AJDesCargEle - 0600174-97.2022.6.21.0000 - Divirjo do(a) relator(a) - Sessão: 27/06/2023 às 14:00

voto divergente

desA. eleitoral KALIN COGO RODRIGUES

Inicialmente, registro que estou de pleno acordo com o voto do eminente Relator em relação à rejeição da matéria preliminar.

No mérito, também acompanho o Relator nas soluções envolvendo as alegações de mudança substancial do programa partidário, grave discriminação pessoal e inaplicabilidade ao caso do art. 17, § 6º, da CF/88, referente à cláusula de desempenho partidário.

Entrementes, divirjo do respeitável entendimento exposto quanto aos efeitos conferidos à carta de anuência, pois entendo que o documento é idôneo e eficaz para amparar a pretensão de desfiliação partidária sem perda do mandato.

Não ignoro casos semelhantes julgados por este Tribunal, em que a douta maioria acolheu o mesmo posicionamento ora lançado pelo Relator. Entretanto, considero que o presente caso contém peculiaridades, especialmente a existência de testemunhas que confirmam a emissão da carta de anuência com a aquiescência da comissão executiva nacional à época dos fatos.

O tema, em questão, está atualmente regido pelo § 6º do art. 17 da Constituição Federal, inserido pela EC n. 111, de 28 de setembro 2021, a qual transcrevo:

Art. 17 (…)

§ 6º Os Deputados Federais, os Deputados Estaduais, os Deputados Distritais e os Vereadores que se desligarem do partido pelo qual tenham sido eleitos perderão o mandato, salvo nos casos de anuência do partido ou de outras hipóteses de justa causa estabelecidas em lei, não computada, em qualquer caso, a migração de partido para fins de distribuição de recursos do fundo partidário ou de outros fundos públicos e de acesso gratuito ao rádio e à televisão. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 111, de 2021) Grifei.

 

Conforme o dispositivo constitucional citado, os vereadores e deputados que obtiverem anuência dos respectivos partidos, poderão se desfiliar sem a perda do mandato.

Veja-se que o dispositivo constitucional não estabelece nenhum requisito específico para a elaboração da carta de anuência, do que entendo desnecessária a discussão sobre a chamada “anuência qualificada”, eis que se trata de um documento com efeitos taxativamente previstos e cuja finalidade somente pode ser a aquiescência com a retirada do parlamentar dos quadros partidários sem perda de mandato.

Vale dizer, considerando que é direito constitucional expresso do mandatário de cargo proporcional, a única razão de existir (finalidade) da carta de anuência, fornecida pela agremiação, seria a liberação do filiado com a preservação do seu mandato.

Assim, a desfiliação sem a perda do mandato é decorrência lógica da própria natureza da carta de anuência, motivo pelo qual seria desnecessária a exigência de menção expressa a qualquer formulação textual específica a respeito do assunto.

Na hipótese em tela, o parlamentar apresentou uma carta de anuência, concedida pela então Presidente do Diretório Nacional da agremiação, Graciela Nienov, em 01.12.2021 (ID 45148474 da AJDesCargEle 0600174-97), que, embora sintética, registra a “a expressa anuência quanto à desfiliação do Vereador de Canoas/RS”, sendo suficiente para atrair as consequências da norma constitucional.

Não bastasse, as demandas estão instruídas, ainda, com uma manifestação complementar, expedida em 18.01.2022 (ID 45148475 da AJDesCargEle 0600174-97), na qual a representante máxima do partido político, textualmente, consigna a posição de não utilizar as prerrogativas da Resolução TSE n. 22.610/07 e a anuência com a desfiliação, nos termos do art. 1º da EC n. 111/2021, “não postulando perante a Justiça Eleitoral quanto à desfiliação do Vereador de Canoas/RS, LAÉRCIO FERNANDES”.

Como se verifica, este último documento está em conformidade com o entendimento de que “para aceitar o consentimento do partido como justa causa, a anuência deve ser ‘qualificada’, expressando uma declaração de que o partido não tem interesse no cargo eletivo” (TRE-RS; Petição n 060020554, Acórdão de 05.4.2022, Relator: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, DJE de 11.4.2022).

