PC-PP - 0600103-32.2021.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/06/2023 às 14:00

VOTO

Preliminarmente, não conheço da documentação anexada à petição de ID 45469228, pois preclusa a oportunidade de juntada de novas provas.

Em que pese a fase instrutória tenha sido estendida nos presentes autos, inclusive com o recebimento de documento após o Parecer Conclusivo, não se pode prolongar indefinidamente a juntada de novos documentos, sob pena de quebra do princípio da celeridade e da preclusão dos atos processuais.

Ademais, no caso, a admissão dos novos documentos demandaria nova análise técnica, hipótese não reconhecida por esta Corte. 

Mérito

O Diretório Estadual do PODEMOS apresenta contas relativas ao exercício financeiro do ano de 2020, disciplinado quanto ao mérito pela Resolução TSE n. 23.604/19.

A Secretaria de Auditoria Interna (SAI) deste Tribunal, examinando a contabilidade, apontou irregularidades concernentes ao recebimento de recursos oriundos do (1) Fundo Partidário em desacordo com os arts. 18 e 29, inc. V, combinados com o art. 36, § 2º, todos da Resolução TSE n. 23.604/19, no montante de R$ 29.181,28; (2) utilização irregular de recursos do Fundo Partidário em virtude de pagamento de multa e juros, no valor de R$ 148,08; (3) Fonte Vedada, no valor de R$ 160,50, em função de créditos provenientes de contribuinte não filiado a partido político; e (4) não aplicação do Fundo Partidário na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política feminina, do valor de R$ 1.440,00.

Passo ao exame das falhas relatadas.

1. Aplicação irregular de recursos oriundos do Fundo Partidário

Foram identificados no Exame das Contas (ID 44989390) gastos irregulares realizados com recursos do Fundo Partidário (item 1), por meio da conta n. 386286, agência 3240, do Banco do Brasil, no total de R$ 214.104,81.

Após a manifestação da grei (ID 45015563) e a juntada de documentos (ID 45015566 ao ID 45015648), sobreveio Parecer Conclusivo (ID 45076903) no qual parte das falhas puderam ser sanadas, restando ainda irregular o valor de R$ 111.221,28.

O órgão partidário junta documentação aos autos (ID 45111209 e ID 45121201 ao 45121216) que, analisada pela SAI, supre parcialmente as falhas identificadas, remanescendo contudo não sanados R$ 29.181,28, em desacordo com os arts. 18 e 29, inc. V, combinados com o art. 36, § 2º, todos da Resolução TSE n. 23.604/19, conforme tabela:

 Ao realizar a análise da documentação, a SAI concluiu no seguinte sentido (ID 45462433):

Com relação aos gastos de linha 1 a 13, o partido reapresentou microfilmagens de cheques utilizados para pagamentos, sanando os apontamentos nesta parte (ID 45111208). No entanto, não houve a comprovação fiscal dos gastos. Das despesas de R$ 2.500,00 em 18/02/2020 e 09/03/2020 (cheques nominais a Avanete Fátima Favretto) e de R$ 2.000,00 (cheque nominal a Rodrigo Neves) não foram apresentados documentos fiscais ou contratos a fim de demonstrar a aplicação dos recursos públicos. Quanto às demais despesas, referem-se ao pagamento de DARFs e GPSs, sendo que a ausência das respectivas guias impede a identificação do titular do débito como também a verificação quanto a acréscimos por multa/juros/encargos. A respeito dos gastos de linhas 14 a 16, cujos pagamento estão identificados nos extratos eletrônicos da conta n. 386286 em nome de Rodrigo Carvalho Neves, em 08/01/2020 e 10/03/2020, e GDA Produtora de Eventos EIRELI, em 21/01/2020, também permanecem como irregulares por ausência de comprovação fiscal. Ainda sobre o gasto com GDA Produtora (R$ 1.600,00), cumpre destacar que o documento de igual valor apresentado pelo partido em sua manifestação de ID 45121200 refere-se à despesa com Centeno e Mendes Assessoria Contábil, paga em 07/02/2020 conforme extratos eletrônicos, comprovada e não apontada. O gasto apontado na linha 17 (42 na tabela do Parecer Conclusivo), com ELF Locadora de Veículos, no valor de R$ 1.467,35, refere-se integralmente à multa de trânsito, conforme se vê na fatura de ID 42089633, cujo pagamento é vedado com recursos do Fundo Partidário, nos termos do art. 17, § 2º da Resolução TSE 23.604/2019.

Assim, o partido não logrou êxito em sanar integralmente as irregularidades apontadas, seja porque restaram gastos sem a devida comprovação por meio de documento fiscal (art. 18, caput e § 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19), seja pela ausência de comprovação de vínculo do gasto às atividades partidárias (art. 36, § 2º, e art. 17, § 2º, da Resolução n. TSE 23.604/19).

Dessa forma, convirjo com as conclusões da unidade técnica para considerar irregular o montante de R$ 29.181,28, o qual deverá ser recolhido ao erário, conforme determina o art. 58, § 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19.

2. Aplicação irregular de recursos oriundos do Fundo Partidário

A unidade técnica apontou pagamento de multa e juros, no valor de R$ 148,08, de acordo com a tabela que segue:

A agremiação não se manifestou a respeito da irregularidade apontada.

Quanto ao ponto, a disciplina do art. 17, § 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19 é expressa ao estabelecer que:

Art. 17. Constituem gastos partidários todos os custos e despesas utilizadas pelo órgão do partido político para a sua manutenção e para a consecução de seus objetivos e programas.

(...)

§ 2º Os recursos do Fundo Partidário não podem ser utilizados para a quitação de multas relativas a atos infracionais, ilícitos penais, administrativos ou eleitorais ou para a quitação de encargos decorrentes de inadimplência de pagamentos, tais como multa de mora, atualização monetária ou juros. (Grifei.)

É o caso dos autos.

Desse modo, considero irregular a aplicação do valor de R$ 148,08 proveniente do Fundo Partidário, o qual deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, conforme determinação do art. 58, § 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19.

3. Do recebimento de recursos de Fonte Vedada

No item 3 do Exame da Prestação de Contas (ID 44989390), foi apontado o recebimento de recursos de fonte vedada no valor de R$ 160,50.

Assim, permaneceu a irregularidade no Parecer Conclusivo (ID 45186108) com relação à contribuinte abaixo elencada, pois não filiada à agremiação partidária na data em que fez as contribuições:

A sigla não se manifestou a respeito da irregularidade apontada em nenhuma das oportunidades em que chamada aos autos.

A percepção, pelo partido político, de recursos oriundos de tais fontes é expressamente vedada pelo art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, in verbis:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

Nos mesmos termos, a Resolução TSE n. 23.604/19 assim prescreve:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…).

IV – autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se autoridades públicas, para fins do inciso IV do caput, pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

Logo, como regra, o partido é proibido de receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive mediante publicidade de qualquer espécie, procedente de pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário.

Note-se, porém, que na parte final do inc. V do art. 31 da Lei n. 9.096/95 é estabelecida uma exceção à vedação, a qual, justamente por se tratar de uma salvaguarda, deve ser interpretada restritivamente no sentido de “quando o doador for pessoa filiada ao partido político beneficiário da doação”, a operação será lícita.

Esse é o entendimento adotado por esta Corte, conforme resposta apresentada à Consulta n. 0600076-83.2020.6.21.0000, de relatoria do Des. Eleitoral Roberto Carvalho Fraga, julgada em 08.6.2020, na qual questionada a licitude de doações oriundas de filiados a agremiação diversa daquela destinatária dos recursos, proferida nos seguintes termos:

[…]

Nos termos do inc. V do art. 31 da Lei n. 9.096/95, somente é permitida a doação a partido político por parte de pessoa que exerça função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, quando o doador for pessoa filiada ao partido político beneficiário da doação.

Assim, considera-se como de fonte vedada a importância de R$ 160,50, a qual deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.604/19, litteris:

Art. 14. O recebimento direto ou indireto dos recursos previstos no art. 13 sujeita o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias de que trata o art. 6º, sendo vedada a devolução ao doador originário.

§ 1º O disposto no caput também se aplica aos recursos provenientes de fontes vedadas que não tenham sido estornados no prazo previsto no § 5º do art. 11, os quais devem, nessa hipótese, ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

 4. Aplicação irregular de recursos oriundos do Fundo Partidário

No item 4 do Exame da Prestação de Contas (ID 44989390) foi demonstrada a aplicação irregular de recursos oriundos do Fundo Partidário, no valor total de R$ 1.440,00, irregularidade remanescente no Parecer Conclusivo (ID 45076903).

Considerando o total de recursos recebidos do Fundo Partidário (R$ 308.800,00) e o mínimo de 5% estabelecido à cota de gênero, o partido deveria destinar R$ 15.440,00 para criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, consoante inc. V do art. 44 da Lei n. 9.096/95.

