REl - 0600916-57.2020.6.21.0012 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/06/2023 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada pelo juízo a quo devido à configuração de recebimento de recursos de origem não identificada, por meio de doações sem a identificação do CPF dos doadores (R$ 3.600,00) e pagamento de serviços com valores que não foram declarados e não circularam pela conta bancária (R$ 772,34), em afronta às regras dos arts. 12, § 6º, 21, inc. I, §§ 1º e 3º, 32, § 1º, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.607/19, bem como em virtude da verificação de dívida de campanha, em razão de cheque devolvido, o qual não foi reapresentado ou quitado (R$ 286,00).

A sentença (ID 45450396) foi assim fundamentada:

II – FUNDAMENTAÇÃO

Cuida-se de apreciar as contas do candidato a vereador, no município de Dom Feliciano/RS, pelo PSB, PAULO RUDINEI SOARES BORGES, relativa às Eleições Municipais 2020.

As contas foram apresentadas tempestivamente, tendo também procurador devidamente constituído.

Foi identificado que não foi apresentado extrato bancário da conta Outros Recursos, peça obrigatória, contrariando o disposto no art. 53, II, alínea "a", da Resolução TSE nº 23.607/2019.

A ausência do extrato bancário, somado à inércia do candidato que nada fez para retificar e/ou apresentar a documentação, frustra o controle sobre a movimentação financeira, constituindo irregularidade com envergadura suficiente para macular as contas, sendo imperativa a desaprovação.

Importa destacar que o controle sobre as contas só foi exercido através de consulta aos extratos eletrônicos fornecidos pela instituição financeira.

O candidato recebeu em sua campanha R$ 3.600,00, em sua conta bancária sem a informação do CPF do(s) doador(es). Depósito de R$ 600,00, no dia 30/09/2020, depósito de R$ 1.000,00, no dia 15/10/2020 e depósito de R$ 2.000,00, no dia 13/11/2020.

Trata-se de inconsistência grave que impede a correta identificação da origem do recurso, pois não foi apresentada prova adicional de sua origem proveniente diretamente do sistema bancário nacional (contraparte).

Em virtude da falha acima, o candidato infringiu regras dos arts. 12, § 6º, 21, I, §§ 1º e 3º, 32, § 1º, IV da Resolução TSE nº 23.607/2019, devendo recolher o valor ao Tesouro Nacional, eis que houve a configuração de recebimento de recursos de origem não identificada.

Foram identificadas a realização de despesas com combustíveis sem a correspondente cessão, locação ou publicidade com carro de som, revelando a omissão de informações, o que é inconsistência grave, que afeta a consistência das contas e revela a omissão do registro de receitas, frustra o controle sobre a movimentação financeira, constituindo irregularidade com envergadura suficiente para macular as contas, sendo imperativa a desaprovação.

O candidato utilizou em sua campanha valores que não foram declarados e não circularam pela conta bancária, para o pagamento das seguintes notas fiscais, que somadas perfazem o total de R$ 772,34:

[...]

Intimado para esclarecer a questão, o candidato permaneceu inerte. Não há dúvidas que a emissão de nota fiscal é realizada mediante pagamento, logo o candidato pagou pelo produto/serviço detectado em batimento pelo sistema SPCEWeb e o valor circulou sem a informação do CPF do doador e sem o trânsito do recurso por conta bancária.

Trata-se de inconsistência grave que impede a correta identificação da origem do recurso, pois não foi apresentada prova adicional da origem do recurso proveniente diretamente do sistema bancário nacional (contraparte).

Em virtude da falha acima, o candidato infringiu regras dos arts. 12, § 6º, 21, I, §§ 1º e 3º, 32, § 1º, IV da Resolução TSE nº 23.607/2019, devendo recolher o valor ao Tesouro Nacional, eis que houve a configuração de recebimento de recursos de origem não identificada.

Como última falha identificada, houve devolução do cheque nº 850003, no valor de R$286,00. A cártula não foi reapresentada e não houve comprovação de sua quitação, o que caracteriza dívida de campanha.

As falhas detectadas, somadas à inércia do candidato que nada fez para retificar e/ou apresentar a documentação capaz de esclarecer as questões, frustram o controle sobre a movimentação financeira, constituindo irregularidade com envergadura suficiente para macular as contas, sendo imperativa a desaprovação.

III - DISPOSITIVO

Isso posto, DESAPROVO as contas do candidato a vereador, no município de Dom Feliciano/RS, pelo PSB, PAULO RUDINEI SOARES BORGES, relativa às Eleições Municipais 2020, forte no artigo 74, inciso III, da Resolução TSE n. 23.607/2019 e determino o recolhimento dos recursos de origem não identificada, no valor de R$ 4.372,34 ao Tesouro Nacional, consoante art. 32 da mesma resolução.

Quanto à atualização monetária e juros moratórios, que faz menção o § 3º do art. 32 supra, não é necessário o seu recolhimento desde que o valor seja transferido ao Tesouro Nacional dentro do prazo constante do § 2º do art. 32.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Decorrido o prazo legal sem manifestação, arquive-se.