Ressalta-se que ambos os documentos foram emitidos durante o legítimo exercício do cargo de presidente da agremiação, não havendo elementos concretos pelos quais se possa supor eventual falsidade ou manipulação da prova apresentada.

Em consulta ao Sistema de Gerenciamento de Informação Partidárias da Justiça Eleitoral (SGIP), verifica-se que Graciela Nienov exerceu a presidência do PTB até 11.02.2022.

Diante disso, a jurisprudência tem assentado a legitimidade do presidente do órgão partidário, diante da inerente condição de representante da agremiação, para subscrever carta de anuência com o desligamento de seus filiados:

ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE PERDA DE MANDATO ELETIVO. INFIDELIDADE PARTIDÁRIA. CARTA DE ANUÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO DO ADVOGADO DO PARTIDO POLÍTICO. POSTERIOR RATIFICAÇÃO DA ANUÊNCIA PELO PRESIDENTE DA AGREMIAÇÃO. VALIDADE. PROVIMENTO.

1. Validade da carta de anuência obtida pelo recorrente por meio do advogado do partido do qual se desfiliou (PSD). Inexistência, na hipótese, de conduta praticada pelo PSD voltada a impugnar a validade da referida carta de anuência lavrada pelo procurador da agremiação.

2. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a concordância da agremiação partidária com o desligamento do filiado é apta a permitir a desfiliação sem prejuízo do mandato eletivo. (Pet nº 0601117-75, rel. Min. Rosa Weber, DJe de 17.4.2018).

3. Recurso especial provido para julgar improcedente a Ação de Perda de Mandato Eletivo (AIME) por infidelidade partidária, prejudicado o agravo regimental interposto pelo Ministério Público Eleitoral."

(TSE - Recurso Especial Eleitoral nº 060015033, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Relator designado Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 224, Data 04/11/2020) Grifei.

 

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. AÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. VEREADOR. JUSTA CAUSA. CONCORDÂNCIA DO PARTIDO. REEXAME DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE.SÍNTESE DO CASO

1. O Tribunal de origem julgou improcedente o pedido formulado em ação de perda de cargo eletivo por desfiliação partidária, reconhecendo a justa causa para a desfiliação do vereador, em razão da apresentação de carta de anuência do presidente da Comissão Provisória estadual do partido.2. Nas razões do agravo, reitera-se o argumento de que a Res.-TSE 22.610 não estabelece como justa causa para a desfiliação partidária a apresentação de carta de anuência do partido, razão pela qual não poderia tal instrumento ser utilizado para afastar os efeitos da norma com relação à infidelidade partidária.

ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL

2. Para os mandatos alusivos ao pleito de 2016, o Tribunal reafirmou sua jurisprudência no sentido de que, autorizada a desfiliação pelo próprio partido político,

não há falar em infidelidade partidária a ensejar a perda de cargo eletivo, ressalvando-se a futura reflexão mais verticalizada da matéria em mandatos alusivos a pleitos posteriores. Precedentes: AgR-AI 0600180-68 e AgR-AI 0600166-84, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgados em 4.6.2019 e em 5.9.2019, respectivamente; e AgR-AI 0600157-25, rel. Min. Sérgio Banhos, julgado em 19.9.2019.

3.O Tribunal Regional Eleitoral consignou que a carta de anuência assinada pelo Presidente do órgão estadual do partido e juntada aos autos pelo recorrido é prova hábil e suficiente a justificar desfiliação partidária por justa causa. 5. Para modificar a conclusão do Tribunal a quo, que reconheceu que a carta de renúncia foi devidamente assinada pelo presidente do partido, seria necessário reexaminar as provas dos autos, providência vedada a teor do verbete sumular 24 do TSE.

CONCLUSÃO

Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE - Agravo de Instrumento nº 060014341, Acórdão, Relator Min. Sérgio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 234, Data 05/12/2019) Grifei.

 

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PERDA DE MANDATO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. IMPROCEDÊNCIA. CARTA DE ANUÊNCIA DO PARTIDO POLÍTICO. INSTRUMENTO APTO A DEMONSTRAR A JUSTA CAUSA. SÚMULA Nº 30/TSE. DESPROVIMENTO.

1. A jurisprudência deste Tribunal firmou-se no sentido de que "a concordância da agremiação partidária com o desligamento do filiado é apta a permitir a desfiliação sem prejuízo do mandato eletivo" (AgR-Pet nº 0601117-75/PE, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 17.4.2018).

2. A decisão regional, na qual se assentou que "consta da carta assinada por Luiz Fábio Cherem, como Presidente do PSD em Lavras, e Vice-Presidente do PSD de Minas Gerais, em 3 de abril de 2018: Diante do pedido de desfiliação partidária do Sr. João Paulo Felizardo, protocolado perante o Diretório Municipal do PSD de Lavras nesta data, e ainda, tendo em vista notável existência de discordâncias políticas, partidárias e pessoais intransponíveis, na condição de Presidente do Diretório Municipal do PSD de Lavras e de Vice Presidente do PSD de Minas Gerais, declaro que o Partido Social Democrático autoriza a sua desfiliação a partir desta data. (ID 19474)"(ID nº 10336288), está em harmonia com a orientação adotada no âmbito desta Corte, o que atrai a Súmula nº 30/TSE, óbice igualmente"[...] aplicável aos recursos manejados por afronta a lei"(AgR-AI nº 82-18/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 11.10.2018).

3. Reitera-se que, embora esta Corte, no julgamento do AgR-AI nº 000180-68/MG, já tenha sinalizado a necessidade de se revisitar futuramente o tema examinado, a solução adotada, por segurança jurídica, observa o entendimento posto nos precedentes relativos a mandatos conquistados em 2016.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE - Agravo de Instrumento nº 060016684, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 205, Data 22/10/2019) Grifei.

 

Com o mesmo posicionamento, cito decisão proferida pelo Ministro Luís Roberto Barroso, na Ação Declaratória de Justa Causa de Desfiliação n. 0600766-63.2021.6.00.0000, de 21.12.2021, que julgou procedente a demanda ajuizada por Marcelo Ramos Rodrigues, a partir de carta de anuência assinada pelo presidente do PL. Em seus fundamentos, o Relator indica que o espírito da previsão constitucional da carta de anuência é preservar, tanto quanto possível, a soberania popular diante da incompatibilidade política entre partido e eleito:

Como tive oportunidade de me pronunciar quando do julgamento do REspe 0600150-33.2018.6.13.0000, de minha redatoria, o nosso sistema eleitoral, para os cargos proporcionais, é um sistema eleitoral de lista aberta, ou seja, esse parlamentar que obteve a carta de anuência, depois, durante o processo, obteve a concordância do antigo partido, ele teve mais votos que o seu suplente. Obviamente, dentro do quociente eleitoral e do número de vagas, ele obteve mais votos – é exatamente por isso que o suplente quer tirá-lo da frente. Salvo casos realmente graves, casos que caracterizem a possibilidade da perda do mandato, essa substituição de quem teve mais voto por quem teve menos voto, me parece uma interferência excessiva e um desrespeito à vontade popular, tendo destacado que:

 

"se o partido entende e a pessoa, o eleito, entende que há incompatibilidade política, há incompatibilidade política!

 

Toda a criação do Tribunal Superior Eleitoral, da resolução da fidelidade partidária e das exceções à questão da justa causa, depois referendado pelo Supremo Tribunal Federal, toda a construção foi baseada no fato de que o candidato ao mandato proporcional (vereadores, deputados) se utiliza do partido, do tempo de televisão do partido, se utiliza do Fundo Eleitoral, mas, mais do que isso, ele se utiliza do quociente partidário.

