, quitado com recursos do FEFC, de sorte que a ausência de cruzamento, no caso em tela, representa impropriedade formal, não havendo de se cogitar em desvio ou malversação dos recursos públicos.

Entretanto, este Plenário fixou a orientação, para o pleito de 2020, de que o pagamento de despesa por cheque não cruzado, ainda que nominativo ao fornecedor, impede a comprovação de seu beneficiário, impondo-se o reconhecimento da irregularidade, apta a, per si, ocasionar a desaprovação do ajuste contábil, e, caso pago com verbas públicas, o ressarcimento ao erário dos respectivos valores, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Essa conclusão tem sido majoritária neste Tribunal Regional para o pleito de 2020:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PREFEITO E VICE. APLICAÇÃO IRREGULAR DE VERBAS ORIUNDAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. FALHA PARCIALMENTE SANADA. PERSISTÊNCIA DO APONTAMENTO RELATIVO A CHEQUE SACADO SEM IDENTIFICAÇÃO DO ENDOSSATÁRIO. ALTO PERCENTUAL. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas relativas às eleições de 2020 de candidatos para os cargos de prefeito e vice, impondo a ordem de recolhimento de quantias irregulares ao Tesouro Nacional. 2. Pagamento de despesas com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) sem a identificação do beneficiário. Matéria disciplinada no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Na hipótese, embora os cheques não tenham sido originalmente cruzados, foram efetivamente depositados nas contas bancárias dos endossatários, alcançando o objetivo de conferir transparência à contabilidade com o registro de cruzamento dos títulos de crédito. Em situações como esta, este Tribunal Regional Eleitoral vem decidindo que, havendo o depósito da ordem de pagamento em conta bancária de terceiro em razão de endosso do título de crédito, deve se entender que a finalidade da norma foi atingida. 3. Persistência da falha com relação ao cheque sacado sem identificação do endossatário. A ausência de depósito desse valor em conta impediu que os batimentos realizados pela Justiça Eleitoral por via do sistema bancário pudessem ser realizados em relação a esse pagamento. Os documentos que comprovam a contratação dos fornecedores – contratos, notas fiscais e recibos de pagamento – não suprem a necessidade de que o lastro do pagamento seja registrado na própria operação bancária de crédito, conforme a diretriz jurisprudencial deste Regional. Recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, consoante prevê o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. 4. A irregularidade representa 11,97% do somatório das receitas auferidas para o custeio da campanha e ultrapassa o parâmetro de R$ 1.064,10 que a disciplina normativa das contas considera módico, impedindo a incidência dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade. Manutenção do juízo de reprovação das contas. 5. Parcial provimento. Redução do montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - REl: 06008217320206210029 SÉRIO - RS, Relator: Des. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, Data de Julgamento: 25/04/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 74, Data: 28/04/2023.) (Grifei.)

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATOS. PREFEITO E VICE. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. CONHECIDOS OS DOCUMENTOS JUNTADOS AO RECURSO. MÉRITO. APLICAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO E DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. DESPESAS PARCIALMENTE COMPROVADAS. ENDOSSO. POSSIBILIDADE. PAGAMENTO POR MEIO DE CHEQUE SEM CRUZAMENTO. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. REDUZIDO O MONTANTE A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO.

(…).

3. Os gastos eleitorais devem ser comprovados por documentos idôneos, nos termos do art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19. Quanto ao pagamento, devem os dispêndios observar a forma prescrita no art. 38 da referida resolução. A legislação eleitoral, ao estabelecer as formas de pagamento dos gastos eleitorais, não impõe a emissão de cheque não endossável (“não a ordem”), não sendo exigível dos candidatos que o próprio prestador do serviço ou o fornecedor do bem faça o desconto do título, o qual pode ser licitamente transmitido a terceiros, conforme previsto no art. 17 da Lei n. 7.357/85, desde que sejam observados os fins colimados pelo art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Na hipótese, ocorrência de despesas pagas por meio de cheques não endossados, não tendo sido demonstrada a coincidência entre fornecedor e beneficiário de pagamento com recursos públicos, impõe-se o recolhimento da quantia equivalente ao Tesouro Nacional. Por outro lado, ordens de pagamento que, embora tenham sido descontadas por terceiros, foram depositadas em conta bancária a partir de endossos realizados pelos fornecedores declarados, o que viabiliza o afastamento do dever de recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional.

4. Pagamento de gastos por meio de cheques emitidos sem cruzamento e descontados na boca do caixa. Mesmo nos casos em que este Tribunal tem admitido a circulação do título mediante endosso, não se tem mitigado a exigência de que o cheque tenha sido originariamente cruzado e descontado em conta bancária, ainda que sob a titularidade de terceira pessoa. A finalidade da exigência do cruzamento do cheque reside na obrigação do recebedor de depositá-lo em conta bancária para compensação, integrando um ciclo ou arquitetura de formalidades previstas na Resolução TSE n. 23.607/19, desde o recebimento de doações, passando pelas contratações à quitação de despesas, tendentes a possibilitar a fiscalização e diminuir a possibilidade de fraudes, especialmente em se tratando de verbas públicas. Na hipótese, existência de falha quanto à forma de pagamento dos gastos realizados com recursos públicos, cuja quantia deve ser restituída ao Tesouro Nacional, por ausência de comprovação segura de sua utilização regular, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

5. Parcial provimento. Manutenção da desaprovação das contas. Redução da quantia a ser recolhida ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS, REl 0600518-81.2020.6.21.0151, Acórdão por maioria, Relatora: Desa. Eleitoral Kalin Cogo Rodrigues. Redator para o acórdão: Des. Francisco José Moesch. Julgamento: 19.5.2022.) (Grifei.)