Irresignado, o recorrente reconhece que houve falhas na prestação de contas, mas aduz que elas não causaram prejuízo aos demais concorrentes, e, por consequência, não houve desequilíbrio em favor do candidato. Sustenta que, por desconhecimento da legislação eleitoral, efetuou o depósito de recursos próprios como doação, da mesma forma que recebeu doações de Sonia A. L. Andregiesky (CPF 041.301.660-93) sem a emissão dos respectivos recibos de doação. Ainda, refere que sua filha KASSIA E. A. SOARES, por equívoco, fez transferência de conta bancária de pessoa jurídica (CNPJ 13.390.045/0001-61). Juntou comprovantes bancários (ID 45450400 - p. 3) e pediu o afastamento da determinação de recolhimento da quantia ao erário ou, subsidiariamente que a determinação de recolhimento não considere os depósitos de R$ 600,00, no dia 30.9.2020, e de R$ 1.000,00, no dia 15.10.2020, como receitas de origem não identificada.

Destaco, por primeiro, que a peça recursal apenas se insurge quanto às irregularidades apontadas como recursos de origem não identificada.

A matéria objeto de análise encontra-se disciplinada pela Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 32, verbis:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador;

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras recebidas de outros candidatos ou partidos políticos;

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político;

IV - as doações recebidas em desacordo com o disposto no art. 21, § 1º, desta Resolução quando impossibilitada a devolução ao doador;

V - as doações recebidas sem a identificação do número de inscrição no CPF/CNPJ no extrato eletrônico ou em documento bancário;

VI - os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução;

VII - doações recebidas de pessoas físicas com situação cadastral na Secretaria da Receita Federal do Brasil que impossibilitem a identificação da origem real do doador; e/ou

VIII - recursos utilizados para quitação de empréstimos cuja origem não seja comprovada.

(Grifo nosso)

Analisando os documentos juntados em sede recursal (ID 45450400, p. 3), reconheço a regularidade das doações, uma vez que é possível identificar os doadores. Se não, vejamos:

No comprovante de depósito de R$ 600,00 fez-se constar o nome completo do doador: Paulo Rudinei Soares Borges, e seu CPF: 387.587.840-04, que corresponde ao número do documento lançado no extrato bancário 000038758784004 (ID 45450386). 

Igualmente, no comprovante de depósito no valor de R$ 1.000,00, foi informado o nome da doadora: Sônia A. L. Andregiesky, assim como o seu CPF: 041.301.660-93, que corresponde ao número do documento lançado no extrato bancário 000004130166093 (ID 45450386). 

Assim, concluo na mesma linha do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral no sentido de afastar a irregularidade dos depósitos de R$ 600,00 e R$ 1.000,00, visto que é possível a identificação dos doadores (ID 45462285):

Embora o candidato e a doadora possam ter se equivocado ao preencher o campo necessário para informar o CPF da pessoa responsável pelo depósito em dinheiro na conta da candidatura, os dados informados e aqueles registrados no extrato bancário permitem assegurar que a doação em dinheiro foi realizada com a identificação do doador. Em se tratando de valor inferior a R$ 1.064,10, é possível a realização de doação em dinheiro, razão pela qual deve ser afastada a irregularidade.

Ademais, os valores doados foram: um depósito de R$ 600,00 e outro de R$ 1.000,00, ou seja, ambas importâncias inferiores ao balizador de R$ 1.064,10, valor a partir do qual a legislação estabelece a forma pela qual devem ser realizadas as doações, de acordo com o § 1º do art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias da doadora ou do doador e da beneficiária ou do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

Desse modo, sendo os valores inferiores a R$ 1.064,10, é possível a realização de doação em dinheiro, razão pela qual afasto a irregularidade.

No caso vertente, em que pese o reconhecimento da regularidade dos depósitos em dinheiro no valor total de R$ 1.600,00 (depósito de R$ 600,00, no dia 30.9.2020 + depósito de R$ 1.000,00, no dia 15.10.2020), o recorrente não logrou êxito em demonstrar, de forma inequívoca, a origem dos recursos remanescentes, devendo ser mantida a ordem de recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 2.772,34, nos termos do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

A sentença, ao desaprovar as contas, encontra-se de acordo com o entendimento desta Corte e do Tribunal Superior Eleitoral, a exemplo do que constou em decisão proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.6.2019:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

Assim, acertada a sentença que desaprovou as contas, dado que o valor da soma das irregularidades (R$ 2.772,34) representa 60% das receitas declaradas (R$ 4.597,80), percentual superior ao utilizado (10%) como critério pela Justiça Eleitoral para aprovação com ressalvas. 

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, mantenho a sentença de primeiro grau que desaprovou as contas e reduzo o valor do recolhimento ao Tesouro Nacional para a importância total de R$ 2.772,34 (dois mil, setecentos e setenta e dois reais e trinta e quatro centavos).