AJDesCargEle - 0600024-19.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/06/2023 às 14:00

VOTO

Trago a julgamento conjunto a Ação de Justificação de Desfiliação Partidária n. 0600024-19.2022.6.21.0000 e a Ação de Perda de Mandato Eletivo n. 0600174-97.2022.6.21.0000 diante da identidade da causa de pedir, qual seja, aferir a existência ou não de justa causa para a desfiliação partidária do Vereador Laércio Fernandes do PTB – Partido Trabalhista Brasileiro de Canoas, sem a perda do mandato eletivo.

Nos autos do processo n. 0600024-19.2022.6.21.0000, os órgãos Regional e Municipal de Canoas do PTB arguiram a preliminar de ausência de citação no processo, porém, ambas, por meio de seus procuradores, deram-se por citadas da presente ação e apresentaram defesa, de modo que não há que se falar em nulidade.

Quanto ao mérito, a Ação de Justificação de Desfiliação Partidária (processo n. 0600024-19.2022.6.21.0000) proposta tem por fundamento o art. 17, § 6°, da Constituição Federal e o art. 22-A, incs. I e II, da Lei n. 9.096/95, que estabelecem como hipóteses de justa causa para a desfiliação partidária sem perda do cargo eletivo, a anuência do partido, a mudança substancial ou o desvio reiterado do programa partidário e a grave discriminação política pessoal, respectivamente.

Em relação à carta de anuência, a Emenda Constitucional n. 111/21 incluiu o § 6º ao art. 17 da Constituição Federal, dispondo que os candidatos eleitos pelo sistema proporcional podem se desfiliar do partido pelo qual foram eleitos, sem perda do mandato eletivo, caso a legenda expresse anuência com a desfiliação:

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

[…]

§ 6º Os Deputados Federais, os Deputados Estaduais, os Deputados Distritais e os Vereadores que se desligarem do partido pelo qual tenham sido eleitos perderão o mandato, salvo nos casos de anuência do partido ou de outras hipóteses de justa causa estabelecidas em lei, não computada, em qualquer caso, a migração de partido para fins de distribuição de recursos do fundo partidário ou de outros fundos públicos e de acesso gratuito ao rádio e à televisão. (grifo nosso)

 

Sobre a matéria, este Tribunal tem entendimento consolidado no sentido de que a carta de anuência deve ser “qualificada” para autorizar a desfiliação do parlamentar:

AÇÃO DECLARATÓRIA DE JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA SEM PERDA DO MANDATO ELETIVO. RESOLUÇÃO TSE N. 22.610/07. PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA INDEFERIDO. PRELIMINAR. EXTINÇÃO DO PROCESSO. REJEITADA. MÉRITO. CARTA DE ANUÊNCIA DE DESFILIAÇÃO. ART. 17, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INVÁLIDA PARA O FIM PRETENDIDO. NÃO DEMONSTRADA ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL NAS DIRETRIZES DO PARTIDO. INEXISTÊNCIA DE GRAVE DISCRIMINAÇÃO PESSOAL. AUSÊNCIA DE QUAISQUER DAS HIPÓTESES DE JUSTA CAUSA PREVISTAS NO ART. 22-A DA LEI N. 9.096/95. PEDIDO IMPROCEDENTE.

1. Ação declaratória de justa causa para desfiliação partidária ajuizada por vereador eleito, em face de partido político, com base no art. 17, § 6º, da Constituição Federal e no art. 22-A da Lei n. 9.096/95. Pedido de tutela provisória indeferido.

2. Preliminar de extinção do processo rejeitada, sob o fundamento de que “persiste o interesse do requerente em ver reconhecida justa causa para a desfiliação sem perda do mandato, a despeito do escoamento do prazo de filiação para a eleição de 2022”.

3. Art. 17, § 6º, da Constituição Federal. Anuência da agremiação. Este Tribunal tem entendimento consolidado no sentido de que, para aceitar o consentimento do partido como justa causa, a anuência deve ser ‘qualificada’, expressando uma declaração de que o partido não tem interesse no cargo eletivo. No caso, em que duas esferas partidárias comparecem nos autos e contestam os fatos narrados na inicial, refutando a validade da dita declaração, insurgindo-se contra o desligamento do requerente com manutenção do mandato, e no qual o parlamentar sequer se manifesta para se contrapor aos argumentos da defesa, inviável considerar atendida a hipótese de justa causa prevista no § 6º do art. 17 da Constituição Federal.

4. Mudança substancial e desvio reiterado de programa partidário. O alegado alinhamento da sigla às pautas do Presidente da República, bem como as sanções aplicadas ao Presidente de Honra do partido não configuram justa causa para a desfiliação partidária, pois, já em 2018 e no decorrer do ano de 2020, antes da eleição do requerente como vereador, tal circunstância era de sua ciência, inclusive de conhecimento público e notório com extensa divulgação midiática. Este Tribunal já assentou o entendimento de que o envolvimento de filiados de determinada agremiação em ações penais e processos envolvendo casos de corrupção, ainda que praticados por dirigentes partidários, não caracteriza desvio reiterado do programa do partido. Ademais, conforme assentado pelo Tribunal Superior Eleitoral, o pedido de desfiliação com base no art. 22-A da Lei n. 9.096/95 somente é procedente quando ocorre dentro de prazo razoável, o que não se verifica nos autos. Tampouco apontado qualquer ato pessoal de grave discriminação política pessoal quanto a si ou contra o exercício do seu mandato. Como já decidido pelo TSE, “a hipótese de discriminação pessoal que caracteriza justa causa para desfiliação exige a demonstração de fatos certos e determinados que tenham o condão de afastar o mandatário do convívio da agremiação ou revelem situações claras de desprestígio ou perseguição”. Não verificada a ocorrência das hipóteses previstas no art. 22-A da Lei n. 9.096/95 para a declaração de justa causa a amparar a desfiliação

5. Pedido improcedente.

(TRE-RS, AJDesCargEle 0600029-41.2022.6.21.0000, julgado em 06.09.2022, Rel. Des. Gerson Fischmann) (grifo nosso)

 

Na espécie, a ação foi ajuizada em 27.01.2022, e com a inicial o requerente juntou carta de anuência genérica, subscrita em 01.12.2021 pela então Presidente do Diretório Nacional do PTB, Graciela Nienov, na qual esta consigna que “manifesta sua expressa anuência quanto à desfiliação do Vereador de Canoas/RS LAÉRCIO FERNANDES" (ID 44905720).

Entretanto, em 10.3.2022, antes mesmo da expedição do mandado de citação dos órgãos partidários, o parlamentar peticionou renovando o pedido de antecipação de tutela com fundamento na juntada de outra carta de anuência com a desfiliação, subscrita em 18.01.2022, data anterior ao ajuizamento da ação, pela mesma dirigente nacional (ID 44939259).

No documento, a dirigente afirma que “manifesta posição de não utilizar as prerrogativas da Resolução TSE n. 22.610/07 c/c art. 26 da Lei n. 9.096/95, que trata da fidelidade partidária e consigna anuência a sua desfiliação, nos termos do expresso art. 1o da Emenda Constitucional n. 111, de 28 de setembro de 2021, que acrescentou o § 6º ao art. 17 da Constituição Federal, não postulando perante a Justiça Eleitoral quanto à desfiliação do Vereador de Canoas/RS, LAÉRCIO FERNANDES” (ID 44939260).