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PREFEITO E VICE NÃO ELEITOS. DESAPROVAÇÃO. CHEQUE COMPENSADO SEM IDENTIFICAÇÃO DO BENEFICIÁRIO. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. AFRONTA AO DISPOSTO NO ART. 38, INC. I, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. AUSENTE COMPROVANTES DE PAGAMENTO. FALHA PARCIALMENTE SANADA. REDUZIDO O MONTANTE A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. ALTO PERCENTUAL DA FALHA. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de candidatos não eleitos aos cargos de prefeito e vice-prefeito, relativas as eleições de 2020, em virtude do pagamento de despesa com recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), mediante utilização de cheques nominais não cruzados e ausência do comprovante de pagamento de despesa. Determinado o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional.

2. Cheques compensados sem a identificação de seu beneficiário, impedindo a devida comprovação da utilização dos recursos do FEFC e do pagamento realizado aos prestadores de serviços declarados nas contas. Desatendido o disposto no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, que estabelece a necessidade de que o pagamento seja realizado por cheque nominal cruzado. A emissão de cheque nominal não cruzado permite sua circulação e compensação sem depósito bancário, não havendo transparência nem confiabilidade na identificação dos beneficiários dos gastos em questão, impedindo a rastreabilidade das quantias utilizadas na campanha. Caracterizada a irregularidade. Mantida a determinação de recolhimento da quantia ao erário, no ponto.

3. Constatada a ausência de comprovantes de pagamentos e de identificação das contrapartes nos extratos bancários (arts. 35, 53, inc. II, al. "c", e 60 da Resolução TSE n. 23.607/19), referente a gastos com fornecedores. Embora este Tribunal possibilite a apresentação de novos documentos em grau recursal, os contratos, por tratar-se de documentos produzidos mediante acordo entre partes, não têm fé suficiente, podendo dar margem a burlas por não trazerem transparência sobre o destino dos recursos públicos. Ademais, das cópias dos cheques juntados, resta demonstrado que apenas em relação a um fornecedor foi utilizado cheque nominal e cruzado, em atenção ao disposto no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Sanada parcialmente a falha.

4. As falhas são graves e impedem a rastreabilidade dos recursos, bem como o controle da movimentação financeira pela Justiça Eleitoral. O valor total das irregularidades representam 22,37% das receitas recebidas e ultrapassam o parâmetro de R$ 1.064,10 que a Resolução TSE n. 23.607/19 considera módico. Mantida a desaprovação das contas. Reduzido o montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional.

5. Parcial provimento.

(TRE-RS, REl 0600223-10.2020.6.21.0130, Acórdão por maioria, Relator Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 19.5.2022.) (Grifei.)

 

Assim, há de ser aplicado ao caso o entendimento majoritário local, no que atina ao pleito de 2020, de modo a manter incólume a segurança jurídica e evitar decisões conflitantes, podendo a vigente interpretação sobre a matéria ser objeto de futuro debate, por ocasião do exame das contas relacionadas às eleições subsequentes, observada a evolução jurisprudencial do TSE.

Destarte, ressalvado meu posicionamento pessoal sobre o tema, tem-se por caracterizada a mácula, consistente na falta de comprovação da correta utilização de recursos do FEFC, cujo respectivo montante, R$ 1.000,00, deve ser restituído ao Tesouro Nacional, na linha do parecer ministerial e da jurisprudência sedimentada desta Casa para o pleito em questão.

Noutro vértice, embora a falha alcance 100% da arrecadação total de recursos do FEFC, conforme diretriz jurisprudencial estabelecida nesta Corte para o pleito de 2020, a análise da gravidade das falhas está diretamente relacionada ao valor envolvido e ao percentual de impacto sobre a arrecadação (REl n. 0600323-20.2020.6.21.0047, Relator: Des. Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli, sessão de 12.05.2021, e REl 0600329-27.2020.6.21.0047, Relator originário (vencido): Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Redator do acórdão: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, sessão de 10.08.2021).

Assim, a sentença merece ser reformada, para que as contas sejam aprovadas com ressalvas, uma vez que o valor absoluto da irregularidade é diminuto e inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs), que a disciplina normativa das contas considera módico, na esteira da jurisprudência do TSE e desta Casa.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para que sejam aprovadas com ressalvas as contas de JOVELINO BALDEZ MARTINS, candidato ao cargo de vereador no Município de Uruguaiana nas Eleições Municipais de 2020, mantendo-se a determinação de recolhimento de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional.