PC-PP - 0600166-57.2021.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/06/2023 às 09:30

VOTO

Cuida-se de prestação de contas do Diretório Estadual do PARTIDO SOCIAL CRISTÃO (PSC) e seus responsáveis, relativamente ao exercício financeiro de 2020.

A Secretaria de Auditoria Interna (SAI) deste Tribunal, examinando a contabilidade, apontou irregularidades concernentes ao recebimento de recursos de fonte vedada e à aplicação de recursos do Fundo Partidário (ID 45146922).

Passo ao exame das falhas relatadas.

1. Do recebimento de recursos de fonte vedada – pessoa jurídica.

A unidade técnica relata o aporte, em uma das contas bancárias da agremiação, de R$ 500,00, provenientes de pessoa jurídica, em parecer assim vazado:

No decorrer do exame das contas, examinados os extratos bancários eletrônicos disponibilizados pelo TSE e a documentação apresentada no processo, foram identificadas irregularidades no recebimento de recursos de fontes vedadas, conforme previsto nos arts. 12 e 36, inciso III, da Resolução TSE 23.604/2019 e art. 31, incisos I a IV, da Lei 9.096/1995:

2.1 No item 3 do Relatório de Exame das Contas, com base nos extratos bancários eletrônicos, apontou-se recebimento de doação de pessoa jurídica:

O partido não se manifestou, assim mantém-se o posicionamento técnico sobre a irregularidade identificada.

Com efeito, assim dispõe o art. 12, inc. II, da Resolução TSE n. 23.604/19:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(...).

II - entes públicos e pessoas jurídicas de qualquer natureza, ressalvadas as dotações orçamentárias do Fundo Partidário e do FEFC;

Entrementes, visualizando-se o extrato da conta bancária do partido (ID 45001987, fl. 14-15), ressai nítido que esse crédito, oriundo de Átrio Hotéis S.A., por via de TED no dia 30.9.2020, corresponde à devolução de valor anteriormente transferido àquela empresa, no dia 14.9.2020, também mediante TED:

Compulsando os autos, não foi localizado registro de gasto ou nota fiscal, de modo que o estorno ocorrido se mostra justificado.

Logo, em realidade, ocorreu uma devolução/restituição de valores, com retorno da situação patrimonial ao status quo ante, e não uma efetiva doação, presumivelmente em razão de contratação não aperfeiçoada ou serviços não prestados.

Desse modo, deve ser afastada a proposta de glosa.

 

2. Do recebimento de recursos de fonte vedada – doações oriundas de ocupantes de cargo/função pública não filiados ao PSC.

A SAI apontou que o partido recebeu doações, no total de R$ 250,00, oriundas de ocupantes de função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, não filiados à respectiva legenda:

2.2 No item 4 do Relatório de Exame das Contas, com base na análise dos extratos bancários eletrônicos, apontou-se a existência de contribuições de pessoas físicas não filiadas ao partido político em exame, e, por meio de diligências a órgãos públicos (ofícios em anexo), foi possível identificar tratarem-se de pessoas físicas que exerceram função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário no exercício de 2020, os quais se enquadram na vedação prevista no art. 12 da Resolução TSE 23.604/2019 e art. 31, inc. V, da Lei 9.096/1995, conforme tabela abaixo:

O partido não se manifestou, assim mantém-se o posicionamento técnico sobre as irregularidades identificadas.

A percepção, pelo partido político, de recursos oriundos de tais fontes é expressamente vedada pelo art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, in verbis:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…).

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

 

Nos mesmos termos, a Resolução TSE n. 23.604/19 assim prescreve:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…).

IV – autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se autoridades públicas, para fins do inciso IV do caput, pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

 

Logo, como regra, o partido político é proibido de receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário.

Note-se, porém, que, na parte final do inc. V do art. 31 da Lei n. 9.096/95, é estabelecida uma exceção à vedação, que, justamente por se tratar de uma salvaguarda, deve ser interpretada restritivamente, no sentido de, “quando o doador for pessoa filiada ao partido político beneficiário da doação”, a operação será lícita.

Esse é o entendimento adotado por esta Corte, conforme resposta apresentada à Consulta n. 0600076-83.2020.6.21.0000, de relatoria do Des. Eleitoral Roberto Carvalho Fraga, julgada em 08.6.2020, na qual questionada a licitude de doações oriundas de filiados à agremiação diversa daquela destinatária dos recursos, proferida nos seguintes termos:

(…). Nos termos do inc. V do art. 31 da Lei n. 9.096/95, somente é permitida a doação a partido político por parte de pessoa que exerça função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, quando o doador for pessoa filiada ao partido político beneficiário da doação.

No presente caso, porém, consoante informação prestada pela SAI, Kallebe Emmanuel Bellinaso Soares e Thayane Riela Sant Anna ocupavam, no período das doações, os cargos/funções de assessor parlamentar de gabinete e supervisora de gabinete parlamentar, respectivamente, e não eram filiados ao PSC.

De fato, consultando-se os registros do Sistema de Filiação Partidária em relação aos referidos eleitores, consta que não eram filiados a qualquer partido político na época das doações, como também não possuem vínculo atual com o PSC ou qualquer outro partido.

Assim, considera-se como de fonte vedada a importância de R$ 250,00, a qual deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.604/19, litteris:

Art. 14. O recebimento direto ou indireto dos recursos previstos no art. 13 sujeita o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias de que trata o art. 6º, sendo vedada a devolução ao doador originário.

§ 1º O disposto no caput também se aplica aos recursos provenientes de fontes vedadas que não tenham sido estornados no prazo previsto no § 5º do art. 11, os quais devem, nessa hipótese, ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

 

3. Aplicação Irregular de Recursos do Fundo Partidário, por falta de comprovação.

Em seu laudo conclusivo (ID 45001771), a SAI apontou os seguintes dispêndios sem comprovação:

1. Da análise dos documentos apresentados para comprovação dos gastos com recursos do Fundo Partidário efetuados na conta n. 1142941, agência 3530 do Banco do Brasil, observou-se ausência de documentação comprobatória de gastos, como também documentação fiscal em desacordo com o art. 18 e art. 29, § 2º, VI, combinados com o art. 36, § 2º, todos da Resolução TSE 23.604/2019, no total de R$ 7.873,28, abaixo relacionados:

Analisando-se os gastos efetuados nos itens 1 e 2, mediante observação dos IDs anotados, vê-se que os documentos sob IDs 43545933 e 43542333 tratam de despesa contratada com Safeweb Segurança da Informação Ltda., CNPJ n. 01.579.288/0001-74, pagas por meio de empresa de intermediação, Safetopay Intermediação de Negócios Ltda, CNPJ n. 31.037.942/0001-78.

A irregularidade indicada foi “ausência de documentação fiscal comprobatória do gasto com descrição detalhada e comprovação da entrega do produto ou realização do serviço. Ausência de comprovação do beneficiário do pagamento”.

Os documentos juntados demonstram o pagamento dos boletos bancários, não havendo que se falar em ausência de comprovação do beneficiário do pagamento.

Contudo, levando-se em conta a informação do órgão técnico, estão ausentes documentos que evidenciem o gasto, como documento fiscal, contrato, ou outro equivalente, com as especificações requeridas pelo art. 18 da Resolução TSE n. 23.604/19, razão pela qual devem ser glosados.

No que tange ao item 3 da tabela, envolvendo o gasto de R$ 1.980,25 com aluguel de imóvel, em que a falha apontada consiste na “ausência de comprovação do pagamento”, analisando-se o documento juntado ao ID 43543683, percebe-se que o pagamento foi demonstrado por boleto bancário e respectivo comprovante de pagamento ao fornecedor Freire Consultoria Imobiliária Ltda., o que também é confirmado pelo extrato bancário da conta partidária (ID 45001987, fl. 2):

Assim, entendo pelo afastamento da irregularidade em questão, porque não se observa qualquer falha na comprovação do pagamento realizado.

Em sequência, nos itens 4, 5 e 6, o órgão técnico atestou a existência de três gastos de R$ 500,00, dois no dia 09.10.2020 e um em 16.10.2020, em que houve “ausência de documentação fiscal comprobatória do gasto com descrição detalhada e comprovação da entrega do produto ou realização do serviço. Ausência de comprovação do beneficiário do pagamento”.

Efetivamente, considerando não ter havido a apresentação dos respectivos documentos fiscais e nem a apresentação de outros documentos subsidiários, tais valores despendidos devem ser glosados por ausência de comprovação documental.

Da mesma forma, relativamente ao item 7 da tabela, que registra a despesa de R$ 1.500,00 (ID 43542283), efetuada, segundo a nota fiscal, com Comercial Três Figueiras Ltda, CNPJ n. 01.592.796/0001-44, foi apontada “ausência de comprovação do pagamento do gasto. O fornecedor não é o beneficiário do pagamento”.

Deveras, tendo em vista a inexistência de lançamento de débito no extrato bancário ao emissor da nota fiscal e da falta de devido esclarecimento pela agremiação, o dispêndio, que teria sido pago a Sandro Carvalho Pereira, pessoa física, deve ser glosado.

De seu turno, o item 8 da tabela refere-se ao gasto com 3º Registro de Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas (ID 43542083), no montante de R$ 297,03, atinente a pagamento de registro de pessoa jurídica, exame de documentos, selos e certidões, foi indicada falta de “comprovação da vinculação do gasto às atividades partidárias (art. 36, § 2º). Ausência de comprovação do pagamento (art. 18, § 4º)”.

O apontamento não subsiste, tendo em vista que o partido político é pessoa jurídica de direito privado que deve anotar seus atos constitutivos e modificações posteriores no cartório competente de Registro Civil do local de sua sede (art. 8ª da Lei n. 9.096/97 e art. 10, caput, da Resolução TSE n. 23.571/18).

Assim, os serviços cartorários referidos estão plenamente vinculados à existência e às obrigações legais do órgão partidário, bem como estão comprovados por documento fiscal (ID 43542083), e o extrato bancário registra o pagamento do valor ao serviço notarial, mediante cheque, na data de 09.9.2020, depositado à conta bancária do fornecedor (ID 45001987, fl. 5):

Dessa forma, afasto a indicação de irregularidade em relação ao item 8 da tabela.

No item 9, houve também o apontamento de gasto, em 13.10.2020, de R$ 48,00, sobre o qual a tabela elaborada pela unidade técnica não assinala o nome do fornecedor, o CPF ou CNPJ nem o ID do documento que comprovaria o gasto.

Com efeito, no ID 45001987, fl. 6, o extrato bancário registra o débito referente à boleto bancário emitido pelo Banrisul, no valor de R$ 48,00, em 13.10.2020, sem outras informações sobre o gasto.

Por sua vez, o extrato de ID 43545383, anota que o pagamento envolveu a Prefeitura Municipal de Canoas, dado isolado que, por si, não demonstra a natureza e regularidade da despesa e nem a sua vinculação às atividades partidárias.

Nesse passo, ante a ausência de esclarecimentos e documentos comprobatórios, deve ser mantida a glosa em relação à aludida despesa no valor de R$ 48,00.

De outra parte, no tocante ao item 10 da tabela, pertinente ao dispêndio de R$ 2.088,00, pago a Rimar Empreendimentos Ltda, CNPJ n. 22.018.257/0001-03 (ID 43542133), não há irregularidade a ser glosada.

A SAI indica que o “documento apresentado não possui descrição detalhada do serviço contratado. Não há comprovação da efetiva prestação do serviço (art. 36,§ 2º)”.

Examinando-se a nota fiscal eletrônica apresentada, verifica-se que se refere a “serviços de apoio a convenção partidária (segurança e recepção)”, sendo lançado o código de serviço “11.02 – vigilância, segurança ou monitoramento de bens e pessoas”, de sorte que o objeto contratado está suficientemente descrito e a contratação devidamente comprovado por documento fiscal, na exata forma do art. 18, caput, da Resolução TSE n. 23.604/19, tendo por objeto serviço relacionado à reunião partidária.

Por derradeiro, o exame técnico indicou que o partido empregou verbas do Fundo Partidário para pagamento de juros, multas e/ou encargos, na quantia global de R$ 45,36, assim especificados:

Dispõe o art. 17, § 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19, verbis:

Art. 17. Constituem gastos partidários todos os custos e despesas utilizadas pelo órgão do partido político para a sua manutenção e para a consecução de seus objetivos e programas.

(…)

§ 2º Os recursos do Fundo Partidário não podem ser utilizados para a quitação de multas relativas a atos infracionais, ilícitos penais, administrativos ou eleitorais ou para a quitação de encargos decorrentes de inadimplência de pagamentos, tais como multa de mora, atualização monetária ou juros.

Desse modo, impõe-se sejam considerados irregulares tais gastos com quitação de multa, juros e encargos, no valor de R$ 45,36.

Destarte, não houve comprovação da regular utilização de recursos do Fundo Partidário no total de R$ 3.553,36 (R$ 230,00 + R$ 230,00 + R$ 1.500,00 + R$ 48,00 + R$ 1.500,00 + R$ 45,36), montante esse que deve ser restituído ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 58, § 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19:

Art. 58. (…).

§ 2º Caso constatada impropriedade ou irregularidade na aplicação dos recursos do Fundo Partidário, do Fundo Especial de Financiamento de Campanha ou no recebimento dos recursos de que tratam os arts. 12 e 13, o órgão partidário e seus responsáveis devem ser notificados para fins de devolução ao erário, se já não houver sido demonstrada a sua realização.

Do Julgamento das Contas.

Assim, as irregularidades constatadas alcançam a quantia de R$ 3.803,36 (R$ 250,00 + R$ 3.553,36), que representa apenas 4,2% do total arrecadado (R$ 89.288,99), autorizando a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas, conforme entendimento consolidado desta Corte.

Ainda, deve ser comandado o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, sendo R$ 250,00 por recebimento de recurso de fonte vedada (art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.604/19) e R$ 3.553,36 decorrente de irregularidades nos gastos com recursos do Fundo Partidário (art. 58, § 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19).

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas do DIRETÓRIO ESTADUAL DO PARTIDO SOCIAL CRISTÃO (PSC), relativas ao exercício de 2020, e por determinar ao partido político o recolhimento ao Tesouro Nacional de R$ 250,00 por recebimento de recurso de fonte vedada (art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.604/19) e R$ 3.553,36 por irregularidades nos gastos com recursos do Fundo Partidário (art. 58, § 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19), totalizando R$ 3.803,36.