Em consulta aos extratos bancários referentes às contas n. 386286 e n. 386278, ambas da agência 3240, do Banco do Brasil, a unidade técnica verificou que a agremiação destinou o total de R$ 14.000,00 para gastos com a difusão da participação política feminina, apontando uma diferença de R$ 1.440,00 (R$ 15.440,00 - 14.000,00 = R$ 1.440,00). Como se observa, o partido não demonstrou a correta aplicação mínima de 5% de recursos do Fundo Partidário destinado à cota de gênero.

No ponto, transcrevo os seguintes artigos da Emenda Constitucional n. 117, de 05 de abril de 2022:

Art. 2º Aos partidos políticos que não tenham utilizado os recursos destinados aos programas de promoção e difusão da participação política das mulheres ou cujos valores destinados a essa finalidade não tenham sido reconhecidos pela Justiça Eleitoral é assegurada a utilização desses valores nas eleições subsequentes, vedada a condenação pela Justiça Eleitoral nos processos de prestação de contas de exercícios financeiros anteriores que ainda não tenham transitado em julgado até a data de promulgação desta Emenda Constitucional.

Art. 3º Não serão aplicadas sanções de qualquer natureza, inclusive de devolução de valores, multa ou suspensão do fundo partidário, aos partidos que não preencheram a cota mínima de recursos ou que não destinaram os valores mínimos em razão de sexo e raça em eleições ocorridas antes da promulgação desta Emenda Constitucional.

Em que pese a incidência da Emenda Constitucional n. 117/22 resulte no afastamento do disposto no § 1º do art. 22 da Resolução TSE n. 23.604/19, no sentido do não recolhimento de tal quantia ao Tesouro Nacional, o entendimento desta Corte é de que, independente da arrecadação de valores, a Justiça Eleitoral mantém o dever de aferir a regularidade do uso das verbas públicas.

Do Julgamento das Contas

 As irregularidades constatadas alcançam a quantia de R$ 30.929,86 (R$ 29.181,28 + R$ 148,08 + R$ 160,50 + R$ 1.440,00), que representa 10,01% do total examinado na presente prestação de contas (R$ 308.960,50), percentual que tangencia os 10% da receita do exercício, hipótese que autoriza a aprovação das contas com ressalvas.

Outrossim, a suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário é consequência específica do recebimento de recursos de fonte vedada, nos termos do art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95 e art. 46 da Resolução do TSE n. 23.604/19:

ELEIÇÕES 2018. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. DIRETÓRIO ESTADUAL. DESAPROVAÇÃO. RECURSOS DE FONTE VEDADA. ART. 36, II, DA LEI 9.096/1995. ESPECIFICIDADE DA NORMA. SUSPENSÃO DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. APLICAÇÃO. 1. O TRE/SC desaprovou as contas do Diretório Estadual do Democratas (DEM), relativas ao exercício de 2016, com a imposição de sanção de suspensão do recebimento de novas cotas do Fundo Partidário pelo período de 2 (dois) meses com a determinação de recolhimento do valor de R$ 21.800,00 (vinte e um mil e oitocentos reais) ao Tesouro Nacional, bem como a transferência de quantia referente às sobras financeiras da campanha eleitoral de 2016. 2. A rejeição das contas consubstanciada em doação proveniente de fonte vedada (art. 31 da Lei dos Partidos Políticos) enseja a suspensão de cotas do Fundo Partidário prevista no art. 36, II, da r. norma, sopesados, no caso concreto, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 3. Trata–se de sanção específica sem que a norma geral, definida pelo art. 37, caput, tenha lhe revogado o conteúdo, na linha do art. 2º, § 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Logo, a ressalva do art. 36, II permanece hígida, inclusive diante da gravidade que constitui o partido em receber recursos legalmente proscritos.4. Agravo Regimental conhecido e desprovido.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 060001294, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Relator designado Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 214, Data: 23.10.2020.)

Entretanto, considerando que a receita oriunda de fontes vedadas no valor de R$ 160,50 representa 0,051% da movimentação em exame (R$ 308.960,50), em homenagem ao princípio da proporcionalidade, tenho por afastar a penalidade de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela aprovação das contas com ressalvas do exercício financeiro de 2020 do Diretório Estadual do PODEMOS e determino que a agremiação partidária:

a) recolha o valor total de R$ 29.489,86 ao Tesouro Nacional, das seguintes importâncias discriminadas:

a.1) R$ 29.329,36 (R$ 29.181,28 – item 1 + R$ 148,08 – item 2 = R$ 29.329,36), a título de uso irregular de recurso do Fundo Partidário;

a.2) R$ 160,50 (item 3), a título de recebimento de recurso de Fonte Vedada.