 

Exatamente por isso não se aplica a questão da fidelidade partidária aos cargos majoritários. A questão da fidelidade partidária, para o Tribunal Superior Eleitoral e para Supremo Tribunal Federal, passou a ser entendida como aquele que se utilizou do quociente eleitoral, aquele que se utilizou do cálculo que deu tantas vagas a determinado partido, não pode sair do partido, levando o mandato, sem uma justa causa".

(Relator originário: Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Redator para o acórdão: Ministro Alexandre de Moraes, j. 10/09/2019, Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônica, Tomo 224, Data 04/11/2020).

 

Como se vê, a discussão relativa à possibilidade de a anuência do partido à desfiliação afrontar a soberania do voto não é nova na jurisprudência dessa CORTE SUPERIOR. Contudo, conforme apontam os precedentes, é necessário que se comprove que houve conluio entre as partes com o nítido objetivo de fraudar a vontade popular, o que não ocorreu no presente caso. Nesse sentido: PET 0601117-75/PE, Rel. Min. ROSA WEBER, DJe de 17/4/2018, REspe 64-24/RN, Rel. Min. LUCIANA LÓSSIO, DJe de 6/4/2016 e AgR-PET 898-53/PB, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJe de 12/8/2014.

 

Foi exatamente nesse sentido que o legislador direcionou a questão ao promulgar a Emenda Constitucional 111, de 28 de setembro de 2021, acrescentando o § 6º ao art. 17 da Constituição Federal e incluindo, entre aquelas já previstas na Lei e na própria Constituição, a anuência do Partido como nova hipótese de desligamento do parlamentar titular ocupante de mandato proporcional sem perda de mandato: […].

 

(TSE - AJDesCargEle: 06002475420226000000 MANAUS - AM 060024754, Relator: Min. Alexandre de Moraes, Data de Julgamento: 26/05/2022, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 98)

 

Nessa linha, não se pode esvaziar de efeitos um ato partidário hígido e eficaz, emanado da representante máxima da agremiação e com amparo constitucional para tanto, com aptidão para produzir efeitos perante terceiros de boa-fé ante a adequação extrínseca à Constituição e a ausência de outros vícios aparentes.

Cabe ressaltar que, consoante amplamente divulgado na imprensa, após o afastamento de Roberto Jefferson da presidência do PTB, por decisão dos STF nos autos do Inquérito n. 4.874, vindo a ser substituído por Graciela Nienov, ocorreram diversos embates entre as correntes partidárias antagônicas representadas pelo nome de cada um dos dirigentes.

Tais disputas internas resultaram no ajuizamento, por parte de Graciela Nienov, de um pedido de reintegração de posse da sede do diretório nacional do partido em Brasília, bem como de acessos aos sistemas indispensáveis à gestão partidária.

Nos autos da Petição Cível n. 0600042-25.2022.6.00.0000, em decisão de 21.02.2022, o Ministro Luís Roberto Barroso, então Presidente do TSE, confirmou a validade e a legitimidade da assunção de Graciela Nienov à testa do partido, pois, embora entendendo que a reintegração de posse é matéria estranha à Justiça Eleitoral, concedeu-lhe a renovação das senhas dos sistemas necessários ao exercício de seu cargo:

PETIÇÃO CÍVEL (241)  Nº 0600042-25.2022.6.00.0000 (PJe) - BRASÍLIA - DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO

REQUERENTE: PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB) - NACIONAL

Advogado do(a) REQUERENTE: GUSTAVO MASCARENHAS LACERDA PEDRINA - SP363188-A

DECISÃO:

1. Trata-se da petição (ID 157174972) apresentada em nome do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB. Narra-se que, por decisão do Ministro Alexandre de Moraes, nos autos do Inquérito/STF nº 4.874, o sr. Roberto Jefferson foi afastado da presidência da agremiação por 180 dias (ID 157174974, fls. 2-18), tendo sido substituído definitivamente pela sra. Graciela Nienov, que foi escolhida em Convenção Nacional para exercer o cargo de presidente nacional do PTB até 30.11.2025 (notícia, ID 157174975, fls. 2-9).

2. O partido transcreve o teor de carta assinada por Roberto Jefferson e comunica que, em 31.1.2022, Jefferson Alves, Secretário-Geral do PTB, Rodrigo Santana Valadares, Secretário de Finanças Nacional da agremiação e Graciela Nienov registraram boletim de ocorrência na 2ª Delegacia de Polícia do Distrito Federal, em razão do “recebimento de mensagens com teor intimidatório de pessoas ligadas a Roberto Jefferson” (ID 157174979, fls. 2-4).

3. Acrescenta que “pessoas do grupo político do ex-presidente estão de posse do escritório do Diretório Nacional do Partido, localizado na SEPN, Quadra [504], Bloco A, n. 100, Edifício Ana Carolina, Cobertura”, impedindo o acesso da presidente nacional ao escritório do diretório nacional.

4. Pleiteia: (a) a fim de “resguardar os interesses do PTB e dos seus mandatários legitimamente eleitos”, a suspensão das senhas dos sistemas SGIP, SPCA e FILIA concedidas aos integrantes da anterior gestão e renovação dos códigos de acesso aos participantes da atual gestão; (b) nos termos do art. 560 e seguintes do CPC, a imediata reintegração da posse à Sra. Graciela Nienov do Diretório Nacional do PTB, inclusive com emprego de força policial; e (c) a juntada de documento por meio do qual Graciela Nienov revoga todos os poderes concedidos aos advogados Luiz Gustavo Pereira da Cunha e Thiago França Guimarães, para as devidas providências (ID 157174977, fl. 2), bem como a juntada da procuração ad judicia e extra ao advogado Gustavo Mascarenhas Lacerda Pedrina, OAB/DF nº 69.500 também para as providências cabíveis (ID 157174978).

5. Os autos foram a mim redistribuídos, “por se tratar de procedimento de natureza administrativa dirigido à Presidência do TSE” (ID 157176325).

6. É o relatório. Decido.

7. Nos termos da Informação SEDAP/CPADI/SJD nº 110/2021, prestada nos autos do procedimento SEI nº 2021.00.000010465-5, em 17.11.2021, após pedido de anotação do afastamento de Roberto Jefferson Monteiro Francisco da presidência do PTB e a assunção de Graciela Nienov à presidência do partido, encaminhado através do SGIP, em 27.10.2021, houve (i) o descadastramento do presidente licenciado, Roberto Jefferson Monteiro Francisco, e (i) o cadastramento das senhas de Graciela Nienov, presidente em exercício do PTB nacional, nos sistemas SGIP e FILIA.

8. Nos presentes autos, afirma-se que Graciela Nienov foi eleita presidente da agremiação em Convenção Nacional realizada em 30.11.2021. Alega-se, ainda, que foi impedido o seu acesso à sede do Diretório Nacional da agremiação e, diante desse cenário, requer-se: (i) a suspensão das senhas anteriormente geradas para acesso aos sistemas SGIP, FILIA e SPCA e (ii) a expedição de novos códigos de acesso aos referidos sistemas para a nova diretoria.

9. Ressalta-se que o procedimento de regularização cadastral nos sistemas partidários é de natureza administrativa e deve tramitar no meio próprio designado por este Tribunal, no qual serão examinados os requisitos para acesso a cada um dos sistemas desta Justiça Eleitoral.

10. Do exame do pedido ora apresentado, nota-se que: (i) o requerimento de expedição de novos códigos não é subscrito por Graciela Nienov, atualmente cadastrada nos sistemas SGIP e FILIA; e (ii) não há indicação do endereço eletrônico para o qual deve ser encaminhada a nova senha. Ademais, não há identificação do subscritor da procuração de ID 157174978, o que impossibilita a regularização processual ora requerida. 

11. Quanto ao requerimento no sentido de que se conceda imediata reintegração da posse à Sra. Graciela Nienov do Diretório Nacional do PTB, trata-se de providência que extrapola os limites da atuação administrativa deste Tribunal.

12. Diante do exposto, indefiro os pedidos constantes nos itens b e c da petição de ID 157174972. E, quanto ao pedido constante do item a da referida petição, determino a remessa dos autos à Secretaria Judiciária para: (i) providenciar a juntada do pedido ao SEI nº 2021.00.000010465-5; e (ii) franquear à Graciela Nienov o acesso aos autos no referido sistema, a fim de que anexe naqueles autos requerimento por ela subscrito de cancelamento dos códigos de acesso aos sistemas SGIP, FILIA e SPCA anteriormente enviados e expedição de novos códigos, mediante indicação do novo endereço eletrônico a ser cadastrado para encaminhamento da nova senha e demais comunicações dirigidas à presidente do PTB.

13. Após, arquive-se o presente feito.

Brasília, 3 de fevereiro de 2022.

Ministro Luís Roberto Barroso

Presidente

 

Logo, não há de se duvidar da legitimidade da presidente então em exercício.

Se a carta de anuência restou produzida em contrariedade aos interesses de certo grupo partidário ou com suposto abuso da posição de presidente, deve a dirigente responder internamente por seus atos, em discussão interna corporis à administração partidária, que não está abrangida na competência desta Justiça Especializada.

A despeito da posterior destituição de Graciela Nienov e da abertura de processo administrativo disciplinar, no âmbito do partido político, que culminou em sua expulsão da legenda, não há informações nos autos de que tenha havido uma decisão administrativa ou judicial declarando nulos os atos por ela praticados quando à frente do diretório nacional.

Desse modo, tais atos, quando projetados para o exterior da direção partidária, inclusive diante de eleitores e filiados de boa-fé, devem ser reputados hígidos, válidos e eficazes.

Com esse posicionamento, o seguinte julgado deste Tribunal Regional:

AÇÃO PARA DECRETAÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO. VEREADOR. MATÉRIA PRELIMINAR. IMPOSSIBILIDADE DE INCLUSÃO EM PAUTA DE JULGAMENTO. LEGITIMIDADE DO PRIMEIRO SUPLENTE PARA A INTERPOSIÇÃO DA AÇÃO. INTEMPESTIVIDADE REJEITADA. AÇÃO PROPOSTA DENTRO DO PRAZO. MÉRITO. CARTA DE ANUÊNCIA DE DESFILIAÇÃO CONCEDIDA POR PRESIDENTE DE PARTIDO EM ATO INDIVIDUAL. EXISTÊNCIA DA HIPÓTESE PREVISTA NO ART. 17, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AÇÃO IMPROCEDENTE. 1. [...]. Presunção de validade da referida carta, formalmente perfeita e sem qualquer sinal de que não represente o que nela está escrito. E como todo documento privado, faz prova perante quem o firmou, nos termos do art. 408 do CPC: “As declarações constantes do documento particular escrito e assinado ou somente assinado presumem–se verdadeiras em relação ao signatário”. 4. Cabe aos presidentes das agremiações o dever de representá–las em seus mais importantes atos, como a apresentação de contas, a outorga de instrumento procuratório, o poder de citação para responder em juízo, o poder de nomear delegados perante a Justiça Eleitoral, entre outros. Nesse sentido, a carta firmada pelo presidente do partido representa a vontade da agremiação, salvo prova de má fé ou de algum vício, que não foi provado nos autos. O fato de o vice–presidente da época, mesma pessoa que tornou–se presidente do partido, e de um vogal, afirmarem que não foram convocados para nenhuma reunião, não é argumento suficiente para retirar o poder de representação do presidente, mormente porque o próprio estatuto permite reuniões com quórum reduzido em matérias urgentes. Ademais, eventual desacordo entre dirigentes partidários de instâncias diversas sobre o melhor encaminhamento da hipótese representa questão interna corporis à administração partidária, que refoge da competência deste Justiça Especializada (TSE; AgR–MS 0600327–86, Relator: Ministro Luís Roberto Barroso, DJE de 15.6.2020). 5. Improcedência.

(TRE-RS - AJDesCargEle: 06002762220226210000 PAROBÉ - RS, Relator: Des. Luis Alberto Dazevedo Aurvalle, Data de Julgamento: 24/11/2022, Data de Publicação: Relator designado: Des. CAETANO CUERVO LO PUMO) Grifei.