Na decisão de ID 44944297, a então Relatora Desa. Eleitoral Kalin Cogo Rodrigues deferiu a tutela de urgência para autorizar a desfiliação do parlamentar Laércio Fernandes.

Em que pese o requerente não tenha justificado a razão pela qual a carta de anuência específica de 18.1.2022, apresentada somente em 10.3.2022, não foi juntada com a inicial em 27.1.2022, entendo que, no caso concreto, o seu conhecimento não viola o disposto no art. 435 e parágrafo único do CPC, pois os requeridos apresentaram contestação sobre o documento (ID 44950314).

Desse modo, considero que o documento comporta conhecimento.

No caso dos autos, todavia, o teor da carta de anuência foi infirmado pelos requeridos.

Ainda que o requerente ocupe o cargo de vereador no Município de Canoas, no qual há diretório partidário constituído e vigente, a anuência específica foi concedida em 18.1.2022, pela então Presidente do Diretório Nacional do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Graciela Nienov.

Contudo, é fato público e notório, amplamente divulgado pela mídia, que em 11.2.2022 o Ministro Edson Fachin do TSE, nos autos do SEI n. 2021.00.000010465-6 (referido no MSCiv n. 0600153-09.2022.6.00.0000, também da relatoria do Min. Edson Fachin), acolheu o pedido do partido e determinou a inclusão de Marcus Vinícius de Vasconcelos Ferreira como representante da legenda perante o TSE, tendo sido no mesmo período aberto Processo Disciplinar no Conselho de Ética do PTB contra a referida dirigente, que culminou com sua expulsão em 15.6.2022 (https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/eleicoes/2022/noticia/2022/03/11/presidente-do-tse-fachin-reconhece-marcus-vinicius-neskau-como-presidente-nacional-do-ptb.ghtml).

As testemunhas Maria Rosane da Rosa Fagundes e Vitório Krampe, que prestam serviços ao PTB Estadual, declararam em juízo que a Presidente do PTB Nacional, Graciela Nienov, deu carta de anuência em nome próprio aos vereadores, a pedido do Deputado Federal Maurício Dzedrick, mas que a competência para tal deliberação estatutária só pode ser feita pela Comissão Executiva Nacional, a qual não se reuniu para tratar do tema.

Em depoimento pessoal, Laércio Fernandes diz que “essa parte da desfiliação foi feita pelo jurídico e que achava que estava tudo certo, e que não lembra ter recebido alguma carta”, mencionando que não teve problemas de ordem pessoal com o partido.

O informante Jefferson Oléa Homrich, vereador de São Borja, Presidente do PTB de São Borja, Vice-Presidente do PTB Estadual e 1o Secretário de Finanças do Diretório Nacional do partido, afirmou não ter conhecimento sobre a entrega das cartas de anuência e que soube que a carta de Laércio foi intermediada pelo deputado Maurício, que tem amizade com a presidente. Disse que não foi discutido com nenhuma comissão ou colegiado estadual ou nacional. Que não sabe de discriminação ou perseguição pelo partido. Alegou que, no seu entender, nos últimos anos não houve alteração no programa partidário e ideologia do partido. Que não houve alteração substancial no programa de 2018 e 2020, e que só as cores da bandeira mudaram.

Além disso, o Estatuto do PTB não prevê a competência do Presidente do Partido Nacional em matéria de desfiliação. O art. 67, inc. I, al. “f”, dispõe que ao Presidente compete dirigir o partido de acordo com as resoluções de seus órgãos, assim como editar, no que couber, resoluções normativas e complementares ao presente Estatuto, ad referendum do Diretório Nacional.

Nas atribuições dos presidentes no nível nacional ou municipal (arts. 67, inc. I, e 68, inc. I), não está arrolada a emissão de cartas de anuência para desfiliação:

SUBSEÇÃO V - DA COMPETÊNCIA PRIVATIVA DOS MEMBROS DAS COMISSÕES EXECUTIVAS

Art. 67. Compete privativamente aos membros da Comissão Executiva Nacional, além das atribuições decorrentes do Plano Nacional de Ação Partidária:

I. Compete ao Presidente:

a. Representar o partido, nas instâncias judiciais e extrajudiciais, pessoalmente ou por meio de procurador devidamente constituído;

b. Convocar a convenção, o diretório e a comissão executiva, na forma do Estatuto;

c. Presidir a convenção, as reuniões do diretório e da própria comissão executiva;

d. Convocar os suplentes, em caso de vacância, impedimento ou ausência dos membros efetivos;

e. Autorizar a realização de despesas ordinárias;

f. Dirigir o partido de acordo com as resoluções de seus órgãos, assim como editar, no que couber, resoluções normativas e complementares ao presente Estatuto, ad referendum do Diretório Nacional, com exceção das atribuições definidas nos incisos III, IV, V, IX e XVII do artigo 44;

g. Orientar a implementação do Plano Nacional de Ação Partidária;

h. Orientar as atividades administrativas do diretório;

i. Implementar, em conjunto com os secretários, os projetos específicos de suas respectivas áreas;

j. Coordenar as atividades administrativas do diretório e dos secretários;

k. Admitir e dispensar pessoal administrativo;

l. Coordenar e supervisionar as atividades de articulação partidária.

[…]

Art. 68. Compete privativamente aos membros das Comissões Executivas Estaduais, Municipais, no âmbito de sua circunscrição partidária:

I. Compete ao Presidente:

a. Representar o partido, nas instâncias judiciais e extrajudiciais, pessoalmente ou por meio de procurador devidamente constituído;

b. Convocar a convenção, o diretório e a comissão executiva, na forma do Estatuto;

c. Presidir a convenção, as reuniões do diretório e da própria comissão executiva;

d. Convocar os suplentes, em caso de vacância, impedimento ou ausência dos membros efetivos;

e. Autorizar a realização de despesas ordinárias;

f. Dirigir o partido de acordo com as resoluções de seus órgãos. (grifo nosso)

 

Os artigos referentes aos processos de suspensão, expulsão e cancelamento de filiação estabelecem que essa deliberação será realizada pela comissão executiva ou comissão de ética, ou seja, órgãos colegiados, e não individualmente, pelo Presidente Nacional do PTB (arts. 113, 114, 122, e 134):

SEÇÃO IV - DA DESTITUIÇÃO DE CARGO PARTIDÁRIO

Art. 113. Aplica-se a medida de destituição de cargo partidário ao filiado que:

I. Faltar com a exação no cumprimento dos deveres pertinentes às funções partidárias;

II. Deixar injustificadamente de comparecer a 3 (três) reuniões consecutivas do órgão partidário a que pertencer;

III. Conduzir o partido contrariamente aos dispositivos estatutários e programáticos;

IV. Sofrer medida de suspensão ou expulsão com cancelamento da filiação.

 

SEÇÃO V - DO DESLIGAMENTO TEMPORÁRIO DA BANCADA

Art. 114. Ao parlamentar, aplica-se o desligamento temporário da bancada conjuntamente com a medida de suspensão e pelo tempo que perdurar esta sanção disciplinar.

Parágrafo único - O desligamento temporário da bancada não isenta o parlamentar do cumprimento de seus deveres estatutários.

[...]

Art. 122. O processo disciplinar se desenvolve nas seguintes fases:

I. Instauração, por meio de resolução da comissão executiva;

II. Inquérito partidário, compreendendo instrução, defesa e relatório;

III. Julgamento.

§ 1º Instaurado o processo disciplinar, o acusado será notificado para, querendo, acompanhá-lo e respondê-lo em todos os seus termos.

§ 2º Como medida cautelar e a fim de que o acusado não venha a influir na apuração da irregularidade, a comissão executiva poderá determinar o afastamento do acusado do exercício de cargo partidário, pelo prazo que durar o processo, considerando, inclusive, o período da fase recursal.

[...]

Art. 134. Verificada a existência de vício insanável, decorrentes de atos tendenciosos, a comissão executiva declarará a nulidade total ou parcial do processo e nomeará uma Comissão de Ética Provisória, com o fim especial de instaurar novo processo.

 

E há previsão estatutária no sentido de que é da exclusiva competência colegiada das comissões executivas toda matéria não incluída na competência privativa de seus respectivos membros (art. 58, parágrafo único):

Art. 58. As comissões executivas organizar-se-ão de modo a exercer efetiva administração colegiada, podendo baixar resoluções para cumprimento de suas atribuições.

Parágrafo único - É da exclusiva competência colegiada das comissões executivas toda matéria não incluída na competência privativa de seus respectivos membros.

 

Assim, tenho que a carta de anuência juntada aos autos não autoriza a desfiliação do requerente do mandato eletivo.

Ademais, registro que após o partido contestar a ação e produzir prova oral alegando a ausência de validade da carta de anuência, o parlamentar manifestou-se no feito, apresentando alegações finais (ID 45123526).

Desse modo, no caso específico, a mera carta de anuência subscrita pela Presidente Nacional da legenda não se afigura suficiente para justificar a desfiliação sem perda o cargo eletivo.

No caso em tela, em que duas esferas partidárias, mais próximas ao mandato de vereador, comparecem nos autos e contestam os fatos narrados na inicial, refutando a validade da dita declaração, insurgindo-se contra o desligamento do mandatário com manutenção do mandato, não há como se entender atendida a hipótese de justa causa prevista no § 6º do art. 17 da Constituição Federal.

Acrescento que as alegações de que “a direção nacional do PTB é contra os métodos de distanciamento social, promovendo aglomerações, e negando a existência da pandemia”; “Guinada do PTB à extrema direita”; “Prisão do então presidente do partido, Roberto Jefferson”; “Ameaça à liberdade para o exercício do mandato eletivo, tal como ocorrido com o vereador do Município de Curitiba/PR, Pierpaolo Petruzziello, que foi ameaçado de expulsão por parte de Roberto Jefferson”; “Alteração substancial das diretrizes partidárias, pois concorreu como vereador na vigência do estatuto de 2016, mas em 18.11.2020, após sua eleição, o Presidente Nacional 'alterou cores, símbolos e pôs abaixo o que fora solidificado por décadas', modificando princípios, a temática de simpósios e das vice-presidências exclusivas”, são argumentações recorrentes nos processos submetidos à Corte, de modo que, para evitar desnecessária tautologia, peço vênia ao Eminente Des. Eleitoral Gerson Fischmann, para incorporar como razões de decidir as que por ele foram trazidas na AJDesCargEle 0600029-41.2022.6.21.0000, julgado em 06.09.2022:

b) A direção nacional do PTB é contra os métodos de distanciamento social, promovendo aglomerações, e negando a existência da pandemia.

Quanto a este fundamento, tem-se que o requerente não se desincumbiu do ônus de demonstrar que a posição do PTB quanto às medidas de distanciamento social verificadas no momento do ajuizamento da ação, janeiro de 2022, diferem das adotadas pela agremiação no ano de 2020, quando a crise sanitária se iniciou e o parlamentar buscava a sua eleição como vereador pelo PTB, postulando registro de candidatura e realizando a campanha eleitoral.

A insurgência do parlamentar quanto ao fato de o então Presidente do Diretório Nacional do PTB, Roberto Jefferson, ter promovido ou participado aglomerações, não se mostra suficiente para legitimar a saída do partido sem perda do mandato, porque no curso do ano de 2020, durante a campanha eleitoral em que buscava ser eleito pelo PTB, a sigla já externava posição contrária às medidas sanitárias de combate à pandemia.

É fato público e notório, inclusive divulgado em 22.10.2020 pelo partido em seu site de internet, antes da eleição do requerente como vereador pelo PTB, que a legenda ingressou com ação no STF para impedir vacinação obrigatória da população (notícia divulgada em: https://ptb.org.br/ptb-ingressa-com-acao-no-stf-para-impedir-vacinacao-obrigatoria/).

Com efeito, em outubro de 2020, o Partido Trabalhista Brasileiro tomou posição, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6587, contra a obrigatoriedade da vacina.

Ressalto que, segundo o art. 374, inc. I, do CPC, não dependem de prova os fatos notórios, isto é, aqueles perceptíveis por qualquer homem médio e disponíveis mediante ampla divulgação. Além disso, o art. 375 do CPC estabelece que o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece, enquanto o art. 23 da LC n. 64/1990 prevê, para as ações de investigação judicial eleitoral, que o Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral:

 

Código de Processo Civil

Art. 374. Não dependem de prova os fatos:

I - notórios;

[...]

Art. 375. O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial.

 

Lei Complementar n. 64/90

Art. 23. O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral.

 

Realmente, há notícias que não se caracterizam como inéditas porque já foram divulgadas pela imprensa em geral, que refutam a tese de surpresa ou nas ações invocadas pelo autor que fundamentariam a justa causa para a desfiliação.

Nesse sentido, tem-se que, em 22.4.2020, o Jornal El País divulgou manchete “Bolsonaro recorre a condenados no mensalão e réus na Lava Jato para romper isolamento político e pressionar Maia”, noticiando jantar para celebrar acordos políticos no qual Roberto Jefferson, então Presidente do PTB, se fez presente. A matéria aponta que “Oficialmente, Bolsonaro pediu integração dos partidos para superar as crises sanitária e econômica da covid-19” (https://brasil.elpais.com/brasil/2020-04-23/bolsonaro-recorre-a-condenados-no-mensalao-e-reus-na-lava-jato-para-romper-isolamento-politico-e-pressionar-maia.html).

Portanto, não se mostra razoável que durante a campanha e a prática de atos contrários a medidas de orientação sanitária afetos à pandemia o requerente tenha se mantido filiado ao partido, alcançando um mandato eletivo enquanto vigentes os posicionamentos da legenda sobre a pandemia, e após mais de 1 ano e 3 meses da sua eleição, busque a saída do partido sem perda do cargo de vereador.

Assim, tendo em conta que o vereador não demonstrou ter sido surpreendido com uma alteração da posição adotada pelo partido quanto à pandemia no momento posterior à sua eleição, não se mostra razoável a procedência do pedido neste ponto.

 

c) Guinada do PTB à extrema direita.

No que se refere à alegação de que o então Presidente do Diretório Nacional do PTB, Roberto Jefferson, utiliza-se de estratégias para “bolsonarizar” o partido, é preciso ter presente que a sigla, desde a campanha de segundo turno das eleições de 2018, ou seja, desde antes da eleição do autor como vereador, se posicionou como apoiadora da campanha do Presidente da República Jair Messias Bolsonaro.

Faço aqui um registro de que expressões como “bolsonarizar” e “extrema direita” ou outras que denotam ideologias são de autoria do recorrente e também empregadas pela mídia eis que, por óbvio, este magistrado examina com a absoluta imparcialidade e equidistância de qualquer debate de caráter subjetivo, ideológico, seja de que matiz for.

Pois bem.

A matéria do G1 divulgada em 9.10.2018 refere: “Partido de Roberto Jefferson, PTB anuncia apoio a Jair Bolsonaro. Anúncio foi feito na tarde desta terça. Segundo o partido, projeto de Bolsonaro visa um país 'eficiente e competitivo'. Além disso, PTB diz que candidato trabalhará pela 'pacificação' do Brasil” (https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/10/09/partido-de-roberto-jefferson-ptb-anuncia-apoio-a-jair-bolsonaro.ghtml).

O requerente ajuizou a ação somente em 27.1.2022, cerca de 1 ano e 3 meses após sua eleição como vereador do PTB, ocorrida em 15.11.2020, verificando-se também pela consulta a fatos públicos e notórios, disponíveis a acesso de toda a população, que em 2018 e ao longo do ano de 2020 e durante a campanha, antes da eleição, o PTB externou amplo apoio à atuação política do Presidente da República Jair Bolsonaro.

Em notícia de 20.4.2020, o Jornal Metrópolis divulgou a manchete “Bolsonaristas justificam aliança com mensaleiro Roberto Jefferson”, afirmando “Para militantes do presidente, apenas alguém que conhece as entranhas da corrupção política, como o presidente do PTB, pode desmascará-las” (https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/bolsonaristas-justificam-alianca-com-mensaleiro-roberto-jefferson).

Em 21.4.2020, o Jornal Correio Braziliense publicou matéria intitulada “'Para derrubar Bolsonaro, só se for a bala'', afirma Roberto Jefferson” (https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/04/21/interna_politica,846756/para-derrubar-bolsonaro-so-se-for-a-bala-afirma-roberto-jefferson.shtml).

O Jornal Nexo, em manchete publicada em 13.5.2020, informa: “A trajetória de Roberto Jefferson, o novo aliado de Bolsonaro” (https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/05/13/A-trajet%C3%B3ria-de-Roberto-Jefferson-o-novo-aliado-de-Bolsonaro).

Em 31.5.2020, o site UOL publicou notícia “Ato contra STF e pró-intervenção tem Bolsonaro com criança e uso de cavalo”, narrando que “A ex-deputada federal Cristiane Brasil, filha do presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, foi outra a participar das manifestações. Jefferson é o mais novo aliado de Bolsonaro, após movimento do Palácio do Planalto para se aproximar do bloco de partidos do Centrão, do qual o PTB faz parte, na tentativa de construir uma base aliada ao presidente da República” (https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/05/31/protestos-brasilia-31-de-maio.htm).

Em notícia de 30.9.2020, o site Congresso em Foco divulgou a matéria “Exclusivo: os 12 partidos que formam a base fiel do governo na Câmara”, narrando que dos 24 partidos com representação na Câmara dos Deputados, 12 são aliados fiéis de Jair Bolsonaro, e que “Estão neste grupo: PSL, Patriota, DEM, PSC, Novo, PSDB, MDB, PP, Republicanos, PL, PSD e PTB” (https://congressoemfoco.uol.com.br/area/governo/exclusivo-os-12-partidos-que-formam-a-base-fiel-do-governo-na-camara/).

Assim, a narrativa de que o PTB está alinhado ao atual Presidente da República não tem força suficiente para conduzir à procedência do pedido, pois já em 2018 e no decorrer do ano de 2020, antes da eleição do requerente como vereador, tal circunstância era de seu conhecimento, inclusive de conhecimento público e notório com extensa divulgação midiática.

Noutro giro, a mera alegação de que Roberto Jefferson estava lançando ‘indiretas’ sobre posicionamentos políticos e de gestão do órgão do partido no Rio Grande do Sul, não justifica a grave consequência de permitir a desfiliação por justa causa, dada a falta de esclarecimento sobre a relevância de indiretas, as quais sequer foram especificadas, no cenário encartado nos autos.

O outro fundamento do pedido é e que Roberto Jefferson interferiu na gestão dos diretórios municipais do PTB em São Paulo e na Bahia, causando a desfiliação de dirigentes partidários.

Contudo, esse descontentamento também não se mostra grave o bastante para a procedência da ação, pois a situação narrada também é anterior à eleição do autor como vereador pelo PTB em 2020.

A matéria jornalística do Jornal Gazeta do Povo, referida na inicial, afirma “Em 2020, ao intervir nos diretórios municipais e anular convenções partidárias nas eleições municipais, Jefferson levou os ex-deputados federais Benito Gama (BA) e Alex Canziani (PR), o ex-senador Armando Monteiro (PE) e o deputado estadual Campos Machado (SP) a deixarem o partido” (https://www.gazetadopovo.com.br/republica/roberto-jefferson-ptb-bolsonarismo-bolsonaro/).

Veja-se que em 17.9.2020, antes do período dos registros de candidatura e do início da campanha para os cargos de prefeito e vereador, o PTB anunciou a edição de Resolução anulando convenções que descumpriram diretrizes da Executiva Nacional sobre coligações (https://ptb.org.br/resolucao-do-ptb-anula-convencoes-municipais-que-descumpriram-diretrizes-da-executiva-nacional-sobre-coligacoes/).

Em 28.9.2020, também antes do início da campanha para vereador, o Jornal Correio Braziliense publicou notícia informando que Roberto Jefferson promoveu uma intervenção nos diretórios municipais e anulou as convenções partidárias nas cidades onde a sigla apoiaria candidatos de outros partidos, que fazem oposição ao Palácio do Planalto, ocasião em que destituiu o diretório do PTB em São Paulo (https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2020/09/4878611-roberto-jefferson-destitui-diretorio-do-ptb-em-sao-paulo.html).

A Revista Isto é de 28.9.2020 divulgou que “Roberto Jefferson destitui diretório do PTB em São Paulo” após o ex-deputado ter promovido, em 17.9.2020, uma “intervenção nos diretórios municipais e anulado as convenções partidárias nas cidades onde a sigla apoiaria candidatos de outros partidos, que fazem oposição ao Palácio do Planalto. Foram registrados casos em São Bernardo do Campo, Osasco e Presidente Prudente, em São Paulo, Salvador (BA) e Fortaleza (CE)” (https://istoe.com.br/roberto-jefferson-destitui-diretorio-do-ptb-em-sao-paulo/).

E mesmo com as intervenções nos diretórios municipais o autor decidiu permanecer no partido, fazendo campanha pelo PTB até alcançar a sua eleição, e após o início do exercício do mandato, em nenhum momento demonstrou concretamente ter tido prejuízos para atuar como vereador.

Assim, considerando que o requerente não aponta nenhum ato pessoal de discriminação e permaneceu na campanha concorrendo pelo partido mesmo após os fatos invocados na inicial, ocorridos antes da sua eleição como vereador, não vejo como entender que tais posições do diretório nacional sirvam de justa causa para a manutenção do mandato por desfiliação, uma vez que esta foi pleiteada somente em agosto de 2021.

 

d) Prisão do então presidente do partido, Roberto Jefferson, por afronta ao Estado Democrático de Direito, publicação de pedido de intervenção militar, ataque a integrantes de instituições públicas, descrédito do processo eleitoral brasileiro e dos Poderes da República, e oposição à utilização de cannabis medicinal para o tratamento de doenças.

O requerente insurge-se contra a postura do então Presidente Nacional do PTB, Roberto Jefferson, o qual teve a prisão preventiva decretada pelo STF em 12.08.2021, em razão da divulgação de ações antidemocráticas, mediante questionamento sistemático do processo eleitoral e tentativas de intimidação das autoridades públicas investidas nas funções de resguardo da Constituição e de promoção das eleições.

Nesse ponto, ressalto que este Tribunal já assentou o entendimento de que o envolvimento de filiados de determinada agremiação em ações penais e processos envolvendo casos de corrupção, ainda que praticados por dirigentes partidários, não caracteriza desvio reiterado do programa partidário:

Ação de decretação de perda de cargo eletivo por desfiliação partidária. Vereador. Resolução TSE n. 22.610/07. Pretensão da agremiação peticionante de reaver o cargo de vereador que se desligou da sua legenda para filiar-se a partido diverso. Tese defensiva alegando o desvio ou a mudança substancial do programa partidário.

O fato de filiados de determinada agremiação estarem envolvidos no cometimento de crimes e casos de corrupção, ainda que operados por figuras proeminentes da legenda, não configura desvio reiterado do programa partidário. Para tanto, necessário que o estatuto sofra alterações substanciais em seu programa e sua ideologia. Justa causa não vislumbrada. Corolário é a decretação da perda do mandato eletivo. Procedência do pedido.

(TRE-RS, PET n. 17311, Acórdão de 15.3.2016, Relatora Dra. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez, DEJERS 17.3.2016) Grifei.

 

Além disso, as atitudes impugnadas, encampadas por Roberto Jefferson, não iniciaram em 2021, tendo sido divulgadas muito antes da campanha eleitoral de 2020 na qual o requerente foi eleito vereador pelo PTB.

Sobre esse argumento, anoto que este Tribunal entendeu, em situação análoga, nos autos do processo PET n. 0603532-12, que: “O alegado desconforto com relação aos casos de corrupção e escândalos revelados pela ‘Operação Lava Jato’”, associados a filiados e figuras proeminentes da legenda da qual migrou, não caracteriza o desvio reiterado do programa partidário” (TRE-RS, PET n. 0603532-12.2018.6.21.0000, Rel. Des. El. Gustavo Alberto Gastal Diefenthaler, Publicado no PJE em 19.8.2019).

O acórdão do processo PET n. 0603532-12 foi confirmado pelo TSE, que assentou: “Os escândalos de corrupção em que se envolveu a legenda no plano nacional, considerados de forma objetiva, não podem representar contexto que assegure, por si só, a imediata desfiliação de um mandatário” (TSE, AI n. 0603532-12.2018.6.21.0000, Rel. Min. Sergio Silveira Banhos, DJE 05/08/2020).

Noutro norte, a mera oposição ao uso de cannabis medicinal para o tratamento de doenças não dá causa suficiente para a desfiliação do partido sem perda do mandato.

O TSE já assentou que “a alteração de posicionamento do partido em relação à matéria polêmica dentro da própria agremiação não constitui, isoladamente, justa causa para desfiliação partidária” (TSE, PET n. 3019, Ac. de 25.8.2010, Relator Min. Aldir Passarinho).

Também importa acrescentar que o TSE entende que o pedido de desfiliação por desvio reiterado do programa partidário e demais hipóteses previstas no ar. 22-A da Lei n. 9.096/95 somente é procedente quando ocorre dentro de prazo razoável, o que não se verifica nos autos:

[ ... ] 3. Não se justifica a desfiliação de titular de cargo eletivo quando decorrido lapso temporal considerável entre esse fato e a alteração estatutária que teria motivado sua saída, em virtude da produção de efeitos jurídios pelo decurso do tempo. [...]

(AgR-RO 51783-12/PI, Rel.IVJ/n. Marcelo Ribeiro, DJE de 11.2.201 1) (Sem destaque no original.)

 

[ ... ] 2. Para o reconhecimento das hipóteses previstas na Res.-TSE 22.61 012006, deve haver prazo razoável entre o fato e o pedido de reconhecimento da justa causa. [ ... ]

(AgR-AC 1984-641SP, Rei. Mm. Arnaldo Versiani, DJEde 3.11.2010) (Sem destaque no original.)

 

[ ... ] 1. Para o reconhecimento das hipóteses previstas na Resolução 22.610/2006-TSE deve haver um prazo razoável entre o fato e o pedido de reconhecimento da justa causa.

2. Fusão partidária ocorrida há mais de dez meses do pedido de declaração de justa causa impossibilita seu deferimento por não configurar prazo razoável. [ ... ]

(RO 2.352/BA, Rei. Mm. Ricardo Lewandowski, DJEde 18.11.2009) (sem destaque no original)

 

Na hipótese em apreço, o requerente permaneceu no partido, logrando eleição, permaneceu no exercício do mandato apesar da postura do então presidente nacional, não sendo razoável compreender que somente em janeiro de 2022 e após a eleição, houve uma surpresa, uma guinada de pensamento que, por ser inédita, justifique a desfiliação.

O transcurso de longo período entre os fatos narrados comprova também que os pensamentos externados não trouxeram maiores transtornos para a convivência intrapartidária durante esse período considerável de tempo.

Por essas razões, de todo o panorama que gira em torno das alegações da inicial e do que se observa do exame de fatos públicos, de notória divulgação nos meios de comunicação, não me parece razoável ou proporcional que o autor tenha obtido o mandato filiado a um partido que a todo o momento apresentou de forma clara a sua posição ideológica e política, e que, 9 meses após as eleições, se desfilie levando consigo o cargo eletivo alcançado sob uma égide partidária há muito estabelecida e externada.

 

e) Ameaça à liberdade para o exercício do mandato eletivo, tal como ocorrido com o vereador do Município de Curitiba/PR, Pierpaolo Petruzziello, que foi ameaçado de expulsão por parte de Roberto Jefferson.

Ao contrário do que o requerente referiu quanto ao vereador de Curitiba/PR Pierpaolo Petruzziello, ameaçado de expulsão do PTB por Roberto Jefferson por relatar projeto favorável a lockdown durante a pandemia, o autor não aponta qualquer ato pessoal de grave discriminação política pessoal quanto a si ou contra o exercício do seu mandato, até porque não se sabe que outros motivos, até de ordem pessoal, poderiam existir em relação ao então presidente do partido e aquele vereador paranaense.

O mero receio de se ver atacado pela direção partidária nacional não se afigura bastante para a procedência do pedido de desfiliação sem perda do cargo.

Verifiquei, quanto ao caso do Vereador Pierpaolo Petruzziello invocado pelo autor, que o TSE, ao decidir pela possibilidade de Pierpaolo se desligar do partido sem perda do mandato, foi expresso ao consignar que “a pessoalidade da discriminação está clara nos autos, já que é citado expressamente o nome do requerente. Veja-se que não se trata de meros aborrecimentos, frustrações em projetos pessoais, mas de insatisfação pública do presidente do partido quanto à atuação do vereador. E mais: com ameaça de expulsão” (AgREspE 0600020-54.2021.6.16.0000, Rel. Min. Carlos Horbach, DJE 17. 12. 2021).

Portanto, a situação dos autos difere do caso invocado pelo requerente para fundamentar seu pedido de desfiliação por justa causa.

Para a caracterização da justa causa, deveria ter sido demonstrada uma situação objetiva de discriminação.

Como já decidido pelo TSE “a hipótese de discriminação pessoal que caracteriza justa causa para desfiliação exige a demonstração de fatos certos e determinados que tenham o condão de afastar o mandatário do convívio da agremiação ou revelem situações claras de desprestígio ou perseguição”.

Ação de perda de cargo eletivo. Deputado estadual. Desfiliação partidária. (…) 5. A hipótese de discriminação pessoal que caracteriza justa causa para desfiliação exige a demonstração de fatos certos e determinados que tenham o condão de afastar o mandatário do convívio da agremiação ou revelem situações claras de desprestígio ou perseguição. 6. Fatos posteriores à desfiliação não podem ser invocados como motivo justificador do desligamento, pois óbvio que o motivo não pode ser posterior à consequência. 7. Eventual dificuldade ou resistência da agremiação em lançar o ocupante do cargo como candidato em eleições futuras não é fato suficiente para a aferição de grave discriminação pessoal. 8. A hipótese de mudança substancial do programa partidário, prevista na alínea d do art. 1º da Res.-TSE 22.610/2007, diz respeito, como a própria definição estabelece, à alteração do programa partidário, que, por definição constitucional, tem caráter nacional (CF, art. 17, I). Para a caracterização da hipótese, é necessário que se demonstre o desvio reiterado de diretriz nacional ou de postura que a legenda historicamente tenha adotado sobre tema de natureza político-social relevante. O mero rumor ou discussão sobre a possibilidade futura de alinhamento político com partido de oposição não constitui mudança substancial de diretriz partidária. 9. Eventuais discordâncias locais sobre o posicionamento da agremiação diante da administração de um único município não caracterizam desvirtuamento do programa ou da diretriz partidária, os quais, dada a natureza e circunscrição do cargo em questão, deveriam ter, no mínimo, caráter estadual. Recursos ordinários desprovidos. Ação cautelar improcedente, com revogação da liminar concedida, e respectivo agravo regimental julgado prejudicado.

(Ação Cautelar n. 18578, Acórdão de 13.3.2014, Relator Min. Henrique Neves da Silva, DJE 31.3.2014) Grifei

 

Além disso, conforme julgado acima referido, “Eventual dificuldade ou resistência da agremiação em lançar o ocupante do cargo como candidato em eleições futuras não é fato suficiente para a aferição de grave discriminação pessoal”.

Portanto, o pedido não procede quanto à alegação de ameaça à liberdade para o exercício do mandato eletivo.

 

f) Alteração substancial das diretrizes partidárias, pois concorreu como vereador na vigência do estatuto de 2016, mas em 18.11.2020, após sua eleição, o Presidente Nacional “alterou cores, símbolos e pôs abaixo o que fora solidificado por décadas”, modificando princípios, a temática de simpósios e das vice-presidências exclusivas.

Nesse último ponto, a primeira questão a ser analisada diz com a alegação do PTB de que o estatuto e o programa partidário de 2016 está revogado desde 2018.

A afirmativa do PTB é verdadeira, e o autor sequer se manifestou ou refutou esse argumento.

A ação se fundamenta na mudança substancial entre o estatuto e programa partidário de 2016 e o de 2020, desconsiderando as alterações promovidas em 2018, que sequer foram indicadas na inicial.

Além disso, o partido alega que as mudanças ocorridas em 2020 já constavam do estatuto de 2018, e a Procuradoria Regional Eleitoral confirmou a alegação:

Cotejados os dispositivos listados na inicial, o que se observa é que, com exceção da alteração ocorrida no inciso XI do art. 3º, referente à exclusão do princípio da “humanização dos processos de automação”, e da inclusão dos termos “conservadora e liberal” no inciso III do art. 84, todas as alterações mencionadas pelo autor já estavam em vigor no estatuto partidário aprovado em 2018. E ao contrário do por ele afirmado, o debate previsto no art. 84, III do estatuto não era amplo e irrestrito, mas limitado à temática trabalhista.

É possível observar, ademais, que o programa partidário instituído no ano de 2018 já previa todas as políticas que o autor alega terem sido inseridas em 2020, como, por exemplo: privatização, limitação do estado na oferta de saúde e educação gratuita, além de exploração racional do meio ambiente.

Também aqui, conforme concluiu o Parquet, deve ser considerado que o autor se candidatou ao cargo de Vereador em 2020, quando já estava vigente o estatuto de 2018, contendo em considerável medida, as alterações objeto de seu inconformismo.

Nesse sentido, acompanho o raciocínio ministerial de que “Ainda que se reconheça a modificação no princípio atinente à preocupação com os processos de automação da produção e no conteúdo de simpósios e ciclos de estudos, trata-se de alterações pontuais, alinhadas com as ocorridas em 2018 e insuficientes, por isso, para caracterização de justa causa”.

Não é cabível, desse modo, sustentar que houve uma alteração substancial nas diretrizes do PTB em 2020, no curso do mandato eletivo, seja porque o estatuto de 2016, que fundamenta o pedido, estava revogado, seja porque o estatuto de 2018, que deveria ter sido tomado como paradigma e foi desconsiderado pela inicial, já previa a maioria das alterações impugnadas.

Com essas considerações, diante do caso concreto, não verifico, do exame dos autos, as hipóteses previstas no art. 22-A da Lei n. 9.096/95 para a declaração de justa causa a amparar a desfiliação.

 

Ainda em relação à carta de anuência, igualmente o douto Procurador Eleitoral manifestou-se pela sua invalidade, diante da sua expedição de forma unilateral, sem respaldo no estatuto partidário.

No que diz respeito à mudança substancial e desvio reiterado do programa partidário, o requerente Laércio alegou que, em 2020, houve alterações no estatuto que teriam alterado princípios partidários estabelecidos no art. 3º: suprimiu-se o “sentido nacionalista e democrático” que orientava o “programa de ação social, política e econômica” (III); excluiu-se os princípios da “humanização dos processos de automação” (XI) e a “prevalência dos direitos sociais e coletivos sobre os individuais” (XII); substituiu-se a “democratização da propriedade rural” pela sua mera “proteção” (XIII na versão anterior – X na versão atual) e a “qualificação do ensino” deu lugar à “qualificação para o trabalho”, restringindo-se ainda o “acesso à educação” de modo geral para a “educação básica” (XIV na versão anterior – XI na versão atual); e a “defesa de um meio ambiente qualitativo e ecologicamente equilibrado” foi trocada para uma genérica “proteção ao meio ambiente” (XV na versão anterior – XII na versão atual).

Ainda, Laércio refere que o art. 84 do Estatuto foi alterado para incluir entre as ações do órgão de estudos, pesquisas, doutrinação e educação política do PTB a realização de simpósios, cursos e estudos somente de natureza trabalhista, conservadora e liberal. Também, sustenta que o PTB é contrário ao SUS – Sistema Único de Saúde, e prega que cada cidadão seja responsável por sua saúde e de sua família.

Dessarte, não demonstradas quaisquer das hipóteses que autorizam a desfiliação do requerente dos quadros da agremiação, sem a perda do mandato eletivo (carta de anuência, mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário e grave discriminação política pessoal), inevitável o juízo de improcedência da ação.

Entretanto, como muito bem anotado pela douta Procuradoria Regional Eleitoral, o que se observa é que, com exceção da alteração ocorrida no inc. XI do art. 3º, referente à exclusão do princípio da “humanização dos processos de automação”, e da inclusão dos termos “conservadora e liberal” no inc. III do art. 84, todas as alterações mencionadas pelo vereador autor já estavam em vigor no estatuto partidário aprovado em 2018. E, ao contrário do por ele afirmado, o debate previsto no art. 84, inc. III, do Estatuto não era amplo e irrestrito, mas limitado à temática trabalhista.

Também, já no ano de 2018 estavam previstas no programa partidário todas as políticas que o autor alega terem sido inseridas em 2020, como, por exemplo: privatização, limitação do estado na oferta de saúde e educação gratuita, além de exploração racional do meio ambiente.

Assim, quando o Vereador Laércio se candidatou à vereança no ano de 2020, já vigorava a maior parte das alterações imputadas como ensejadoras da alteração substancial do programa partidário.

No que diz respeito ao pontuado na contestação na ação n. 0600174-97.2022.621.0000, quanto as previsões normativas relacionadas a temas como aborto, intolerância religiosa e descriminalização da maconha, como dito pela Procuradoria Eleitoral, ainda que tais previsões não se encontrassem no Estatuto de 2018, deve-se reconhecer que são mudanças pontuais em relação a temas sobre os quais, entretanto, não se vislumbra o PTB como um partido que atuasse no seu extremo oposto. Ou seja, o partido não se apresentava como um defensor da liberação do uso da maconha, da ampliação das hipóteses legais de aborto ou da restrição ao exercício da religiosidade cristã.

Dessarte, essas alterações estão relacionadas à mudança de costumes, mas não se pode considerar como mudança substancial do programa partidário.

Quanto à alegada grave discriminação pessoal, em face de impedimento de manifestação na Câmara de Vereadores, a agremiação sustentou que ocorreu na legislatura passada, em circunstâncias muito específicas, porque “Laercio só era impedido de ocupar o espaço de liderança do PTB quando votava contra a orientação do partido”, esclarecendo que “quando um projeto vai a votação, em qualquer parlamento, as bancadas designam um parlamentar para expressar a posição da bancada. Fica evidente que, ao contrário da narrativa exposta pelo requerido, esse só era impedido de falar em nome da liderança do governo, ou do partido do prefeito, quando o seu posicionamento era divergente dos seus pares”.

No ponto, colho do parecer da douta Procuradoria Eleitoral:

De fato, a testemunha Eralcido Guilherme Linck (ID 45389827 dos autos nº 0600174-97.2022.621.0000) esclarece que os atos narrados por LAERCIO ocorreram na legislatura anterior às eleições de 2020.

Assim, o Vereador teve oportunidade, diante da janela partidária que se abriu por ocasião das eleições municipais, de buscar uma outra agremiação que lhe proporcionasse mais espaço para expressar suas ideias.

Se não o fez, fica prejudicada a alegação de que vinha sofrendo grave discriminação pessoal, pois fragiliza a narrativa de que o partido vinha cerceando sua expressão política.

Na realidade, como esclarece a testemunha Emilio Millan Neto (ID 45389823 dos autos nº 0600174-97.2022.621.0000) o impedimento à manifestação do Vereador – ocorrido na última, não na atual, legislatura – não expressa uma grave discriminação política pessoal, mas uma reação ao posicionamento contrário do Vereador LAERCIO a projetos que eram do interesse do governo municipal, cujo Prefeito era filiado ao PTB.

Nessas circunstâncias, não nos parece clara a ocorrência de uma grave discriminação pessoal, mas a utilização das prerrogativas dos líderes de governo e de bancada possuem para definir quais parlamentares deverão se pronunciar acerca de um projeto em debate. Evidentemente, a palavra será dada a quem se comprometa a defender o posicionamento ajustado na agremiação ou na base de sustentação do governo, como era o caso.

 

Dessa forma, não há elementos nos autos que possam caracterizar a justa causa de grave  discriminação política pessoal.

Por derradeiro, controverte-se nos autos a possível incidência da justa causa criada pela Emenda Constitucional n. 97/17, prevista no art. 17, § 5º, da Constituição Federal:

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

[…]

§ 5º Ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos no § 3º deste artigo é assegurado o mandato e facultada a filiação, sem perda do mandato, a outro partido que os tenha atingido, não sendo essa filiação considerada para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e de televisão.

 

Como se verifica, o texto é expresso e objetivo ao prever que, ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos no § 3º do mencionado dispositivo, é assegurado o cargo eletivo e facultada a filiação, sem perda do mandato, a outro que os tenha atingido. O texto constitucional não impôs qualquer exigência de justificativa para reconhecer a justa causa, tampouco estabeleceu termo para que os titulares do direito nele veiculado possam ingressar em juízo para obter seu reconhecimento.

Tal circunstância confere ao eleito o direito de avaliar qual cenário lhe parece mais favorável: manter-se na legenda ou migrar para outra agremiação que tenha atendido aos ditames de desempenho previstos no texto constitucional.

E, nesse sentido, são os precedentes dos Tribunais Regionais Eleitorais:

PETIÇÃO – AÇÃO DECLARATÓRIA DE JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA – ART. 17, § 5º DA CF/88. TITULARIDADE. ELEITOS. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. APLICAÇÃO A DEPUTADOS FEDERAIS, DEPUTADOS ESTADUAIS E DISTRITAIS E VEREADORES. REPRESENTATIVIDADE NA CÂMARA DE DEPUTADOS. CRITÉRIO OBJETIVO. CLÁUSULA DE DESEMPENHO. CONFIGURADA - ART.22-A, I E II, DA LEI Nº9.096/97 E RESOLUÇÃO TSE Nº22.610/07 – ALEGAÇÃO DE JUSTA CAUSA EM RAZÃO DE DESVIOS REITERADOS DAS DIRETRIZES PARTIDÁRIAS E GRAVE DISCRIMINAÇÃO POLÍTICA. NÃO CONFIGURAÇÃO – PEDIDO CONTRAPOSTO DE PERDA DO MANDATO ELETIVO POR INFIDELIDADE PARTIDÁRIA ELABORADO PELO PARTIDO. INOCORRÊNCIA DE DESFILIAÇÃO. NÃO CABIMENTO. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.