 

Em relação às normas estatutárias que indicariam a competência colegiada para a decisão sobre a carta de anuência, não observo disposição expressa que estabeleça a competência exclusiva defendido pelo PTB, não o bastando a norma de competência residual ou subsidiária do art. 58 do Estatuto Partidário.

Ora, não se pode limitar a prerrogativa de representação partidária do seu presidente ou mitigar uma regra da Constituição Federal, que expressamente autoriza a desfiliação sem perda do mandato ante o consentimento do partido, sem uma norma clara, inequívoca e específica sobre a aspecto.

De todo modo, durante a instrução dos processos, foram ouvidos em juízo três integrantes da Comissão Executiva Nacional na época dos fatos, Pedro Igor Chaves, Rafaela Armani Duarte e Rodrigo Valadares.

Todos, devidamente juramentados, declararam que as cartas de anuência eram deliberadas e concedidas com aquiescência da Comissão Executiva, sendo assinadas pela Presidente em representação do órgão colegiado.

De seu turno, as testemunhas Maria Rosane da Rosa Fagundes e Vitório Krampe, declararam que “prestam serviços ao PTB Estadual”, sendo duvidosos os seus conhecimentos sobre fatos ocorridos no seio da Executiva Nacional.

Do mesmo modo, Jefferson Oléa Homrich, ouvido como informante, afirmou ser o 1º Secretário de Finanças do Diretório Nacional e negou tenha havido discussão colegiada sobre a carta anuência.

Ocorre que, das anotações no SGIP, observa-se que esse último declarante está designado para a comissão executiva no período de 11.02.2022 a 30.11.2025, ou seja, fora do período em que teriam ocorrido as resoluções sobre a carta de anuência.

Ademais, analisando o Estatuto do PTB, não identifiquei nenhuma norma que estabeleça competência exclusiva de qualquer da esfera para a concessão de carta de anuência.

Mais que isso, identifiquei no § 3º do art. 5º a seguinte norma: A filiação será requerida perante Comissão Executiva Municipal, Estadual e Nacional. Ou seja, todas as esferas participam do processo de filiação.

Importante destacar que Graciela Nienov assina o documento não em nome próprio, mas em nome do Diretório Nacional do partido, órgão máximo da entidade.

Nesse sentido, apresentado o documento constitutivo do direito do vereador trânsfuga, ou seja, a carta de anuência do diretório nacional, subscrita por seu representante, o ônus da prova de eventual fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito, tal como a ausência de deliberação executiva sobre o tema, transfere-se à agremiação, nos termos da distribuição processual do ônus da prova:

Art. 373. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

 

Não se trata de impor à agremiação a produção de uma prova diabólica e negativa, pois os relatos testemunhais destacados poderiam ser infirmados por meio da apresentação de livro de atas ou registros equivalentes, demonstrando a ausência de discussão sobre o presente objeto no período dos fatos.

Por outro lado, trata-se, sim, de prova impossível de ser produzida por aquele que já se desfiliou dos quadros do partido e sequer tem acessos aos registros de suas reuniões e deliberações, mas que recebeu, de boa-fé, o documento representativo da anuência partidária e comportou-se de acordo com a legítima expectativa de direitos ali produzida.

Feitas essas considerações, entendo válida a carta de anuência apresentada por LAÉRCIO FERNANDES, devendo ser considerada como prova de justa causa para sua desfiliação do PTB, nos termos do § 6º do art. 17 da CF.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO por: a) confirmar a tutela provisória deferida e julgar PROCEDENTE a AJDesCargEle 0600024-19.2022.6.21.0000, a fim de declarar a existência de justa causa para a desfiliação de LAÉRCIO FERNANDES do PTB, sem a perda do cargo eletivo, com fundamento no art. 17, § 6º, da CF/88; e b) julgar IMPROCEDENTE a AJDesCargEle 0600174-97.2022.6.21.0000.