1. Este Tribunal Regional Eleitoral já firmou entendimento de que o intérprete não pode restringir o alcance da faculdade de migração de partido sem perda de mandato prevista no parágrafo 5º, do artigo 17, da Constituição Federal, pois configuraria afronta ao princípio constitucional da isonomia. Portanto, cabível tanto aos deputados federais quanto aos deputados estaduais e distritais e aos vereadores a mudança de partido sem perda de mandato para outro, desde que a agremiação atenda à cláusula de desempenho (Petição 0600145- 90.2019.6.16.0000 – Londrina–Paraná. Julgado em 30/09/2019. Relator Rogério de Assis). No caso, não tendo o partido ao qual o detentor do mandato de vereador está filiado alcançado a cláusula de barreira, faculta-lhe a mudança de partido, sem a perda de seu mandato.

2. Não configurada, no caso, a discriminação política pessoal, diante do tratamento equânime dado ao requerente aos demais filiados. Não comprovação da alegação de desvios reiterados do programa partidário. Improcedência do pedido de desfiliação partidária sem a perda do mandato por justa causa, fundado no art.22-A, I e II, da LPP.

3.Alegações de afronta ao Estatuto Partidário e descumprimento do dever partidário não comprovadas nos autos. Pedido contraposto de perda do mandato eletivo por infidelidade partidária que carece de interesse de agir, vez que o vereador ainda se encontra filiado ao partido político. Ademais, o artigo 22-A da Lei dos Partidos Políticos e a Resolução TSE nº22.610/07 não legitimam o partido a requerer o mandato eletivo do filiado por atos de infidelidade partidária. Processo julgado extinto sem resolução do mérito, neste ponto, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil.

4.Ação declaratória de justa causa julgada procedente com fundamento no §5º, do artigo 17 da Constituição Federal.

(PETIÇÃO 0603940- 41.2018.6.16.0000 – Ponta Grossa – PARANÁ) (grifo nosso)

 

 

PETIÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE EXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA. PARTIDO QUE NÃO ALCANÇOU A CLÁUSULA DE DESEMPENHO PREVISTA NO ART. 17, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. POSSIBILIDADE DE DESFILIAÇÃO SEM PERDA DO MANDATO. JUSTA CAUSA RECONHECIDA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

1. O art. 17, § 5º, da CRFB, incluído pela E.C. nº 97/2017, inaugurou nova hipótese de justa causa para desfiliação partidária. Aos eleitos por partidos que não superarem índices mínimos de representatividade na Câmara dos Deputados, impostos como condição para acesso a recursos do Fundo Partidário e veiculação de propaganda gratuita no rádio e televisão, é facultada a filiação a outro partido que tenha atingido a denominada cláusula de barreira. 2. O texto constitucional não prevê limitação temporal para exercício da faculdade de desfiliação, razão pela qual não se pode requerer do eleito a observância de qualquer prazo que não esteja positivado na legislação ou sedimentado na jurisprudência.

3. Dispositivo que não restringe sua aplicação aos parlamentares federais. Onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir (Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus).

4. Justa causa reconhecida para que parlamentar eleito nas eleições de 2018 se desfilie de partido que não atingiu os índices de desempenho exigidos, migrando para agremiação que os tenha alcançado.

5. Procedência do pedido. (TRE-AL - PET: 060015153 MACEIÓ - AL, Relator: HERMANN DE ALMEIDA MELO, Data de Julgamento: 19/09/2020, Data de Publicação: DEJEAL - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral de Alagoas, Tomo 175, Data 22/09/2020, Página 17/24)

 

 

Dessarte, a justa causa fundamentada no art. 17, § 5º, da Constituição alcança todos os detentores de mandato proporcional, Deputados Federais, Deputados Estaduais e Distritais e aos Vereadores.

E, na medida em que não estabelecidos outros requisitos pelo texto constitucional, para o exercício do direito, como por exemplo, prazo para a formulação do pedido de desfiliação, não cabe ao intérprete estabelecer critérios que possam restringir a salvaguarda do mandato parlamentar.

O PTB, por sua vez, não atendeu às exigências do § 3º do art. 17 da Constituição Federal, ou seja, não atingiu a composição e a distribuição do percentual mínimo de votos nas eleições 2022, não elegendo bancada mínima para a Câmara dos Deputados.

Entretanto, no caso concreto, LAÉRCIO postulou o exercício da migração partidária ANTES da proclamação do resultado das eleições de 2022, quando se verificou o não atingimento, pelo PTB, da cláusula de desempenho.

Significa dizer, o Vereador LAÉRCIO ingressou com a ação declaratória de justa causa em 27.01.2022 (ID 44905718 – Processo n. 0600024-19.2022.6.21.0000) com o objetivo de concorrer ao cargo de deputado estadual por outra agremiação (PODEMOS).

Nessa medida, não há como se cogitar da incidência da justa causa prevista no art. 17, § 5º, da CF, pois não realizadas, ainda, as eleições em que o PTB teve votação inexpressiva e o afastou das exigências da cláusula de desempenho.

E, nas precisas palavras da douta Procuradoria Eleitoral, “caso esse e. TRE-RS pretenda aplicar a justa causa em debate a LAÉRCIO, ter-se-á um heteróclito emprego da norma, pois estará a resguardar um candidato que, participando das eleições por um partido (PODEMOS), obtém autorização para se desfiliar de outro partido (PTB), pelo qual não concorreu e muito menos foi eleito.”

Em resumo, diante da invalidade da carta de anuência, inexistência de desvio reiterado ou alteração substancial do programa partidário e não ocorrência da grave discriminação política pessoal, ao que se soma a não caracterização da hipótese da justa causa prevista no art. 17, § 5º, da Constituição Federal, tem-se por não justificada a desfiliação partidária realizada por LAÉRCIO.

Portanto, injustificada a sua desfiliação, a consequência é a perda do mandato eletivo.

 

ANTE O EXPOSTO, afasto a matéria preliminar e VOTO no seguinte sentido:

a) pela improcedência da AÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO DE DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA (0600024-19.2022.6.21.0000), revogando-se a tutela de urgência concedida;

b) pela procedência da AÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO (0600174-97.2022.6.21.0000) a fim de decretar a perda do mandato de LAÉRCIO FERNANDES, determinando a execução imediata do presente acórdão, nos termos do art. 10 da Resolução TSE n. 22.610/07.

Comunique-se à Mesa Diretora da Câmara de Vereadores de Canoas para o devido cumprimento, devendo assumir a respectiva cadeira o primeiro suplente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) eleito no pleito de 2020, conforme consta no resultado oficial divulgado pela Justiça Eleitoral.